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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
O Dr. A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho da Secretária para a Administração e Justiça, de 24 de Junho de 2005, que aplicou ao recorrente a pena de cassação da licença de notário privado.
Por acórdão de 9 de Março de 2006, o Tribunal de Segunda Instância, (TSI) deu parcial provimento ao recurso, anulando o acto administrativo com base num dos fundamentos, mas negando provimento aos restantes fundamentos invocados pelo recorrente.
Inconformadas, interpõem ambas as partes recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI).
O Dr. A termina a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões:

   Não constam do texto do acórdão ora recorrido os vícios que foram alegados pelo ora recorrente no seu recurso contencioso, com excepção da assacada dupla valoração referente à circunstância agravante contemplada na alínea j) do artigo 283.º do ETAPM.

   Também não estão especificados, vá lá saber-se por que razão, os fundamentos que nortearam aquele recurso contencioso.

   Da sentença recorrida consta apenas os pedidos formulados na petição de recurso, sendo que nem sequer foram transcritas, ao contrário do que o próprio texto do acórdão recorrido poderia fazer crer as conclusões das alegações de recurso apresentadas pelo recorrente no dia 17/01/2006, critério que não foi seguido no tocante às contra-alegações de recurso deduzidas pela entidade recorrida na medida em que, como já se disse, as respectivas conclusões estão plenamente reproduzidas no texto do referido acórdão.

   Assim o tribunal recorrido nessa parte, salvo o devido respeito, não assegurou um estatuto de igualdade substancial das partes, violando assim o artigo 4.º do Código de Processo Civil (CPC).

   Resulta assim claro no acórdão recorrido que o TSI deixou de se pronunciar sobre questões que tinha necessariamente que apreciar, designadamente os vícios de forma e de lei invocados pelo ora recorrente, ou, não especificou como estava obrigado os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão que adoptou.

   Assim é nulo o acórdão recorrido nos termos do artigo 571.º, n.º 1, als. b) e d), do CPC., na medida em que o TSI não se pronunciou sobre questões concretamente postas pelo recorrente ao Tribunal recorrido, as quais teriam inevitavelmente que ter sido decididas, bem como, proferiu um acórdão inquinado de carência factual e legal de fundamentação, no qual se verifica falta absoluta de motivação.

   Por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que o recorrente não praticou qualquer infracção disciplinar, enfermando o acto punitivo, ao contrário do que poderá deixar transparecer a decisão recorrida, de vícios de forma e de lei.

   Imputa o ora recorrente ao acto punitivo, antes de mais, um vício de forma consubstanciado na não audição do mesmo após a realização das diligências complementares de prova ordenadas pelo Sr. Instrutor, com ofensa do dever de audiência e do princípio do contraditório.

   Aplicando-se assim a regra geral da audiência prévia do interessado antes da decisão final em procedimento administrativo, mormente de natureza sancionatório, vigente em qualquer procedimento administrativo de que o respectivo processo disciplinar faz parte.
10ª
   Dispõe efectivamente o artigo 93.º, n.º 1, do actual CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro, que " (...) concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta", norma essa que, ao fim ao cabo, consagra o princípio do contraditório vigente em qualquer tipo de processo administrativo "lato sensu".
11ª
   Omitida a audiência pessoal do ora recorrente no respectivo processo disciplinar após a realização das diligências de prova complementares na fase de instrução do processo e antes da elaboração do relatório pelo Sr. Instrutor, e enquanto aquele chegou a apresentar tempestivamente a sua resposta escrita à acusação então contra ele formulada, é de anular todo o processado anterior do processo a partir do momento em que se preteriu tal audiência prévia, por se tratar, nestas precisas circunstâncias, de uma nulidade insuprível nos termos do artigo 298.º, n.º 1, parte inicial, do ETAPM, interpretado em necessária conjugação com os seus artigos 329.º, nos. 1 e 3, e 334.º, n.º 4.
12ª
   Sendo de sublinhar que, nos termos do artigo 21.º do Estatuto dos Notários Privados, "são subsidiariamente aplicáveis aos notários privados as disposições sobre o regime disciplinar dos trabalhadores da Administração Pública".
13ª
   Dispõe o artigo 298.º, n.º 1, do ETAPM, que é insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do arguido bem como a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade; sendo equiparada à nulidade acima referida a falta de audiência, na fase de defesa, das testemunhas indicadas pelo arguido, nos termos do disposto no artigo 335.º do mesmo diploma (artigo 298.º, n.º 2, do ETAPM).
14ª
   Importava sobremaneira saber se o recorrente se inteirou pessoalmente junto daquele Conservador de que efectivamente a concessão do terreno em causa (prédio n.º XXXXX) era definitiva, de que as respectivas inscrições registrais encontravam-se em vigor, em suma, de que o referido terreno poderia ser objecto de transmissão; ou seja, de que teria esta testemunha confirmado perante o recorrente de que todos esses factos eram verdadeiros, certificando, em suma, que o terreno em causa era transmissível a favor de terceiro de acordo com as inscrições registrais em vigor.
15ª
   Constatando-se que a testemunha em causa não foi inquirida rigorosamente sobre nada do requerido pelo recorrente, constata-se que estamos, em bom rigor, perante uma situação de falta de audiência de testemunha indicada pelo arguido nos termos do disposto no artigo 335.º do ETAPM; ou, se quisermos, de omissão de uma diligência essencial para a descoberta da verdade.
16ª
   Conclui-se assim, de igual modo, pela existência de uma nulidade insuprível, prevista no artigo 298.º, n.º 2, do ETAPM, resultante da falta de audiência, na fase de defesa, de testemunha indicada pelo recorrente nos termos do disposto no artigo 335.º do mesmo diploma; ou, se quisermos, resultante de omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade (artigo 298.º, n.º 1, do ETAPM).
17ª
   Nulidade insuprível que conduz consequentemente à anulação de todo o processado anterior feito no processo disciplinar em causa, a partir do momento em que se omitiu tal audiência da testemunha ou de diligência essencial.
18ª
   Por outro lado, a não junção tempestiva do documento em causa configura, sem sombra de dúvidas, uma omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade (artigo 298.º, n.º 1, do ETAPM), o que, desde já, se invoca para todos os efeitos legais, constituindo essa omissão, a exemplo da anterior, nulidade insuprível que conduz consequentemente à anulação de todo o processado anterior nos termos acima referidos.
19ª
   São assim totalmente destituídas de qualquer sentido, salvo o devido respeito, as alegações promovidas pelo MP, atendendo que a legislação aplicável ao caso sub judice constante do ETAPM, em particular o artigo 329.º, n.º 3, prevê expressamente que a audiência do recorrente a jusante da fase da instrução, tal como ela definida no artigo 329.º, n.º 1 daquele diploma, após a realização de diligências de prova complementares e antes da elaboração do relatório final a que se refere o artigo 337.º, n.º 1, seria sempre obrigatória, não sendo de aplicar o disposto no artigo 334.º, n.º 4, daquele diploma.
20ª
   Bem como, a audiência do ora recorrente era absolutamente necessária à luz das disposições normativas aplicáveis, em cumprimento do dever de audiência e do princípio do contraditório, sendo que a instrução do processo, tal como é definida pelo artigo 329.º, n.º 1 daquele diploma, estende-se no tempo para além da própria acusação em caso de haver lugar a diligências complementares de prova.
21ª
   Em conclusão, é de anular todo o processado a partir do momento em que se preteriu tal audiência prévia do arguido, por se tratar, nestas precisas circunstâncias, de uma nulidade insuprível nos termos do artigo 298.º, n.º 1, parte inicial, do ETAPM, interpretado em necessária conjugação com os seus artigos 329.º, nos. 1 e 3, e 334.º, n.º 4, do ETAPM.
22ª
   Por outro lado, a não junção tempestiva do documento em causa configura, sem sombra de dúvidas, uma omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade (artigo 298.º, n.º 1, do ETAPM), o que, desde já, se invoca para todos os efeitos legais, constituindo essa omissão, a exemplo da anterior, nulidade insuprível que conduz consequentemente à anulação de todo o processado anterior nos termos acima referidos.
23ª
   A acusação, acto administrativo e o acórdão recorrido de que se recorre enfermam de erro de direito, resultante de uma incorrecta aplicação e interpretação do disposto no art.º 254.º do C. Civil.
24ª
   Porquanto, não obstante ter-se lavrado uma escritura de rectificação, a procuração conferida por B a C, outorgada pela Notária privada, Dra. D, estava redigida em termos que não deveriam ter tido como consequência a efectuação do registo provisório por dúvidas, da transmissão titulada pela escritura em causa.
25ª
   De facto, nos termos da parte final do n.° 1 do art.º 254.º do C. Civil, aquela procuração sempre permitiria a outorga da escritura nos termos em que foi lavrada, porquanto o negócio realizado excluía "... por sua natureza a possibilidade de um conflito de interesses".
26ª
   Por outro lado, sendo a consequência daquela eventual irregularidade a anulabilidade do negócio, entende o recorrente, também, que o registo da transmissão não poderia ter sido lavrado provisório por dúvidas. – n.° 1 do art.º 280.º do C. Civil.
27ª
   Em suma, o registo da transmissão não deveria ter sido lavrado provisório por dúvidas porquanto, desconhecendo o Sr. Conservador quais os termos em que a pretensa procuração estava redigida, nunca deveria ter-se substituído ao eventual interessado no negócio, no caso, o pretenso B.
28ª
   O facto de ter sido lavrada escritura de rectificação não significa que o recorrente tenha cometido qualquer irregularidade ou que tenha concordado com a posição assumida pelo Sr. Conservador do Registo Predial.
29ª
   O acto administrativo recorrido padece ainda de erro de direito, resultante de uma incorrecta aplicação e interpretação do disposto no art.º 5°, n.º 1, do CN.
30ª
   Porquanto, a acta da sociedade designa um representante da sociedade para outorgar uma escritura de rectificação de uma outra escritura, sendo que o objecto desta está claramente definido.
31ª
   Esta actuação enquadra-se perfeitamente nos poderes de gerência da sociedade cujo objecto é a administração e o fomento predial e a explicitação da necessidade de rectificação da escritura original consta claramente da escritura para que a sociedade designou um representante.
32ª
   Mesmo que se estivesse "perante o vício formal da falta de mandato", o que se admite sem conceder, tratar-se-ia efectivamente de um falso problema, pois, entrar-se-ia no âmbito do instituto da "gestão de negócios", uma questão que diz respeito, tão-somente, ao gestor e ao dono do negócio.
33ª
   Actuou bem o Sr. Conservador do Registo Predial, ao converter em definitivo o registo do direito de propriedade da sociedade compradora, operado pela escritura de rectificação de 10/12/2004.
34ª
   O acto recorrido e o procedimento disciplinar que lhe serve de base consubstancia ainda uma errada subsunção jurídica da conduta praticada pelo recorrente ao considerar que o recorrente intencionalmente não exigiu do outorgante vendedor nas escrituras do terreno em causa a certidão da escritura comprovativa da titularidade do imóvel nem, em alternativa, solicitou cópia dessa escritura à DSAJ.
35ª
   O recorrente, em cumprimento ofício-circular n.° XX/XXXX/XXX/XXXX, procurou obter tal escritura, tendo solicitado pessoalmente ao representante do vendedor, que o informou de que não dispunha de tal escritura.
36ª
   Também solicitou a um seu funcionário tal diligência junto do Serviço de Notariado da DSAJ, tendo obtido como informação que a DSAJ não dispunha de cópia da escritura e o recorrente estranha o facto de tal solicitação não constar do respectivo Serviço de Notariado.
37ª
   Apesar de não ter havido apresentação da certidão da escritura comprovativa da titularidade do imóvel, nenhuma ilegalidade foi detectada nesta escritura de compra e venda, no que concerne, nomeadamente, ao vendedor B e à sua titularidade como proprietário do objecto da venda.
38ª
   A escritura de compra e venda do terreno da propriedade de B não padece de vícios, do ponto de vista formal e substancial.
39ª
   Resulta assim que o acto recorrido e o parecer o Ministério Público que lhe serve de base consubstancial padecem de uma errada subsunção jurídica da conduta praticada pelo recorrente.
40ª
   Ao recorrente afigura-se a necessidade de não só reiterar tudo quanto afirmou quanto à situação registral do terreno descrito sob o n.º XXXXX, como também tecer alguns comentários à forma como a entidade recorrida, com manifesta má-fé e movida, talvez, de um espírito persecutório que deveria evitar, interpreta o depoimento da testemunha do recorrente, o Sr. Conservador do Registo Predial, E, interpretação que, salvo o devido respeito, extrapola o respectivo conteúdo e sentido.
41ª
   O Sr. Conservador como testemunha teve o documento na sua posse, inteirando-se do objecto da escritura, e dele retirou os dados necessários à pesquisa que, na presença do recorrente, fez no sistema informático da Conservatória, concluindo, muito embora não tenha consultado "qualquer legislação", não só porque era esta a sua opinião em relação à situação registral de terrenos concessionados inicialmente ao abrigo do Diploma Legislativo n.° 651, de 03.02.40 - o que expressamente vincou, mantendo ainda hoje a mesma opinião - mas também porque da descrição predial nada constava que o impedisse, que a escritura em questão era fazível.
42ª
   Na opinião da testemunha as concessões feitas ao abrigo da legislação anterior nunca eram provisórias, pelo que, de uma inscrição feita em 1961, nunca poderia constar a sua provisoriedade (tratava-se de um conceito à data inexistente!) .
43ª
   Bem pelo contrário, como bem realçou a testemunha, as concessões feitas ao abrigo da legislação anterior nunca eram provisórias, pelo que, de uma inscrição feita em 1961, nunca poderia constar a sua provisoriedade (tratava-se de um conceito à data inexistente!).
44ª
   A opinião dada pela testemunha ao recorrente, não o foi de ânimo leve - ao contrário do que a entidade recorrida procura fazer passar - mas uma opinião de um técnico com larga experiência no registo predial, baseada na interpretação que faz do regime das concessões de terrenos, havendo sucessão de leis no tempo, opinião que ainda hoje mantém, não obstante ter sido punido disciplinarmente pelos mesmos factos ora em apreço por, alegadamente, "errada decisão de direito".
45ª
   Ao contrário do que a entidade recorrida afirma, a concessão em causa era definitiva, como definitivas eram todas as concessões feitas ao abrigo daquele Diploma Legislativo n.º 651, afigurando-se errada ao recorrente a interpretação que a entidade recorrida ao afirmar que "acordo com a lei anterior, todas as inscrições eram provisórias por natureza (porque não estava prevista na lei a figura da concessão definitiva) ".
46ª
   Finalmente e no que tange, ainda, ao depoimento do Sr. Conservador, não pode o recorrente deixar de realçar a forma insistente como a entidade recorrida se refere ao facto de a testemunha em causa ter afirmado "que não consultou os Livros da Conservatória", que não viu "o registo no Livro original", que não fez a "consulta do Livro original", que não teve tempo "para conferir os livros", que "não teve o conservador do registo presente que estava perante uma transcrição em suporte informático de um registo efectuado em Livro".
47ª
   Se a entidade recorrida tivesse presente o depoimento do Sr. Conservador prestado nos autos (gravação consta dos autos), então, saberia que o que consta do sistema informático é o mesmo que consta dos Livros do registo.
48ª
   Há um facto, de extrema gravidade, que a entidade recorrida, procura escamotear: se administração tivesse procedido, como lhe competia, ao averbamento à descrição predial n.º XXXXX, da caducidade da concessão do terreno a favor de F, já não se levantaria a questão ora em apreço, ou seja, se a concessão do terreno era provisória ou definitiva, nem tampouco teria sido outorgada a escritura.
49ª
   A escritura em questão foi instruída com um documento autêntico, uma certidão emitida pela competente Conservatória do Registo Predial (art.º 363.º do C.C.); e os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que neles são atestados (art.º 365.º n.° 1 do C.C.).
50ª
   Por outro lado, o art.º 7.º do C. Registo Predial estabelece uma presunção de verdade, ao dispor que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
51ª
   Também, os factos sujeitos a registo só se extinguem por caducidade ou cancelamento (art.º 11º do C. Registo Predial).
52ª
   Para o recorrente, os factos constantes da certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial eram verdadeiros e exactos e vigoravam à data em que foi lavrada a escritura em causa.
53ª
   Ao recorrente afigura-se que não assiste à entidade recorrida razão quando invoca a provisoriedade da concessão (como vimos, caducada!).
54ª
   De facto, atenta a escritura de concessão por arrendamento do terreno em causa a favor de F, verifica-se que tal arrendamento foi feito ao abrigo das disposições previstas no Diploma Legislativo n.º 651, de 3 de Fevereiro de 1940.
55ª
   Deste diploma legal não constava, como hoje, a diferença entre concessões provisórias e concessões definitivas, mas, tão somente, a adjudicação provisória, prévia ao contrato, e o arrendamento (sempre definitivo) sujeito ao respectivo registo (cfr. art.os 61.° e segs. do citado diploma legal), disposições que a entidade recorrida pretende ignorar. Ou seja, sempre que uma concessão era passada a registo, no âmbito da legislação ao abrigo da qual o terreno foi concedido a F, tal situação correspondia a um arrendamento definitivo.
56ª
   O registo da concessão por arrendamento a favor de F era, pois, definitivo, à data em que entrou em vigor a actual Lei de Terras (Lei n.° 6/80/M de 5/7).
57ª
   Nos termos desta lei, os concessionários de arrendamentos definitivos em vigor - e, em 5 de Julho de 1980, a concessão do terreno em causa ainda não havia caducado - deveriam declarar se desejariam que os respectivos arrendamentos se continuassem a reger pela legislação anterior ou se pretenderiam optar pela actual lei. A falta desta declaração equivaleria a uma opção pela lei actual. Foi o que aconteceu em relação à concessão em apreço!!!
58ª
   A concessão (se não tivesse caducado) era definitiva, face à lei anterior, mantendo-se, obviamente, definitiva, face à lei actual. Como tal, nos termos do art.º 143.º n.° 3 da Lei de Terras, estaria dispensada a autorização da entidade competente para a concessão, para a transmissão das situações dela decorrentes.
59ª
   Mas também, o facto de se tratar de uma concessão definitiva era não só o que constava do respectivo registo, como se disse, mas também o que mais se coadunaria com uma concessão com quase 50 anos de existência, factos que o recorrente, previamente à escritura que lavrou, tratou de se inteirar pessoalmente, junto do Sr. Conservador do Registo Predial, o qual não só deu, então, o seu aval técnico à projectada transmissão, como, ouvido em declarações no âmbito do recurso interposto junto do T.S.I., confirmou expressamente que se estava na presença de um registo de uma concessão definitiva.
60ª
   Tanto assim foi que, reitera-se, uma vez lavrada a escritura, foi a inscrição do registo de aquisição dos direitos sobre o terreno lavrada definitivamente.
61ª
   Finalmente no diploma de 1940 não havia a diferença entre concessões provisórias e concessões definitivas e a inscrição da concessão (definitiva, obviamente!!), a favor de F, data de 1961 e a actual Lei de Terras - que estabelece o regime jurídico e a respectiva diferenciação entre concessões provisórias e definitivas - só entrou em vigor em 1980.
62ª
   Padece, por conseguinte, o acto administrativo da entidade recorrida de erro de direito resultante de uma incorrecta aplicação e interpretação do disposto naquelas normas.
63ª
   O acto administrativo recorrido enferma assim novamente em erro de direito, resultante de uma incorrecta aplicação e interpretação do art.º 78.º do Código do Notariado.
64ª
   O recorrente só deveria consignar na escritura haver ter sido apresentada a participação para inscrição, nos termos do n.° 1 do art.º 78.º do Código do Notariado, apenas se fosse "quando devida"; e, nos termos do n.° 5 do mesmo artigo, apenas, deverá ser feita a participação para inscrição na matriz de prédio omisso que "nela deva ser inscrito".
65ª
   Ora, o recorrente fez constar nas duas escrituras de compra e venda que ambos os prédios estavam omissos na matriz predial pela sua natureza.
66ª
   A inscrição na matriz é um acto relacionado com a contribuição predial urbana, pelo que, se mais não houvesse, sempre desta designação se concluiria que dela estão isentos os prédios rústicos.
67ª
   A esta conclusão obrigatoriamente se chega, também, da leitura do preâmbulo da Lei n.° 19/78/M, de 12/08.
68ª
   É, pois, forçoso concluir que os prédios objecto de ambas as escrituras estão e devem estar omissos na matriz porque se tratam de prédios rústicos que, como tal, nela não devem ser inscritos.
69ª
   O facto de, na escritura de concessão do terreno a F, se referir que o terreno se destina a ser anexado a um outro onde se encontrava construída a "fábrica", não significa que tal terreno se tenha convertido em terreno urbano, como sustenta a entidade recorrida.
70ª
   Esta é a conclusão que mais se coaduna com o facto do terreno concessionado ter mantido a sua autonomia descritiva no registo predial; e com o facto de, conquanto"... ainda não se encontrar descrito na conservatória do Registo predial..." à data da escritura de concessão, ter sido posteriormente descrito ( apresentação feita em 28/08/62 ) como terreno de natureza rústica, obviamente omisso de matriz como acima se referiu.
71ª
   O acto administrativo da entidade recorrida enferma assim, aqui também, de erro de direito, resultante de uma incorrecta aplicação e interpretação do art.º 78.º do Código do Notariado.
A Secretária para a Administração e Justiça formula as seguintes conclusões no recurso que interpôs:
   1. No, aliás douto, acórdão recorrido julgou-se "conceder provimento ao recurso contencioso na parte atinente ao imputado vício de violação de lei por errada valoração da circunstância agravante da alínea j) do n.º 1 do art.º 283.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, anulando, por conseguinte, a punição administrativa de 24 de Junho de 2005 apenas por efectiva verificação deste vício jurídico" (pág. 26 do acórdão).
   2. Todavia, ao contrário do que foi entendido pelo tribunal a quo, a punição administrativa não valorou a referida circunstância agravante, pelo que não tem cabimento a anulação do acto punitivo com base num inexistente vício de violação de lei.
   3. Na verdade, nem o despacho recorrido, proferido pela Ex.ma Senhora Secretária para a Administração e Justiça, nem a parte dispositiva do Relatório Final do processo disciplinar em que instrutor propôs a cassação da licença de notário privado, se referem à alínea j) do n.º 1 do artigo 283.º do ETAPM.
   4. Com efeito, apenas existe uma referência aquela circunstância agravante da responsabilidade disciplinar na motivação do Relatório Final, referência que é incidental e que não teve desenvolvimentos na parte decisória do Relatório Final e no despacho recorrido.
   5. Mas mesmo que se entenda que a referida circunstância agravante esteve presente no processo de escolha da sanção disciplinar a aplicar, a verdade é que ela deve ser considerada irrelevante para efeitos de aferição da validade jurídica da decisão punitiva, porque um erro de direito detectado num acto administrativo que aplicou uma pena disciplinar só releva como vício do acto se ele constitui um dos pressupostos da decisão, se ele se inserir no processo cognoscitivo e valorativo que conduziu à formação da decisão punitiva.
   6. E tal não aconteceu porque no contexto invocado de "irregularidades graves", de "negligência grave", de "consequências sérias e nefastas para o comércio jurídico, para a imagem da Administração Pública, do notariado, em geral, e do notariado privado, em particular", a opção pela pena de cassação de licença é uma opção lógica, que vale coerentemente por si e que dispensa a invocação de outros circunstancialismos adicionais.
   7. E essa opção lógica é perceptível face ao teor literal do despacho punitivo, sendo de concluir, com segurança, que a referida circunstância agravante não teve qualquer relevância na determinação da pena aplicada.
   8. Mas, mesmo que assim se não entenda, o que por mera cautela de patrocínio admitimos, sempre se dirá que não deverá ser procedente o argumento utilizado pelo tribunal a quo no sentido de que não se pode aplicar aos notários privados a circunstância agravante prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 283.º do ETAPM porque essa circunstância já foi valorada pelo legislador na escolha do regime sancionatório e disciplinar que lhes é aplicável, que é mais gravoso que o regime geral dos funcionários.
   9. O legislador remeteu a regulação dos aspectos disciplinares dos notários privados, em termos gerais, para o regime da função pública, tendo ressalvado algumas especialidades; mas, de entre essas especialidades, não consta a inaplicabilidade do artigo 283.º do ETAPM.
   10. A circunstância agravante da responsabilidade disciplinar que tem por base a responsabilidade do cargo e o grau de instrução do infractor é uma circunstância objectiva que se aplica "em massa", forçosamente, a quem esteja nessas circunstâncias (médicos e notários públicos, por exemplo). Foi essa a vontade do legislador.
   11. Se essa é uma opção correcta ou não é algo que pode ser discutido e que pode até ser alterado numa futura revisão legislativa, mas é indiscutível que "Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados" (n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil).
   12. Pelo que a referência à circunstância agravante em questão está em conformidade com a lei aplicável. Referência que, todavia, não esteve presente no momento da proposta de decisão por parte do instrutor, nem da decisão recorrida, conforme se pode ver da letra de ambos os arestos.
Ambas as partes apresentaram contra-alegação aos recursos.
A Ex. ma Procuradora-Adjunta emitiu o seguinte parecer:
“Inconformando com o douto Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância na parte que decidiu julgar procedente o vício de violação de lei por errada valoração da circunstância agravante da al. j) do n.° 1 do art.° 283.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau e anular, por conseguinte, a punição administrativa, vem a Senhora Secretária para a Administração e Justiça interpor recurso.
Alega a irrelevância para a decisão administrativa punitiva da referida circunstância agravante da responsabilidade disciplinar, a não aplicação desta circunstância naquela decisão bem como a aplicabilidade da mesma circunstância no caso vertente.
Vejamos.
Alega a recorrente que a circunstância agravante em causa não teve qualquer relevância na determinação da pena aplicada.
Salvo o devido respeito, custa-nos um pouco a aceitar tal interpretação.
Constata-se no Relatório Final elaborado pelo Sr. Instrutor do processo disciplinar, para o qual remete a decisão da ora recorrente, o seguinte:
"58. A responsabilidade do cargo exercido e o grau de instrução são elevados, sendo o arguido, em consequência, prejudicado pelas circunstâncias agravantes da responsabilidade disciplinar previstas nas alíneas b) e j) do n.° 1 do artigo 283.° do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau."
Face a uma afirmação como esta, somos levados a crer que não só a agravante prevista na al. b) mas também prevista na al. j) foram levadas em conta, em princípio, para tomar a decisão punitiva, a não ser que da mesma decisão resulte o sentido em contrário, o que não sucedeu no caso vertente.
Ora, a referência a qualquer elemento ou circunstância, agravante ou atenuante, verificados no caso concreto assume a sua relevância, sob pena de presumir a inclusão, por parte da Administração, da matéria impertinente na decisão.
Se é verdade que, ao formular a proposta de aplicação da pena de cessação de licença nas conclusões (Conclusão 2.ª), o autor do Relatório Final enuncia as normas legais em que fundamentam tal proposta, sem ter incluído a referência à al. j) do n.° 1 do art.° 283.°, certo é que tal facto não permite formular a conclusão necessária de que a agravante aí previsto não teve relevância na determinação da pena disciplinar.
Quanto à aplicabilidade daquela circunstância agravante no caso vertente, concordamos com as judiciosas considerações do nosso Colega explanadas no seu parecer dado no recurso contencioso, que mereceram acolhimento do Tribunal ora recorrido, no sentido de que, sendo considerada para a aplicação da pena disciplinar, a referida circunstância agravante foi duplamente valorada, o que implica a verificação do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito.
Nos termos do n.° 1 do art.° 18.º do Estatuto dos Notários Privados, estão previstas apenas duas sanções disciplinares aplicáveis aos notários privados: suspensão administrativa até 2 anos ou cassação de licença.
E "são subsidiariamente aplicáveis aos notários privados, com as necessárias adaptações, as disposições sobre regime disciplinar dos trabalhadores da Administração Pública" – art.° 21.º do mesmo diploma.
Discute-se a questão da aplicabilidade no caso vertente da circunstância agravante prevista na al. j) do n.° 1 do art.° 283.º do ETAPM, que se refere à responsabilidade do cargo exercido e o grau de instrução do infractor.
Em concordância com o entendimento da entidade recorrente, também nos parece que, com a previsão de apenas duas sanções disciplinares, de suspensão administrativa até 2 anos ou de cassação de licença, que é muito diferente do regime geral estipulado para os trabalhadores da Administração Pública, o legislador pretende estabelecer um regime sancionatório mais gravoso para os notários privados.
E encontramos a justificação desta maior gravosidade da regime nas considerações sobre as funções exercidas pelos notários privados, a sua especificidade e responsabilidade, sendo que, "ao contemplar esse regime sancionatório/disciplinar mais gravoso, se teve já em conta a situação específica de tais profissionais, da qual não poderá deixar de fazer parte o respectivo e exigível grau de instrução, em associação com a responsabilidade do cargo exercido", tal como opina o nosso Colega no seu parecer.
Daí que nos parece que o acto administrativo impugnado padece do vício de violação de lei por ter considerado a circunstância agravante em causa para efeitos de aplicação da pena disciplinar.
Admita-se a hipótese de que, mesmo sem ter tomado em consideração a circunstância agravante em causa, seria de aplicar sempre a pena de cessação de licença.
No entanto, trata-se duma questão diferente, que não cabe ao tribunal para pronunciar, face ao sagrado princípio da separação dos poderes.
Tal como foi decidido nos Acórdãos proferidos por este Alto Tribunal de Última Instância, "se o tribunal considerar que um dos dois factos em que se assentou a sanção não existe, tem de anular o acto, não lhe competindo opinar que o outro facto provado justificaria a mesma sanção. É à Administração que compete fazer tal avaliação, em sede de execução da sentença anulatória, tanto podendo, em abstracto, manter a sanção, como atenuá-la, como, até não aplicar sanção alguma" (cfr. Ac.s de 17-12-2003 e de 10-5-2006, nos processos n.° 29/2003 e n.° 7/2006).
* * *
Por sua vez e inconformando também com o mesmo Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, vem A interpor recurso, invocando a nulidade do Acórdão ora recorrido, os vícios de forma e de violação de lei.
Não nos parece que lhe assiste razão.
Desde logo, não se verifica a alegada "omissão de pronúncia" nem a "falta absoluta de motivação" preceituadas nas al.s d) e b) do n.° 1 do art.° 571.º do CPC.
Por um lado, tal como resulta claramente do douto Acórdão recorrido, o Tribunal a quo não deixou de se pronunciar sobre as questões concretamente colocadas pelo recorrente, com excepção da matéria atinente designadamente à medida concreta da pena aplicada, cujo conhecimento entendeu ficar prejudicado pela decisão que julgou procedente o imputado vício de violação de lei por errada valoração da circunstância agravante da al. j) do n.° 1 do art.° 283.º do ETAPM (parte esta que não foi posta em causa no presente recurso), não obstante tê-lo feito pela sua adesão às considerações contidas no parecer do Ministério Público, que merecem acolhimento do Tribunal a quo para a sua decisão.
E no referido parecer o Magistrado do Ministério Público fez uma abordagem sobre todas as questões suscitadas pelo recorrente, exceptuando aquela matéria relativa à medida da pena.
Por outro lado, não pode ter cabimento o argumento sobre a falta absoluta de fundamentação que alegadamente consubstancia na não especificação de fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão ora em causa, dado que, nomeadamente com a transcrição do teor do Relatório Final e da decisão administrativa o tomada pela Senhor Secretária para a Administração e Justiça, o Tribunal a quo acabou por enumerar os factos que considerou pertinentes para a decisão.
De qualquer modo, o recorrente não chegou a especificou quais factos que entendia dever ter sido dados como provados.
E não se pode concluir pela falta de fundamentação de direito só porque esta foi feita por remissão às considerações tecidas no parecer do Ministério Público.
Nota-se ainda que a jurisprudência tem entendido que só a falta absoluta, e não insuficiente, da fundamentação que conduz à nulidade da decisão.
O recorrente fundamenta os alegados vícios de forma na não audição do arguido, na falta de audiência, na fase de defesa, da testemunha por si indicada e na omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade.
A invocada não audiência do recorrente reporta-se ao momento posterior à realização das diligências complementares de prova ordenada pelo Sr. Instrutor.
Não obstante a nossa concordância com o recorrente, no sentido de que aos interessados é garantido, como regra geral, o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, o que resulta claramente do disposto no n.° 1 do art.° 93.º do CPA, não termos dúvidas em afirmar que, estando em causa um processo disciplinar cujo regime e tramitação é especialmente regulado no Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, há que seguir as normas previstas no Título VI deste diploma bem como as de Direito Penal que são supletivamente aplicáveis ao regime disciplinar (art.° 277.º do ETAPM).
Nos termos do n.° 3 do art.° 329.º do ETAPM, que se encontra inserido na parte da Instrução do processo disciplinar comum (Secção II do Capítulo IV do Título VI), o instrutor do processo deve obrigatoriamente ouvir o arguido em declaração, até ao termo da instrução, o que foi devidamente cumprido, tal como resulta do processo administrativo instrutor (fls. 126 e seguintes ).
Realizadas as diligências, foi deduzida a acusação, após a qual se devem obedecer às regras contidas na secção III que se refere à "Defesa do arguido".
Ora, não se constata nesta parte, nem nas outras normas posteriores, qualquer exigência legal quanto à obrigatoriedade de uma nova audição, antes da decisão final, do arguido.
Seguindo a tramitação prevista nos art°s 333.º a 338.º do ETAPM, a acusação deve ser notificado ao arguido, que pode depois examinar o processo e apresenta a defesa, expondo os factos e, razões da sua defesa, juntando documentos, indicando o rol de testemunhas e requerendo as diligências de prova. E o instrutor deve inquirir as testemunhas e ordenar a produção dos demais elementos de prova requeridos pelo arguido, podendo também ordenar novas diligências que se tornem indispensáveis para o completo esclarecimento da verdade, após o qual deve elaborar o relatório final que será remetido para a entidade competente para decisão.
Não se encontra aqui qualquer disposição legal a impor a nova audição do arguido, nem nas normas de Direito Penal que se aplicam supletivamente ao regime disciplinar com as necessárias adaptações.
O direito de defesa do arguido fica assim assegurado pela sua audição na instrução, pela notificação do teor da acusação, através da qual toma conhecimento dos factos imputados, da integração e qualificação jurídica, pela oportunidade de apresentar a defesa escrita e de indicar as provas e ainda pela necessária produção da prova por si oferecida.
Constata-se nos autos que o recorrente foi notificado do teor da acusação, tendo apresentado a sua defesa escrita bem como requerido a produção da prova.
Daí que, com o cumprimento das normas em causa, não nos parece verificada o vício invocado pelo recorrente.
Quanto à falta de audiência, na fase de defesa, da testemunha por si indicada e da omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, alega o recorrente que a testemunha por si indicada (E, Conservador da Conservatória do Registo Predial) "não foi inquirida, em bom rigor, sobre qualquer dos factos plasmados nos pontos nºs 6 e 7 da defesa apresentada".
Conforme o que consta da resposta do recorrente, nota-se, desde logo, que os nºs 6 e 7 desta peça estão inseridos na matéria que foi intitulada pelo próprio recorrente como "Do Direito", ao lado da parte "Dos Factos".
E nestes artigos o recorrente não passa de questionar a alegada "minimização" na acusação do facto, que entende de extrema gravidade, quanto ao não averbamento à descrição predial n.° XXXXX da caducidade da concessão do terreno a favor de F e explanar as suas considerações jurídicas sobre o registo definitivo da concessão por arrendamento do terreno em causa a favor F.
Ora, está em causa apenas a argumentação técnica e jurídica do próprio recorrente, que não está incluída, claramente, na matéria de facto sobre a qual (ou seja, sobre os factos concretos) a testemunha deve ser ouvida, pois é de conhecimento comum que a testemunha deve depor apenas sobre os factos, o que resulta também do preceituado no n.° 1 do art.° 335.º do ETAPM, que dispõe que "o número de testemunhas a ouvir por cada facto não pode exceder três".
A única excepção poderá residir, talvez, na parte em que afirma que "o arguido, previamente à escritura que lavrou, tratou de se inteirar pessoalmente, junto do Sr. Conservador do Registo Predial".
Neste aspecto, o Sr. Instrutor não deixou de inquirir a testemunha arrolada, fazendo consignar no Auto de Declarações (fls. 230 do processo administrativo instrutor) o seguinte:
"Perguntado à testemunha se previamente à escritura que o Dr. A lavrou, no dia vinte e quatro de Novembro do ano dois mil e quatro, em relação à transmissão do direito da concessão por arrendamento do terreno descrito sob o n.° XXXXX, o mesmo Dr. A procurou esclarecer as informações registrais do terreno em causa, pessoalmente, junto da testemunha, a testemunha disse que no dia indicado, o Dr. A, acompanhado do seu cliente, de apelido C, compareceu perante a testemunha para obter esclarecimentos sobre as informações registrais do terreno em causa e a testemunha forneceu as suas opiniões, de acordo com os dados registrais do terreno naquela altura."
Daí que improcede o argumento do recorrente.
Acresce ainda o recorrente que a não junção tempestiva do documento que comprova a titularidade do imóvel descrito sob o n.° XXXXX em nome de B, com referência à escritura de 19-11-2004 e à escritura de rectificação de 10-12-2004, configura uma omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade, que conduz ao vício da nulidade.
Desde logo, é de notar que a verificação ou não da nulidade pela omissão duma diligência depende sempre da "essencialidade", ou não, da mesma diligência.
Ao recorrente foi imputado o facto de não ter sido cumprido o disposto no Ofício Circular n.° XX/XXXX/XXX/XXXX que impõe, a partir de 20-9-2004, aos notários que passem a exigir do outorgante vendedor, desde que não seja uma sociedade e uma primeira venda, e do outorgante hipotecante, certidão da respectiva escritura comprovativa da titularidade do imóvel ou contactar a DSAJ que se encarregará de lhe remeter uma cópia por via informática.
Tal imputação não podia, evidentemente, ser alterada pela junção daquele documento que comprova apenas a titularidade do imóvel.
Daí que é de concluir pela irrelevância da diligência para contradizer o referido facto imputado e depois provado e, por conseguinte, pela não verificação do vício invocado.
No que tange aos vícios de violação de lei, levanta o recorrente as questões sobre a intervenção de um único outorgante em representação de comprador e vendedor (art.° 254.º do Código Civil), sobre o conteúdo da acta da sociedade compradora, sobre o cumprimento do Ofício Circular n.° XX/XXXX/XXX/XXXX, sobre a inexistência no registo a favor do vendedor da conversão da concessão de provisória em definitiva e de transmissão da concessão sem prévia autorização da entidade competente para deferimento da concessão e sobre ainda a falta de indicação do número de matriz predial ou da consignação da respectiva participação da inscrição.
Salvo o devido respeito, também não nos parece assistir razão ao recorrente, tal como evidencia a entidade recorrida nas suas contra-alegações, concordando com as suas judiciosas considerações aí explanadas.
Em primeiro lugar, o negócio celebrado pelo representante consigo mesmo só é permitido, nos termos do n.° 1 do art.° 254.º do CC, nos casos em que "o representado tenha especificadamente consentido na celebração" ou "o negócio exclua por sua natureza a possibilidade de um conflito de interesse".
Alega o recorrente que a procuração em causa, conferida por B a C, sempre permitiria a outorga da escritura nos termos em que foi lavrada, porquanto o negócio realizado excluía por sua natureza a possibilidade de um conflito de interesses.
Contrariamente a este entendimento, parece-nos que não estamos perante uma situação em que é legal a celebração do negócio consigo mesmo, dado que não se demonstra, na procuração em causa, a predeterminação do conteúdo do contrato, por exemplo com a indicação do preço de venda, de modo a concluir que o representado não pode ficar prejudicado pelo facto de o representante celebrar o contrato consigo mesmo, daí que não é de afastar "a possibilidade de um conflito de interesses".
Em segundo lugar, constata-se nos autos que a acta da sociedade compradora em causa dispõe apenas de uma ordem de trabalho referente à designação do representante da sociedade para outorgar uma escritura de rectificação de escritura de compra e venda do terreno, nada se referendo ao conteúdo da escritura de rectificação nem ratificando o negócio consigo mesmo celebrado anteriormente, pelo que em nada contribuiu para resolver os problemas decorrentes da escritura original.
Em terceiro lugar e quanto ao cumprimento do disposto no Ofício Circular n.° XX/XXXX/XXX/XXXX, o mesmo é imposto pelo n.° 2 do art.º 12.º do Estatuto dos Notários Privados, que estabelece para os notários privados o dever de obedecer às circulares e determinações genéricas emitidas pela DSAJ.
No entanto, não se demonstra nos autos que o recorrente exigiu do outorgante vendedor a certidão da respectiva escritura comprovativa da titularidade do imóvel nem contactou com a DSAJ para que lhe fosse remetida a cópia do respectivo documento.
É exactamente esta falta que foi imputada ao recorrente.
Em quarto lugar, mesmo perante a situação registral existente do terreno em causa (do registo predial não constar o averbamento da caducidade da concessão), o recorrente teria sempre de proceder a uma averiguação sobre se a transmissão da posição de concessionário se poderia operar nos termos em que se veio a operar ou se estaria, como estava, sujeita a outros condicionalismos, sobretudo a necessidade de autorização de transmissão da concessão por parte do Governo.
Ao celebrar a escritura pública de transmissão da posição de concessionário sem a referida autorização, violou o recorrente os deveres que lhe foram impostos pela sua actividade profissional.
Finalmente, ao não exigir o comprovativo da participação para a inscrição na matriz, o que deveria ter sido feito face à situação do prédio que, segundo o registo, se encontrava omisso, violou o recorrente o dever de zelo, sendo que, se o recorrente tivesse cumprido escrupulosamente as normas aplicáveis à transmissão da concessão, teria forçosamente que exigir aquela prova (art.° 78.º do Código do Notariado).
Pelo exposto, entendemos que os recursos interpostos não merecem provimento”.

II - Os Factos
Afigura-se-nos ter o Acórdão recorrido considerado provados os seguintes factos:
   Em 6 de Junho de 2005, foi elaborada a seguinte informação (e relatório final) n.º XX/XXXX/XXX/XXXX pelo Senhor Instrutor do Processo Disciplinar n.º XX/XXXX/XXX/XXXX no qual vinha acusado o Notário Privado Dr. A:
              «Exmo. Senhor
              Director dos Serviços de Assuntos de Justiça
   Por despacho de Sua Exa. a Secretária para a Administração e Justiça, de 22 de Março de 2005, foi instaurado o Processo Disciplinar n.° XX/XXXX/XXX/XXXX contra o notário privado Dr. A.
   Finda a instrução do processo, e nos termos do n.º 1 do artigo 337.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, ora se elabora,
RELATÓRIO FINAL
   1. O arguido é notário privado.
   2. No dia 19/11/2004, o arguido lavrou uma escritura de compra e venda em que existe um único outorgante, C, em representação do vendedor, B, e da compradora, G, em chinês "庚" (abaixo designada por "sociedade").
   3. Os poderes do representante do vendedor foram concedidos através duma procuração outorgada no dia 15/11/2004 pela Notária Privada Dr.ª D.
   4. No dia 24/11/2004, o arguido lavrou uma escritura de compra e venda que foi outorgada por C, em representação do vendedor F, e por H, em representação da sociedade compradora referida 2..
   5. Os poderes do representante do vendedor foram concedidos através duma procuração outorgada em 01/11/2004 pela Notária Privada Dr.ª D.
   6. Na referida escritura consta a menção de que foi exibida uma certidão emitida em 29/10/2004, pela Conservatória do Registo Predial de Macau, com a "inscrição da titularidade do terreno a favor do vendedor."
   7. No dia 10/12/2004, o arguido lavrou uma escritura de rectificação da escritura referida em 2., outorgada por H, em representação da sociedade compradora, com poderes verificados por uma certidão comercial emitida pela Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Imóveis em 17/09/2004, documento arquivado no Maço de documentos referente a escrituras diversas do livro n.º X, a fls. XX e XX e por uma acta da referida sociedade outorgada no dia 10/12/2004 e por C, em representação do vendedor B.
   8. Do registo predial consta que B é proprietário do terreno rústico situado na Taipa, na Povoação de Sam Ka, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXXX, inscrito a seu favor sob o n.º da inscrição XXXXX (L.º XXX, fls, XXX).
   9. Do registo predial consta que F é concessionário do terreno situado na Taipa, na Estrada Nova Miradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXXX, inscrito a seu favor sob o n.º XXXX (L.º XX, fls. XXXX).
   10. O mandante F faleceu em Hong Kong no dia 15/04/1984.
   11. Pelo Despacho n.º 205/84 de 10/08/1984, publicado no B.O. n.º 34 de 18/08/1984, o Governador de Macau declarou a caducidade da concessão referida em 9., tendo o referido terreno revertido para o Território.
   12. Em 23.12.2004, a Conservatória do Registo Predial procedeu à inscrição do registo de aquisição do direito relativamente ao referido terreno resultante da concessão por arrendamento incluindo a propriedade de construção, sito na Estrada Nova Miradouro, sem número, omisso na matriz predial, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXXX, a favor da sociedade compradora.
   13. Por despacho judicial datado de 19/03/2005, foi ordenada a apreensão à ordem dos autos de inquérito dos prédios descritos sob os n.os XXXXX e XXXXX, não podendo sob qualquer forma serem alienados ou transaccionados até ordem em contrário do Tribunal.
   14. Não consta do registo predial do terreno referido em 9. a caducidade da concessão, nem a prova de aproveitamento de terreno por parte do seu concessionário, nem a conversão da concessão provisória em definitiva.
   15. Não foi obtida autorização para a transmissão da posição de concessionário operada pela escritura de compra e venda referida em 4..
   16. A compra e venda titulada pela escritura referida em 2. foi registada provisoriamente por dúvidas.
   17. O arguido lavrou uma escritura de rectificação, tendo por base uma certidão comercial e uma acta da assembleia geral da sociedade compradora de 10/12/2004, alterando o representante da sociedade compradora C, constante da escritura de compra e venda referida em 2. para H, passando C a outorgar apenas como representante do vendedor.
   18. A referida acta dispõe apenas de uma ordem de trabalho referente à "Designação do representante da sociedade para outorgar uma escritura de rectificação de uma escritura de compra e venda datada de 19/11/2004, na qual a sociedade intervem como compradora de um terreno rústico situado na Taipa, sem número, na Povoação de Sam Ka, omisso na matriz predial pela sua natureza, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º XXXXX, a fls. XXXX, do Livro X-XX, sendo que o respectivo vendedor foi B".
   19. O Ofício Circular n.º XX/XXXX/XXX/XXXX impõe, a partir de 20/09/2004, aos notários que passem a exigir do outorgante vendedor, desde que não seja uma sociedade e uma primeira venda, e do outorgante hipotecante, certidão da respectiva escritura comprovativa da titularidade do imóvel ou o notário deve contactar a DSAJ que se encarregará de lhe remeter uma cópia por via informática.
   20. Não consta, no registo do Sistema Notariado, a requisição por parte do arguido da escritura anterior do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º XXXXX, a fls. XXX., do Livro XXX.
   21. O arguido não exigiu do outorgante vendedor a certidão da escritura comprovativa da titularidade do imóvel.
   22. Foi indicada, em ambas as escrituras de compra e venda, a omissão da matriz predial pela sua natureza.
   23. O arguido possui formação superior em Direito e é, para além de notário privado, advogado.
   24. Para poder exercer as funções de notário privado, o arguido frequentou com aproveitamento o necessário curso específico de formação.
   25. Do registo predial do prédio que constituiu objecto da escritura de compra e venda referida em 4. não consta a caducidade da concessão.
   26. Da mesma forma, todavia, não consta a conversão da concessão provisória em definitiva, nem a prova do aproveitamento do terreno, que funciona como pressuposto daquela conversão.
   27. O registo da conversão de concessões provisórias em definitivas é imposto pelo artigo 134.º da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de Terras).
   28. Por seu turno, a transmissão de situações resultantes da concessão dependem de prévia autorização da entidade competente para o deferimento da concessão, nos termos do preceituado no n.º 1 do artigo 143.º da Lei de Terras.
   29. Em consequência, os notários só podem celebrar escrituras públicas que transmitam situações decorrentes de concessão por arrendamento quando estas sejam definitivas, nos termos do n.º 1 do artigo 158.º da Lei de Terras.
   30. Não obstante, o arguido lavrou a escritura de compra e venda referida em 4. tendo por objecto um terreno concessionado ao vendedor quando o registo predial não fazia qualquer menção à conversão da concessão provisória em definitiva por força do aproveitamento do terreno,
   31. Sem ter sido obtida previamente a necessária autorização da entidade administrativa competente para o deferimento da concessão.
   32. Na escritura de compra e venda referida em 2. interveio um único outorgante em representação de ambos os contratantes, comprador e vendedor.
   33. Quando tal acontece, para evitar a anulabilidade do negócio em questão, o outorgante que actua em representação de ambos os contratantes deve, em regra, nos termos do artigo 254.º do Código Civil, obter o consentimento para tal por parte do representado.
   34. Não obstante, o arguido lavrou a referida escritura de compra e venda sabendo ou devendo saber que os instrumentos de representação apresentados não atribuíam poderes bastantes para que o negócio fosse celebrado como veio a ser.
   35. Face a esse facto, o registo da transacção titulada pela referida escritura de compra e venda veio a ser efectuado provisoriamente por dúvidas.
   36. Para sanar as dúvidas suscitadas e proceder no sentido do registo definitivo, um funcionário do arguido elaborou a acta da sociedade compradora de 10/12/2004 que designou um representante para outorgar uma escritura de rectificação da escritura de compra e venda referida em 2.
   37. Tal acta não se refere, contudo, ao conteúdo da escritura de rectificação, por um lado, nem procede à ratificação da escritura de compra e venda inicial, autorizando o negócio consigo mesmo efectuado pelo representante da sociedade nessa escritura.
   38. Ou seja, estamos perante dois negócios jurídicos distintos.
   39. No primeiro, o representante da sociedade efectuou um negócio consigo mesmo sem consentimento bastante para tal. No segundo, o representante apenas foi mandatado pela sociedade para assinar uma escritura de rectificação de uma outra escritura em que a sociedade interveio como compradora de um terreno.
   40. O segundo mandato que foi conferido apenas lhe permitia outorgar a escritura de rectificação da escritura inicial, mas não lhe conferia poderes para se subrogar na posição de representante da sociedade como compradora e também não lhe conferia poderes para ratificar o negócio anteriormente celebrado por um representante que carecia de autorização para celebrar um negócio consigo mesmo.
   41. Com efeito, a acta é, na verdade, destituída de conteúdo. Apenas confere poderes formais de representação numa escritura de rectificação de uma outra escritura de compra e venda. Mas nada refere quanto ao alcance da rectificação que pode ser efectuada pelo representante que foi nomeado (rectificação do preço, da data de produção de efeitos, de algum elemento de identificação dos intervenientes ou do terreno?).
   42. Pelo que, parece-nos, a escritura de rectificação padece de um vício formal essencial que consiste na falta de mandato para a rectificação a ser operada, se bem que exista mandato para a sua outorga.
   43. Ou seja, utilizando a linguagem do n.º 1 do artigo 5.º do Código do Notariado, foi dada forma legal, mas não foi "dada forma legal à vontade das partes".
   44. Por outro lado, o arguido ao não ter exigido do outorgante vendedor na escritura referida em 2. a certidão da escritura comprovativa da titularidade do imóvel e ao não ter, em alternativa, solicitado à DSAJ a remessa de uma cópia dessa escritura por via informática, violou o disposto no Ofício Circular n.º XX/XXXX/XXX/XXXX.
   45. O cumprimento do disposto nesse Ofício Circular é-lhe imposto pelo n.º 2 do artigo 12.º do Estatuto dos Notários Privados.
   46. Dispõe o n.º 1 do artigo 78.º do Código do Notariado que nos instrumentos em que se descrevem prédios se deve indicar o número da respectiva matriz ou, no caso de nela estarem omissos, consignar-se a declaração de haver sido apresentada a participação para inscrição.
   47. O n.º 5 desse mesmo artigo estipula que a participação para inscrição na matriz, quando se trate de prédio omisso, se prova pela exibição do duplicado apresentado ou de certidão da declaração, válidos por um ano.
   48. Apesar de em ambas as escrituras de compra e venda se referir que os prédios se encontram omissos na matriz, não foram cumpridas as estatuições normativas dos citados preceitos.
   49. Tais factos constituem irregularidades graves no desempenho da actividade de notário privado.
   50. Irregularidades que se consubstanciam no incumprimento de ordem expressa em circular emitida pela DSAJ, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 12.º do Estatuto do Notariado privado, e no incumprimento do disposto nos n.º 1 e 5 do artigo 78.º do Código do Notariado.
   51. Irregularidades que consubstanciam, ainda, a violação do disposto no artigo 143.º da Lei de Terras por se ter lavrado uma escritura de compra e venda de um terreno concessionado, sem a obtenção da autorização prévia da entidade competente e por se ter lavrado uma escritura de compra e venda em que participava apenas um outorgante sem poderes bastantes para celebrar um negócio consigo mesmo.
   52. O arguido cometeu irregularidades, ainda, quando lavrou a escritura de rectificação que tinha por base uma acta que não atribuía quaisquer poderes de rectificação para além dos poderes de investir o representante como mandatário para a escritura de rectificação.
   53. O arguido não usou das devidas parcimónia e diligência exigidas para o exercício da sua actividade de notário privado, cometendo as diversas irregularidades supra referidas com negligência grave e em violação do seu dever de zelo, imposto pela alínea b) do n.º 1 do artigo 279.º do ETAPM, aplicável por força do artigo 12.º do Estatuto dos Notários Privados.
   54. A actividade de notário privado deve ser exercida de forma zelosa, parcimoniosa e diligente na medida em que através dela se dá forma legal e se confere fé pública aos actos jurídicos extrajudiciais - cfr. artigo 1.º do Código do Notariado.
   55. Dever esse que, nos termos do n.º 4 do artigo 279.º do ETAPM, impunha ao arguido o exercício das suas funções com eficiência e empenhamento.
   56. Das referidas irregularidades e da violação do dever de zelo, resultaram consequências sérias e nefastas para o comércio jurídico, para a imagem da Administração Pública, do notariado, em geral, e do notariado privado, em particular, designadamente com a abertura de processos de inquérito e com a prisão preventiva de arguidos.
   57. O exercício da actividade de notário privado com irregularidades graves e a violação negligente do dever de zelo é punida disciplinarmente com suspensão administrativa até 2 anos ou com cassação de licença, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do Estatuto dos Notários Privados.
   58. A responsabilidade do cargo exercido e o grau de instrução são elevados, sendo o arguido, em consequência, prejudicado pelas circunstâncias agravantes da responsabilidade disciplinar previstas nas alíneas b) e j) do n.º 1 do artigo 283.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
   59. A aplicação das respectivas penas disciplinares é da competência da Secretária para a Administração e Justiça, nos termos do artigo 19.º do Estatuto dos Notários Privados e do n.º 1 da Ordem Executiva n.º 6/2005.
   Conclusões:
   1. Pelo exposto, a conduta do arguido revelou total e completa ausência de competência para o exercício da função notarial, porque pelas escrituras de 19/11/2004, 24/11/2004 e 10/12/2004, praticou diversas irregularidades graves e violação negligente do dever de zelo.
   2. Nestes termos, em relação às infracções disciplinares que o arguido cometeu, se propõe, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do Estatuto dos Notários Privados, a aplicação de pena de cassação de licença, sendo a aplicação desta pena da competência de Sua Exa. a Secretária para a Administração e Justiça, nos termos do artigo 19.º do Estatuto dos Notários Privados e da delegação de competências constante do n.º 1 da Ordem Executiva n.º 6/2005.
   3. Nos termos do n.º 5 do artigo 20.º do Estatuto dos Notários Privados, após recebido o presente relatório final, deverá V. Exa. emitir parecer, no prazo de 5 dias, e remeter o processo à Exma. Senhora Secretária para a Administração e Justiça, para que a mesma tome decisão, no prazo de 20 dias, de acordo com o n.º 3 do artigo 338.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
   À consideração superior de V. Exa.
   Divisão de Apoio Técnico, aos 06 de Junho de 2005.
   [...]»
   Sobre esse relatório final, o Senhor Director dos Serviços de Assuntos de Justiça lavrou o seguinte despacho, datado de 13 de Junho de 2005:
   <    Secretária para a Administração e Justiça
   Concordo com a presente informação, com o Relatório Final do processo disciplinar instaurado ao notário privado Dr. A e com as conclusões a que chega.
   À consideração de V. Ex.ª.>>
   E a final, a Senhora Secretária para a Administração e Justiça desta Região Administrativa e Especial de Macau decidiu nos seguintes termos do seu despacho exarado em 24 de Junho de 2005 sobre a dita informação-relatório:
   <>
Este é o acto recorrido.

III – O Direito
1. As questões a apreciar
As questões a apreciar são as seguintes:
Recurso do Dr. A:
Violação do estatuto de igualdade substancial das partes, nulidade do acórdão recorrido por omissão da especificação dos fundamentos de facto da decisão, nulidade do acórdão recorrido por omissão da especificação dos fundamentos de direito da decisão e por não ter apreciado questões que foram suscitadas, falta de audiência do recorrente, falta de audiência da testemunha indicada pelo recorrente e omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade e os vícios relativos à intervenção de um único outorgante em representação de comprador e vendedor, ao conteúdo da acta da sociedade compradora ao Ofício-Circular n.º XX/XXXX/XXX/XXXX, à inexistência no registo a favor do vendedor da conversão da concessão de provisória em definitiva e da transmissão da concessão sem prévia autorização da entidade competente para deferimento da concessão e à falta de indicação do número de matriz predial ou da consignação da respectiva participação da inscrição.
Recurso da Secretária para a Administração e Justiça:
A circunstância agravante da alínea j) do n.º 1 do artigo 283.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM).

Recurso do Dr. A
2. Violação do estatuto de igualdade substancial das partes
Comecemos por apreciar as questões que podem conduzir à nulidade do acórdão (falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e omissão de pronúncia), pois, se procederem, conduzirão à baixa do processo a fim de se fazer a reforma da decisão anulada (artigos 651.º, n.º 2 e 571.º do Código de Processo Civil).
Entende o recorrente que não constam do texto do acórdão os vícios que foram alegados na petição inicial do recurso contencioso, com excepção da invocada dupla valoração referente à circunstância agravante da alínea j) do artigo 283.º do ETAPM. E que, pelo contrário, foi transcrito o teor de parte dos documentos produzidos pela entidade recorrida.
Conclui o recorrente que o Tribunal não assegurou um estatuto de igualdade substancial das partes, princípio que decorre do artigo 4.º do Código de Processo Civil.
Vejamos.
O relatório do acórdão recorrido fez uma breve síntese da petição inicial do recurso contencioso, transcrevendo apenas o pedido do recorrente, com a indicação dos vícios arguidos. Não é, pois, exacto que não constem do texto do acórdão os vícios alegados. É certo que, enquanto que o relato dos vícios consumiu 12 linhas de texto do acórdão, o relato das posições da entidade recorrida consumiu 43 linhas de texto.
Importa reconhecer que esta não é uma prática comum, já que, normalmente, num recurso contencioso ou num recurso jurisdicional a síntese das posições do recorrente ocupa uma parte maior que a da entidade recorrida ou do recorrido. E é fácil perceber porquê. É que os vícios invocados na petição de recurso contencioso e as conclusões do recurso jurisdicional fixam o objecto deste recurso. Por eles se fica a saber se o Tribunal resolveu todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação e, por outro lado, se não conheceu de questões que não devia conhecer [artigos 563.º, n. os 2 e 3 e 571.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil].
Já a explanação da posição da entidade recorrida acerca dos vícios é secundária, porque não constitutiva da actividade do Tribunal.
Contudo, mesmo que o Tribunal, no relatório do acórdão, não explicite o objecto do litígio, como impõe o artigo 562.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, daí não decorre nenhuma nulidade. Trata-se de uma mera irregularidade sem sanção.
O essencial é que o Tribunal, já não no relatório, mas na fundamentação da sentença, conheça das questões que deve conhecer e que não conheça de questões que não pode conhecer, porque estas omissão e acção, respectivamente, constituem nulidades da sentença [artigos 563.º, n. os 2 e 3 e 571.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil]. Questões que o recorrente também suscitou e que terão oportuna apreciação.
Com o que fica afastada a alegação do recorrente relativa à violação do estatuto de igualdade substancial das partes, que aliás, não explicita em que termos é que se concretizaria a sanção de tal violação.

3. Nulidade do acórdão recorrido por omissão da especificação dos fundamentos de facto da decisão
O recorrente argui a nulidade do acórdão recorrido, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e por não ter apreciado questões que foram suscitadas [artigo 571.º, n.º 1, alíneas b) e d) do Código de Processo Civil].
A lei obriga o juiz, na sentença, a “discriminar os factos que considera provados” (artigo 562.º, n.º 2 do Código de Processo Civil), constituindo esta omissão a nulidade da sentença a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 571.º do mesmo diploma legal (É nula a sentença “Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”).
Relativamente à falta de indicação dos fundamentos de facto da decisão, importa reconhecer que em nenhum local do acórdão recorrido se diz claramente quais os factos que o Tribunal considera provados. Importa reconhecer, igualmente, que não é essa a prática corrente das decisões judiciais.
Contudo, a parte inicial do acórdão recorrido relata factos, sendo esta parte a que o presente acórdão se refere, supra, a “II - Os Factos ... Afigura-se-nos ter o Acórdão recorrido considerado provados os seguintes factos:”
Na verdade, embora o acórdão recorrido não tenha textualmente dito que considerava provados tais factos (e devia tê-lo feito para afastar dúvidas e não estarmos a perder tempo com esta questão) o certo é que para um intérprete medianamente esclarecido, se deve entender que tais factos são os factos que o acórdão recorrido considerou terem ficado provados e só esses.
Improcede a nulidade da alínea b) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil, no que se refere à omissão de factos.

3. Nulidade do acórdão recorrido por omissão da especificação dos fundamentos de direito da decisão e por não ter apreciado questões que foram suscitadas
3.1. No que concerne à omissão dos fundamentos de direito, e afastando já a parte do acórdão recorrido em que deu razão ao ora recorrente e de que este não recorre, evidentemente, (é objecto de recurso por parte da entidade recorrida) na restante parte, o acórdão recorrido limitou-se a remeter para o parecer do Ex.mo Magistrado do Ministério Público, que transcreveu1, não tendo acrescentado qualquer fundamento ou argumento próprio.
Ora, este Tribunal de Última Instância já se pronunciou sobre esta questão no Acórdão de 14 de Julho de 2004, no Processo n.º 21/2004, tendo referido que:
  «A questão que se coloca é se é legal a fundamentação jurídica por remissão para o parecer do Magistrado do Ministério Público.
  A doutrina considera que “Não se pode considerar fundamentação de direito a que seja feita por simples adesão genérica aos fundamentos invocados pelas partes”, 2 invocando para tal a norma semelhante ao n.º 2 do artigo 108.º, atinente ao dever dos magistrados fundamentarem a decisão, de acordo com o qual “A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição”.
  Simplesmente, o Magistrado do Ministério Público, no recurso contencioso de anulação, não é parte. Assim, não há norma que impeça o juiz de fundamentar decisão aderindo a texto do Ministério Público, o que se observa a cada passo, como quando o juiz manda proceder à partilha, como indicado pelo Digno Magistrado do Ministério Público».
  Afigura-se-nos ser de manter este entendimento.
  Assim, o que há que apurar é se a fundamentação jurídica do acórdão recorrido, por remissão para o parecer do Magistrado do Ministério Público, satisfaz os requisitos legais.
  No que se refere ao vício de forma por falta de audiência prévia do recorrente, por falta de audição de testemunha e por omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, consistente na falta de junção tempestiva de certidão de escritura pública, o acórdão recorrido pronunciou-se expressamente, no primeiro caso utilizando abundante argumentação e no segundo e terceiros, embora mais sucinta, existe fundamentação jurídica e o Tribunal não deixou de apreciar as questões suscitadas.
  Nesta parte, improcede a invocada nulidade da sentença.
  Quanto às restantes questões, vejamos o que o recorrente alegou na petição de recurso contencioso e a pronúncia do acórdão recorrido.
  3.2. Alegação do recorrente:
   “a) Da intervenção de um único outorgante em representação de comprador e vendedor.
   55. Enferma a acusação e o acto administrativo de que se recorre de erro de direito, resultante de uma incorrecta aplicação e interpretação do disposto no artigoº 254.º do C. Civil.
   56. Entende o recorrente, não obstante ter lavrado uma escritura de rectificação nos termos a seguir expostos, que a procuração conferida por F a C, outorgada pela Notária Privada, Dra. D, estava redigida em termos que não deveriam ter tido como consequência, a efectuação do registo provisório por dúvidas, da transmissão titulada pela escritura em causa.
   57. De facto, nos termos da parte final do n.° 1 do artigoº 254.° do C. Civil, aquela procuração sempre permitiria a outorga da escritura nos termos em que foi lavrada, porquanto o negócio realizado excluía "... por sua natureza a possibilidade de um conflito de interesses ".
   58. Esta possibilidade "não existe quando o conteúdo do contrato estiver predeterminado de tal modo que o representado não possa ser prejudicado pelo facto de o representante concluir o contrato consigo mesmo, quer em nome próprio, quer como representante de terceiro. Então é indiferente, para o representado, que o contrato seja celebrado pelo representante em seu nome ou em nome de outrem". (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela - Cod. Civil Anotado - artigoº 261.°).
   59. Foi o que se passou na situação em apreço, face aos amplos termos em que a procuração foi redigida.
   60. Por outro lado, sendo a consequência daquela eventual irregularidade a anulabilidade do negócio, entende o recorrente, também, que o registo da transmissão não poderia ter sido lavrado provisório por dúvidas, já que, face ao disposto no n.° 1 do artigoº 280.º do C. Civil, "só têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece... ".
   61. O facto de ter sido lavrada escritura de rectificação não significa que o recorrente tenha cometido qualquer irregularidade ou que tenha concordado com a posição assumida pelo Sr. Conservador do Registo Predial.
   62. Significa, isso sim, que, no interesse das partes envolvidas no negócio, se optou por aquela rectificação, como forma mais célere da respectiva concretização definitiva, mas sempre dentro do estrito cumprimento da lei”.
  Pronúncia do acórdão recorrido:
“não existiam os requisitos mínimos de predeterminação do contrato, como o preço de venda, não se podendo considerar que não tenha existido um conflito de interesses, já que o outorgante da escritura de compra e venda foi um só, que celebrou um contrato consigo mesmo, sendo que o recorrente, que permitiu a celebração do mesmo, não poderia deixar de observar o patente conflito de interesses”
Quanto a este vício entende-se que, embora sem citação de qualquer norma, a fundamentação jurídica insere-se na apreciação no quadro do n.° 1 do artigo 254.° do Código Civil, que estava em discussão.
Porém, relativamente ao ponto suscitado nos artigos 60.º a 62.º (que o registo não deveria ter sido lavrado por dúvidas, já que se tratava de questão de anulabilidade) o acórdão recorrido omitiu qualquer pronúncia, pelo que nesta parte se verifica a nulidade da primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil.
  
  3.3. Alegação do recorrente:
b) Do conteúdo da acta da sociedade compradora:
“63. Insurge-se, também, a acusação e o despacho recorrido quanto à redacção utilizada na acta da sociedade compradora do imóvel, com a qual foi instruída a referida escritura de rectificação.
   64. Mesmo que a razão lhe assistisse, o que não acontece, é um falso problema, como se verá!
   65. Na verdade, a acta da sociedade designa um representante da sociedade para outorgar uma escritura de rectificação de uma outra escritura, sendo que o objecto desta está claramente definido: "a compra pela sociedade de um terreno rústico situado na Taipa... sendo que o respectivo vendedor foi B. "
   66. Se, por um lado, tal actuação se enquadra perfeitamente nos poderes de gerência de uma sociedade cujo objecto é a administração e o fomento predial, por outro lado, entende o recorrente, que a explicitação da necessidade de rectificação da escritura original consta claramente da escritura para que a sociedade designou um representante.
   67. Isto é, não obstante não constar de forma expressa a totalidade do "alcance da rectificação" este facilmente se depreende do contexto da escritura de rectificação.
   68. Os poderes conferidos ao representante foram os necessários para rectificar a escritura em causa, já que os poderes do representante estão vinculados pelo objecto da sociedade. A rectificação depreende-se do contexto da escritura!
   69. Mas, mesmo que se estivesse, na expressão da acusação, "perante o vício formal da falta de mandato", o que se admite sem conceder, tratar-se-ia efectivamente de um falso problema, pois, entrar-se-ia no âmbito do instituto da "gestão de negócios", uma questão que diz respeito, tão-somente, ao gestor e ao dono do negócio.
   70. Andou bem, pois, o Sr. Conservador do Registo Predial, ao converter em definitivo o registo do direito de propriedade da sociedade compradora, operado pela escritura de rectificação subjudice.
   71. Padecendo o acto administrativo recorrido de erro de direito, resultante de uma incorrecta aplicação e interpretação do disposto no art.º 5.°, n.º 1, do CN”.
Pronúncia do acórdão recorrido:
“a acta da sociedade compradora não se refere ao conteúdo da escritura de rectificação e não ratifica o negócio consigo mesmo titulado na escritura original, não permitindo, por carência de conteúdo, resolver os problemas decorrentes da escritura original”
Existe fundamentação jurídica, mas o acórdão recorrido não se pronunciou sobre a questão da gestão de negócios, pelo que nesta parte se verifica a nulidade da primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil.

3.4. Alegação do recorrente
c) Do Ofício-Circular n.º XX/XXXX/XXX/XXXX
72. Refere a acusação e o despacho recorrido que o recorrente não exigiu do outorgante vendedor nas escrituras do terreno em causa a certidão da escritura comprovativa da titularidade do imóvel nem, em alternativa, solicitou cópia dessa escritura à DSAJ.
73. O recorrente, em cumprimento daquele Ofício-Circular, procurou obter tal escritura, por uma das vias supra referidas.
74. Ao representante do vendedor solicitou-o pessoalmente, tendo sido informado de que o mesmo não dispunha de tal escritura.
75. Ao Serviço de Notariado da DSAJ solicitou a um seu funcionário tal diligência, tendo obtido como informação que a DSAJ não dispunha de cópia da escritura.
76. Ora, se é certo que a escritura não foi instruída com tal documento ou com a exibição do mesmo, perguntar-se-á: qual a consequência desta omissão? .
77. É que, tendo presente a acusação e o despacho recorrido, nenhuma ilegalidade foi detectada nesta escritura de compra e venda, no que concerne, nomeadamente, ao vendedor B e à sua titularidade como proprietário do objecto da venda.
78. A escritura de compra e venda de um terreno propriedade de B não oferece dúvidas, pelo que não se compreende a imputação ao recorrente de irregularidades na escritura por si lavrada quando, na verdade, formal e substancialmente o acto não padece de vícios.
79. Resulta assim que o acto recorrido e o procedimento disciplinar que lhe serve de base consubstancia uma errada subsunção jurídica da conduta praticada pelo recorrente.
Pronúncia do acórdão recorrido:
- manifestamente, não foi, como estipulado pelo of. Circular em causa, formalmente solicitado pelo recorrente à DSAJ, a junção da escritura comprovativa da tittularidade do imóvel, não obstante a não ter obtido por parte do vendedor;
Nesta parte existe fundamentação jurídica e o acórdão recorrido pronunciou-se sobre as questões suscitadas, não sofrendo de nulidade.

3.5. Alegação do recorrente
d) Da inexistência no registo a favor do vendedor da conversão da concessão de provisória em definitiva e da transmissão da concessão sem prévia autorização da entidade competente para deferimento da concessão.
   80. Por incrível que pareça, procura a acusação e o despacho recorrido ocultar e escamotear o facto, de extrema gravidade, que consiste no facto da administração não ter procedido, como lhe competia, ao averbamento à descrição predial n.º XXXXX, da caducidade da concessão do terreno a favor de F. É que, na verdade, bastaria que tal facto tivesse sido averbado e já não se levantaria a questão ora em apreço, ou seja, se a concessão do terreno estava provisória ou definitiva, nem tampouco teria sido outorgada a escritura.
   81. As escrituras públicas são instruídas com documentos autênticos ou autenticados que fazer fé pública.
   82. A escritura em questão foi instruída com um documento autêntico, uma certidão emitida pela competente Conservatória do Registo Predial (art.º 363.º do C.C.); e os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que neles são atestados (art.º 365.º n.° 1 do C.C.).
   83. Por outro lado, o art.º 7.º do C. Registo Predial, estabelece uma presunção de verdade ao dispôr que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
   84. Também, os factos sujeitos a registo só se extinguem por caducidade ou cancelamento (art.º 11.º do C. Registo Predial).
   85. Assim sendo, para o recorrente, os factos constantes da certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial eram verdadeiros e exactos e vigoravam à data em que foi lavrada a escritura em causa.
   86. Feita esta introdução, afigura-se, por outro lado, ao recorrente que não assiste à acusação e ao despacho recorrido razão quando invoca a provisoriedade da concessão (como vimos, caducada!).
   87. De facto, atenta a escritura de concessão por arrendamento do terreno em causa a favor de F, verifica-se que tal arrendamento foi feito ao abrigo das disposições previstas no Diploma Legislativo n.º 651, de 3 de Fevereiro de 1940.
   88. Deste diploma legal não constava, como hoje, a diferença entre concessões provisórias e concessões definitivas, mas, tão somente, a adjudicação provisória, prévia ao contrato, e o arrendamento (sempre definitivo) sujeito ao respectivo registo (cfr. art.os 61.º e segs. do citado diploma legal).
   89. O registo da concessão por arrendamento a favor de F era, pois, definitivo.
   90. Por outro lado, nos termos da actual Lei de Terras, (art.º 197.º da Lei n.° 6/80/M, de 5/7), os concessionários de arrendamentos definitivos em vigor - e, em 5 de Julho de 1980, a concessão do terreno em causa ainda não havia caducado - deveriam declarar se desejariam que os respectivos arrendamentos se continuassem a reger pela legislação anterior ou se pretenderiam optar pela actual lei. A falta desta declaração equivaleria a uma opção pela lei actual. Foi o que aconteceu em relação à concessão em apreço!!!.
   91. A concessão (se não tivesse caducado) sempre seria definitiva e, como tal, nos termos do art.º 143.º n.° 3 da Lei de Terras, estaria dispensada a autorização da entidade competente para a concessão, para a transmissão das situações dela decorrentes.
   92. Mas também, o facto de se tratar de uma concessão definitiva era não só o que constava do respectivo registo, como se disse, mas também o que mais se coadunaria com uma concessão com quase 50 anos de existência, factos que o recorrente, previamente à escritura que lavrou, tratou de se inteirar pessoalmente, junto do Sr. Conservador do Registo Predial.
   93. E tanto assim foi que, reitera-se, uma vez lavrada a escritura, foi a inscrição do registo de aquisição dos direitos sobre o terreno lavrado definitivamente.
   94. Padecendo o acto administrativo recorrido de erro de direito, resultante de uma incorrecta aplicação e interpretação do disposto naquelas normas.
Pronúncia do acórdão recorrido:
“ face à situação registral existente, quando lhe foi solicitada a celebração da escritura, deveria o recorrente ter averiguado se a transmissão da posição de concessionário se poderia operar nos termos em que o foi ou se estaria, como estava, sujeita a outros condicionalismos, designadamente a necessidade de autorização de transmissão por parte do concedente, no caso, o Governo da RAEM.;
Existe fundamentação jurídica, mas o acórdão recorrido omite pronúncia sobre várias questões:
- Sobre a imputação de a entidade recorrida escamotear o facto da administração não ter procedido, como lhe competia, ao averbamento à descrição predial n.º XXXXX, da caducidade da concessão do terreno a favor de F, de que se isso tivesse acontecido nunca teria sido celebrado a escritura;
- De que a concessão por arrendamento do terreno a favor de F foi feito ao abrigo das disposições previstas no Diploma Legislativo n.º 651, de 3 de Fevereiro de 1940 e de que deste diploma legal não constava, como hoje, a diferença entre concessões provisórias e concessões definitivas, mas, tão somente, a adjudicação provisória, prévia ao contrato e de que o registo da concessão por arrendamento a favor de F era definitivo.
Nesta parte verifica-se a nulidade da primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil.

3.6. Alegação do recorrente
e) Da falta de indicação do número de matriz predial ou da consignação da respectiva participação da inscrição.
   “95. Refere, finalmente, a acusação e o despacho recorrido que, nos termos do n.° 1 do art.º 78.º do Código do Notariado, "... nos instrumentos em que se descrevem prédios se deve indicar o número da respectiva matriz ou, no caso de nela estarem omissos, consignar-se a declaração de haver sido apresentada a participação para inscrição".
   96. Nada mais descabido, salvo o devido respeito!.
   97. É que, também diz tal disposição, tal indicação ou consignação deverá ser feita, apenas "quando devida"; e, nos termos do n.° 5 do mesmo artigo, apenas, deverá ser feita a participação para inscrição na matriz de prédio omisso que "nela deva ser inscrito".
   98. Ora, o recorrente fez constar nas duas escrituras de compra e venda que ambos os prédios estavam omissos na matriz predial pela sua natureza.
   99. A inscrição na matriz é um acto relacionado com a contribuição predial urbana, pelo que, se mais não houvesse, sempre desta designação se concluiria que dela estão isentos os prédios rústicos.
   100. Conclusão a que obrigatoriamente se chega, também, da leitura do preâmbulo da Lei n.° 19/78/M, de 12/08 onde se refere que:
   "Englobam-se, no conceito de prédio urbano, os edifícios assentes no solo com carácter de permanência. .." ; e deixam de estar sujeitos à contribuição predial os terrenos adequados à construção e não aproveitados... "; e da leitura do próprio articulado do regulamento, no seu art.º 2: "A contribuição predial incide sobre os rendimentos dos prédios urbanos situados no Território "
   101. É, pois, forçoso concluir que os prédios objecto de ambas as escrituras estão e devem estar omissos na matriz porque se tratam de prédios rústicos que, como tal, nela não devem ser inscritos.
   102. O acto administrativo recorrido enferma assim de erro de direito, resultante de uma incorrecta aplicação e interpretação do art.º 78.º do Código do Notariado.
Pronúncia do acórdão recorrido
  “- se o recorrente tivesse cumprido escrupulosamente aplicáveis à transmissão de concessão, teria forçosamente que exigir prova de participação para a inscrição na matriz, uma vez que, segundo o registo, o prédio se encontrava omisso (art.° 78.°, Cód. Notariado)”.
  Existe fundamentação jurídica, mas o acórdão recorrido omitiu pronúncia sobre a alegação de a inscrição na matriz não ser devida por se tratar de prédio rústico.
Nesta parte verifica-se a nulidade da primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil.
Procede, assim o recurso do recorrente no que se refere à nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia (primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil), quanto a questões no âmbito dos seguintes vícios:
a) Da intervenção de um único outorgante em representação de comprador e vendedor. (3.2.)
b) Do conteúdo da acta da sociedade compradora (3.3.)
d) Da inexistência no registo a favor do vendedor da conversão da concessão de provisória em definitiva e da transmissão da concessão sem prévia autorização da entidade competente para deferimento da concessão ( 3.5.)
e) Da falta de indicação do número de matriz predial ou da consignação da respectiva participação da inscrição ( 3.6.).
  
  4. Questões relativas aos vícios imputados pelo recorrente ao acto recorrido
  4.1. Falta de audiência do recorrente
  Apreciemos, agora, as questões relativas aos vícios imputados pelo recorrente ao acto recorrido, começando pela falta de audiência do recorrente.
  O recorrente foi notificado da acusação no processo disciplinar e foram ouvidas testemunhas que arrolou. Seguidamente, o instrutor elaborou relatório final e foi praticado o acto punitivo.
  Entende o recorrente que devia ter sido ouvido após inquirição das testemunhas, nos termos do artigo 93.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo, segundo o qual, concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final.
  Aduz, ainda, que o artigo 329.º, n.º 3, do ETAPM prevê expressamente a audição do arguido após a realização de diligências de prova complementares e antes da elaboração do relatório final.
  Afigura-se-nos que, nesta parte, o acórdão recorrido fez correcta aplicação da lei.
  Assim, por um lado, o disposto no artigo 93.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo, segundo o qual, concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, não se aplica no processo disciplinar.
  Efectivamente, o processo disciplinar está minuciosamente regulado na lei, sendo um processo que concede todas as garantias de defesa ao arguido. Este tem de ser ouvido no processo disciplinar e contra ele é deduzida uma acusação à qual pode responder e arrolar meios de prova, não se prevendo que tenha de ser ouvido mais do que uma vez, nem isso fazendo sentido, salvo havendo novos elementos com que o arguido não contou quando organizou a sua defesa.
  Por outro lado, o arguido foi ouvido em declarações no processo disciplinar, como impõe o artigo 329.º, n.º 3, do ETAPM.
  Acresce que nos autos não foram realizadas diligências de prova complementares, entendidas como diligências a ser feitas por iniciativa do instrutor após produção de prova oferecida pelo arguido, como se prevê no n.º 2 do artigo 336.º do ETAPM. Neste caso é que o instrutor teria de ouvir novamente o arguido. Nos autos nada disto aconteceu: foram apenas inquiridas as testemunhas oferecidas pelo arguido e nada mais, pelo que ele não teria de ser ouvido novamente.
  Em suma, o direito de audiência do interessado a que se refere o artigo 93.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo, e que tem lugar concluída a instrução e antes de ser tomada a decisão final, não se aplica no processo disciplinar, já que neste processo a audiência do arguido está organizada de forma especial: este tem de ser obrigatoriamente ouvido no processo e contra ele é deduzida uma acusação à qual pode responder, indicando testemunhas e requerendo outros meios de prova.
  Além disso, se o instrutor ordenar novas diligências de prova, por sua iniciativa, após a notificação da acusação, designadamente, inquirindo testemunhas ou juntando documentos novos ou informações dos serviços que relevem em desfavor do arguido, tem de ouvir o arguido sobre estes novos elementos.
  No caso dos autos nada disto sucedeu, pelo que o arguido não tinha de voltar a ser ouvido após apresentação da sua defesa.
  
  4.2. Falta de audiência da testemunha indicada pelo recorrente e omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade
  Insurge-se o recorrente contra o facto de uma testemunha que arrolou na defesa do processo disciplinar não ter sido inquirida sobre os pontos 6 e 7 da defesa.
  Ora, tal matéria ou só podia ser provada por documento autêntico ou constituía matéria de direito. Em qualquer dos casos, como se sabe, a testemunha não pode ser inquirida sobre essas matérias (artigos 387.º do Código Civil e 539.º do Código de Processo Civil).
  É certo que no artigo 40.º das alegações do presente recurso, o recorrente alegou factos que interessava perguntar à testemunha, só que não o fez no momento e local próprio: o processo disciplinar, pelo que, agora, alega em pura perda.
  Improcede a questão suscitada.
  Alega, ainda, o recorrente que a cópia da escritura comprovativa da titularidade do imóvel, celebrada em 10.1.1956, cuja junção foi requerida pelo recorrente, só foi junta ao processo disciplinar já depois de formulada a decisão final, pelo que não foi valorado nesta, havendo omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade.
  Só que o recorrente não explica em que é que a junção da certidão da escritura era diligência essencial para a descoberta da verdade.
  Na verdade, não estava em causa no processo disciplinar a realização daquela escritura, nem a identidade das partes, nem nenhum elemento do contrato, pelo que não se vislumbra em que é que a diligência era essencial para a descoberta da verdade.
  Improcede a questão suscitada.
  
4.3. Do Ofício-Circular n.º XX/XXXX/XXX/XXXX
A última questão suscitada pelo recorrente que pode, agora, ser conhecida, por nessa parte não sofrer de nulidade o acórdão recorrido, é a atinente ao Ofício-Circular n.º XX/XXXX/XXX/XXXX.
Na acusação do processo disciplinar, sob os n. os 19 e 20, ao arguido foi imputado o facto de não ter pedido a escritura anterior do prédio, comprovativa da titularidade do imóvel por parte do vendedor, sendo que o Ofício-Circular n.º XX/XXXX/XXX/XXXX, dirigido pela Direcção dos Serviços dos Assuntos de Justiça aos notários, exigia que, a partir de 20.9.2004, estes passassem a exigir do outorgante vendedor, desde que não fosse uma sociedade e uma primeira venda e do outorgante hipotecante, certidão da escritura comprovativa da titularidade do imóvel por parte do vendedor. Para tal, o notário deveria contactar a referida Direcção dos Serviços, que se encarregaria de lhe remeter uma cópia por via informática.
O acto punitivo dá como provado estes factos e considera a falta uma irregularidade grave.
O arguido não fez prova de ter cumprido o que determinava a circular, nem sequer que pediu verbalmente a certidão aos serviços.
O recorrente entende que nenhuma ilegalidade foi detectada na escritura, de que ele não exigiu cópia, pelo que não praticou qualquer irregularidade.
Esquece o recorrente que a acusação que lhe é feita, e pelo qual foi punido, respeita ao seu não cumprimento de deveres próprios da sua profissão, entre eles o não acatamento das instruções veiculadas por circulares. A obediência às instruções é um valor por si. A desobediência é, por isso, um desvalor. Daí a irregularidade cometida.
Improcede a questão suscitada.

Recurso da Secretária para a Administração e Justiça
5. A circunstância agravante da alínea j) do n.º 1 do artigo 283.º do ETAPM.
O acórdão recorrido anulou o acto administrativo por ter considerado como circunstância agravante a prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 283.º do ETAPM (A responsabilidade do cargo exercido e o grau de instrução do infractor), já que as sanções próprias aplicáveis aos notários privados já levam em conta, necessariamente, essas circunstâncias, pelo que considerando-as como agravante se procede a uma dupla valoração das mesmas.
A ora recorrente entende, por um lado, que o acto punitivo não considerou tal agravante e, por outro, que nada obsta a que se atenda a tal circunstância no regime punitivo dos notários.
Quanto à primeira questão, o acto recorrido remete, na totalidade para o relatório final do instrutor (<>)
   Ora, a consideração de tal circunstância agravante consta do artigo 58.º do relatório: (“58. A responsabilidade do cargo exercido e o grau de instrução são elevados, sendo o arguido, em consequência, prejudicado pelas circunstâncias agravantes da responsabilidade disciplinar previstas nas alíneas b) e j) do n.º 1 do artigo 283.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau”).
   Logo, tal circunstância foi considerada no acto punitivo.
   Se a agravante teve pouca ou muita relevância na sanção escolhida, é, nesta sede, irrelevante. Efectivamente, no contencioso de anulação, se o tribunal considera que o acto administrativo enferma de erro na qualificação jurídica quanto a uma circunstância agravante, não lhe cabe dizer se, apesar disso, se justifica ou não a pena aplicada. Nem se invoque, em abono, a doutrina do Acórdão do TSI de 19.6.2003, no Processo n.º 210/2001, já que este TUI tem jurisprudência pacífica, consubstanciada em três decisões, contrária a tal entendimento.
Efectivamente, ainda recentemente no Acórdão de 10 de Maio de 2006, no Processo n.º 7/2006, tivemos ocasião de expender:
   < Estas considerações aplicam-se, mutatis mutandis, ao caso dos autos. Só à Administração cabe ponderar se mantém a pena de demissão que aplicou, apesar de não se verificar uma circunstância agravante que levou em conta na aplicação daquela pena disciplinar.
Ou seja, comportando a escolha entre as penas disciplinares de aposentação compulsiva e demissão uma margem de discricionariedade – cuja decisão a lei reservou à Administração - não pode o Tribunal decidir qual destas penas deve ser aplicada, se entender que não se verifica uma circunstância agravante, indevidamente considerada pelo acto punitivo. Neste caso, deve, apenas, anular o acto administrativo, com fundamento em ilegalidade – cuja função a lei atribui aos tribunais em caso de recurso contencioso - devolvendo a apreciação da situação à Administração, a quem cabe a apreciação da função jurídica que constitui a discricionariedade>>.
E, num contexto com algumas semelhanças, também nos pronunciámos no mesmo sentido, no Acórdão de 14 de Junho de 2004, no Processo n.º 21/2004.

6. A circunstância agravante da alínea j) do n.º 1 do artigo 283.º do ETAPM. Continuação.
Quanto ao mérito da questão, afigura-se-nos que o acórdão recorrido decidiu bem.
No acto administrativo foi considerada como circunstância agravante a prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 283.º do ETAPM (“A responsabilidade do cargo exercido e o grau de instrução do infractor”), tendo-se dado como provado que o arguido tem formação superior em Direito e é advogado.
Ora, acontece que só se pode ser notário privado sendo licenciado em Direito e sendo advogado (artigo 1.º do Estatuto dos Notários Privados aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/99/M, de 1.11).
Assim, nos tipos disciplinares aplicáveis aos notários privados e nas respectivas sanções disciplinares, o legislador já levou em conta aquela formação académica e o facto de os notários terem de ser advogados.
Deste modo, o acto punitivo não podia ter considerado a mencionada circunstância agravante, por ela já ter sido considerada nas penalidades previstas na lei, por a isso se opor o princípio da proibição da dupla valoração, ou princípio do non bis in idem, constante do n.º 2 do artigo 65.º do Código Penal 6- aplicável subsidiariamente nos termos do artigo 277.º do ETAPM - nos termos do qual, na determinação da medida da pena o tribunal só pode atender às circunstâncias que não fizerem parte do tipo de crime.
Como explica J. FIGUEIREDO DIAS 7 “o princípio tem uma justificação quase evidente: não devem ser utilizadas pelo juiz para determinação da medida da pena circunstâncias que o legislador já tomou em consideração ao estabelecer a moldura penal do facto; e portanto não apenas os elementos do tipo-de-ilícito em sentido estrito, mas todos os elementos que tenham sido relevantes para a determinação legal da pena”.
Foi, aliás, o que decidimos, em hipótese semelhante, no já referido Acórdão de 10 de Maio de 2006, no Processo n.º 7/2006.
  Improcede a questão suscitada.
  
   IV - Decisão
   Face ao expendido:
   i) Dá-se parcial provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Dr. A, declarando a nulidade do acórdão recorrido quanto às questões mencionadas em 3.2., 3.3., 3.5. e 3.6. Deve o Tribunal recorrido, com a mesma composição, apreciar as questões que não apreciou. As outras questões que o acórdão recorrido apreciou, respeitantes aos vícios do acto administrativo, agora objecto de anulação, serão objecto de apreciação pelo TUI, em ulterior recurso, se o houver e se for caso disso;
ii) Nega-se provimento às restantes questões suscitadas pelo Dr. A;
iii) Nega-se provimento ao recurso interposto pela Secretária para a Administração e Justiça.
Custas pelo recorrente Dr. A, na parte em que decaiu, fixando a taxa de justiça em 4 UC.
Macau, 13 de Setembro de 2006.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vitor Coelho
   1 A transcrição é precedida do seguinte texto: “Ora bem, analisados crítica e globalmente à luz do princípio da livre apreciação da prova, todos os elementos a isso pertinentes decorrentes dos autos e do processo instrutor apensado, necessariamente vistos à luz da lei aplicável na matéria, aliás já referenciada no douto parecer do Ministério Público, cremos que a solução do recurso já se encontra mui perspicazmente tecida na mesma judiciosa peça opinativa, nos seguintes termos (cfr. o teor literal de fls. 223 a 229 dos autos), e perante os diversos elementos fácticos também já nela indicados:”
2 J. LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO E RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra Editora, 2001, p. 669.
3 Só não podendo, em princípio, agravar a sanção.
4 Como é sabido, o princípio do aproveitamento dos actos administrativos, não invalidando o acto, apesar do vício constatado, só vale no domínio dos actos vinculados, o que não se verifica no domínio da dosimetria das penas disciplinares, que comporta uma margem de discricionariedade.
5 Fornecendo ampla informação jurisprudencial e esgotando o tema, cfr. o Boletim do Ministério da Justiça n.º 490, p. 102 e 103.
6 Sobre o princípio, cfr. J. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, Parte Geral, II, As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 234 e segs. e GERMANO MARQUES DA SILVA, Direito Penal Português, Parte Geral, III, Teoria das Penas e das Medidas de Segurança, Lisboa/São Paulo, Editorial Verbo, 1999, p. 135 e 136.
7 J. FIGUEIREDO DIAS, Direito..., p. 234.
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Processo n.º 22/2006