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Processo n.º 350/2011 Data do acórdão: 2012-1-12
(Autos de recurso penal)
  Assuntos:
  – julgamento de factos
– art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal
– art.o 114.o do Código de Processo Penal
– suspensão da pena
S U M Á R I O
1. Não sendo o resultado concreto do julgamento da matéria de facto a que chegou o tribunal recorrido manifestamente desrazoável à luz das regras da experiência da vida humana em normalidade de situações ou violadora de quaisquer legis artis ou normas de prova legal, não pode vir o arguido recorrente pretender, através da invocação do vício aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal, fazer sindicar, ao arrepio do art.o 114.o deste Código, a livre convicção do tribunal.
2. Tendo o recorrente já chegado a cumprir, no passado, pena de prisão efectiva nomeadamente por dois crimes de roubo, de natureza mais grave do que a do crime de burla ora em causa, é impensável que, nesta vez, em que nem confessou ele os factos da burla, a mera censura dos factos e a ameaça da prisão já consigam realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, mormente em sede da prevenção especial.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 350/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A (XXX)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida a fls. 133 a 136 dos autos de Processo Comum Singular n.° CR3-11-0004-PCS do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou como autor material de um crime consumado de burla, p. e p. pelo art.o 211.o, n.o 1, do Código Penal vigente (CP), na pena de cinco meses de prisão efectiva, com obrigação de pagar RMB16.000,00 (dezasseis mil renminbis) de indemnização, arbitrada oficiosamente, ao ofendido B (XXX), veio o arguido A (XXX), aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para, nos termos detalhadamente vertidos na sua motivação apresentada a fls. 150 a 157 dos presentes autos correspondentes, imputar, a título principal, ao Tribunal recorrido o cometimento de erro notório na apreciação da prova, e pedir, subsidiariamente, a suspensão da execução da pena de prisão.
Ao recurso respondeu o Ministério Público a fls. 159 a 161, no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 172 a 173v, pugnando pela rejeição do recurso.
Feito subsequentemente o exame preliminar (em sede do qual se entendeu dever o recurso ser rejeitado em conferência por manifestamente improcedente) e corridos os vistos legais, cumpre agora decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
O Tribunal recorrido deu por provada a seguinte factualidade, na sua essência:
– em Setembro de 2008, para lograr a confiança de B (ofendido), o arguido declarou a este, o qual se encontrava na altura a trabalhar numa fábrica de recolha de resíduos em Macau, que ele próprio era patrão dessa fábrica;
– em Outubro de 2008, em Gongbei, o arguido declarou ao ofendido que tinha amigos a trabalharem no campo de obras de construção de Venetian, e que podia arranjar emprego em Macau para o ofendido e seus familiares e amigos, e tratar dos documentos necessários, cobrando, a cada trabalhador, RMB6.000,00 (seis mil renminbis) de despesas. O ofendido acreditou nisso como verdadeiro, e o arguido revelou ao ofendido o seu número do telemóvel 6XXXXXXX para efeitos de contacto;
– de Dezembro de 2008 a Fevereiro de 2009, o ofendido entregou ao arguido, por cinco vezes sucessivas, e em Zhuhai, um total de RMB16.000,00, como despesas para tratamento de documentos de trabalhador não-residente em Macau da sua própria pessoa, da sua mulher e de um familiar, tendo o arguido afirmado que a quantia em dívida relativa à mulher do ofendido, no valor de RMB2.000,00, teria de ser paga após a obtenção dos documentos em questão;
– recebido o referido montante, o arguido prometeu ao ofendido que poderiam ser emitidos os documentos de trabalhadores não-residentes em princípios de 2009, para trabalharem no campo de obras de Venetian em tarefas de areias, com MOP200,00 a MOP300,00 de retribuição diária, e sem exigência de aptidão profissional especial para o efeito;
– não tendo havido depois nenhuma evolução no assunto, o ofendido chegou a telefonar para o número 6XXXXXXX, para perguntar ao arguido sobre o andamento do tratamento dos documentos, tendo o arguido vindo a alegar diversos pretextos, e até deixado de utilizar o dito telemóvel em Janeiro de 2009, o que veio impossibilitar que o ofendido entrasse em contacto com ele;
– na verdade, o arguido não tinha capacidade para tratar de tais documentos para o ofendido, nem tratou de quaisquer formalidades;
– o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de praticar os factos acima referidos, fazendo, através de estratagemas, com que o ofendido tenha acreditado na sua capacidade de tratar de documentos de trabalhadores não-residentes em Macau, e com que o ofendido tenha feito prestação pecuniária. Actuou o arguido com o objectivo de obter benefício ilegítimo, e a sua conduta causou directamente prejuízo pecuniário ao ofendido;
– o arguido sabia que a sua conduta era violadora da lei e era punível pela lei;
– o arguido tem por habilitações literárias a 6.a classe do ensino primário, trabalha como motorista numa companhia de construção civil, com cerca de MOP10.000,00 de rendimento mensal, e precisa de sustentar a mulher e os pais;
– o arguido negou a prática dos factos;
– em 16 de Julho de 2004, por cometimento de dois crimes de roubo, o arguido foi condenado na pena única de dois anos e três meses de prisão, já cumprida;
– o arguido também chegou a cumprir três anos de prisão por crimes de detenção de estupefacientes para consumo pessoal, de tráfico de quantidade diminuta, e de detenção indevida de utensilagem;
– em 3 de Julho de 2009, por prática de um crime de fuga à responsabilidade, foi condenado na pena de três meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, pena essa ainda não declarada extinta;
– em 24 de Fevereiro de 2011, por prática de um crime negligente de ofensa à integridade física, foi condenado na pena de um ano e um mês de prisão, suspensa na sua execução por dois anos;
– e tem ainda (à data de emissão da sentença ora recorrida) dois processos penais pendentes.
Por outro lado, teceu o Tribunal recorrido materialmente a seguinte fundamentação da sua livre convicção sobre os factos, no texto da sua decisão condenatória:
– Este Tribunal julgou os factos com base nas declarações do arguido, nos depoimentos das testemunhas e nos documentos dos autos.
O arguido negou os factos na audiência. Embora o ofendido tenha, no início da audiência, ocultado a parte relativa ao seu trabalho em Macau, isto não obstou à credibilidade do seu depoimento na restante parte.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, e por uma questão de sequência lógica das ilegalidades apontadas pelo recorrente à decisão condenatória impugnada, cabe, desde já, afirmar que depois de analisados os elementos probatórios referidos na fundamentação da sentença recorrida, se mostra evidente ao presente Tribunal ad quem que o resultado concreto do julgamento da matéria de facto a que chegou o Tribunal recorrido não seja manifestamente desrazoável à luz das regras da experiência da vida humana em normalidade de situações ou violadora de quaisquer legis artis ou normas de prova legal, pelo que não pode vir o arguido pretender, através da invocação do vício aludido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal vigente, fazer sindicar, ao arrepio do art.o 114.o deste Código, a livre convicção daquele Ente Julgador.
Por outra banda, é de naufragar também claramente o recurso na subsidiária parte relativa à pretendida suspensão da execução da pena, porquanto tendo o arguido já chegado a cumprir, no passado, pena de prisão efectiva nomeadamente por dois crimes de roubo, de natureza mais grave do que a do crime de burla ora em causa, é impensável que, nesta vez, em que nem confessou ele os factos da burla, a mera censura dos factos e a ameaça da prisão já consigam realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, mormente em sede da prevenção especial.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em rejeitar o recurso.
Custas pelo arguido recorrente, com duas UC de taxa de justiça e três UC de sanção pecuniária, e mil patacas e trezentas de honorários a favor do seu Exm.o Defensor Oficioso, a adiantar, por ora, pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Comunique a presente decisão ao ofendido.
Passe mandados de detenção contra o arguido para efeitos de cumprimento da pena.
Macau, 12 de Janeiro de 2012.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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