Proc. nº 215/2010
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 02 de Fevereiro de 2012
Descritores:
-Princípio da plenitude
SUMÁRIO:
I- O princípio da plenitude da assistência dos juízes, estabelecido no art. 557º, do Código de Processo Civil, sendo um dos corolários dos princípios da oralidade e da livre apreciação da prova, só tem aplicabilidade para a decisão sobre a matéria de facto. Daí que não integre qualquer vício processual o facto de a sentença ser proferida por um juiz diverso do que julgou a matéria de facto
II- O prazo de 20 dias previsto no art. 561º do CPC para a elaboração da sentença é, como se sabe, um prazo ordenador e disciplinador que consolida ou densifica o princípio da celeridade que se entrevê no nº3, do art. 6º da LBOJ.
Proc. nº 215/2010
(recurso cível e laboral)
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I- Relatório
A “Agência Comercial A, Limitada”, intentou contra “Agência Comercial B, Limitada”, ambas com os demais sinais dos autos, acção de condenação com processo ordinário, pedindo, entre o mais, a condenação desta no pagamento de Mop$ 2.377.275,30 e das despesas relacionadas com o pleito.
*
Correu o processo os seus normais trâmites, vindo a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, em consequência do que condenou a ré a pagar à autora a quantia de Mop$ 2.374, 298,22, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento e improcedente quanto aos demais pedidos.
*
É dessa sentença que ora vem interposto pela ré da acção, “Agência B” o presente recurso, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“a) O acórdão recorrido é nulo ou, pelos menos, anulável, por violação: das regras de competência, do poder de jurisdicional do juiz, do princípio da livre apreciação da prova, bem como por erro na apreciação da prova, erro de julgamento, falta e/ou insuficiência da fundamento, uma vez que a Mma Juíza a quo fez como sua (“proferindo”) a decisão que tinha sido anteriormente elaborada por seu colega, Dr. Fong Man Chong, que nunca interveio no processo até à fase do encerramento da discussão da matéria de facto (ou melhor dizendo, que apenas proferiu a decisão de acordo com os elementos existentes nos autos, no puro plano de aplicação de direito ao caso concreto, segundo a matéria de facto dada como provada (por outro Colectivo), sem ter assistido a fase de produção de prova.)
b) O acórdão recorrido é nulo, ou pelos menos, anulável, por ter desrespeitado o prazo legal de 20 dias estipulado no artº 561º do CPC, dada a remontada data (21.09.2007) em que foi apresentada a discussão por escrito do aspecto jurídico da causa
c) As respostas do Tribunal a quo aos quesitos de fls. 390 e ss. são, insuficientes, obscuras e contraditórias face às provas documental e testemunhal produzida nos autos;
d) Existem erro na apreciação das provas produzidas, a falta e/ou insuficiência de fundamentação na decisão recorrida;
e) A decisão ora recorrida também padece de nulidade nos termos das alíneas b), c) e d) do nº 1 do are 571º do Código de Processo Civil em vigor, em virtude de, na apreciação das provas produzidas, não ter dado a devida consideração, na integra, às matérias dadas como provadas e não provadas”.
*
Na sua resposta ao recurso, a autora da acção formulou as seguintes conclusões:
“1.a A Meritíssima Juiz a quo, ao subscrever a sentença proferida por um Colega, mais não fez que aderir aos fundamentos de facto e de direito invocados em tal sentença.
2.a A lei processual civil exige a fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente, mas deixa ampla margem de conformação do modo, limites e termos dessa fundamentação, o que tem a ver com razões de diversa índole, incluindo de ordem prática e, designadamente, e além do mais, com objectivos de celeridade processual, em certos domínios, sendo indispensável que se possa dizer que existe uma verdadeira e própria fundamentação, isto é, uma justificação do sentido e termos da decisão, que permite perceber os critérios em que esta assentou e, portanto, está a Recorrida em condições de impugná-la.
3.a O art.º 108.º, n.º 2, do CPC, apenas, proíbe a simples adesão aos fundamentos alegados pelas Partes.
4.a O art.º 561.º do CPC estipula um prazo de vinte dias, a contar da data em que se considerar concluída a discussão do aspecto jurídico da causa, para ser elaborada a sentença mas nenhum normativo declara o incumprimento desse prazo como uma causa de nulidade do acto em si.
5.a Mesmo que se tratasse de uma nulidade processual, não é o momento próprio para a arguir, sendo que, ao fazê-lo, nesta data, a Recorrida está a praticar uma manobra dilatória para impedir que seja conhecida uma decisão final; quando foi proferida a primeira sentença em 31 de Dezembro de 2008 - pelo, então, Exm.º Presidente do Colectivo, já haviam decorrido 20 dias sobre a data em que foi apresentada a Alegação de Direito por parte da Ré, ora Recorrente, e esta não arguiu a nulidade ou invocou qualquer irregularidade.
6.a Encontram-se, no presente processo, todos os elementos de facto necessários para uma decisão de direito, pelo que não é compreensível que se defenda que, com um novo julgamento (da matéria de facto) se alcançasse um resultado diferente, isto é, que fosse dada por assente matéria fáctica diferente.
7.a A Recorrente, ao fazer uma transcrição quase completa dos depoimentos das testemunhas gravados em audiência de discussão e julgamento da matéria de facto, limitando-se a afirmar que os “depoimentos de maior relevo são realçados mediante as letras maiores”, não cumpriu as regras contidas no art.º 599.º, nºs 1, alíneas a) e b), e 2, do CPC.
8.a O legislador, quando garante aos interessados o duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, não permite que o recorrente, pela própria natureza das coisas, requeira a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, pois apenas se tem em vista a correcção de pontuais, concretos e, seguramente excepcionais, erros de julgamento, não competindo ao Tribunal ad quem procurar fazer uma global apreciação de toda a prova produzida em audiência no Tribunal a quo.
9.a Porque, efectivamente, a Recorrente não indicou quais os meios probatórios nem, tão-pouco, as passagens da gravação dos depoimentos das testemunhas, em que se funda o alegado erro na apreciação da prova, nessa parte, deve ser rejeitado o recurso, dando-se por não feita a impugnação da matéria de facto.
10.a A Sentença em impugnação foi elaborada de acordo com as regras prescritas no art.º 562.º do Código de Processo Civil, estando devidamente fundamentada, pelo que não é de entender como válida a afirmação da Recorrente no sentido de que a sentença recorrida, para além de estar ferida do vício da nulidade com outros fundamentos, produziu uma decisão inválida porque lhe falta ou é insuficiente a fundamentação.
11.a A Meritíssima Juíza a quo fez uma aplicação correcta das normas e interpretou-as de acordo com o pensamento do legislador, pelo que, face à matéria fáctica dada por provada outra não podia ser a decisão final”.
*
Cumpre decidir.
***
II- Os factos
A sentença recorrida deu por provada a seguinte factualidade:
“Da Matéria de Facto Assente:
- A Autora é uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, matriculada, sob o nº XX, na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis, que tem como objecto social o comércio de comissões, consignações e agências comerciais de grande variedade de mercadorias, tendo iniciado a sua actividade em 29 de Junho de 1992 (alínea A da Especificação).
- Por sua vez, a Ré é, também, uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, matriculada, sob o nº XX, na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis, que tem como objecto social a importação e exportação de grande variedade de mercadorias, tendo iniciado a sua actividade em 9 de Outubro de 1999 (alínea B da Especificação).
- São sócios da Autora, entre outros C, casado com D e E, casada com F (alínea C da Especificação).
- C, casado com D e E, casada com F, constituíram, a 9 de Outubro de 1999, a sociedade Ré, tendo sido seus únicos sócios e gerentes até 18 de Julho de 2005 (alínea D da Especificação).
- A 18 de Julho de 2005, o sócio C cessou as suas funções de gerente e transmitiu a sua quota a F (alínea E da Especificação).
- A partir de 18 de Julho de 2005, F e a sua mulher E, passaram a ser os únicos e actuais sócios da “Agência Comercial B”, aqui Ré (alínea F da Especificação).
- A Autora e a Ré, entre 20 de Setembro de 2001 e 1 de Novembro de 2005, tinha a mesma sede social, instalada na Avenida da XX, nº XX, edf. “XX”, XXº andar, em Macau (alínea G da Especificação).
- Durante aquele período, a Autora e a Ré tiveram, ao seu serviço, empregados comuns, usaram um armazém em conjunto até à mudança de sede da sociedade Ré, ocorrida em 1 de Novembro (alínea H da Especificação).
*
Da Base Instrutória:
- Durante o período compreendido entre 1 de Julho de 2005 e 1 de Novembro de 2005, Autora e Ré dividiram as despesas correntes até à mudança de sede da sociedade Ré (resposta ao quesito 1º).
- Por vezes, a Autora procedeu, em nome e no interesse da Ré, ao pagamento de despesas da exclusiva responsabilidade desta (resposta ao quesito 5º).
- Sendo imediatamente, reembolsada pela Ré (resposta ao quesito 6º).
- Por vezes, a Ré procedeu, em nome e no interesse da Autora, ao pagamento de despesas da exclusiva responsabilidade desta (resposta ao quesito 7º).
- Sendo imediatamente, reembolsada pela Autora (resposta ao quesito 8º).
- Em 1/7/2005, a Autora forneceu à Ré 7450.00 LB, no valor de HKD$92,807.l5 (resposta ao quesito 9º).
- Em 1/7/2005, a Autora forneceu à Ré 2688.80 LB, no valor de HKD$78,251.76 (resposta ao quesito 10º).
- Em 1/7/2005, a Autora forneceu à Ré 1899.00 LB, no valor de HKD$43,209.86 (resposta ao quesito 11º).
- Em 1/7/2005, a Autora forneceu à Ré 2951.00 LB, no valor de HKD$37,761.99 (resposta ao quesito 12º).
- Em 1/7/2005, a Autora forneceu à Ré 9314.34 LB, no valor de HKD$305,480.24 (resposta ao quesito 13º).
- Em 5/7/2005, a Autora forneceu à Ré 384.50 LB, no valor de HKD$1,955.68 (resposta ao quesito 14º).
- Em 7/7/2005, a Autora forneceu à Ré 8488.00 LB, no valor de HKD$220,845.60 (resposta ao quesito 15º).
- Em 10/7/2005, a Autora forneceu à Ré 826.00 LB, no valor de HKD$12,238.14 (resposta ao quesito 16º).
- Em 12/7/2005, a Autora forneceu à Ré 1826.23 LB, no valor de HKD$38,136.99 (resposta ao quesito 17º).
- Em 20/7/2005, a Autora forneceu à Ré 684.50 LB, no valor de HKD$16,221.10 (resposta ao quesito 18º).
- Em 20/7/2005, a Autora forneceu à Ré 134.00 LB, no valor de HKD$2,984.11 (resposta ao quesito 19º).
- Em 21/7/2005, a Autora forneceu à Ré 1312.00 LB, no valor de HKD$35,371.38 (resposta ao quesito 20º).
- Em 22/7/2005, a Autora forneceu à Ré 1243.00 LB, no valor de HKD$15,439.25 (resposta ao quesito 21º).
- Em 28/7/2005, a Autora forneceu à Ré 645.00 LB, no valor de HKD$13,076.30 (resposta ao quesito 22º).
- Em 1/8/2005, a Autora forneceu à Ré 1944.50 LB, no valor de HKD$35,594.78 (resposta ao quesito 23º).
- Em 10/8/2005, a Autora forneceu à Ré 2029.00 LB, no valor de HKD$31,549.55 (resposta ao quesito 24º).
- Em 17/8/2005, a Autora forneceu à Ré 2350.20 LB, no valor de HKD$54,649.67 (resposta ao quesito 25º).
- Em 1/9/2005, a Autora forneceu à Ré 2095.80 LB, no valor de HKD$37,210.61 (resposta ao quesito 26º).
- Em 10/9/2005, a Autora forneceu à Ré 6132.00 LB, no valor de HKD$82,191.33 (resposta ao quesito 27º).
- Em 16/9/2005, a Autora forneceu à Ré 15156.50 LB, no valor de HKD$199,929.36 (resposta ao quesito 28º).
- Em 16/9/2005, a Autora forneceu à Ré 96.00 LB, no valor de HKD$1,869.68 (resposta ao quesito 29º).
- Em 7/10/2005, a Autora forneceu à Ré 2176.0 LB, no valor de HKD$39,993.78 (resposta ao quesito 30º).
- Em 14/10/2005, a Autora forneceu à Ré 145.00 LB, no valor de HKD$2,146.78 (resposta ao quesito 31º).
- Em 19/10/2005, a Autora forneceu à Ré 272.50 LB, no valor de HKD$8,032.75 (resposta ao quesito 32º).
- Em 31/10/2005, a Autora forneceu à Ré 508.50 LB, no valor de HKD$13,838.40 (resposta ao quesito 33º).
- Em 30/11/2005, a Autora forneceu à Ré 135.00 LB, no valor de HKD$1,984.13 (resposta ao quesito 34º).
- Em 30/11/2005, a Autora forneceu à Ré 1179.00 LB, no valor de HKD$22,807.15 (resposta ao quesito 35º).
- Em 9/12/2005, a Autora forneceu à Ré 40.00 LB, no valor de HKD$768,00 (resposta ao quesito 36º).
- Acordaram Autora e Ré que o pagamento do preço dos materiais fornecidos devia ser efectuado no dia a seguir ao da respectiva entrega (resposta ao quesito 37º).
- A Ré não pagou o preço no prazo acordado nem posteriormente, no montante de HKD$1,456,345.52 (um milhão, quatrocentos e cinquenta e seis mil, trezentos e quarenta e cinco dólares e cinquenta e dois avos), que correspondem MOP$1,500,035.80 (resposta ao quesito 38º).
- O facto de terem Autora e Ré repartido o espaço (instalações da sede e armazém para mercadoria) e os trabalhadores, durante um período referido no quesito 1º, determinou que se fizesse, periodicamente, um acerto de contas (resposta ao quesito 39º).
- Cabendo a cada uma (Autora e Ré) pagar metade (1/2) do valor das despesas referentes ao arrendamento das instalações, ao condomínio (referente à fracção autónoma onde se encontrava instalada a sede social e referente ao armazém utilizado por ambas), às despesas de electricidade e água, aos salários devidos aos trabalhadores e todos os créditos emergentes da relação laboral; às despesas com telecomunicações (telefone e internet); à aquisição de material de escritório; à aquisição de água para consumo do pessoal; à aquisição de jornais e revistas (resposta ao quesito 40º).
- A Autora procedeu ao pagamento dos seguintes montantes (resposta ao quesito 41º):
(1) Valor da renda das instalações - fracção autónoma do XX.º andar do edifício XX sito na Avenida XX n.º XX, em Macau -, atendendo ao valor mensal da renda fixada em vinte mil dólares de Hong Kong, (a) HK$10,000.00, respeitante ao mês de Julho de 2005; (b) HK$10,000.00, respeitante ao mês de Agosto de 2005; (c) HK$10,000.00, respeitante ao mês de Setembro de 2005; (d) HK$10,000.00, respeitante ao mês de Outubro de 2005, todos do encargo da Ré, num total de HK$40,000.00 (quarenta mil dólares de Hong Kong) a que correspondem MOP$41,200.00 (quarenta e uma mil duzentas patacas);
(2) Despesas de condomínio no montante MOP$1042.5, do encargo da Ré, respeitante ao mês de Novembro de 2005 e no que se refere ao armazém instalado no XX.ºandar “XX” do edifício industrial “XX” do encargo da Ré.
(3) Totalidade das despesas de electricidade e de água: (a) em 27 de Outubro de 2005, a quantia de MOP$1,798.00; (b) em 25 de Novembro de 2005, a quantia de a MOP$1,317.00; (c) em 28 de Dezembro de 2005, a quantia de MOP$805.00, sendo MOP$302.30 as despesas feitas pela Ré, (d) em 29 de Outubro de 2005, a quantia de MOP$60.00;
(4) Salários devidos aos trabalhadores: (a) o montante de MOP$2,399.00 respeitante a metade dos salários e subsídios do mês Setembro de 2005 do trabalhador G, e (b) o montante de MOP$1,000.00, atendendo ao valor do salário de dois mil renminbis pago a um trabalhador a prestar serviço em Zhu Hai (República Popular da China), respeitante ao mês de Novembro de 2005, num total de MOP$3,399.00 (três mil trezentas e noventa e nove patacas), da responsabilidade da Ré,
(5) Totalidade das despesas com telecomunicações (telefone e internet): (a) telefone referente ao mês Setembro/Outubro de 2005, a quantia de MOP$1,076.10; (b) internet referente ao mês de Setembro/Outubro de 2005, a quantia de MOP$278.00; (c) telefone referente ao mês Outubro/Novembro de 2005, a quantia de MOP$1,389.64; (d) internet referente ao mês de Outubro/Novembro de 2005, a quantia de MOP$278.00; (e) internet referente ao mês de Novembro de 2005, a quantia de MOP$278.00, e (f) telefone referente a despesas feitas pela Ré nos 21 dias do mês de Novembro de 2005, em que manteve a sua sede juntamente com a Autora, o valor de MOP$239.73, num total de MOP$1,889.60 (mil oitocentas e oitenta e nove patacas e sessenta avos) da responsabilidade da Ré.
(6) Aquisição de material de escritório destinado ao uso de ambas à empresa “H Supplies, Co”, no valor global de MOP1,278.90, em 12 de Dezembro de 2005;
(7) Aquisição de água para consumo do pessoal cujo preço global de MOP$280.00, em 12 de Dezembro de 2005;
(8) Aquisição de jornais e revistas, no valor global de MOP$480.00.
- A Ré não procedeu ao pagamento de 1/2 destas despesas (resposta ao quesito 42º).
- Em 25/1 0/2005 a Autora fez despesas com a deslocação a Macau de representantes “Companhia I Wool Spinning and Knitting Co. Ltd.”, com sede na República Popular da China, com a qual Autora e Ré estavam a negociar, no valor de (a) HKD$1,389.40 (a que corresponde MOP$1,431.08); (b) MOP$6,475.00; (c) HK$2,031.50 (a que corresponde MOP$2,092.44); (d) MOP$2,28 1.00; perfazendo assim, MOP$6,139.76 (seis mil, cento e trinta e nove patacas e setenta e seis avos) (metade do valor total) da responsabilidade da Ré (resposta ao quesito 43º).
- Em 27/7/2005, a Autora, em nome e no interesse da Ré, procedeu ao pagamento da quantia de HKD$133,809.00, referente ao preço de matéria prima adquirida pela Ré à “Companhia I Wool Spinning and Knitting Co. Ltd.”, com sede na República Popular da China (resposta ao quesito 44º).
- Em 31/7/2005, a Autora, em nome e no interesse da Ré, procedeu ao pagamento da quantia de HKD$785.05, referente a um trabalho prestado à Ré pela “Companhia de Costura J, Limitada”, com sede em Zhu Hai, República Popular da China (resposta ao quesito 45º).
- Em 31/8/2005, a Autora, em nome e no interesse da Ré, procedeu ao pagamento do montante de HKD$236.26 referente a um trabalho prestado à Ré pela “Companhia de Costura J, Limitada”, com sede em Zhu Hai, República Popular da China (resposta ao quesito 50º).
- Em 30/9/2005, a Autora, em nome e no interesse da Ré, procedeu ao pagamento do montante de HKD$91,905.49, referente ao preço de um trabalho prestado à Ré pela “Companhia Hou Iat, Limitada”, com sede em Hong Kong (resposta ao quesito 53º).
- Em 31/10/2005, a Autora devia ter recebido o montante de HKD$27,218.15, referente aos pagamentos (por transferência bancária) efectuados pela “Companhia de Importação e Exportação Seng Seng”, com sede na República Popular da China, pela aquisição de material e prestação de serviços requeridos às empresas aqui Partes Litigantes (resposta ao quesito 54º).
- Em 31/10/2005, a Autora, em nome e no interesse da Ré, procedeu ao pagamento do montante de HKD$11,241.90, referente ao preço de um trabalho prestado à Ré pela “Companhia Hou Iat, Limitada”, com sede em Hong Kong (resposta ao quesito 55º).
- Em 29/8/2005, a Autora recebeu o valor de HKD$8,582.95, proveniente de uma transferência de RMB$9,183.77 efectuada pela “Companhia Pou Lei Tat, Limitada”, com sede na República Popular da China, montante esse devido à Ré (resposta ao quesito 56º).
- Em 6/9/2005, a Ré, em nome e no interesse da Autora, procedeu ao pagamento de HKD$57,178.86, relativos a despesas de transporte para a “Companhia Wa Hang, Limitada”, com sede na República Popular da China, da responsabilidade da Autora (resposta ao quesito 57º).
- Em 17/9/2005, a Autora recebeu o montante de HKD$2,330.50, por transferência bancária efectuada pela fábrica de vestuário “Weng Wa”, instalada na República Popular da China, valor esse devido pela mesma à Ré (resposta ao quesito 58º).
- Em 25/10/2005, a Ré pagou a totalidade das despesas de condomínio no valor de HK$2,414.56 (resposta ao quesito 59º).
- Em 25/10/2005, a Ré pagou a totalidade das despesas de condomínio no valor de HK2,233.00 (resposta ao quesito 60º).
- Em 11/11/2005, a Ré procedeu, em nome e no interesse da Autora, ao pagamento de HKD$320.00, referente a despesas bancárias junto do Banco da China, Sucursal de Macau (resposta ao quesito 61º).
- Em 30/11/2005, a Autora recebeu, em nome da Ré, o montante de HKD$30,428.04, (através da “Companhia J”, com sede em Zhu Hai, República Popular da China) referente ao pagamento de uma dívida da “Companhia K, Limitada”, com sede na República Popular da China, para com a Ré (resposta ao quesito 62º).
- A Autora interpelou, várias vezes, a Ré, com vista ao pagamento das quantias em dívida (resposta ao quesito 63º).
- Provado o que consta dos documentos a fls. 306 dos autos da Acção e a fls. 283 dos autos de arresto, cujo teor aqui se dá reproduzido por integralmente (resposta aos quesitos 64º e 65º).
- Provado o que consta do acordo a fls. 296 dos autos da Acção, cujo teor aqui se dá reproduzido integralmente (resposta ao quesito 67º).
- Como contrapartida, E e C comprometeram-se a pagar aos outros dois sócios da Autora, L e M, uma quantia de HK$1,388,000.00 (Um milhão trezentos e oitenta e oito mil Dólares de Hong Kong, a títluo de preço da “cessão de exploração”, em chinês “承包費”, sendo ainda as prestações anuais a ser contabilizadas no fim de cada ano (resposta ao quesito 68º).
- Acordado ficou que E e C, iriam gerir e explorar os negócios a seus custos, suportando os riscos que são inerentes aos negócios comerciais (ganhos e perdas eventuais), as despesas e encargos de exploração (resposta ao quesito 69º).
- A sociedade Autora era gerida e explorada pela Autora, e funcionava em paralelo com a Ré, tendo internamente uma só contabilidade (resposta ao quesito 71º).
- Apenas para efeitos fiscais se apresentando, às vezes, facturas da Autora, e outras, facturas da Ré (resposta ao quesito 72º).
- A “exploração” dos negócios da Autora teve início em 1 de Janeiro de 2000 e terminou em 30.06.2005, por acordo dos sócios da Autora e da Ré, cujo teor consta do documento a fls. 302 a 303 dos autos da Acção, que aqui se dá reproduzido integralmente (resposta ao quesito 73º).
- Tendo os sócios da Autora deliberado em dissolver a sociedade Autora, Agência Comercial A, Limitada (“A有限公司”) (resposta ao quesito 74º).
- A E e C cessassem as suas funções de administrador da Autora, e C cedesse a sua quota social na sociedade Ré a F, marido de E (resposta ao quesito 75º).
***
III- O Direito
Para a recorrente, a sentença sob censura seria nula (ou pelo menos “anulável”, diz) por três razões:
1ª- Em 1º lugar, por a juíza que a lavrou ter feito a transcrição da anterior sentença lavrada pelo Juiz Fong Man Chong, o qual por seu turno também nunca tinha intervindo no processo, sem ter assistido à fase de produção da prova. Ora, uma decisão assim tomada, viola as regras de competência, do poder de jurisdicional do juiz e do princípio da livre apreciação da prova.
2ª- Em 2º lugar, por ter desrespeitado o prazo legal de 20 dias estipulado no artº 561º do CPC, dada a remontada data (21.09.2007) em que foi apresentada a discussão por escrito do aspecto jurídico da causa.
3ª- Em 3º lugar, em virtude de, na apreciação das provas produzidas, não ter dado a devida consideração, na íntegra, às matérias dadas como provadas e não provadas nos termos das alíneas b), c) e d) do nº 1 do are 571º do Código de Processo Civil em vigor. Tudo para justificar a existência de erro na apreciação da prova, erro de julgamento, falta e/ou insuficiência da fundamento, no pressuposto de que as respostas do Tribunal a quo aos quesitos de fls. 390 e seguintes são insuficientes, obscuras e contraditórias face à prova documental e testemunhal produzida nos autos.
Vejamos.
*
A intervenção da autora da sentença neste processo aconteceu na sequência de acórdão deste TSI que, em recurso jurisdicional da sentença proferida por outro colega anterior - ao qual o processo havia sido redistribuído - o julgou incompetente para o efeito1.
No cumprimento desse aresto o processo foi redistribuído à colega.
Ora, nada na lei impede que um juiz diferente dos que tenha composto o tribunal colectivo que apreciou a prova e decidiu a matéria de facto possa produzir a sentença. Na verdade, o art. 557º do CPC e os princípios da imediação e da plenitude consagrados no nosso sistema processual civil têm um campo de incidência específico, que se pode traduzir na ideia de que deve concluir quem começou a instrução e a audiência de discussão e julgamento. Mas o artigo está todo ele gizado para as situações em que a recolha da prova teve início e, nesse sentido, quis o legislador que, para melhor ser formada uma plena convicção sobre a verdade material subjacente ao caso, não houvesse mudança de julgadores de facto.
Assim, logo que concluída esta fase da produção de prova e realizado o julgamento da matéria de facto, desde que as respostas estejam fundamentadas e haja modo de as controlar através da gravação ou da transcrição dos depoimentos, por exemplo, nada obsta a que um juiz diferente dos que compuseram o colectivo original do julgamento de facto possa produzir a sentença, que visa como se sabe aplicar o direito aos factos obtidos. Não sendo essa a regra, o certo é que em situações anormais, mas justificadas, tal pode acontecer. Em suma, o princípio da plenitude da assistência dos juízes, estabelecido no art. 557º, do Código de Processo Civil, sendo um dos corolários dos princípios da oralidade e da livre apreciação da prova, só tem aplicabilidade para a decisão sobre a matéria de facto. Daí que não integre qualquer vício processual o facto de a sentença ser proferida por um juiz diverso do que julgou a matéria de facto2.
Portanto, não se pode dizer que a Ex.ma juíza não disponha de competência para a sentença3 ou que, de algum modo, tenha sido postergado ou ofendido o poder jurisdicional do juiz.
Se a M.ma juíza concordou com os termos da sentença do anterior colega e se ela se reviu na fundamentação naquela explanada, em nada o poder do julgador foi diminuído ou vilipendiado. A adesão à fundamentação da anterior decisão ou, por outras palavras, a fundamentação por remissão para aquela é, na verdade, uma prática perfeitamente possível, pois a tanto o não o impede o art. 108º do CPC, que apenas proíbe a remissão para os fundamentos alegados pelas partes no requerimento ou na oposição. Na verdade, em tal situação, apenas se pode dizer que a juíza correu risco em aceitar e fazer sua uma sentença feita por outrem, conformando-se com possíveis erros que ela contivesse. Mas, se a colega actuou em consciência, se assumiu livremente o perigo e não quis fugir dele, certamente o fez por pensar que ela traduzia a solução mais acertada. Temos, aliás, que partir da ideia de que a adesão integral à sentença do seu anterior colega não terá sido cega, nem amorfa, nem acrítica e, ao invés, terá sido objecto de prévio exame e ponderação, na sequência do que a M.ma juíza com ela terá inteiramente concordado.
Finalmente, esta circunstância verificada na 1ª instância, por si só, não chega para dizer que houve erro na apreciação da prova. Estamos, mais um vez, perante o mesmo problema a montante. Se a prova estava feita e se a juíza a aceitou, não tinha que lhe fazer um novo juízo crítico ante elementos eventualmente existentes no processo. Repetimos, a colega aceitou como boa a tarefa anteriormente levada a cabo pelo colega que a precedeu na feitura da sentença. E quanto a isso, o único pecado que se lhe pode imputar é o da possibilidade de algum erro porventura existente na sentença que transcreveu e que assumiu como seu.
Falece, pois, este grupo de argumentos invocado.
*
Depois, entende a recorrente que a sentença desrespeitou o prazo legal de 20 dias estipulado no artº 561º do CPC, face à data (21.09.2007) em que havia sido apresentada por escrito a discussão do aspecto jurídico da causa.
Para a recorrente, a ultrapassagem desse prazo constituiria nulidade.
Mas não tem razão.
O prazo de 20 dias ali previsto para a sentença ser proferido é, como se sabe, um prazo ordenador e disciplinador que consolida ou densifica o princípio da celeridade que se entrevê no nº3, do art. 6º da LBOJ4. Não pode ser entendido como um prazo imperativo e impreterível, atendendo até ao volume de serviço que inunda os tribunais nos dias que correm.
Daí que o não cumprimento do prazo não pode gerar nulidade da sentença (nem a sua anulação), nem nulidade processual, pois nem um, nem outro dos casos estão previstos na lei como fonte de invalidade fulminada com tal sanção (ver arts. 139º e sgs., nomeadamente o art. 147º, e 571º, todos do CPC).
*
Não nos parece, por outro lado, que a sentença tenha cometido a nulidade das alíneas b), c) e d) do nº 1 do art. 571º do Código de Processo Civil em vigor.
Com efeito, os fundamentos de facto e de direito estão contidos na sentença. Como se costuma dizer, “Só a falta absoluta de fundamentos, e não a justificação deficiente, medíocre ou errada, é que determina a nulidade da sentença ou despacho”5. E assim, mesmo que a sentença não tenha rebatido algum argumento trazido ao processo pelas partes, é de considerar suficiente o modo como tratou a fundamentação fáctica e jurídica, sem prejuízo de essa abordagem poder estar mal feita, mas isso é circunstância que já envolve erro de julgamento, o que é coisa diferente.
Não percebemos, por outro lado, em que medida possa haver contradição entre fundamentos e decisão, até porque as alegações não são esclarecedoras a esse respeito. Talvez a recorrente queira dizer que os factos provados ou que as declarações, testemunhos e documentos devessem levar a outra decisão. Todavia, isso é já matéria para erro de julgamento em face da prova feita e não consubstancia um vício da sentença gerador de nulidade por contradição na fundamentação utilizada pelo juiz.
Realmente, como igualmente se julga consabido, a nulidade em causa só se verifica quando o iter cognoscitivo do julgador aponta num dado sentido e acaba por decidir em sentido oposto ou diferente6. Ou seja, quando a sentença apresenta um percurso ilógico e incoerente entre o seu segmento fundamentativo e a sua parte dispositiva e decisória7. E isso não avistamos neste caso.
Improcede, pois, o recurso neste segmento das alegações.
*
Finalmente, também não compreendemos a invocação da alínea d), do mesmo art. 571º do CPC, a não ser que, ao fazê-lo, a recorrente tenha pensado na alegação manifestada a propósito da afirmação da sentença de que era indiferente o tipo de relação existente entre A e R (art. 37º das alegações). Talvez a recorrente quisesse dizer que o julgador deveria ter dito qual a relação jurídica existente entre as partes, para uma melhor aplicação do direito. Se o pensamento da recorrente era esse, estamos de acordo com ele.
Simplesmente, essa falta de qualificação da relação não tem repercussão na nulidade da sentença, uma vez que o julgador foi claro ao dizer que, independentemente da natureza dos contratos, para si mais importante era a situação da matéria de facto, que revelava fornecimentos que deviam ser pagos, nos termos do art. 875º, nº2, do Código Civil.
Isto é, o julgador, com aquele e outros argumentos, acabou por justificar a razão para a sentença que proferiu, mesmo que porventura a recorrente com eles se não conforme.
Portanto, não é possível acolher a tese da recorrente quanto a esta fonte de invalidade.
*
Falta apenas verificar se a 1ª instância fez ou não uma incorrecta apreciação da matéria de facto.
Para a recorrente as respostas aos quesitos contradizem ou são obscuras em relação aos documentos apresentados pelas partes.
Ora, embora a recorrente faça tal afirmação, a verdade é que não a suporta com elementos concretos de onde isso se possa retirar. Por isso, se olharmos com atenção para os documentos que cita (ver art. 20º das alegações), não vemos como deles se possa colher a noção de que as respostas aos quesitos tenham sido atentatórias contra o teor daqueles, a ponto de se ver a tal obscuridade, insuficiência e contradição ou, sequer, o erro na apreciação da prova, nomeadamente quanto à circunstância de as duas sociedades – A. e R. – não se distinguirem uma da outra e funcionarem como se fossem um só “ente” perante terceiro. Os documentos em causa, realmente, não chegam para demonstrar tal afirmação.
E, muito embora as longas transcrições de alguns testemunhos estejam aparentemente bem feitas e bem traduzidas, com toda a franqueza não assistimos nelas a nada que revele nenhum deslize grosseiro ou contradição flagrante ou notória e ostensiva na forma como foram dados por provados os factos. O próprio recorrente não diz quais as passagens específicas da transcrição (do depoimento transcrito) que deveriam ter levado a uma decisão diferente em virtude de um julgamento incorrecto a respeito de alguns pontos concretos da matéria de facto (art. 599º, nº1, CPC). A convicção do tribunal “a quo” neste caso foi, portanto, decisiva perante toda a panóplia de documentos e testemunhos, não sendo caso para concluir que os elementos recolhidos apontem com segurança para solução diferente.
Por todo o exposto, o recurso não colhe êxito.
***
IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
TSI, 02 / 02 / 2012
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
1 Efectivamente, por despacho do relator, datado de 10/09/2009, foi o Dr. Fong Man Chong julgado incompetente por o processo que primeiramente corria nas mãos da colega Drª Chao Im Peng, ter sido afectado àquele outro colega por determinação do Conselho de magistrados Judiciais, sem precedência de sorteio, o que, na óptica do colega relator em recurso jurisdicional, atentaria contra a aleatoriedade na distribuição de processos como garante do princípio do juiz natural (ver fls. 606 e 697 supra).
2 No direito comparado, ver Ac. do STJ de 10/11/1992, BMJ nº 421/343; Ac do STJ de 23/06/2010. Proc. nº 155/08.8TTMS.S1. Ainda, 9.11.2006, na Revista nº 3681/06, de 13.01.2009, no Agravo nº 3330/08, disponíveis em www.dgsi.pt. Também do STA, de 16/11/2011, Proc. nº 0526/11. No mesmo sentido, Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 2001, vol.II, anotação ao art.º 654º, pág. 633-634.
3 Ac. do STJ de 15/05/2008, Proc. nº 08B205.dgsi.Net.
4 “Todos têm direito a que uma causa em que intervenha seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.
5 Ac. TSI, 15/12/2009, Proc. nº 1027/2009 e de 10/11/2011, Proc. nº 955/2009, entre muitos.
6 Ac. STJ, de 23/11/2006, Proc. nº 06B4007.
7 Ac. TSI, de 22/07/2004, Proc. nº 170/2004; Ac. TSI, 10/11/2011, Proc. nº 955/2009 cit.
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------