Proc. nº 76/2011
(recurso jurisdicional em matéria administrativa)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 02 de Fevereiro de 2012
Descritores:
-Infracção administrativa
-Prescrição
-Fundos de investimento
SUMÁRIO
Em matéria de suspensão e interrupção de prescrição do procedimento administrativo sancionatório relativo a infracções no âmbito do DL nº 83/99/M, de 22/11 (fundos de investimento), por força do Regime Jurídico do Sistema Financeiro de Macau aprovado pelo DL nº 32/93/M, de 5/07 e do Regime Geral das Infracções Administrativas aprovado pelo DL nº 52/99/M, de 4/10, as disposições respectivas devem procurar-se nos arts. 112º e 113º do Código Penal.
Proc. nº 76/2011
(recurso jurisdicional em matéria administrativa)
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I- Relatório
O “Banco A, SARL”, recorreu contenciosamente do despacho do Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças (SAF) de 23/07/2008, que recaiu sobre a deliberação nº 405/CA de 26/06/2008 do Conselho de Administração da AMCM – Autoridade Monetária e Cambial de Macau e lhe aplicou uma multa de Mop$ 100.000,00, com a suspensão de execução por dois anos.
*
Após a contestação da entidade recorrida, foi proferido o despacho de fls. 105 que indeferiu um pedido de rectificação de um alegado erro de escrita cometido pelo recorrente quanto ao pedido de expedição de carta rogatória para inquirição de testemunhas residentes em Hong Kong e que condenou o recorrente em 8 UC por litigância de má fé ao ter deduzido uma pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar.
*
Face a este despacho, foi interposto recurso jurisdicional, em cujas alegações o Banco recorrente formulou as seguintes conclusões:
1. O recurso é interposto de duas decisões do douto despacho de fls. 105: a) indeferimento do pedido de rectificação de um erro de escrita a propósito de um pedido de expedição de carta rogatória para inquirição de testemunhas; b) condenação do recorrente em 8 UC de multa por litigância de má-fé.
2. O indeferimento do pedido tendente à expedição da carta rogatória significou, efectivamente, a impossibilidade de as testemunhas em causa serem ouvidas pelo Tribunal, as quais se revelavam imprescindíveis para a justa decisão da causa.
3. Ademais, o tempo concedido para tentar assegurar a comparência das testemunhas em audiência revelou-se insuficiente para viabilizar a sua inquirição em tempo útil.
4. O Tribunal valorou somente a questão formal de oportunidade temporal do requerimento, não tendo valorado suficientemente o interesse na descoberta da verdade e na boa administração da justiça, que a lei consagra.
5. A validação da invocação do erro de escrita previsto pelo artigo 244º, do Código Civil, passa pela apreciação das circunstâncias que enquadram o sucedido (de onde se destacam a indicação das moradas de Hong Kong das testemunhas, dos factos sobre os quais haveriam de depor e, mais tarde, da tradução da matéria em causa).
6. O Tribunal acentuou o que entendeu ser um erro da mandatária, desconsiderando as razões adiantadas para demonstrar o sucedido e o seu contexto (sendo que a própria alegação de erro de escrita é, por definição, a confissão de um erro - de escrita - da mandatária).
7. Assim, não terá sido feita uma correcta apreciação da situação de facto e, consequentemente, não terá sido dado cumprimento ao disposto no artigo 244º do Código Civil, o que justificará a revogação do douto despacho recorrido.
8. Relativamente à condenação por litigância de má-fé, o Tribunal louva-se na alínea a), nº 2, do art. 335º, do CPC. Pressuposto fundamental da litigância de má-fé é a verificação de que a parte agiu com dolo ou negligência grave.
9. Nada nos autos mostra que o recorrente, voluntária e conscientemente, agiu contra a lei, descuidada ou grosseiramente, por forma a iludir ou a prejudicar terceiros.
10. Ainda que a pretensão deduzida fosse despropositada por intempestiva (em vista dos arts. 524º, nº 1, do CPC, e 42º, nº 1, al. h), e 43º, nº 1, al. c), do CPAC), não se vislumbram razões para considerar que o recorrente tenha agido dolosamente ou com negligência grave.
11. Não parece adequada a referência crítica vertida no despacho recorrido - a propósito da possibilidade de alteração do requerimento de provas prevista pelo artigo 64º do CPAC -, que não procede dado que as testemunhas eventualmente aditadas ou substituídas a coberto daquela disposição legal teriam sempre de ser apresentadas pela parte - artigo 432º, nºs 1 e 2, do CPC.
12. O pedido do recorrente não era destituído de fundamento, seja porque se sustentava em situação de facto legalmente relevante - a residência das testemunhas situar-se fora de Macau -, seja porque a lei o prevê - art. 524º, nº 1, do CPC.
13. E a intempestividade de um requerimento não gera litigância de má-fé.
14. De resto, há situações em que o Juiz pode decidir usar do seu poder discricionário para ordenar determinadas diligências não exactamente especificadas na lei, seja no seu conteúdo, seja na sua oportunidade temporal - artigo 6º, nº 3, do CPC.
15. A intervenção do recorrente não foi feita capciosamente, mas sim com franqueza, confessando no próprio pedido a ocorrência de um lapso da sua mandatária, no caso, um erro de escrita.
16. No despacho recorrido não é referido qualquer facto nem aduzido qualquer argumento que evidencie conduta dolosa ou gravemente negligente.
17. Na verdade, o Tribunal entendeu antes que a justificação avançada para a sua apresentação intempestiva não “constitui prova suficiente” do erro de escrita.
18. A “falta de prova” não implica “falta de fundamento” nem “litigância de má-fé”.
19. Tal poderia determinar a aplicação de uma taxa de justiça pelo incidente (tal como prevêem os artigos 70º, nºs 1 e 2, e 84º e 88, todos do Regime das Custas nos Tribunais), mas já não condenação em multa por litigância de má-fé.
20. O recorrente agiu sempre ao abrigo da lei e de regras processuais.
21. O despacho recorrido evidencia errada apreciação da situação de facto e inadequada interpretação da norma invocada - o art. 385º, nºs 1 e 2, do CPC -, cuja aplicação não se justifica, quer por inexistirem indícios de dolo ou negligência grave, quer por a fundamentação usada é insuficiente para tal, devendo ser revogado.
22. E sendo contraditórios os fundamentos do despacho recorrido, este é nulo: art. 571º, nº 1, al. c), aplicável por força do art. 569º, nº 3, do CPC, ex-vi do art. 1º do CPAC.
23. Nem o recorrente, nem a sua mandatária violaram o dever de cooperação, padecendo o despacho de errada interpretação do art. 105º, nº 1, do CPC.
24. Ademais, dado o comportamento/omissão de ambas as partes, o despacho recorrido viola, a este propósito, o princípio da igualdade das partes, previsto no art. 4º do CPC.
25. Houve despachos (fls. 89) e folhas do processo que não foram notificados ao Recorrente contrariamente ao que o Tribunal pareceu ter suposto, os quais o deveriam ter sido dado destinarem-se a permitir uma conduta do recorrente.
26. A omissão de notificação obrigatória (art. 177º, nº 2, in fine, do CPC) constitui nulidade, pois influenciou a tramitação processual - ocasionou ou pelo menos alimentou a omissão do recorrente - e o despacho recorrido, nulidade que acarreta a anulação dos actos subsequentes que dele dependam absolutamente, o que sucede com o despacho recorrido, o que deverá ser declarado (art. 147º, nº 2, do CPC).
27. Ao acompanhar o requerimento de fls. 90 e ss., o recorrente teve o cuidado e o trabalho de juntar tradução para a língua chinesa da petição inicial (que tem mais de 100 artigos e se alonga por 24 páginas), para efeitos de inquirição das testemunhas residentes fora de Macau.
28. Conduta que denota colaboração e observância do dever de cooperação por parte do recorrente e da sua mandatária.
29. Assim, para além de não apreciar nem qualificar devidamente a situação de facto, e não interpretar e aplicar correctamente as disposições legais a que recorre, afigura-se-nos que a decisão recorrida é excessiva e desproporcionada, devendo ser revogada por violação do disposto nos artigos 244º, do Código Civil, e 105º, nº 1, 385º, nº 2, 524º, nº 1, 562º, nº 2, todos do CPC.
*
Em contra-alegações, o Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças formulou as seguintes conclusões:
1. Não obstante serem extensas as alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente, não foram formuladas quaisquer conclusões e, por conseguinte, foram omitidas as especificações exigidas no n.º 2 do artigo 598.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 149.º do CP AC.
2. Considerando que o objecto do recurso se delimita pelas conclusões formuladas, o presente recurso não pode ser conhecido caso o Recorrente não venha a apresentar as conclusões de recurso, nos termos e para os efeitos do disposto no n. º 4 do artigo 598.º do CPC.
Sem prejuízo, quando assim não se entenda e por mero dever de patrocínio, sempre se dirá:
3. Dispõe o artigo 524.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPAC, que “Quando as testemunhas residam fora de Macau, a parte pode requerer no rol que se expeça carta rogatória para a sua inquirição, contanto que indique logo os factos sobre que há-de recair o depoimento”.
4. Determina ainda o citado artigo do CPC, no seu n.º 2, que “Se não requerer a expedição da carta rogatória ou se esta for recusada por falta de indicação do objecto do depoimento, recai sobre a parte o ónus de apresentar as testemunhas na audiência de discussão e julgamento.”.
5. Em sede de processo administrativo e para o efeito de instruir a petição de recurso contencioso, o artigo 43.º, n.º 1, alínea c) do CPAC expressamente determina que “...são obrigatoriamente juntos à petição: c) Rol de testemunhas, quando seja requerida prova testemunhal, com indicação dos factos sobre que cada testemunha deve depor”;
6. Embora o Recorrente tenha apresentado o rol de testemunhas com a petição de recurso contencioso, não formulou ali qualquer pedido de expedição das cartas rogatórias para as testemunhas arroladas residentes em Hong Kong.
7. Nem depois de ter sido convidado pelo Tribunal a quo para indicar os factos sobre os quais deveria recair o depoimento das testemunhas arroladas, nos termos do artigo 51.º, n.º 1 conjugado com o disposto no artigo 43.º, n.º 1, alínea c), ambos do CPAC, nem sequer no prazo previsto no artigo 64.º do mesmo diploma, o Recorrente se “lembrou” de requerer a expedição das ditas cartas rogatórias.
8. Ora, não tendo requerido a expedição da carta rogatória com o rol de testemunhas (e são os próprios autos prova disso), recai sobre o Recorrente o ónus de apresentar as testemunhas na audiência de discussão e julgamento, in casu, na diligência de inquirição das testemunhas, conforme expressamente dispõe o artigo 524.º, n.º 2 do CPC.
9. Ainda que tenha sido concedida pelo Tribunal a quo uma nova data - 5 de Março de 2009 - para a realização de uma sessão extraordinária para apresentação das testemunhas não residentes pelo Recorrente e respectiva inquirição, o Recorrente também não apresentou naquela data as testemunhas no Tribunal.
10. Ao falhar essa apresentação em Tribunal das testemunhas não residentes nas duas datas fixadas para a sua inquirição, o Recorrente, além dos atrasos processuais que acarretou, frustrou definitivamente a possibilidade de audição daquelas testemunhas.
Sem prejuízo do acima exposto quanto à oportunidade e consequência processual de não ter sido requerida pelo Recorrente a expedição de cartas rogatórias tempestivamente, sempre se dirá o seguinte:
11. A justificação dada pelo Recorrente para a omissão do pedido de expedição de cartas rogatórias - o “erro de escrita” - é destituída de qualquer fundamento legal pelo que, conforme adiante se demonstra, bem andou o Tribunal ao proferir as decisões vertidas no despacho recorrido.
12. A ratio legis do aludido artigo 244.º do Código Civil apenas abrange os erros ou lapsos de escrita que sejam ostensivos e patentes que se revelem no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita. Ou seja, é prevista a possibilidade de rectificação, sujeito ao ali prescrito, do “simples erro de cálculo ou de escrita”.
13. Ora, para que seja possível constatar e rectificar um erro ou lapso de escrita é imperativo que o erro incida sobre algo escrito! É que não é possível, nem sequer teoricamente, rectificar algo que não foi redigido!
14. No caso em apreço, o Recorrente não cometeu qualquer erro ou lapso de escrita, mas simplesmente não formulou o pedido de expedição de carta rogatória, aparentemente de modo grosseiro tendo em conta a alegada intenção de requerer a expedição das ditas cartas.
15. É que uma coisa é um erro ou lapso de escrita previsto no citado artigo 244.º, outra coisa é a omissão total de um pedido que consubstancia um pressuposto e requisito processual: o de requerer a expedição das cartas rogatórias com o rol de testemunhas. Porém, in casu, o Recorrente nem sequer formulou o pedido de expedição das cartas rogatórias sendo, como tal, impossível ter cometido um erro de escrita!
16. O que está em causa é uma patente omissão, em resultado de falha técnica da própria mandatária do Recorrente, de formular um pedido de expedição de cartas rogatórias no rol de testemuhas apresentado com o recurso contencioso, conforme se exige no artigo 43.º, n.º 1, alínea c) do CPAC conjugado com o artigo 524.º do CPC.
17. Deve ainda ser liminarmente recusada, como prova invocada pelo Recorrente da alegada omissão do pedido de expedição das cartas rogatórias, a indicação pelo Recorrente dos factos sobre os quais deveria recair o depoimento das testemunhas. É que tais factos não foram indicados por iniciativa do Recorrente mas a convite do próprio Tribunal e também aí o Recorrente não se “lembrou” de requerer a expedição das ditas cartas rogatórias...
18. Assim, não obstante as tentativas esforçadas do Recorrente em vir provar - em vão - o suposto erro de escrita, tais “provas” sempre seriam inúteis e desnecessárias porquanto a fundamentação legal apresentada pelo Recorrente com base no vício de “erro de escrita” é juridicamente inadmissível no caso sub judice.
19. O Recorrente, ao vir de novo invocar o suposto “erro de escrita”, como fundamento para a omissão do pedido de expedição de cartas rogatórias, vem reiterar uma argumentação não só inverosímil mas descabida e que, enquanto fundamentação para a omissão - ou falha técnica da mandatária conforme referido no douto despacho recorrido - é técnica e juridicamente errada e, como tal, de má-fé.
20. Na verdade, o mandatário do Recorrente não podia desconhecer a inexistência de qualquer fundamento ao invocar o vício de erro de escrita para justificar a sua omissão do pedido oportuno de expedição das cartas rogatórias, pelo que ao vir reiterar a sua justificação com base no alegado erro de escrita (que, conforme acima demonstrado, não existe), veio deduzir pretensão que sabia ser manifestamente infundada, constituindo assim fundamento legal para a respectiva condenação por litigância de má-fé, nos termos do 385.º, n.º 1 e 2, alínea a) do CPC.
21. Como tal, sem prejuízo do acima exposto, relativamente à fundamentação da condenação do Recorrente por litigância de má fé, se remete para a douta e objectiva fundamentação constante do douto despacho proferido pelo Tribunal a quo.
22. Contrariamente ao alegado pelo Recorrente (cfr. artigo 61.º das alegações de recurso), em 28 de Novembro de 2008, em resposta ao despacho proferido a fls. 87 dos autos, o mandatário da entidade Recorrida já tinha informado o Tribunal, precisamente para os efeitos previstos no artigo 105.º n.º 1 do CPC, que já tinha outras diligências judiciais previamente agendadas, indicando precisamente as datas nas quais não estaria disponível para a diligência de inquirição das testemunhas.
23. O Recorrente, na tentativa de justificar a sua inércia e fundamentar os alegados pressupostos errados do despacho a fls. 87, apesar de invocar que procedeu à consulta dos presentes autos (cfr. artigo 62.º do recurso), convenientemente omitiu agora que a contraparte processual efectivamente respondeu ao Tribunal para os efeitos previstos no artigo 105.º n.º 1 do CPC.
24. Acresce que, não obstante ter sido a mandatária do Recorrente quem suscitou e requereu o cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 105 do CPC, e para cujo efeito declarou que “a signatária prestará toda a sua colaboração”, a mesma nunca colaborou com o Tribunal neste sentido, não se dignando sequer responder ao despacho proferido especificamente para os efeitos previstos no citado artigo.
25. Face ao exposto, o despacho recorrido constitui uma decisão juridicamente correcta, devidamente ponderada e fundamentada e cuja condenação se reveste de proporcionalidade e adequação tendo em consideração a conduta incidental e dilatória do Recorrente nos autos, pelo que deverá o despacho recorrido ser integralmente mantido.
O recurso sub judice terá assim, forçosamente, de improceder, mantendo-se o despacho recorrido nos seus precisos termos, assim se fazendo, como é timbre deste Tribunal, JUSTIÇA!
*
Prosseguiram os autos até final, vindo a ser proferida sentença que julgou procedente a excepção peremptória de prescrição e anulou o acto administrativo impugnado.
*
Dessa decisão, inconformado, recorreu jurisdicionalmente o Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças, que concluiu as suas alegações da seguinte maneira:
a) Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos que julgou procedente a alegada excepção peremptória de prescrição no âmbito do processo de infracção n.º 4/2004, revogando a decisão administrativa recorrida.
b) Afigura-se correcta a aplicação ao caso sub judice do dispostos nos artigos 102.º do Decreto-Lei n.º 83/99/ M, de 22 de Novembro, 136.º do Decreto-Lei n.º 32/93/M, n.º 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 52/99/M e, bem assim, artigos 112.º e 113º, ambos do Código Penal (aplicável ex vi do referido Decreto-Lei n.º 52/99/M);
c) Porém, no modesto entendimento do ora Recorrente, não ocorreu qualquer prescrição do procedimento de infracção;
d) Porquanto, nos termos do artigo 7.º, n.º3 do RGIA, “os prazos de prescrição do procedimento e das sanções suspendem-se e interrompem-se nos termos das disposições adequadas da lei penal”.
e) Ora, dispõe o artigo 112.º, n.º 1, alínea b) do CP, aplicável ex vi do artigo 7.º; n.º 3 do RGIA, que a prescrição do procedimento suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que “o procedimento penal estiver pendente, a partir da notificação da acusação; salvo no caso de processo de ausentes”, e estipula o n.º 2 do mesmo artigo que “No caso previsto na alínea b) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar 3 anos”.
f) Por sua vez, o artigo 113.º, n.º 3 do CP, determina que “A prescrição do procedimento penal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade”;
g) Assim, da análise conjugada do referido artigo 7.º do RGIA com o mencionado artigo 113.º, n.º 3 do CP, resulta que a prescrição procedimental, in casu, tem lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiverem decorrido 4 anos e 6 meses.
h) Ora, o prazo de prescrição do procedimento administrativo sub judice iniciou -se em 2 de Setembro de 2004.
i) E, suspendeu-se, nos termos do disposto no artigo 112º, n.º 1, alínea b) do CP, em 14/09/2004 com a notificação da acusação ao ora Recorrido.
j) Ao contrário do que resulta da fundamentação da decisão ora recorrida, o termo do prazo de suspensão do prazo de prescrição não terminou em 27/10/2004, por não ser aplicável o CPA, nomeadamente, o disposto no seu artigo 93.º n.º 3.
k) Acresce que, não existiu qualquer inércia da Administração no caso em apreço.
l) Efectivamente, a complexidade técnica e a natureza da infracção exigiam ponderação e análise atenta, o que redundou em diversas discussões e pareceres internos de diversos sectores da AMCM, por forma a acautelar a certeza e adequação da medida a tomar perante a infracção.
m) Não é necessária uma actuação da Administração que produza efeitos externos ou seja directamente dirigida aos administrados para conferir força suspensiva a um prazo prescricional.
n) O ora Recorrido, Arguido no dito processo de infracção, comercializou de modo continuado, no período de Janeiro de 2002 a Setembro de 2004, fundos de investimentos geridos por uma entidade com sede no exterior, sem ter obtido a obrigatória autorização prévia da AMCM.
o) O ora Recorrido apresentou a sua contestação em 4 de Novembro de 2004.
p) Face ao carácter continuado da prática da infracção identificada supra, o prazo de prescrição só começou a correr a partir de Setembro de 2004, pois que, conforme deliberação n.º 530/ CA do Conselho de Administração da AMCM de 31 de Agosto de 2004, o processo de infracção n.º 4/2004 foi levantado em 2 de Setembro de 2004 pelo instrutor nomeado.
q) Assim, no caso em apreço, o inicio da contagem do prazo de prescrição de 3 anos (artigo 113.º n.º 3 do CP conjugado com o disposto no artigo 7.º, n.º 1 do RGIA), correspondente ao início do procedimento administrativo, teve lugar na data do levantamento do processo de infracção - 2 de Setembro de 2004.
r) Nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 3 do RJSF, o ora Recorrido foi notificado da acusação, por ofício n.º 4640/2004-AMCM-CA(GAJ) de 13 de Setembro de 2004, em 14 de Setembro de 2004, o que determinou a suspensão do procedimento nessa data.
s) Deste modo, a contagem do prazo de prescrição procedimental ficou suspensa pelo seu limite máximo, isto é, desde 14 de Setembro de 2004 até 14 de Setembro de 2007, data em que voltou a correr o prazo prescricional.
t) Pelo que se poderá assim concluir que o prazo de prescrição ainda não terminou na presente data (24 de Novembro de 2010).
u) Mesmo que se entendesse que o arrazoado acima não merece acolhimento, e que o procedimento em causa apenas esteve suspenso entre 14 de Setembro e 27 de Outubro de 2004 (i.e., 43 dias), sempre haveria de se ter em consideração a remissão para os artigos 112.º e 113.º do CP - ex vi da interpretação conjugada do artigo 136º do DL 32/93/M e do artigo 7.º, n.º 3 do RGIA.
v) A decisão final de Sua Excelência o Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, ora Recorrente, teve lugar em 23 de Julho de 2008, com base na deliberação do Conselho de Administração da AMCM com o n.º 405/CA de 26 de Junho de 2008, bem antes da prescrição do procedimento de infracção e, portanto foi tempestiva.
Em suma, salvo melhor opinião, o Tribunal incorreu em erro de julgamento fazendo uma errada interpretação e aplicação dos dispositivos legais aplicáveis ao caso sub judice, devendo assim proceder o presente recurso, revogando-se, consequentemente, a Sentença ora recorrida fazendo-se assim inteira JUSTIÇA!
Por último, a ora recorrente está isenta de custas judiciais, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do Regime das Custas nos Tribunais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/99/M, de 25 de Outubro, em conjugação com o disposto no artigo 1.º do Estatuto da AMCM, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 14/96/M, de 11 de Março.
*
Contra-alegou o Banco A, tendo as suas alegações sido concluídas do seguinte modo:
1. O MP defendeu que o processo de infracção esteve suspenso 44 dias, entre 13-09-2004 e 27-10-2004, e que a infracção prescreveu “antes”de 27-10-2007, antes, pois, da aplicação da sanção (fls. 172 e v.).
2. Para o Recorrido, a prescrição não se interrompeu, nem suspendeu, tendo prescrito em 02-09-2006, antes pois da aplicação da sanção.
3. O Recorrente alegou a fls. 216 que a infracção prescreveria em 03-09-2010. Dois meses após alega no recurso que a infracção não prescreveu.
4. O Recorrente não pode defender em recurso posição contrária à que defendeu na primeira instância.
5. A questão em apreço, que configura uma excepção peremptória, foi decidida pelo Tribunal recorrido nos termos defendidos pelo Recorrente que, ao ter defendido que a prescrição ocorreu em 03/09/2010, não foi parte vencida na decisão, não tendo assim legitimidade para recorrer (art. 585º/1), o que pode ser conhecido por esse Tribunal (art. 594º/4, do CPC).
6. A Administração demorou 9 meses a notificar o Relatório da instrução e quase 3 anos a elaborar a decisão sancionatória (em 23-07-2008). Um processo simples demorou 4 anos, dos quais 3 anos e 9 meses parado.
7. A infracção dá lugar a processo de transgressão - RJSF (DL nº 32/93/M) - sendo tratada como infracção administrativa, sujeita ao DL nº 52/99/M.
8. O art. 3º/3 do DL nº 52/99/M aplica subsidiariamente o CPA e o art. 7º/3 aplica o regime da interrupção e suspensão da prescrição do Cód. Penal; o art. 138º do RJSF aplica o regime processual penal.
9. A aplicação subsidiária do art. 111º/2-b), do Cód. Penal (infracção continuada - art. 29º/2, do Cód. Penal) requer que os factos sejam praticados “no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.
10. Uma vez que tal facto não foi alegado na decisão administrativa, nem no recurso, não há lugar à aplicação do art. 111º/2-b), do Cód. Penal.
11. Assim, o prazo de prescrição iniciou-se diariamente, tendo os factos praticados em 2002 e 2003 e início de 2004 prescrito anteriormente.
12. O Auto de Infracção é o acto que desencadeia (não que põe fim) a instrução. A acusação só é proferida no final da investigação/instrução.
13. É errado defender simultaneamente que a acusação foi proferida em 2004 (pontos 11 e 35, al. g), das Alegações) e que a instrução terminou em 2007.
14. Tal resulta do art. 131º/2 do RJSF: “Finda a instrução... será deduzida acusação...”, sendo esta é necessariamente posterior à instrução.
15. Assim, o Auto de Infracção não constitui acusação.
16. O Relatório do instrutor também não constitui acusação (o que, de resto, o Recorrente aceita, pois nunca defendeu que o fosse).
17. Primeiro, porque o Relatório é uma proposta de decisão (art. 98º do CPA), não uma decisão de acusar. Segundo, porque a acusação cabia ao Conselho de Administração da AMCM (arts. 14º, 15º, 16º/1-a) e 17º/3-d), do DL nº 14/96/M), que o não deliberou. Terceiro, porque os poderes conferidos ao instrutor não incluíram o de acusar, mas sim o de proceder à instrução do processo (arts. 85º a 98º do CPA).
18. O processo foi conduzido sem que tenha sido proferida, após a instrução do processo, a acusação exigida pelo art. 131º/2 do RJSF.
19. Tal constitui nulidade do processo, insanável e de conhecimento oficioso, e implica a inexistência de causa de suspensão (ou de interrupção) da prescrição (art. 112º do Cód. Penal).
20. O Recorrente omite a razão por que julga que o prazo se interrompeu (al. i), ponto 5, fls. 4 das Alegações): não cita a alínea aplicável do art. 113º; não identifica o acto interruptivo; nem a data em que a interrupção ocorreu.
21. Não houve notificação para interrogatório do arguido (teria de ter sido convocado um membro do Conselho de Administração do Banco: arts. 235º/1 e 236º/1, do Cód. Comercial, e art. 53º/1 do CPC).
22. De resto, é jurisprudência dos Tribunais Superiores da RAEM (como de Portugal) que só o interrogatório judicial interrompe a prescrição.
23. Logo, não cabe aplicação da alínea a) do art. 113.º do Cód. Penal.
24. Não foi aplicada medida de coacção; assim, não se aplica a alínea b).
25. Não existe despacho de pronúncia (o Auto de infracção e o Relatório do Instrutor não constituem despacho de pronúncia, nem acto equivalente), que é um despacho judicial. O legislador quis estabelecer que só um acto judicial (a acusação, por exemplo, não) tem efeito interruptivo (art. 113º/1-c), do Cód. Penal). Assim sendo, não cabe aplicação a alínea c).
26. Não sendo um processo de ausentes, a alínea d) também não se aplica.
27. Não estando preenchido nenhum dos requisitos do art. 113º, nº 1, do Cód. Penal, não se verifica qualquer facto interruptivo do prazo da prescrição, pelo que, passados quase 7 anos, a infracção já prescreveu.
28. O prazo de prescrição não se suspendeu, dado não estar preenchido nenhum dos critérios do art. 112º do Cód. Penar.
29. Não se verifica a situação da alínea a) do n.º 1 do art. 112.º, nem a da alínea c) (que não tem aplicação em matéria de infracção administrativa: art. 6º/1 do DL n.º 52/99/M).
30. A alínea b)não se aplica, pois, apesar de se prever a existência de acusação (art. 131º/2 do RJSF), nunca foi deduzida acusação.
31. Não tendo ocorrido causa de Suspensão do prazo de prescrição, a infracção prescreveu há muito, antes ainda da decisão punitiva.
32. Contrariamente ao alegado nos pontos 20 e ss. das Alegações, a suspensão não tem sempre de ser 3 anos, pois este é o período máximo de suspensão. Tal resulta claramente do nº 1 do art. 1130 do Cód. Penal, que limita o período de suspensão ao período durante o qual um determinado facto Suspensivo se mantiver vigente.
33. O Recorrente defende, contra a Sentença e o Parecer do DMMP, que não houve inércia mas grande actividade processual, referindo pareceres e informações e a prática de diligências (pontos 30 e 31 das Alegações).
34. Os alegados pareceres, diligências e informações, nunca antes referidos, não constam dos processos administrativo e judicial, nem do recurso.
35. É, de resto, implausível que a instrução tenha continuado mesmo depois de ter sido elaborado o Relatório Final do Instrutor...
36. Sendo factos alegados pelo recorrente cabia-lhe fazer prova dos mesmos.
37. E não o pode fazer agora: arts. 216º, 217º e 566º, quanto aos factos, e arts. 616º/1 e 541º/1, quanto aos documentos, todos do CPC.
38. Como tal, não deve ser admitida a alegação dos novos factos alegados, ou, caso sejam admitidos, deverão ser tidos como não provados.
39. A audiência de interessados prevista no CPA Ocorre necessariamente antes do relatório instrutor (arts. 93º, 94º e 98º do CPA). Tendo o Relatório Instrutor sido elaborado em 05-11-2004, o período de suspensão seria sempre anterior a Novembro de 2004.
40. Como o processo se iniciou em 02-09-2004 e o último acto de instrução foi praticado em 27-10-2004, o período de suspensão de prazos só poderia ter sido de 10 dias: entre 27/10 e 05/11/2004, inclusive.
*
O digno Magistrado do MP opinou no sentido de que nenhum dos recursos merece provimento.
*
Cumpre decidir.
***
II- Os Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade (os factos vão por nós numerados):
1- Em 31 de Agosto de 2004, a comissão administrativa da Autoridade Monetária de Macau concluiu a resolução e decidiu apresentar o processo de infracção contra o recorrente, por haver indícios óbvios que mostram que, desde 2002, o Banco A, sem autorização prévia da Autoridade Monetária de Macau, tem divulgado e vendido em balcão os fundos de investimento geridos pela “B Ltd” cuja sede fica no exterior (Vd. as fls. 404 a 407 do apenso).
2- O instrutor nomeado pela Autoridade Monetária de Macau apresentou o auto de infracção n.º 4/2004 em 2 de Setembro de 2004, notifique que o recorrente pudesse apresentar à Autoridade Monetária de Macau a contestação escrita e os respectivos métodos de prova dentro do prazo de 10 dias (Vd. as fls. 395 a 396 do apenso, cujo teor aqui se dá por integramente reproduzido).
3- Em 14 de Setembro de 2004, o recorrente foi notificado do assunto supramencionado mediante o ofício n.º 4640/2004 - AMCM -CA (GAJ) emitido pela Autoridade Monetária de Macau (Vd. as fls. 397 a 398 do apenso).
4- Em 24 de Setembro de 2004, o recorrente apresentou à Autoridade Monetária de Macau a contestação escrita e o rol de testemunhas (Vd. as fls. 385 a 392 do apenso).
5- Em 27 de Setembro de 2004, o instrutor do referido processo de infracção designou o dia de 21 de Outubro do mesmo ano para ouvir a testemunha apresentada pelo recorrente, foi todavia prorrogado para o dia 27 de Outubro do mesmo ano por causa da testemunha (vd. as fls. 383 a 384,364 e 330 a 341 do apenso).
6- Em 5 de Novembro de 2004, o instrutor elaborou a conclusão do processo de infracção acima mencionado, sugerindo aplicar ao recorrente a multa e a suspensão de execução (vd. as fls. 224 a 230 do apenso).
7- Em 16 de Agosto de 2005, a Autoridade Monetária de Macau comunicou ao recorrente da dita conclusão mediante o ofício n.º 4171/05 - AMCM - GAJ, exigindo ainda que o recorrente pronunciasse dentro do prazo de 10 dias (vd. as fls. 160 a 161 do apenso).
8- Em 31 de Agosto de 2005, o recorrente pronunciou à Autoridade Monetária de Macau sobre a conclusão (vd. as fls. 146 a 148 do apenso).
9- Em 26 de Junho de 2008, a comissão administrativa da Autoridade Monetária de Macau concluiu a resolução, sugerindo que o Secretário para a Economia e Finanças aplicasse ao recorrente a multa de MOP$100.000,00 e a suspensão de execução por dois anos quanto ao processo de infracção administrativa n.º 4/2004 (vd. as fls. 60 a 62 do apenso).
10- Em 23 de Julho de 2008, o Secretário para a Economia e Finanças emitiu parecer favorável relativamente à proposta supramencionada (Vd. a fls. 60 do apenso).
11- Em 4 de Agosto de 2008, a Autoridade Monetária de Macau comunicou ao recorrente da dita decisão mediante o ofício n.º 4420/08AMCM - GAJ (vd. as fls. 72 a 73 do apenso).
12- Em 20 de Agosto de 2008, o recorrente apresentou reclamação contra a decisão acima referida (vd. as fls. 26 a 30 do apenso).
13- Em 4 de Setembro de 2008, o Secretário para a Economia e Finanças concordou com o parecer n.º 30/GC – SEF/2008 e indeferiu a reclamação supra dita (vd. as fls. 8 a 12 do apenso).
14- Em 4 de Setembro de 2008, o recorrente interpôs recurso judicial a este Tribunal.
***
III- O Direito
1- Recurso interlocutório
1.1- A fls. 90, já depois do despacho a determinar a notificação das partes para se pronunciarem sobre a sua disponibilidade de data para agendamento de inquirição de testemunhas, veio o recorrente Banco A, ao abrigo do art. 244º do CPC, pedir a rectificação da petição inicial no tocante à prova testemunhal nela indicada. Pretendia desta maneira o Banco que fosse então levado em consideração aquilo a que chama “erro de escrita” ao não ter pedido naquele articulado a inquirição de três testemunhas indicadas através de carta rogatória a Hong Kong, pois são ali residentes e não se disponibilizam para virem testemunhar a Macau.
O despacho de fls. 105, porém, indeferiu este pedido e condenou o Banco A no pagamento de multa por litigância de má fé.
Vejamos, pois.
Um erro de escrita é aquele que brota ostensivamente do contexto da declaração ou das circunstâncias em que é cometido (art. 244º do Cod. Civil). Supõe-se, portanto, que seja manifesto, para que possa ser relevado e permita a sua rectificação.
Por outro lado, este erro não se circunscreve às declarações negociais de vontade regidas pela lei civil, mas também se aplica a todas as circunstâncias em que o papel da vontade é necessário, como sucede com os actos judiciais ou das partes, tal como emerge do art. 288º do mesmo Código Civil, de que é exemplo o art. 569º, nº2 e 570º do CPC, no tocante ao erro do juiz.
Podia, portanto, estar localizado na petição inicial um erro de escrita, sem dúvida. Mas, o que se pergunta é se a expressa indicação de três testemunhas residentes em Hong Kong na parte final do articulado inicial deve ser considerado erro de escrita se o seu apresentante não solicitou logo a expedição de carta rogatória. A resposta é pronta no sentido negativo. Na verdade, o dever que ao recorrente contencioso se cometia era a de somente indicar os meios de prova (art. 43º, nº1, al. h) e 43º, nº1, al. c), ambos do CPAC). A circunstância de o recorrente ter ali indicado a morada de três testemunhas em Hong Kong não podia automaticamente ser interpretada como sendo a manifestação de vontade de querer que tais testemunhas depusessem por carta, pois o Banco que as ofereceu podia apresentá-las pessoalmente à inquirição. Daí que nem sequer o tribunal procedeu a despacho de aperfeiçoamento (art. 51º do CPAC), por na verdade não ser caso para isso.
Ultrapassada essa fase processual, foram as partes notificadas nos termos e para os efeitos do disposto no art. 64º do CPAC (fls. 63 e sgs) mas uma vez mais o Banco A limitou-se a indicar a matéria a que cada uma das testemunhas haveria de depor, incluindo as três de Hong Kong (fls. 66). Isto é, nem nessa ocasião o recorrente pediu a expedição de carta rogatória, provavelmente por estar convencido de que lhe seria possível trazê-las pessoalmente à inquirição a realizar em Macau.
E nem mesmo na peça de fls. 78, em que o Banco A vem aos autos dar conta da impossibilidade de a sua mandatária estar presente na data marcada para a diligência, foi capaz de pedir a expedição da carta rogatória, só o vindo a fazer já na ultima fase de concertação com vista à obtenção de uma data que servisse ambas as partes.
Em suma, subscrevemos os argumentos do despacho recorrido, segundo o qual a simples indicação da morada de três testemunhas na RAEK não é suficiente para demonstrar que era intenção do recorrente fazer que elas depusessem naquele território e que só não fizera o pedido por erro de escrita. Erro de escrita não é, seguramente, quando muito negligência, falha ou esquecimento repetido.
Nesta parte, pois, não merece censura o despacho em causa.
*
1.2- O mesmo despacho, porém, entendeu que a referida atitude do recorrente consubstancia falta de dever de cooperação e, por tal motivo, condenou-a por litigância de má fé.
Mas, neste passo já não sufragamos a solução tomada.
Realmente, o facto de a parte poder ter cometido uma involuntária falha ou um lamentável esquecimento não tem outro significado senão esse: o de que a sua aparente falta de diligência só a si mesmo podia prejudicar. E assim sendo, não é possível inferir que a sua inacção foi motivada por intenções dilatórias ou que representasse falta de cooperação com o tribunal, não sendo motivo para se dar por violado o dever do art. 8º, nº1, do CPC, assim como não mostram minimamente os autos que tenha sido quebrada alguma regra de procedimento de boa fé na condução do processo (art. 9º do CPC), nem por banda da parte em si mesma, nem por banda da sua advogada.
Portanto, não se mostram verificados os pressupostos de aplicação do art. 385º do CPC, razão pela qual nesta parte o despacho em crise não pode manter-se.
*
2- Recurso da sentença
2.1- Como se sabe, o acto contenciosamente impugnado aplicou uma multa de Mop$ 100.000,00, suspensa na sua execução por dois anos, em virtude de o Banco A ter vendido aos seus balcões entre Janeiro de 2002 e Setembro de 2004 fundos de investimento geridos Por “B, Ltd”, que tem a sua sede no exterior, sem para tal ter obtido a sua prévia autorização junto da AMCM.
A sentença final proferida pelo Tribunal Administrativo julgou procedente a excepção peremptória de prescrição deduzida pelo Ministério Público e, consequentemente, anulou o acto recorrido.
Agora, a entidade administrativa vem recorrer jurisdicionalmente, por discordar da bondade de tal decisão.
Antes de mais nada, uma palavra para a imputada falta de legitimidade do SEAF (ponto 3 das contra-alegações do Banco A).
Segundo o Banco A, o facto de o ora recorrente, ao dizer nas suas alegações que “a infracção e o procedimento afinal ainda não prescreveram” quando a fls. 216 dos autos tinha dito que a prescrição ocorreria em 3/09/2010 retira-lhe legitimidade para recorrer.
Mas não. Esta ligeira variação de posição não está em completo desacordo com o que antes sufragara. Na verdade, o que se nota agora é um alargamento do prazo para a prescrição. Isto é, entendia inicialmente o digno recorrente SEAF que na data em que foi praticado o acto sancionatório ainda não tinha decorrido o prazo da prescrição (que só terminaria em 2/09/2010). Agora, no recurso veio dizer que, melhor ponderando o caso, nem na apontada data a prescrição viria a verificar-se, chegando mesmo a afirmar que o prazo de prescrição ainda não tinha terminado em 24/11/2010. Ou seja, continua a haver por parte do digno recorrente a manutenção da defesa do ponto de vista já antes traçado: o de que a sanção foi aplicada sem que se tivesse ainda produzido a prescrição do procedimento. Por esta razão, não vemos qualquer perda de legitimidade para o recurso, tal como defendido pelo Banco ora recorrido.
*
2.2- Vejamos agora a matéria do recurso.
O diploma que regula a constituição e funcionamento dos fundos de investimento é o DL nº 83/99/M, de 22/11. E este diploma obriga a que a comercialização de fundos esteja sujeita a autorização prévia da AMCM (art. 61º, nº1).
Por outro lado, e tal como prescreve o art. 102º desse diploma, “Às infracções ao presente diploma é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no Título IV do RJSF”. Ou seja, o regime das infracções tem que ir buscar-se, até onde for possível, ao DL nº 32/93/M, de 5/07 (RJSF).
Ora, é neste último diploma que, em matéria de prescrição, avistamos o art. 136º, que assim dispõe:
“1. O procedimento para aplicação das sanções previstas neste capítulo prescreve decorridos 3 anos sobre a data em que a infracção foi cometida.
2. Porém, o referido prazo só corre:
a) Nas infracções permanentes, desde o dia em que cessar a consumação;
b) Nas infracções continuadas e habituais, desde o dia da prática do último acto integrante da conduta infractora;
c) Nas infracções não consumadas, desde o dia do último acto de execução.
3. As multas e as restantes sanções previstas nos artigos 126.º e 127.º prescrevem passados 5 anos sobre o trânsito em julgado do despacho punitivo”.
Por este preceito ficamos a saber que o prazo de prescrição do procedimento é de três anos, que no caso de infracções continuadas e habituais, só começa a correr desde o dia da prática do último acto integrante da conduta infractora.
O que acontece é que este artigo nada diz sobre suspensão ou interrupção dos prazos. Nesta situação, e para este específico efeito, uma vez que estamos perante uma infracção administrativa, é preciso buscar auxílio ao DL nº 52/99/M, de 4/10.
É este diploma, com efeito, que no seu art. 7º reza que:
Artigo 7.º
(Prescrições)
1. O procedimento para aplicação das sanções prescreve decorridos 2 anos sobre a data da prática da infracção.
2. As sanções prescrevem decorridos 4 anos sobre a data em que a decisão sancionatória se tenha tornado inimpugnável.
3. Os prazos de prescrição do procedimento e das sanções suspendem-se e interrompem-se nos termos das disposições adequadas da lei penal.
Mas, como se vê, ainda não estamos dotados do suficiente material normativo, uma vez que, em termos de suspensão e interrupção de prescrição, o nº3, do art. 7º limita-se a fazer uma remissão expressa para “as disposições adequadas na lei penal”.
Temos assim que fazer uma incursão ao art. 112º do Cor. Penal, segundo o qual a prescrição do procedimento se suspende durante o tempo em que:
“b) O procedimento estiver pendente, a partir da notificação da acusação…”, sendo certo que, neste caso “…a suspensão não pode ultrapassar três anos” (nº2, cit. art. 112º) e “…volta a correr do dia em que cessar a causa da suspensão “ (nº3, cit. art.).
E não podemos ignorar ainda o disposto no art. 113º, nº3 do Cod. Penasl, segundo o qual “A prescrição do procedimento penal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade…”.
Vistas tais disposições, temos que:
O prazo de prescrição do procedimento é de 3 anos e que pelo mesmo período (máximo) se suspende a prescrição a partir da notificação da acusação.
Assim sendo, e atendendo aos elementos fácticos acima descritos, somos a considerar – tal como o entendeu a sentença - que:
- O prazo de prescrição se iniciou em 2/09/2004 (data da verificação da situação infraccional);
- Se suspendeu em 14/09/2004, com a notificação da “acusação” ao recorrente, se por isso tomarmos a referida peça (fls. 397 e tradução a fls.400);
- Esta suspensão não poderia durar mais do que três anos, o que significa que ela teria que fatalmente ocorrer em 14/09/2007 se o procedimento até esta data não estivesse sido concluído. Neste sentido, o prazo máximo de suspensão corre independentemente de a Administração ter praticado ou não qualquer acto que produza efeitos externos.
- Atingida esta data, recomeçaria a contagem do prazo da prescrição (nº3, do art. 112º do CP), a qual, descontando os 12 dias decorridos entre o dia 2 e 14 de Setembro de 2004, terminaria somente em 2/09/2010 se seguíssemos as disposições do art. 112º do Cod. Penal, ou terminaria em 2/03/2012, necessariamente, face ao art. 113º, nº3 do Cod. Penal.
Quer isto dizer que, no pressuposto de que a notificação de fls. 397/398 traduzida a fls. 400 e 401 constitui a notificação da acusação1, então ainda não tinha decorrido o prazo de prescrição quando, em 23 de Junho de 2008, ao recorrente foi aplicada a referida multa.
Não achamos, por isso, aplicável ao caso o preceituado no art. 93º, nº3 do CPA2, por três razões:
1ª Porque as determinações legais acima citadas concernentes à suspensão e interrupção da prescrição são especiais relativamente à generalidade que resulta deste dispositivo legal;
2ª Porque a lei manda aplicar aquelas especificamente;
3ª Porque, finalmente, a defesa do Banco A a fls. 385 do p.a. em nada se assemelha a uma audiência prévia, nem foi esse o espírito com que a apresentou (chamou-lhe “defesa” à “acusação”).
Mas ainda que esta nossa posição estivesse errada, nem por isso se poderia concluir pela prescrição do procedimento à data em que a decisão sancionatória foi praticada (23/07/2008). Ou seja, ainda que tivéssemos que somar ao prazo acima obtido mais 43 dias de suspensão do prazo prescricional (entre 14/09/2004 e 27/10/2004), isso faria atirar o termo do prazo para 15/10/2010, uma vez que não podia, nem nesse caso, deixar de se aplicar as disposições do art. 112º e 113º do Cod. Penal, por força da remissão a que acima fizemos referência.
Nesta conformidade, a decisão recorrida não pode manter-se, devendo os autos baixar à 1ª instância para conhecimento dos vícios ainda não conhecidos.
***
IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em:
-Conceder provimento ao recurso interlocutório, revogando-o na parte em que condenou o recorrente em multa por litigância de má fé;
Sem custas, dada a isenção da entidade recorrida, apesar de ter contra-alegado.
-Conceder provimento ao recurso da sentença e, em consequência, revogá-la e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo para apreciação dos demais vícios, salvo alguma coisa a tanto obstar.
Custas pelo recorrido.
TSI, 02 / 02 / 2012
_________________________ _________________________
José Cândido de Pinho Vitor Manuel CarvalhoCoelho
(Relator) (Presente)
(Magistrado do M.oP.o)
_________________________
Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
_________________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 Assim o admitiu o próprio Banco, recorrente contencioso, ao não invocar no elenco dos vícios este que haveria de corresponder à falta de acusação e ao responder no procedimento administrativo àquela que entendeu ser matéria da acusação, apresentando contra ela a sua “defesa” (fls. 385 e sgs. do p.a). Não sendo vício de conhecimento oficioso, não o podemos relevar em sede de conhecimento no âmbito do recurso jurisdicional, limitado que está à censura que é dirigida contra a decisão da 1ª instância.
2 “A realização da audiência dos interessados suspende a contagem de prazos em todos os procedimentos administrativos”.
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------