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Processo n.º 616/2007
(Recurso cível)

Data : 9/Fevereiro/2012

ASSUNTOS:
- Nulidade das provas
- Segredo profissional do advogado; sua violação
- Deontologia do advogado
- Revogação de procuração
- Nulidade do negócio e crime subjacente
- Representação sem poderes


   SUMÁRIO:
   
   1. Valorar uma prova produzida com violação do segredo profissional não é uma nulidade processual. A lei é muito clara ao integrá-la como uma nulidade de prova, donde o regime dever situar-se ao nível dos efeitos probatórios em sede de um julgamento de facto que não deixa de poder sindicado por via de recurso e, assim, não faria sentido estar a relevar uma prova nula, não prevendo a lei processual ou substantiva a sanação dessa categoria de nulidades.
   2. Não pode haver violação do segredo profissional respeitante a parte que oferece a testemunha. Não tendo havido oposição da parte contrária ao depoimento pode concluir-se que tacitamente julgou desligada a testemunha da obrigação do segredo profissional que porventura tivesse para consigo.
   
   3. Se não estamos perante factos que tenham sido revelados pelo cliente ou pelos clientes do referido causídico, se se trata apenas e somente de factos de que ele foi testemunha ocular e presencial e, como tal, não se incluem em nenhuma das alíneas do artigo 5.° do Código Deontológico dos Advogados não haverá dever de reserva.
   
    4. Assim acontece com as declarações prestadas que se limitam a testemunhar a existência e a celebração de um acordo revogatório da procuração celebrado entre a autora e o primeiro réu, matéria que reuniu consenso entre as partes envolvidas.
    5. O fundamento ético-jurídico do segredo profissional radica no princípio da confiança e na natureza social da função forense. Traduz-se num dever de guardar os segredos do cliente e só é segredo o que não está divulgado, aquilo que outros não devem saber, o que não é exactamente a mesma coisa daquilo que não se quer que se saiba.
    6. A revogação da procuração não está sujeita a forma especial, quer seja necessário ou não o consentimento do interessado, o que facilmente se compreende, pois é no momento da outorga da procuração, mas já não da sua revogação, que se impõe ao representado e representante uma ponderação mais consciente do seu acto.
    7. Para ponderar da nulidade de um negócio por ter subjacente a prática de um crime importa observar que uma coisa é o objecto do negócio que abrange quer os efeitos jurídicos a que o negócio tende, quer o “quid” sobre que incidem os efeitos do negócio e outra os meios, os instrumentos os actos preparatórios e habilitantes para a realização do negócio.
    
    8. Se o negócio observado teve por objecto a venda de determinados prédios, venda feita com uma procuração falsa, podemos admitir que mesmo sem poderes de representação essa venda fosse até querida e ratificada pelo dono dos mesmos. Perante essa situação, ainda que pouco comum, não deixa de se poder configurar como possível e importa distinguir o crime que foi praticado pelo meio do negócio prosseguido do próprio negócio celebrado, donde não se poder ter essa venda, em si, sem mais, por criminosa.
    9. Não estaremos, aí, numa situação de fraus omnia corrupit, mas de uma situação em que o princípio malitiis non est indulgendum só deve funcionar nos fins ilícitos prosseguidos.
   
O Relator,


                 (João Gil de Oliveira)


Processo n.º 616/2007
(Recurso Civil)

Data: 9/Fevereiro/2012

Recorrentes: A - falecido
B
C

Recorrida: D
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A, B e C, RR, mais bem identificados nos autos, vêm interpor recurso da douta sentença proferida a fls. 916 dos autos, que, em termos essenciais:
    a) declarou "a ineficácia, face a Autora, dos negócios de compra e venda de imóveis titulados pelas cinco escrituras públicas lavradas (...), com todas as legais consequências" e
    b) ordenou “o cancelamento dos registos efectuados com base nessas escrituras (…)”

    Para tanto, alegaram em síntese conclusiva:
    
    A. Dois M.I. Advogados prestaram depoimento testemunhal no TJDB.
    B. Contudo, nenhum dos dois solicitou " ... prévia autorização da Associação dos Advogados ... " como, imperativamente, estatui o art. 7° do Código Deontológico.
    C. Um dos Advogados prestou serviços de advocacia ao primeiro Recorrente.
    D. Ambos Advogados prestaram testemunho sobre factos que tiveram conhecimento no exercício da profissão e por causa dela.
    E. Ao mandatário dos ora Recorrentes (dois dias antes do julgamento) foram entregues duas missivas redigidas por M.I. Advogada do escritório da Recorrida.
    F. Nas missivas em questão transmitia-se ao mandatário dos ora Recorrentes a intenção da M.I. Causídica apresentar denúncia disciplinar e criminal por actos profissionais praticados por aquele
    G. O mandatário dos ora Recorrentes sentiu-se diminuído perante a comunicação endereçada por um dos maiores e mais prestigiados escritório de Macau (e, ainda por cima, subscrita por uma autoridade na área da Deontologia que vai emprestando o seu lustro em aulas ministradas aos advogados estagiários).
    H. Pelo que o mandatário dos ora Recorrentes passou um fim de semana de martírio psicológico causado por existenciais dúvidas axiológicas e receios pelas consequências emergentes da eventual falta que lhe foi imputada.
    I. O mandatário dos ora Recorrentes, perante semelhante pressão, sentiu grande receio pela mensagem que recebera e, assim, durante a sessão de julgamento do dia 22/11/06 a sua indisposição física aumentou de tal maneira que sentiu necessidade de sair do Tribunal a fim de se apresentar consulta urgente que à cautela fora marcada para as 11h30min. desse mesmo dia.
    J. Por mui douto despacho, o Tribunal a quo considerou que não se tratando " ... de justo impedimento, conforme dispõe o art. 96 do C.P.C., pelo que a audiência de discussão e julgamento prossegue os seus trâmites normais."
    K. O advogado, sendo um simples mortal, está sujeito a pressões, receios e medos (tal qual outro qualquer ser humano) e, in casu, a debilitação que chegou impediu-o de continuar a assegurar a defesa dos constituintes a fim de preservar a sua saúde.
    L. Nunca existiu, nem existe, no ordenamento jurídico de Macau a figura de "cancelamento de procuração", nem a feitura de um risco transversal numa procuração confere a força e o significado de uma revogação.
    M. A Recorrida não fez prova da vontade de revogar a procuração pois que sendo uma pessoa colectiva deveria ter feito junção de um documento comprovativo (acta) da emanação da sua vontade.
    N. "O dever de guardar segredo profissional é uma regra de ouro da advocacia e um dos mais sagrados princípios deontológicos" e "O fundamento ético-jurídico do segredo profissional radica no princípio da confiança e é na natureza social da função forense" (Iniciação à Advocacia, Coimbra Editora, pág.1 , e 2 António Arnaut)
    O. Pelo que não é "Não é exagero dizer-se que a natureza da obrigação de segredo profissional está intimamente ligado à natureza da própria profissão e tem uma tradição histórica marcada entre nós" e, assim, ,"não podem fazer prova em juízo as declarações feitas pelo Advogado com violação do segredo profissional" e, acrescenta este luminar da verdadeira Deontologia profissional, "como é evidente, esta norma tem aplicação em qualquer tipo de processo" (Do Segredo Profissional na Advocacia, pág. 15 e 22, M, Bastonário da Ordem dos Advogados, sublinhado nosso)
    P. Já que, "Na verdade, todos os meios de prova arvorados em processo com violação de segredo profissional são passíveis de sanção processual, como são de sanção penal. O Advogado "declara" não apenas quando fala ou quando escreve, mas quando mostra, quando exibe, quando junta um "documento". O contrário seria tirar com uma mão o que se dera com outra, seria fomentar a maior torpeza". (ibidem, pág.22)
    Q. Dois M.I. Advogados de Macau prestaram testemunho em juízo sobre matéria que tiveram conhecimento no exercício da advocacia cumprindo, agora, saber se tais factos estarão acobertados (ou não) pelo segredo profissional... Ora, "O sigilo abrange todos os factos revelados pelo cliente e não apenas aqueles de que ele tenha pedido confidência. E principia logo pelo "facto" da simples presença física no escritório do Advogado, que deve ser considerada de total reserva" (opus citada, pág.33, M, Bastonário da Ordem dos Advogados, sublinhado nosso)
    R. Quanto à Doutrina comparada (expressa pela Ordem dos Advogados de Portugal) temos o seguinte ensinamento: "Como resulta do que se lê naqueles preceitos, tal segredo abrange todos os factos conhecidos pelo Advogado no exercício da sua profissão, e por causa desse exercício - numa relação de "causalidade necessária" entre o exercício das funções e o conhecimento dos factos (Fernando de Sousa Magalhães, "Estatuto da Ordem dos Advogados Anotado e Comentado", pág. 106).
    S. No que respeita ao segredo profissional, ensina a Ordem dos Advogados: "Mais do que uma condição para o seu desempenho é, sobretudo, um traço essencial da sua própria existência. Sem o segredo profissional erigido em regra de ouro não existe, nem pode existir Advocacia. Assim o tem entendido a lei e a própria jurisprudência da Ordem dos Advogados."
    T. Quanto à Jurisprudência superior comparada temos o seguinte ensinamento: "I. A obrigação de segredo profissional dos advogados apenas cede perante absoluta necessidade de defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados a quem compete dizer se houve ou não violação desse segredo. II. Se ao Juiz se afigurar, num mero juízo perfunctário, que poderá existir quebra do sigilo profissional por parte do advogado deve ter em atenção que tal não pode fazer prova e deve dar conhecimento Ordem dos Advogados" (Ac. RL 10/27/1983,in CJ ano VIII, t4 Pag.156)
    U. "Os documentos juntos aos autos com violação de segredo profissional imposto pelo Estatuto da Ordem dos Advogados não fazem prova em juízo ainda que a parte contra quem os documentos são apresentados não tenha reagido contra a abusiva junção dos mesmos." (AC RL DE 1990/11/08 IN CJ ANOXV T5 PAG. 109, sublinhado nosso)
    V. "1 - O "segredo profissional" é o conhecimento de um facto que deve permanecer reservado a um conjunto determinado de pessoas; II - O segredo profissional do advogado é estabelecido no interesse público;" (RL 199106200028066, sublinhado nosso)
    W. Estatui a lei vigente na RAEM o seguinte: "1. Os advogados não podem ser inquiridos ou revelar factos que constituam segredo profissional e de que tiverem tido conhecimento no exercício das suas funções. 2. São nulas todas as provas obtidas através de declarações feitas pelo advogado com violação do segredo profissional. (Art. 6°, Despacho N°121/GM/92, sublinhado nosso)
    X. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo errou ao aceitar a indicação de prova testemunhal feita por advogados com quebra do dever de segredo profissional.
    Ora,
    Y. "Caso o Tribunal a quo antevisse interesse no depoimento testemunhal de quaisquer advogados que soubessem algo através do exercício da advocacia deveria ter exigido o cumprimento do artigo sétimo do Código Deontológico,
    Z. A cessação da " ... obrigação de segredo profissional ..." através da "... mediante prévia autorização da Associação dos Advogados".
    Nestes termos, requerem se revogue o douto acórdão recorrido, por violação de normas imperativas vigentes na RAEM, e consequentemente se mande mandar repetir o julgamento para que a recorrida, querendo, peça aos dois M.I. Advogados para darem cumprimento ao artigo sétimo do Código Deontológico.
    
    D, Autora nos autos à margem referenciados, notificada das alegações dos Réus vem, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 613.° do Código de Processo Civil (doravante CPC), apresentar as suas CONTRA-ALEGAÇÕES, o que fez, em síntese:
    1. Conforme se constata das alegações de recurso apresentadas pelos Réus, estes não impugnaram ou puseram em causa o mérito da decisão recorrida sobre o qual não se chegam sequer a pronunciar, limitando-se a invocar uma suposta nulidade de que teria padecido a produção da prova testemunhal apresentada nos autos vício que, a seu ver, deverá ter como consequência a anulação do julgamento e a sua consequente repetição.
    2. Segundo os Recorrentes os depoimentos prestados pelos Srs. Drs. E e F violaram o dever de segredo profissional que abrange os advogados o que, na óptica dos Réus implicaria a nulidade deste meio de prova e, consequentemente, a anulação de todo o processado posterior, com a repetição do julgamento.
    3. As questões em análise no que a esta suposta nulidade diz respeito cingem-se a duas: saber se a matéria a que depuseram as referidas testemunhas está ou não a coberto da obrigação de segredo profissional e, portanto, se o seu depoimento estaria ou não ferido de qualquer vício e apurar se, ainda que existindo o vício que os Réus imputam ao meio de prova em apreço, o mesmo já não estará sanado.
    4. Ora, diga-se em primeiro lugar que os factos sobre que recaiu o depoimento do Sr. Dr. E não estão abrangidos pelo dever de segredo profissional, pois desde logo, não se está perante factos que tenham sido revelados pelo cliente ou pelos clientes do referido causídico. Tratam-se apenas e somente de factos de que o Sr. Dr. E foi testemunha ocular e presencial e, como tal, não se incluem em nenhuma das alíneas do artigo 5.° do Código Deontológico dos Advogados.
    5. Efectivamente, das declarações prestadas por escrito pelo Sr. Dr. E resulta com clareza que este se limitou a testemunhar a existência e a celebração do acordo revogatório da procuração celebrado entre a Autora e o Primeiro Réu. Ora, tem sido entendimento unânime que a simples presença do advogado e inclusive a aposição da sua assinatura a fim de servir de testemunha à celebração de contratos ou acordos não está a coberto do sigilo profissional.
    6. Por outro lado, os factos em apreço referem-se precisamente a um acordo, a uma matéria que reuniu consenso entre as partes envolvidas como tal, a circunstância de tal matéria não se referir a qualquer litígio ou tão pouco a negociações com vista à composição amigável de um litígio exclui-a do âmbito do segredo profissional. A título de exemplo cite-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 22 de Junho de 1988 que, a propósito do depoimento de um advogado como testemunha, considerou que não constitui violação da norma a que se refere o segredo profissional “a revelação em processo de factos conhecidos pelo advogado no âmbito de negociações para acordo amigável, quando respeitantes a contraparte e em relação aos quais o advogado foi solicitado a pronunciar-se profissionalmente, nem dizem respeito a pendência" (realçado nosso), acrescentando o dito acórdão que “não é vedado ao juiz validar depoimento sobre matéria que entendeu não violar segredo de justiça, ainda que em consulta à Ordem dos Advogados efectuada pelo depoente relativamente a acto processual complementar do primeiro, venha aquela entidade a concluir estar a matéria em causa a coberto o dever de sigilo profissional" (in www.dgsi.pt).
    7. Por outro lado, não há segredo profissional ou a sua quebra considera-se totalmente justificada quando o depoimento do advogado "for absolutamente necessário para a defesa de direitos e interesses legítimos do cliente, designadamente quando a sua audição se mostrar imprescindível à investigação do ilícito denunciado pelo seu cliente contra terceiro, sem o que aquele não tem possibilidades de demonstrar a verdade da tese que sustenta" (Acórdão da Relação do Porto de 2 de Maio de 1997, in www.dgsi.pt).
    8. Conclui-se, então, que não existiu qualquer quebra do sigilo profissional por parte do Sr. Dr. E, o mesmo sucedendo com as declarações que o Sr. Dr. F prestou no âmbito dos presentes autos, o qual nem sequer prestou depoimento na qualidade de advogado mas sim de notário privado.
    9. Por outro lado, a matéria dos quesitos a que a referida testemunha depôs, que diz respeito à tentativa de marcação de escrituras públicas é totalmente inócua e acessória. Ora, tem também sido jurisprudência e doutrina unânime que não há qualquer inabilidade para testemunhar quando o depoimento incide apenas sobre matéria acessória e pouco relevante para a decisão do futuro da causa (ver por todos o Acórdão da Relação do Porto proferido em 7 de Julho de 1997, in www.dsgi.pt). como acontece neste caso.
    10. Esclarecida que está a não violação da obrigação de sigilo profissional por parte das referidas testemunhas e, consequentemente, da plena validade deste meio de prova importa agora referir que, ainda que ainda que se estivesse perante uma nulidade há muito que a mesma se teria de considerar sanada.
    11. Efectivamente, a prestação de depoimento de um advogado na qualidade de testemunha com violação do segredo profissional o que, como se viu, não sucedeu no presente caso, constitui uma irregularidade ou nulidade processual que, sob pena de se considerar sanada; tem de ser oportunamente arguida pelo interessado.
    12. Acresce que, o momento oportuno e tempestivo para arguição deferida nulidade ou Irregularidade coincide, obviamente, com o acto da inquirição, sob pena de tal arguição não poder ser feita em momento posterior. Mais, caso a nulidade em apreço não venha a ser arguida tempestivamente não pode a parte em recurso da sentença interposto posteriormente pretender que tal questão seja analisada pelo tribunal de recurso.
    13. Ora, a situação factual dos autos atesta que os Réus não reagiram, não tendo arguido qualquer nulidade, pois no momento que a lei considera processualmente oportuno para a suscitação desta questão - o acto da inquirição ou o acto prestação desse depoimento - os Recorrentes nada disseram. Com efeito, notificados do depoimento prestado por escrito pelo Sr. Dr. E o silêncio imperou nos Recorrentes. O mesmo sucedeu com a prestação do depoimento do Sr. Dr. F, conforme se constata da acta relativa à audiência de discussão e julgamento de fls….
    14. Caso os Recorrentes tivessem pretendido arguir a nulidade dos referidos depoimentos por os mesmos pretensamente violarem o dever de segredo profissional dispunham, conforme estipulam os artigos 147.°, 149.° e 151.°, n.º 1, todos do CPC, teriam de o ter feito logo no prazo máximo de dez dias após a notificação do depoimento prestado por escrito, no que concerne ao Sr. Dr. E, e na própria audiência de discussão e julgamento no que ao depoimento do Sr. Dr. F diz respeito. Não o tendo feito, a alegada nulidade considera-se sanada e nenhum vício poderá ser assacado ao acto que, como tal, tem plena validade em juízo.
    15. O Sr. Dr. E já havia prestado depoimento sobre esta mesma matéria em sede dos Autos de Providência Cautelar apensos aos presentes, depoimento esse que a pedido dos Réus, aí Requeridos, foi reduzido a escrito (!), não tendo estes na altura, nem posteriormente, arguido qualquer nulidade em relação ao mesmo, pelo que apenas se pode concluir que os Réus consideram que esta testemunha nem sequer estava obrigada ao dever de sigilo profissional.
    16. Também a jurisprudência não tem dúvidas quanto a este aspecto, citando-se a título de exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 16 de Novembro de 1971 (BMJ 211, página 269) que, quanto à prova testemunhal por advogado considerou que "Não pode haver violação do segredo profissional respeitante a parte que oferece a testemunha. Não tendo havido oposição da parte contrária ao depoimento pode concluir-se que tacitamente julgou desligada a testemunha da obrigação do segredo profissional que porventura tivesse para consigo.".
    17. Conclui-se então que, ainda que tenha havido qualquer quebra do dever de sigilo profissional por parte das referidas testemunhas e, consequente, nulidade secundária há muito que esta se encontra sanada pois não foi arguida tempestivamente, pelo que deverá, por força do supra exposto, improceder na íntegra o recurso interposto pelos Recorrentes que carece de total fundamento legal.
    18. A Recorrida, a título subsidiário e nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 590.° do CPC, pretende proceder à AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO a qual irá incidir sobre os fundamentos da acção e os pedidos em que a Recorrida decaiu isto é o pedido principal e o primeiro dos pedidos subsidiários.
    19. Efectivamente, face aos actos dados como assentes e às normas legais que lhes são aplicáveis entende a Recorrida que o Meritíssimo Juiz a quo se deveria ter decidido pela procedência do pedido principal da acção ou, caso assim não o entendesse deveria, pelo menos, ter declarado procedente o primeiro dos pedidos subsidiários formulados pela ora Recorrida.
    20. É que, estando a procuração em causa revogada, conclui-se que o Primeiro Réu outorgou as supra referidas escritura públicas em nome da Autora, sem poderes de representação para o efeito, sendo que a referida revogação era também do perfeito conhecimento do Segundo Réu, que outorgou as mesmas escrituras na qualidade de comprador e do próprio Notário que interveio na celebração das mesmas.
    21. Assim, os referidos negócios titulados pelas escrituras públicas em causa, assumem contornos de tal forma gravosos que, para além de consubstanciarem vários crimes, são manifestamente ofensivos dos bons costumes e como tal, nulos, nos termos dos artigos 273º e 274.° do Código Civil, correspondentes aos artigos 280.° e 281.° do anterior diploma. Eram estas as normas de que o Meritíssimo Juiz a quo se deveria ter apegado na decisão recorrida.
    22. Com efeito, a propósito do abuso de representação, ensina G que o mesmo não se verifica "quando o procurador, agindo formalmente dentro dos seus poderes funcionais, e a outra parte colaboram conscientemente para prejudicar o representado. Neste caso, em que existe 'colusão' o negócio é ofensivo dos bons costumes, caindo assim sobe a alçada do artigo 281.° tendo como consequência a sua nulidade" (in "A Parte Geral do Código Civil Português", pág. 489).
    23. Tal ensinamento, relativo ao abuso de representação, não pode deixar de se aplicar, por maioria de razão, à situação, mais grave, da falta de poderes, verificada no caso sub judice.
    24. Assim, é forçoso concluir que são nulas as compras e vendas tituladas pelas escrituras públicas a que se reportam os Does. 8, 12, 14, 16 e 21 juntos, a qual deverá ser expressamente declarada com todas as legais consequências, ordenando-se ainda o cancelamento de todos os registos que tenham sido ou venham a ser efectuados com base nas mesmas.
    25. Mesmo que o Meritíssimo Juiz a quo não tivesse concluído pela nulidade referidos negócios nos termos acima referidos - o que apenas por cautela de patrocínio se concebe - certo é que, atento o manifesto conluio existente entre o Primeiro e o Segundo Réus, com o objectivo de prejudicar a Autora, sempre se haveria de concluir que a vontade desta plasmada nas referidas escrituras foi determinada por dolo daqueles.
    26. Recorde-se que sendo a revogação outorgada pela Autora do perfeito conhecimento dos Réus (vide resposta ao quesito 11.°) há manifesto dolo no uso dos respectivos poderes (inexistentes), contra a vontade daquela. Na verdade, "se o mandatário não só incumpriu os seus deveres de mandatário como agiu propositadamente para prejudicar o representado e a outra parte tinha conhecimento desse propósito, pode o principal pedir a anulação do negócio por dolo" (Helena Mota, "Do Abuso de Representação", pág. 93).
    27. Embora mencionado a propósito do abuso de representação, o referido ensinamento não pode deixar de se aplicar à situação mais gravosa da falta de poderes, pelo que - e caso não se considere que os negócios titulados pelas escrituras públicas supra referidas são nulos por ofensivos aos bons costumes sempre se terão de considerar anuláveis, nos termos dos artigos 246º e 247º de Código Civil, por a vontade da Autora ter sido determinada por dolo.
    28. Pelo que, se requer, ao abrigo do disposto no artigo 590.° do CPC, a ampliação do âmbito de recurso, por forma a que este Tribunal aprecie os pedidos supra referidos, dando provimento nos termos supra expostos ao pedido principal, ou caso assim o não entenda ao primeiro dos pedidos subsidiários, reparando-se como tal a douta decisão recorrida .
   Nestes termos e nos mais de direito, deve, conclui:
   - ser negado provimento ao recurso interposto pelos Réus Recorrentes, com os fundamentos que acima se expuseram;
   - ser tomado conhecimento dos fundamentos em que a Autora decaiu, dando-se provimento aos mesmos em sede de ampliação do âmbito do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 590.º do CPC, o que expressamente se requer, declarando-se assim:
   A) nulas e de nenhum efeito, por consubstanciarem conduta criminosa ofensiva dos bons costumes, as compras e vendas tituladas pelas cinco escrituras públicas lavradas, respectivamente, a fls. 19, 21, 25, 29 e 32 do livro 2 do Cartório do Notário Privado Armindo Sá Silva, a primeira das quais em 23.6.2003 e as restantes em 25.6.2003, com todas as legais consequências, ordenando-se ainda o cancelamento dos registos efectuados com base nessas escrituras - designadamente os que se referem às inscrições n.º 66722 do Livro G, 66929 do Livro G, 66720 do Livro G, 66928 do Livro G e 66719 do Livro G - registos, os quais têm por objecto os seguintes imóveis:
   - prédio sem número sito na Rampa dos Cavaleiros, omisso na matriz predial urbana, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 12254, a fls. 13 do Livro B33;
   - prédio sem número sito na Avenida do Coronel Mesquita, omisso na matriz predial urbana, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob os n.ºs 12255, a fls. 13v do Livro B33;
   - prédio sem número sito na Rua de XX, omisso na matriz predial urbana, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 22759, a fls. 135 do Livro B168M;
   - fracções autónomas designadas por "A1" "A2" "A3" "A4" "A5" "B1" "B2", "B3", "B4", "B5", todas do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 073085, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 5795, a fls. 174v do Livro B21;
   - prédio sem número sito na Avenida do XX, omisso na matriz predial urbana, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 12256, a fls. 14 do Livro B33;
   - prédio com o n.º 78 da Rua dos XX, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 10818, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 12248, a fls. 10 do Livro B33;
   - prédio com o n.º 58 da Rua das XX, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 10696, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 12249, a fls. 10v do Livro B33;
   - prédio com o n.º 19 da Rua de XX, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 010086, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 12250, a fls. 11 do Livro B33;
   - prédio com o n.º 7 da Travessa dos XX, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 010295, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 12251, a fls. 11v do Livro B3;
   - fracções autónomas designadas por “A1”, “A2”,“A3”,“A4”,“A5”, “B1”, "B2", "B3", "B4", "B5",. "C1", “C2”, "C3", "C4", "C5", "D1", "D2", "D3", "D4" e "D5", "E1", “E2”, "E3", “E4” e "E5", todas do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 70558, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 21459-I, a fls. 16 do Livro B50;
   - B) Subsidiariamente, e se assim não se entender, devem ser anuladas as compras e vendas tituladas nas mesmas escrituras e relativas aos supra identificados imóveis, com todas as legais consequências, porque a vontade da autora nelas vertida, na qualidade de vendedora, foi determinada por dolo, ordenando-se ainda o cancelamento dos registos efectuados com base nessas escrituras.
    
A e outros, RR. melhor identificados nos autos à margem referidos, notificados da ampliação do objecto de recurso, vêm, apresentar as respectivas contra-alegações, dizendo no essencial:
    I. O pedido de ampliação de recurso sustenta-se numa pretensa nulidade devido ao facto de as compras em questão " ... consubstanciarem conduta criminosa ofensiva dos bons costumes ... "; (sublinhado nosso)
    II. Ora, salvo o devido respeito, parece-nos que tal tese poderá merecer alguns reparos e, em primeiro lugar, constatar que apesar do decurso de muitos anos não existir (ao que se saiba) um qualquer Processo de Inquérito emergente da práticas de “... vários crimes ...”.
    III. Ao indicar que um dos crimes cometidos terá sido a utilização " ... a falsidade do documento ... " exarado num cartório privado para conseguir a celebração de escrituras, realça-se, então, que tal conduta mereceria uma tutela ex motu proprioi do Ministério Público, independentemente da vontade de quaisquer particulares ... Inexistindo, contudo, um qualquer Processo de inquérito a correr.
    IV. Nuclearmente, a douta tese que a Recorrida pretendeu provar foi a de que existiria uma relação de causalidade entre as escrituras em questão e a prática de " ... diversos crimes ... " cometidos tendo em vista conseguir celebrar negócios de compra e venda.
    V. Ora, não tendo a Recorrida conseguido sequer indicar um único Processo de Inquérito em que os tais" ... diversos crimes ... " terão sido praticados com o fim de celebrar os contratos em causa não pode, ergo, pretender que se declare " ... nulas e de nenhum efeito, por consubstanciarem conduta criminosa ofensiva dos bons costumes declaração, as compras e e vendas tituladas pelas cinco escrituras públicas lavradas…," num determinado Cartório Privado.
    Nestes termos, se requer seja considerado improcedente o pedido de ampliação do pedido realizado em virtude da total inexistência de factos que sustentem a tese da recorrida.
    
    II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos:
Da matéria dos factos assentes:
A). A autora é uma associação de piedade e de beneficência.
B). Cujos estatutos foram aprovados pela Portaria n.º 32-B, de 3 de Fevereiro de 1926 (B.O.M. n.º 7, de 13.2.1926) e alterados por escritura de 9 de Abril de 1998, a fls. 37 do Livro de notas n.º 15 do Cartório do Notário Privado Diamantino de Oliveira Ferreira e publicados no B.O.M. n.º 16, II Série, de 22.04.98, encontrando-se inscrita nos Serviços de Identificação de Macau sob o nº 161 (junta, como Docs. N.ºs 1, 2, e 3, respectivamente, cópia dos refridos B.O.M. e certificado emitido pelos Serviós de Identificação de Macau).
C). No dia 30 de Setembro de 1993, o Sr. H, na altura Vice-Presidente da Direcção da Autora, outorgou, em representação desta, no Cartório do Notário Privado Leonel alberto Alves uma procuração, cuja cópia certificada, se junta como Doc. n.º 4, de cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
D). Pelo referido documento – conforme se comprova pela respectiva cópia certificada – a Autora constituiu seu bastante procurador o 1º Réu, a quem conferiu os poderes que aí se enunciam.
E). A escolha do 1º Réu para então representar a Autora, nos termos alí constantes, resultou não só das sólidas relações de amizade que as partes então mantinham, mas também da confiança que entre ambos vigorava.
E-1). Do original da procuração não consta qualquer menção ao facto de ter sido extraída uma pública forma.
F). O substabelecimento referido no artigo 14º da base instrutória juntamente com a cópia autenticada da procuração referida no artigo 12º da base instrutória, ficou arquivamdo no Cartório Notarial das Ilhas.
G). Por escritura pública outorgada em 23.6.2003, lavrada a fls. 19 do Livro 2 do Cartório do Notário Privado Armindo Sá Silva, cuja cópia se junta como Doc. 8, o 1º Réu, com base na referida cópia autenticada da procuração referida no artigo 12º da base instrutória declarou vender, em representação daquela, ao 2º Réu, que declarou comprar, os seguintes prédios:
- prédio sem número sito na XX, omisso na matriz predial urbana, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 12254, a fls. 13 do Livro B33; então definitivamente registado na CRP em nome da Autora, conforme se comprova pelo Doc. n.º 9 que ora se junta;
- prédio sem número sito na XX, omisso na matriz predial urbana, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 12255, a fls. 13v do Livro B33 então definitivamente registado na CRP em nome da Autora, conforme se comprova pelo Doc. Nº 10 que ora se junta;
- prédio sem número sito na Rua de XX, omisso na matriz predial urbana, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 22759, a fls. 135 do Livro B168M; então definitivamenteregistado a favor da Autora, conforme se comprova pelo Doc. nº 11 que ora se junta.
H). Dois dias depois, os Réus voltaram a celebrar no mesmo Cartório Notarial mais quatro escrituras públicas de compra e venda, tendo por objecto inúmerios prédios pertencentes à Autora.
I). Por escritura pública outorgada em 25.6.2003, lavrada a fls. 21 do Livro 2 do Cartório do Notário Privado Armindo Sá Silva, que se junta como Doc. nº 12, o 1º Réu, arvorando-se da qualidade de procurador da Autora, com base na referida cópia autenticada da procuração, referida no artigo 12º da base instrutória, declarou vender, em representação da quela, ao 2º Réu, que declarou comprar, os seguintes prédios:
- Fracções autónomas designadas por “A1”, “A2”, “A3”, “A4”, “A5”, “B1”, “B2”, “B3”, “B4” e “B5”, todas do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 073085, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 5795, a fls. 174v do Livro B21, fracções essas então definitivamente registadas a favor da Autora, conforme se comprova pelo Doc. nº 13 que ora se junta;
J). Também por escritura pública outorgada em 25.6.2003, lavrada a fls. 25 do Livro 2 do Cartório do Notário Privado Armindo Sá Silva, que se junta como doc. n.º 14, o 1º Réu, arvorando-se da qualidade de procurador da Autora, com base na referida cópia autenticada da procuração, referida no artigo 12º da base instrutória, declarou vender, em representação daquela, ao 2º Réu, que declarou comprar, o prédio sem número sito na Avenixda do XX, omisso na matriz predial urbana, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 12256, a fls. 14 do Livro B33, então definitivamente registado a favor da Autora conforme se comprova pelo Doc. nº 15 que se junta.
K). No mesmo dia 25.6.2003, por escritura lavrada a fls. 29 do Livro 2 do Cartório do Notário Privado Armindo Sá Silva, que se junta como Doc. n.º 16, o 1º Réu, arvorando-se da qualidade de procurador da Autora, com base na referida cópia autenticada da procuração, referida no artigo 12º da Base instrutória declarou vender, em representação, ao 2º Réu, que declarou comprar, os seguintes prédios:
- prédio com o nº 78 da Rua dos XX, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 10818, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 12248, a fls. 10 do Livro B33, então definitivamente registado a favor da Autora, conforme se comprova pelo Doc. n.º 17 que ora se junta;
- prédio com o n.º 58 da Rua das Estalagens, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 10696, descrito na Conservatória do registo Predial de Macau sob o n.º 12249, a fls. 10v do Livro B33, então definitivamente registado a favor da Autora, conforme se comprova pelo Doc. n.º 18 que ora se junta;
- prédio com o n.º 19 da Rua de Camilo Pessanha, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 010086, descrito na Conservatória do registo Predial de Macau sob o nº 12250, a fls. 11 do Livro B33, então definitivamente registado a favor da Autora, conforme se comprova pelo Doc. n.º 19 que ora se junta;
- prédio com o n.º 7 da Travessa dos XX, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 010295, descrito na Conservatória do registo Predial de Macau sob o nº 12251, a fls. 11v do Livro B33, então definitivamente registado a favor da Autora, conforme se comprova pelo Doc. Nº 20 que ora se junta.
L). No mesmo dia 25.6.2003, por escritura pública lavrada a fls. 32 do Livro 2 do Cartório do Notário Privado Armindo Sá Silva, que se junta como Doc. n.º 21 o 1º Réu, arvorando-se da qualidade de procurador da Autora, com base na referida cópia autenticada da procuração referida no artigo 12º da base instrutória declarou vender, em representação daquela, ao 2º Réu, que declarou comprar, os seguintes imóveis:
- fracções autónomas designadas por “A1”, “A2”, “A3”, “A4”, A5”, “B1”, “B2”, “B3”, “B4”, “B5”, “C1”, “C2”, “C3”, “C4”, “C5”, “D1”, , “D3”, “D4”e “D5”, “E1”, “E2”, “E3”, E4”e E5”, todas do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 70588, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 21459-1, a fls. 16 do Livro B50, fracções essas então definitivamente registadas a favor da Autora, conforme se comprova pelo Doc. nº 22, 23, 24, 25 e 26 que ora se juntam.
M). A Autora instaurou contra os Réus um procedimento cautelar comum que se encontra apenso aos presentes autos, de cujas decisões judiciais constam respectivamente a fls 333 a 340, 471 a 485 e 706 a 729 desses autos de providência, que aqui se dá por integralmente reproduzidas.
N). Nas escrituras públicas a que se referem as alíneas G, H, I, J, K, e L dos Factos Assentes, o Notário G fez a seguinte menção, <>.
O). Na acta da Assembleia Geral da Autora na qual foi deliberada a outorga da aludida procuração, e para a qual esta expressamente remete, não inclui nos seus pontos de discussão nem nas respectivas deliberações a atribuição de poderes, quaisquer que ele fossem, ao 1º Réu relativamente a prédios pertencentes à Autora (Doc. nº 30, certificado de tradução da referida acta).
Da base instrutória:
1. Mais tarde, e após o referido em C) dos factos assentes, as partes decidiram, de comum acordo e por vontade recíproca, cancelar e revogar a dita procuração.
2. Para efectuar o cancelamento e revogação em que havia acordado com o 1º Réu, a Autora deliberou designar como representantes para a outorga do respectivo acordo revogarório os Srs. H, I e J, membros da sua Comissão Directora.
3. A fim de procederem à revogação do instrumento em apreço, os supra mencionados representantes da Autora, actuando nessa qualidade, e o 1º Réu, munidos do original da procuração, deslocaram-se no dia 14 de Fevereiro de 1995 ao escritório do advogado E.
4. Aí chegados, e perante o ilustre Causídico, as partes expressaram verbalmente a sua vontade mútua e recíproca de revogarem e cancelarem a procuração em questão.
5. Em seguida, ainda, na presença do Ex.mº Sr. Dr. E, formalizaram o acordo revogatório, apondo no corpo do original da procuração em língua chinesa, as expressões “A presente procuração cancela-se a partir da presente data 14/2/95, e, em língua inglesa, a expressão “CANCELADA”.
6. O original da procuração foi depois assinado pelo punho de cada um dos representantes da Autora – os referidos H, I e J.
7. Tendo sido, de igual modo, assinado pelo 1º Réu A.
8. O documento original da procuração foi restituído pelo 1º Réu à Autora.
9. O 1º Réu, antes de restituir a procuração a Autora, obteve e guardou para si uma fotocópia simples deste documento.
10. Desta fotocópia simples não constava, a menção à respectiva revogação, pois só mais tarde a mesma viria a ocorrer e a ser aposta no original.
11. O 1º Réu munido da aludida fotocópia simples, a apresentou em data não apurada junto ao Notário Privado Paulo Remédios, o qual no verso da dita fotocópia apôs os seguintes dizeres “Certifico que conferi neste cartório a presente fotocópia que contém cinco folha(s) e vai conforme ao original, que me apresentaram, rubriquei e restituí.” com assinatura e a data de 7 de Junho de 1995, sendo a mesma sido posteriormente depositada no Cartório Notarial das Ilhas, conforme certidão dessa “pública-forma”, que se junta como Doc. nº 6.
12. No dia 13 de Janeiro de 2003, o 1º Réu deslocou-se ao Cartório Notarial das Ilhas e, usando a cópia autenticada referida no artigo 12º da Base instrutória, outorgou um substabelecimento, com reserva, a favor dos 2º e 3º Réus.
13. O 2º Réu tinha perfeito conhecimento da falta de poderes invocados pelo 1º Réu e da falsidade do respectivo documento.
14. Os Réus desde os primeiros meses do ano de 2003, realizaram várias tentativas de marcação das escrituras para alienação dos prédios pertencentes à Autora, junto de diversos Cartórios de Macau, designadamente junto do Cartório das Ilhas e dos Cartórios dos Notários Privados F e K, que recusaram a proceder às escrituras.
  
    III - FUNDAMENTOS
    A- Recurso principal
    1. Os fundamentos aduzidos no recurso dos réus cingem-se às indisposições do seu mandatário e a uma alegada violação do segredo profissional em que teriam incorrido duas das testemunhas arroladas pelos autores.
    Basicamente, os recorrentes A, B e C pretendem a anulação do julgamento, solicitando a sua repetição, porque duas das testemunhas aí inquiridas terão violado as regras deontológicas, em particular o segredo profissional a que estariam adstritas, pois, como advogados que são estariam proibidos de depor sobre matéria que lhes foi confidenciada no exercício da profissão.
    
    2. Não têm razão os recorrentes.
    Muito embora sejam válidas as suas observações e enunciação dos princípios em termos de ética e deontologia, em termos abstractos – não tivessem eles deixado de citar os marcos que nessa matéria não deixam de ser icónicos, os Drs L e M, - o certo é que esses princípios que importa salvaguardar não se impõem no caso presente como adiante veremos.
    Há, no entanto, uma questão prévia que não deixará de se analisar.
    
    3. Trata-se da tempestividade da arguição desta pretensa nulidade.
     Sustenta a recorrida que ainda que se estivesse perante uma nulidade a mesma teria de se considerar sanada.
    Importa integrar a nulidade em causa. Estaríamos perante uma nulidade processual que se traduz na inquirição de dois advogados na qualidade de testemunhas com alegada violação do segredo profissional.
    Ora, não se enquadrando tal nulidade na categoria das chamadas principais e que possam ser arguidas a todo o tempo, o que se verifica é que a referida nulidade teria de se considerar sanada por não ter sido oportunamente suscitada, face ao que dispõe o artigo 151º do CPC, coincidindo o momento oportuno e tempestivo para arguição deferida com o acto da inquirição.
    E o certo é que os réus não reagiram, não tendo arguido qualquer nulidade no momento que a lei considera processualmente oportuno para a suscitação desta questão, ou seja no momento da inquirição, ao serem confrontados com o teor dos depoimentos prestados.
     Caso os recorrentes tivessem pretendido arguir a nulidade dos referidos depoimentos por os mesmos pretensamente violarem o dever de segredo profissional dispunham, conforme estipulam os artigos 147.°, 149.° e 151.°, n.º 1, todos do CPC, teriam de o ter feito logo no prazo máximo de dez dias após a notificação do depoimento prestado por escrito, no que concerne ao Sr. Dr. E, que depôs por escrito, e na própria audiência de discussão e julgamento no que ao depoimento do Sr. Dr. F diz respeito.1
    
    4. Não o tendo feito, a alegada nulidade considerar-se-ia sanada não fora o caso de nos parecer que não estamos perante uma mera nulidade processual. A lei é muito clara ao integrá-la como uma nulidade de prova, donde o regime dever situar-se ao nível dos efeitos probatórios em sede de um julgamento de facto que não deixa de poder sindicado nesta sede e, assim, não faria sentido estar a relevar uma prova nula, não prevendo a lei processual ou substantiva a sanação dessa categoria de nulidades.
    Na verdade, dispõe o art. 6°, Despacho N°121/GM/92, em sede do Código Deontológico dos Advogados:
    São nulas todas as provas obtidas através de declarações feitas pelo advogado com violação do segredo profissional.
    
    5. O ponto está em saber se nos deparamos com uma prova nula, ou seja, se foi produzida em violação do sigilo profissional.
    Acontece que o Sr. Dr. E já havia prestado depoimento sobre esta mesma matéria em sede dos Autos de Providência Cautelar apensos aos presentes, depoimento esse que foi prestado a pedido dos réus, aí requeridos, foi reduzido a escrito, não tendo estes na altura, nem posteriormente, arguido qualquer nulidade em relação ao mesmo, pelo que apenas se pode concluir que os réus consideram que esta testemunha nem sequer estava obrigada ao dever de sigilo profissional.
    Neste mesmo sentido tem entendido a Jurisprudência comparada. Assim “não pode haver violação do segredo profissional respeitante a parte que oferece a testemunha. Não tendo havido oposição da parte contrária ao depoimento pode concluir-se que tacitamente julgou desligada a testemunha da obrigação do segredo profissional que porventura tivesse para consigo.". 2
    Mas mesmo que se considerasse não se estar perante uma situação de dispensa de sigilo, mesmo que se entendesse que determinado depoimento não gerava nulidade processual por sanada, nomeadamente, em virtude de falta de arguição tempestiva, sempre restaria a responsabilidade disciplinar que não interferiria na validade do depoimento prestado.
    Somos, assim, a considerar intempestiva tal arguição.
    Não nos eximiremos a analisar a questão substantiva.
    
    6. Da alegada nulidade da produção da prova testemunhal
    Segundo os recorrentes, os referidos depoimentos – Exmos Srs Drs E e F - teriam sido prestados em violação da obrigação de segredo profissional que abrange os advogados o que, na óptica dos réus, implica a nulidade deste meio de prova e, consequentemente, a anulação de todo o processado posterior, requerendo, a final, a repetição da audiência de discussão e julgamento com a prolação de um novo acórdão sobre a matéria de facto e, obviamente, de uma nova sentença.
    
    Importa indagar se a matéria a que depuseram as referidas testemunhas está ou não a coberto da obrigação de segredo profissional e, portanto, se o seu depoimento estaria ou não ferido de qualquer vício.
    
    8. Quanto ao Exmo. Sr. Dr. E, recorde-se que o depoimento que prestou nos presentes autos incidiu sobre a matéria dos quesitos 1.°, 3.°, 4.°, 5.°, 6.° e 7.°, nos quais se perguntava respectivamente se:
    - "Mais tarde, e após o referido em C) dos factos assentes [ou seja, após 30 de Setembro de 1993, altura em que o Sr. H, então Vice-Presidente da Direcção da Autora, a D outorgou, era representação desta, no Cartório do Notário Privado E a procuração junta como doe. n.º 4 da petição inicial, fls. 29 a 34, cujo original se encontra junto a fls. 308 a 310 dos Autos de Providência Cautelar apensos aos presentes], as partes decidiram, de comum acordo e por vontade recíproca, cancelar e revogar a dita procuração?";
    - "A fim de procederem à revogação do instrumento em apreço [isto é a procuração a que se alude na alínea C) dos factos assentes], os supra mencionados representantes da Autora [H, I e J], actuando nessa qualidade, e o Primeiro Réu [A], munidos do original da procuração, deslocaram-se no dia 14 de Fevereiro de 1995 ao escritório do advogado E?";
    - “Aí chegados, e perante o ilustre Causídico, as partes [D, representada pelas supra citadas pessoas e o Primeiro Réu A] expressaram a sua vontade mútua e recíproca de revogarem e cancelarem a procuração em questão?"
    - "Em seguida, ainda na presença do Exmo Sr. Dr. E, formalizaram o acordo revogatório, apondo no corpo do original da procuração, em língua chinesa, as expressões "A presente procuração cancela-se a partir da presente data 14/2/95, e, em língua inglesa, a expressão “CANCELADA”?"
    - "O original da procuração foi depois assinado pelo punho de cada um dos representantes da Autora - os referidos H, I e J?" e se
    - "Tendo sido, de igual modo, assinado pelo Primeiro Réu A".
    Conforme resulta evidente dos quesitos acima enunciados, os factos sobre que recaiu o depoimento prestado pela ilustre testemunha em apreço não estão incluídos na obrigação de segredo profissional.
    Desde logo, não se está perante factos que tenham sido revelados pelo cliente ou pelos clientes do referido causídico. Tratam-se apenas e somente de factos de que o Sr. Dr. E foi testemunha ocular e presencial e, como tal, não se incluem em nenhuma das alíneas do artigo 5.° do Código Deontológico dos Advogados que prescreve:
 1. O segredo profissional é um direito e um dever fundamental do advogado que, no exercício da sua profissão, é depositário dos segredos e informações confidenciais dos seus clientes.
2. A obrigação de segredo profissional não está limitada no tempo.
3. O advogado deve exigir dos seus associados, empregados ou de qualquer pessoa que consigo colabore na prestação de serviços profissionais, a observância desse segredo profissional.
4. Nomeadamente o advogado é obrigado a segredo profissional no que respeita:
a) A factos referentes a assuntos profissionais que lhe tenham sido revelados pelo cliente ou por sua ordem ou conhecidos no exercício da profissão;
b) A factos que, em virtude de cargo desempenhado na Associação de Advogados, qualquer colega, obrigado quanto aos mesmos factos ao segredo profissional, lhe tenha comunicado;
c) A factos comunicados por co-autor, co-réu ou co-interessado do cliente ou pelo representante;
d) A factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lho tenham dado conhecimento durante negociações para acordo amigável e que sejam relativos à pendência.
5. A obrigação do segredo profissional existe, quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, directa ou indirectamente, tenham qualquer intervenção no serviço.
6. O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo.
    Efectivamente, das declarações prestadas por escrito pelo Sr. Dr. E resulta com clareza que este se limitou a testemunhar a existência e a celebração do acordo revogatório da procuração celebrado entre a Autora e o primeiro réu.
    A simples presença do advogado e inclusive a aposição da sua assinatura a fim de servir de testemunha à celebração de contratos ou acordos não está a coberto do sigilo profissional.
    Aliás, o objectivo das partes em situações desta natureza é que a presença e o testemunho do advogado seja tornado público a fim de solenizar o acordo que celebraram. Daí que, no corpo da procuração revogada conste a assinatura do referido causídico e a sua assinatura.
    Por outro lado, os factos em apreço referem-se precisamente a um acordo, a uma matéria que reuniu consenso entre as partes envolvidas. Com efeito, o acordo revogatório da procuração foi celebrado de livre e expressa vontade entre a autora e o primeiro Réu e de forma amigável na presença, efectivamente, do Sr. Dr. E.
    Assim, a circunstância de tal matéria não se referir a qualquer litígio ou tão pouco a negociações com vista à composição amigável de um litígio exclui-a do âmbito do segredo profissional.
    O fundamento ético-jurídico do segredo profissional radica no princípio da confiança e na natureza social da função forense. 3 Traduz-se num dever de guardar os segredos do cliente e só é segredo o que não está divulgado, aquilo que outros não devem saber, o que não é exactamente a mesma coisa daquilo que não se quer que se saiba.
    É assim que “a revelação em processo de factos conhecidos pelo advogado no âmbito de negociações para acordo amigável, quando respeitantes a contraparte e em relação aos quais o advogado foi solicitado a pronunciar-se profissionalmente, nem dizem respeito a pendência" 4
    9. Finalmente aduz ainda a recorrida um outro argumento que fundamenta a inexistência da obrigação de segredo profissional ou que, pelo menos tornaria totalmente justificável a sua quebra no que ao depoimento do Sr. Dr. E diz respeito. É que considera-se totalmente justificada a quebra do segredo profissional quando o depoimento do advogado for absolutamente necessário para a defesa de direitos e interesses legítimos do cliente, designadamente quando a sua audição se mostrar imprescindível à investigação do ilícito denunciado pelo seu cliente contra terceiro, sem o que aquele não tem possibilidades de demonstrar a verdade da tese que sustenta, o que se recorta do disposto no artigo 7º dos Estatutos da APAM (Associação Pública dos Advogados de Macau).
    No presente caso, a doutrina explanada no supra mencionado acórdão aplica-se por maioria de razão uma vez que nem a autora nem os réus são ou foram patrocinados nos presentes autos pelo referido Causídico.
    Assim se conclui no sentido da inexistência de qualquer quebra do sigilo profissional por parte do Exmo Sr. Dr. E.
    
    10. Na parte que diz respeito ao Sr. Dr. F este não depôs na sua qualidade de advogado, mas sim de notário privado. Os quesitos a que respondeu (quesitos 17.°, 18.° e 19.°: vide acta de fls. 812) são prova disso mesmo. Como tal, a invocação das normas deontológicas aplicáveis aos advogados ou a tentativa de fazer crer que o mesmo prestou testemunho como advogado são absurdas, como bem frisa a recorrida.
    Por outro lado, a matéria dos referidos quesitos que diz respeito à tentativa de marcação de escrituras públicas é totalmente inócua e acessória.

11. Da indisposição do mandatário dos Recorrentes
    Quanto às considerações que o mandatário dos recorrentes tece quanto ao seu estado de saúde e à não justificação da sua ausência, sinceramente que não se alcança a relevância que as mesmas poderão ter para o julgamento do presente recurso, nem sequer o que o recorrente pretende, pelo que sobre o assunto nada há a dizer.
    
     12. Da revogação da procuração
    Ainda que de uma forma superficial, en passant, e sem que depois no seu pedido final os recorrentes extraiam quaisquer consequências dessas afirmações, afloram nos pontos L e M das conclusões das suas alegações uma falta de comprovação da revogação da procuração, donde o 1º réu continuaria com poderes (subentende-se) para celebrar as aludidas escrituras ora impugnadas.
    Mas bastará atender à resposta que o Tribunal Colectivo deu aos quesitos 2.° e 3.º, no acórdão proferido sobre a matéria de facto para se perceber que não lhes assiste qualquer razão.
    Quanto ao vertido na alínea L) dir-se-á simplesmente que o que se tratou foi de uma revogação de uma procuração, não devendo o Tribunal perder tempo com um jogo de palavras usado pelos recorrentes ao falarem em inexistência de um cancelamento de procurações no nosso ordenamento.
    Este tipo de alegação é, no mínimo, ridícula, o que se afirma, perante o atrevimento, face à matéria provada e não impugnada, não só da comprovação da revogação de uma procuração, como perante uma conduta altamente censurável em que se autenticou a certificação de uma fotocópia com o original em manifesta desconformidade com a realidade, em desmentir o que se mostra evidente.
    Toca a raia do descaramento ignorar e subverter o que claramente se comprovou no que respeita ao facto de nas escrituras públicas se terem servido de um documento falso.
    Com efeito, de acordo com a lei, a revogação da procuração não está sujeita a forma especial, quer seja necessário ou não o consentimento do interessado, o que facilmente se compreende, pois é no momento da outorga da procuração, mas já não da sua revogação, que se impõe ao representado e representante uma ponderação mais consciente do seu acto.
    Nos termos do artigo 265º, nºs 2 e 3 do Código Civil de 1966, “a procuração é livremente revogável pelo representado, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação; mas se a procuração tiver sido conferida também no interesse do procurador ou de terceiro, não pode ser revogada sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa.”
    Donde não assistir razão aos recorrentes nesta particular questão.
    B - Do recurso ampliado nos termos do artigo 590º, n.º 1 do CPC.
     1. A recorrente amplia o objecto do recurso, realçando a procedência do pedido principal feito na acção.
    Face aos actos dados como assentes e às normas legais que lhes são aplicáveis entende a autora que se deveria ter decidido pela procedência do pedido principal da acção - declarando nulas e de nenhum efeito, por consubstanciarem conduta criminosa ofensiva dos bons costumes, as compras e vendas tituladas pelas cinco escrituras públicas lavradas, respectivamente, a fls. 19, 21, 25, 29 e 32 do livro 2 do Cartório do Notário Privado G, a primeira das quais em 23/6/2003 e as restantes em 25/6/2003, com todas as legais consequências, ordenando-se ainda o cancelamento dos registos efectuados com base nessas escrituras - designadamente os que se referem às inscrições n.º 66722 do Livro G, 66929 do Livro G, 66720 do Livro G, 66928 do Livro G e 66719 do Livro G - ou, caso assim não o entendesse deveria, pelo menos, ter declarado procedente o primeiro dos pedidos subsidiários formulados pela ora Recorrida - serem anuladas as compras e vendas tituladas nas mesmas escrituras e relativas aos supra identificados imóveis, com todas as legais consequências, porque a vontade da Autora nelas vertida, na qualidade de vendedora, foi determinada por dolo, ordenando-se ainda o cancelamento dos registos efectuados com base nessas escrituras - e não limitar-se a dar provimento ao último dos pedidos subsidiários: a declaração de ineficácia em relação à Autora e consequente declaração de nulidade das referidas compras e vendas porque nunca foram por esta ratificadas, ordenando-se também neste caso o cancelamento dos registos dessas mesmas transmissões.
    2. Da matéria de facto dada como assente resultam dois factos em que a autora funda o pedido de nulidade principal:
    
    - a da falsidade do documento que os Réus usaram para celebrar os negócios cuja validade a Autora impugnou nos presentes autos; e
    - da validade e eficácia da revogação da procuração em apreço.
    Estando a procuração em causa revogada, conclui-se que o primeiro réu outorgou as supra referidas escrituras públicas em nome da autora, sem poderes de representação para o efeito.
    A referida revogação era também do perfeito conhecimento do segundo Réu, que outorgou as mesmas escrituras na qualidade de comprador.
    
    3. Pretende a recorrente que os referidos negócios titulados pelas escrituras públicas em causa, assumem contornos de tal forma gravosos que, para além de consubstanciarem vários crimes, são manifestamente ofensivos dos bons costumes e como tal, nulos, nos termos dos artigos 273.° e 274.° do Código Civil, correspondentes aos artigos 280.° e 281.° do anterior diploma.
    O artigo 280º nº 2 e 281º do Código Civil de 1966 e artigos 273º e 274º do Código Civil vigente prevêem que é nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes e se apenas o fim do negócio jurídico for contrário à lei ou à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes, o negócio só é nulo quando o fim for comum a ambas as partes.
  
    Mas importa observar que uma coisa é o objecto do negócio que abrange quer os efeitos jurídicos a que o negócio tende, quer o “quid” sobre que incidem os efeitos do negócio, como bem se assinala na sentença recorrida e outra os meios, os instrumentos os actos preparatórios e habilitantes para a realização do negócio.
    
    4. Quanto ao facto de ter sido eventualmente praticado um crime, tal imputação merece algumas reflexões.
    No essencial a Mma Juiz afastou a integração típica do primeiro fundamento de nulidade, o pedido principal formulado, dizendo que não estava comprovado o cometimento do crime.
    Afastou-se aí, na sentença recorrida, a tese de que o crime praticado estivesse comprovado, razão por que, estando-se numa acção cível, aquele ilícito, enquanto de natureza criminal, não seria passível de comprovação naquela acção, pelo que e ainda por inverificação dos respectivos pressupostos se afastou a tese da nulidade com fundamento numa actuação criminosa.
    O que se observa no caso em presença é que a conduta criminosa - e tudo aponta para a verificação dos respectivos elementos típicos - em que se traduziu a falsificação da procuração foi o instrumento do negócio. O negócio observado teve por objecto a venda de determinados prédios e podemos admitir que mesmo sem poderes de representação essa venda fosse até querida e ratificada pelo dono dos mesmos. Ora, esta situação, ainda que pouco comum, não deixa de se poder configurar como possível e importa distinguir o crime que foi praticado pelo meio do negócio prosseguido do próprio negócio celebrado, não se podendo ter essa venda, em si, sem mais, por criminosa.
    A actuação criminosa está a montante, na forja da procuração falsa. Ora, este negócio é que se deverá ter por nulo, donde a situação desembocar no mesmo resultado: venda sem poderes de representação.
    É, mutatis mutandis, como se alguém assinasse uma escritura de compra e venda com uma caneta roubada; o crime perpetrado não tem de inquinar necessariamente o negócio celebrado.
    
    5. Isto que vimos dizendo, numa primeira aparência, pois bem pode acontecer que o meio venha a inquinar tudo o que se lhe segue em termos de um juízo de censura, vistos os fins prosseguidos e as intencionalidades das diversas condutas.
     E é aqui que cremos, sob pena de menos rigor, precisão e certeza, que, face à factualidade comprovada, não podemos arriscar aquilo em que porventura podemos desconfiar, mas sem que haja um juízo de certeza acerca dos elementos integrantes da sanção por que se procura cominar o negócio celebrado.
    Tanto assim que na douta ilustração doutrinária e jurisprudencial da autora aqui recorrida e alegante, tanto na passagem de Hoerster5 como no caso do STJ6, encontramos como presente e necessário esse elemento destrinçador e desencadeador da cominação máxima.
    Não estaremos, pois, numa situação de fraus omnia corrupit, mas de uma situação em que o princípio malitiis non est indulgendum só deve funcionar nos fins prosseguidos, face ao objecto do negócio, numa aproximação à necessidade de ilicitude subjectiva de que falava Castro Mendes7 reportada à finalidade do negócio.
    Donde, sem outros desenvolvimentos sufragarmos a tese vertida na sentença recorrida.
    
    6. E também sem necessidade de outros desenvolvimentos remetemo-nos para o entendimento aí vertido quanto ao afastamento do primeiro pedido subsidiário formulado na acção.
    Na verdade, não se vê onde resida a viciação da vontade da representada, sendo que esta não foi induzida a formular uma indesejada ou errada declaração de vontade, pela razão simples de que a não formulou sequer.
    Se alguém se arroga falsamente representante de outrem a responsabilidade da actuação e da declaração sibi imputat, não se repercutindo na esfera jurídica de quem não se mostra representado.
    
    7. Assim se cai numa situação de representação sem poderes, parecendo-nos correcta a integração plasmada na sentença, onde se consignou:
O art. 268º do Código Civil de 1966, em vigor à data dos factos, dispunha: “1. O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficácia em relação a este, se não for por ele ratificado.(...).”
Se não houver ratificação há nulidade do negócio.
Assim, os negócios celebrados com base de uma pública-forma de uma procuração revogada, e não rectificada pelo mandante são eficácias em relação ao mesmo, ora a A.
O artigo 267º do Código Civil de 1966 prevê que as modificações e a revogação da procuração devem ser levadas ao conhecimento de terceiros por meios idóneos, sob pena de lhes não serem oponíveis senão quando se mostre que delas tinham conhecimento da conclusão do negócio.
Dos factos provados, sem dúvidas que o 2º Réu tem conhecimento de que a procuração já foi revogada e a pública-forma não conforme o documento original, não tendo o 1º Réu poder de representação da Autor para celebrar os negócios de venda de imóveis pertencentes a A.
Assim, os interesses do 2º Réu não merecem tutela.”
    
    Em face do exposto, resta decidir, no sentido da improcedência do recurso e mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos, improcedendo a pretensão da recorrida em sede de ampliação do recurso ao abrigo do artigo 590º do CPC.
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso principal e improcedentes as pretensões formuladas pela recorrida em sede de ampliação do conhecimento do recurso, mantendo nos seus precisos termos a decisão recorrida.
    Custas pelos recorrentes e pela recorrida na parte respeitante à pretensão de ampliação do recurso.
Macau, 9 de Fevereiro de 2012,


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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)

_________________________
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)

1 - cfr. Ac. do STA, de 28/6/77, rec. 8813, Ac. Dotrinais n.º 189º, 829; da Relação do Porto de 29 de Setembro de 1992; Relação de Lisboa de 15 de Abril de 1988, in www.dgsi.pt
2 - Ac. STJ, de 16 de Novembro de 1971, BMJ 211, 269, de 2712/1969, BMJ 192º, 197 e de 15/4/2004
3 - António Arnault, Iniciação à Advocacia, 2003, 78
4 - Ac. STJ, de 22/6/88, BMJ 378,624
5 - A Parte Geral do Código Civil Português", pág. 489
6 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 1996, in www.dgsi.pt
7 - Direito Civil, teoria geral, vol. 3º, AAFDL, 1973, 635 e segs
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