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Processo nº 779/2011
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 02 de Fevereiro de 2012
Descritores:
-Contrato a favor de terceiro
-Contratação de mão-de-obra não residente
-Salário mensal


SUMÁRIO:

I- A celebração de um “contrato de prestação de serviços” entre uma empresa fornecedora de mão-de-obra não residente em Macau e outra empregadora dessa mão-de-obra, no qual esta assume desde logo um conteúdo substantivo mínimo das relações laborais a estabelecer com os trabalhadores que vier a contratar, tal como imposto por despacho governativo, representa para estes (beneficiários) um contrato a favor de terceiro, cuja violação por parte da promitente empregadora gera um correspondente direito de indemnização a favor daqueles.

II- Deve ser considerado mensal o salário acordado entre as partes contratantes, ainda que no contrato se diga que o trabalho deve ser remunerado por hora de efectivo trabalho, se a entidade nele garante o pagamento de um salário mínimo mensal de Mop$ 2000, 00 baseado em 215 horas durante um período de 30 dias, que efectivamente vem pagando com tal periodicidade ao longo do tempo.










Processo nº 779/2011


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I- Relatório

A, de nacionalidade filipina, com os demais sinais dos autos, intentou no TJB contra Guardforce (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança – Limitada, acção de processo comum laboral pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a importância de Mop$ 211.576,00,00, acrescida de juros legais até efectivo e integral pagamento.
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Por saneador-sentença de 20/07/2010 foi a acção julgada parcialmente procedente e a ré condenada a pagar ao autor a importância de Mop$ 165.712,98.
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É dessa decisão que agora recorre “Guardforce”, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto do despacho saneador-sentença proferido pelo douto Tribunal a quo a fls. 251 e seg. dos presentes autos, que julgou parcialmente procedente por provada a acção e, em consequência, condenou a ora Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia de MOP$165,712.98 (cento e sessenta e cinco mil, setecentas e doze patacas e noventa e oito avos), acrescida de juros de mora contados à taxa legal.
II. A ora Recorrente não se conforma com a decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância, estando em crer que a mesma padece de nulidade decorrente da oposição entres os fundamentos e a decisão, erro de julgamento da matéria de facto, e erro na aplicação do direito.
III. De acordo com o entendimento assumido na sentença recorrida, para a decisão do presente pleito tem que ter em conta o Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, com vista à contratação de trabalhadores não residentes, tendo para o efeito reproduzido na alínea b) da especificação parte que entendeu como importante do Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre Recorrente e a agência de emprego.
IV. Dessa reprodução consta que o contrato “terá duração de 1 ano renováveis por igual período, mediante acordo das partes interessadas e precedendo acordo do Governo do Território, a obter até 30 dias antes do seu termo;” e «11.3. Este contrato vigorará desde a data da sua aprovação até à data em que extinguir a primeira validade do título de identificação do trabalhador não residente, emitido pelas Forças de Segurança de Macau (Corpo da Policia de Segurança Pública de Macau). (...)»
V. Nos presentes autos não se apurou se o referido contrato de prestação de serviços que o douto tribunal a quo reproduziu na referida alínea b) da especificação, decorrido o ano pelo qual foi celebrado, foi ou não renovado, por quantas vezes, e até quanto vigorou e nem o título de identificação do Recorrido à data em que o acordo foi celebrado, e sem prova adicional de tais factos, o douto tribunal a quo apenas poderia ter tido em conta a duração prevista em tal contrato, não a extrapolando e dando também como que foi ao abrigo do mesmo que o Autor permanceu ao serviço da Ré desde 1998 a 2008.
VI. Por outro lado, encontra-se nos autos referência feita pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais - documento n.º 2 junto pelo Recorrido com a petição inicial - a diversos contratos de prestação de serviços, ao abrigo dos quais foram sendo celebrados os diversos contratos de trabalho com o trabalhador.
VII. A decisão em recurso é em si mesma contraditória porquanto parte de um contrato de prestação de serviços com uma duração limitada de um ano, para fundamentar a preterição do pagamento de quantias que com base nesse mesmo o Autor teria direito durante os 10 anos que durou a relação laboral.
VIII. Ou seja, no ponto b) da fundamentação fáctica da decisão reporta-se a prova que intrinsecamente é incompatível com o período de trabalho a que a sentença se reporta, pelo que a sentença padece de nulidade nos termos do 571 nº 1 al. c) do CPC, por se verificar contradição entre a fundamentação fáctica e a decisão.
IX. Para melhor demonstração da existência desta contradição insanável, e por referência à lista constante do referido documento n.º 2 junto com a petição inicial, juntam-se cópias dos contratos de prestação de serviços mencionados em tal lista - cfr. contratos cuja cópia ora se junta como documentos nºs 1 a 17, junção só se tornou necessária face à decisão assim proferida pelo douto Tribunal de primeira instância e que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 616.º, n.º 1, parte final, deve ser por V. Exas. admitida.
X. Cada um desses contratos, à semelhança do contrato de prestação de serviços 06/93, têm datas ou períodos de validade que não podem ser ultrapassados, nem sequer por via judicial, nos termos do princípio geral da liberdade contratual e da prova e desses contratos resultam diferentes obrigações e diferentes montantes, pelo que, as mesmas não poderão ser estendidas para outros períodos, ou seja, para outras relações de trabalho autónomas.
XI. A ora Recorrente, salvo devido respeito, considera incorrectamente julgados os factos constantes das alíneas b), d, f) g), h), e o) dos factos assentes, e considera ainda que face aos elementos probatórios existentes nos autos se impunha acrescentar um novo facto provado à selecção da matéria de tacto realizada pelo douto Tribunal a quo.
XII. Face aos factos alegados por ambas as partes e aos documentos juntos autos e não impugnados por quaisquer das partes, deveria o douto Tribunal a quo ter acrescentado na alínea b) dos factos provados a identificação exacta do contrato de prestação de serviços e do despacho de autorização ao abrigo dos quais o Autor, ora Recorrido, foi contratado pela Ré, ora Recorrente.
XIII. Quanto a esta matéria o Autor, remetendo para mapa que sob a designação de documento 2 junta, alega que a ora Recorrente celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada vários contratos de prestação de serviços, e que ao abrigo de um deles iniciou a sua prestação de trabalho para a Ré, ora Recorrente, sem no entanto especificar qual dos contratos de prestação de serviços se reporta ao início da relação laboral que estabeleceu com a Recorrente.
XIV. Já a Ré, ora Recorrente, alegou no artigo 39º da sua contestação que, à data em que celebrou com o Autor o seu contrato de trabalho, o fez ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 6/93, e ao abrigo do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 0065/IMO/SACE/97, de 14 de Janeiro de 1997, de renovação de trinta trabalhadores nãoresidentes, juntando para o efeito cópia do referido contrato de prestação de serviços sob a designação de documento n.º 2, sendo que, em sede de réplica, o Autor, ora Recorrido, aceita o facto alegado pela Ré no artigo 39.º da sua Contestação, tanto assim que, no artigo 36.º da Réplica o Autor parte do teor do contrato de prestação de serviços n.º 6/93 (junto pela Ré) para defender que o seu salário se tratava de um salário mensal.
XV. Face à posição assumida pelas partes no que respeita ao contrato de prestação de serviços que, serviu de base à sua contratação, e no que respeita ao documento n.º 2 junto pela Ré na sua contestação, deveria o douto Tribunal a quo ter dado diferente redacção ao facto que deu como provado na alínea b) da matéria de facto provada, nos termos seguintes: “b) A ré contratou o autor como seu trabalhador ao abrigo do Despacho da SAEF 0065/IMO/SACE/97, DE 14/01/1997, e do contrato de prestação de serviços n.º 06/93 que celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, que dispõe: (...) ”, mantendo-se tudo o resto.
XVI. Partindo dos meios de prova existentes nos autos, nomeadamente do documento n.º 2 junto com a petição inicial, e dos factos alegados pelas partes, a ora Recorrente considera incorrectamente julgado o facto constante da alínea c) dos factos provados.
XVII. A expressão constante da alínea c) dos factos provados “Por assim terem acordado” reporta-se, no entender da Recorrente, ao facto que consta da alínea anterior e que diz respeito ao contrato de prestação de serviços celebrado entre a ora Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau limitada, ao abrigo do qual o Ré foi contratado como trabalhador do Autor.
XVIII. Não pode ser feita, nos termos em que o foi, a ligação entre os factos constantes das alíneas b) e c), porquanto a conclusão contida na alínea c) dos factos assentes apresenta uma manifesta contradição com o teor do documento número 2 junto pelo Autor com a sua petição inicial.
XIX. O documento n.º 2 junto com a petição inicial trata-se de uma análise comparativa das condições de remuneração estabelecidas nos vários contratos de prestação de serviços celebrados entre a Guardforce (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança. Limitada e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau. Limitada e das condições de remuneração estabelecidas nos contratos de trabalho celebrados entre a Ré e os trabalhadores não residentes, dentre eles o Autor.
XX. Este documento, junto pelo Autor, não foi impugnado pela ora Recorrente, pelo que, face ao teor do mesmo e à sua importância para a descoberta da verdade material que subjaz ao presente pleito, deveria ter-lhe sido dada total relevância probatória.
XXI. Se o douto Tribunal a quo, dispensando produção adicional de prova, entendeu que o estado dos autos, sem necessidade de mais provas, era já suficiente para se conhecer do mérito da causa, cabia-lhe ter apreciado toda a prova produzida e constante do processo, prova essa que no caso dos presentes autos, e até à fase processual em questão, apenas se traduz em prova documental.
XXII. A fixação da matéria de facto dada como provada deve reflectir aquilo que efectivamente se apurou, após uma análise cuidada, objectiva, imparcial e desinteressada da prova produzida,
XXIII. De acordo com o teor de tal documento n.º 2 junto com a petição inicial não poderia ter sido entendido que o contrato de prestação de serviços que esteve na base da contratação do trabalhador não residente foi o mesmo que fundamentou a subsistência da relação laboral que se estabeleceu entre as partes desde o seu começo e até ao seu termo.
XXIV. Ao entender dessa forma, o Tribunal a quo incorreu num manifesto erro de julgamento, o que comprometeu de uma forma gravosa a boa decisão do presente pleito, uma vez que tal facto não corresponde à verdade, conforme resulta com clareza do documento n.º 2 junto com a petição inicial.
XXV. Na verdade, este documento expressamente refere que a ora Recorrente tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes, tendo celebrado para o efeito, desde 1992, diversos contratos de prestação de serviços com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda., os quais vêm sendo aprovados pelo Governo da RAEM e que, em 15 de Janeiro de 2001, as vagas dos contratos n.os 9/92, 6/93, 2/94, 29/94, 45/94, 40/94 e 1/96 fundiram-se nos contratos n.os 1/1 e 14/1,os quais vigoraram até 14 de Março de 2006, data a 1 partir da qual, o contrato de prestação de serviços n.º 1/1 foi sendo sucessivamente objecto de renovação e aprovação pela entidade administrativa, pelo menos, até 31 de Maio de 2008.
XXVI. Não foi sempre ao abrigo do mesmo contrato de prestação de serviços que, entre 17 de Novembro de 1998 a 31 de Maio de 2008, o Recorrido trabalhou para a Recorrente, pois que, se assim fosse, e uma vez que o Autor foi contratado em 1998 ao abrigo do contrato de prestação de serviços 6/93, o mesmo teria deixado de trabalhar para a Ré, ora Recorrente, quando o contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual foi contratado chegou, definitivamente, ao seu termo, ou seja, em 15 de Janeiro de 2001.
XXVII. Assim, a partir de 15 de Janeiro de 2001, o Autor continuou ao serviço da Ré, ora Recorrente, ao abrigo do contrato de prestação de serviços n.º 1/1 e sucessivas renovações a que o mesmo foi objecto, conforme resulta alias do documento nº 2 junto aos autos pelo Autor.
XXVIII. Conforme também resulta deste documento n.º2, os contratos de prestação de serviços n.os 9/92, 6/93,2/94,29/94, ou 45/94, que vigoraram até 15 de Janeiro de 2001 (com excepção dos contratos de prestação de serviços n.º 40/94 e 1/96, que se destinavam a engenheiros de sistemas), estabelecem todos eles condições iguais de remuneração para os trabalhadores não residentes ao abrigo dos mesmos contratados, e que os contratos prestação de serviços n.º l/1, 14/1 que aglutinaram as vagas dos contratos nºs 9/92,6/93, 2/94, 29/94,45/94,40/94 e 1/96, os quais, alterando as condições estabelecidas nestes últimos, também estabelecem, entre eles, iguais condições.
XXIX. Tivesse o Douto Tribunal a quo apreciado com maior profundidade a matéria probatória constante dos autos, nomeadamente do documento n.º 2 junto pelo Autor com a petição inicial, forçoso seria que na alínea c) dos factos provados o douto Tribunal a quo tivesse feito constar que: “Por assim terem acordado, o autor permaneceu ao serviço da ré entre 17 de Novembro de 1998 e 15 de Janeiro de 2001, data a partir da qual e até 31 de Maio de 2008, o autor continuou a trabalhar para a ré, devido à celebração, aprovação e sucessivas renovações do contrato de prestação de serviços n.º 1/1.”
XXX. A alteração do julgamento do Tribunal de Primeira Instância relativamente a este facto, irá acarretar, necessariamente, para além de uma solução conforme à verdade material, que se impõe, importantes alterações no que respeita ao valor da indemnização em que foi a ora Recorrente condenada a pagar ao Recorrido.
XXXI. Face ao teor da impugnação do facto constante da alínea c) dos factos provados, e face à sua redacção que se reclama por via do presente recurso, impõe-se também que seja aditado um novo facto à lista dos factos dados como provados, já que resultando provado através do documento numero 2 junto com a petição inicial que “entre 15 de Janeiro de 2001 e 31 de Maio de 2008, o autor continuou ao serviço da ré por força da celebração e aprovação e renovação do contrato de prestação de serviços n.º1/1”, deve-se apurar quais as condições remuneratórias estabelecidas nos demais contratos de prestação de serviços n.º 1/1, permitindo-se assim a justa composição do litigio e boa decisão da causa.
XXXII. Resulta do contrato de prestação de serviços n.º 1/1, na versão que foi aprovada em 15/01/2001 e esteve em vigor até 15.01.2003, que os trabalhadores não residentes aufeririam um salário idêntico ao nível médio dos salários praticados para desempenho equivalente, num mínimo de $2,000.00 patacas mensais, para 8 horas de trabalho diário, e um subsídio mensal de efetividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço. (vide doc.12 junto que se junta e documento n.º 2 junto com a p.i.)
XXXIII. A partir de 15.01.2003, a remuneração dos trabalhadores não residentes prevista no “contrato de prestação de serviços nº 1/1”, devidamente aprovada pelo Governo, já não contemplava o subsídio de efectividade, mantendo-se as MOP$2,000.00 de salário mínimo para 8 horas de trabalho diárias. (vide doc.13 que se junta e documento n.º 2 junto com a p.i.).
XXXIV. As condições de remuneração estabelecidas no contrato de prestação de serviços nº 1/1 foram novamente alteradas a partir de 15/03/2006 até 31/03/2007, passando a estar previsto um salário no valor de MOP$4,000.00, para 312 horas, e sendo o trabalho extraordinário pago de acordo com o disposto na legislação do trabalho em vigor em Macau para os operários residentes. (vide doc.14 que se junta e documento n.º 2 junto com a p.i.)
XXXV. O facto de tal matéria nunca ter sido alegada de forma suficientemente explanatória por nenhuma das partes em sede dos seus articulados, não deverá prejudicar a tarefa deste douto Tribunal em alterar a matéria de facto que se deve ter por provada e a ela aplicar o direito, só assim se alcançando a justiça em plena conformidade com a verdade material, atento nomeadamente o facto de em sede de processo laboral os poderes de investigação do Juiz serem mais amplos do que os estipulados em sede de processo civil (cfr. artigos 41.º, n.ºs 1 e 2 e 42.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho).
XXXVI. Assim, salvo devido respeito por opinião diversa, dispondo esse douto Tribunal de elementos necessários para o efeito, impõe-se dar por assente que: “c-1) O contrato de prestação de serviços n.º 1/1 e sucessivas renovações, estabeleciam as seguintes condições de remuneração a ser atribuídas aos trabalhadores não residentes que ao abrigo dos mesmos trabalhavam para a ré, dentre eles o autor:
De 15.01.2001 a 15.01.2003, um salário idêntico ao nível médios dos salários praticados para desempenho equivalente, num mínimo de $2,000.00 patacas mensais, para 8 horas de trabalho diário, e um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço;
De 16.01.2003 a 15.03.2006, MOP$2,000.00 de salário mínimo para 8 horas de trabalho diárias;
De 16.03.2006 até 31.03.2007, salário no valor de MOP$4,000.00, para 312 horas, e sendo o trabalho extraordinário pago de acordo com o disposto na legislação do trabalho em vigor em Macau para os operários residentes
De 12.06.2007 e até 31.05.2008, um salário mínimo de MOP$5,070.00, o qual incluiria horas extraordinárias e subsídios.”
XXXVII. Na alínea e) dos factos provados, o douto Tribunal a quo deu por assente o teor dos contratos de trabalho assinados entre o autor e a ré e juntos como documentos 5 a 11 da petição inicial, contudo, o teor de tais documentos, no que respeita ao salário acordado entre as partes, está em contradição com os factos provado nas alíneas f) a h) dos factos assentes.
XXXVIII. Na alínea f) o douto tribunal deveria ter antes dado como provado que, “f) entre 17 de Novembro de 1998 e Janeiro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a ré pagou ao autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,000.00, para o trabalho prestado em 215h mensais”, fazendo assim corresponder o teor de tal alínea com os documentos 5 a 8 e 10 juntos com a petição inicial, e cujo teor deu por assente na alínea e).
XXXIX. Face ao teor do documento 9 dado por reproduzido na alínea e), o Tribunal a quo deveria antes ter dado como assente que “Nos meses de Fevereiro de 2005 a 15 de Março de 2006 a ré pagou ao autor o salário mensal de MOP. 2100,00, por 215horas de trabalho prestadas num período de 30 dias.” e não que E nos meses de Março de 2005 a Fevereiro de 2006 a ré pagou ao autor o salário mensal de MOP. 2100,00;
XL. Na alínea h) o douto tribunal a quo fez constar que nos meses de Março de 2006 a Dezembro de 2006, a ré pagou ao autor o salário mensal de MOP. 2288,00, quando de acordo com o teor do documento 11 dado por assente na alínea e) dos factos provados, nesse período o Autor recebia MOP$11,00 pelas primeiras 208 horas que trabalhava por mês, e MOP$11,50/hora, pelo trabalho prestado para além das 208horas, pelo que por forma a eliminar a contradição existente entre as alíneas e) e h) dos factos assentes, esta última terá que ter a seguinte redacção: “Nos meses de Março de 2006 a Dezembro de 2006, a ré pagou ao autor MOP$11,00 pelas primeiras 208horas que trabalhava por mês, e MOP$11,50/hora, pelo trabalho prestado para além das 208horas”.
XLI. Salvo devido respeito por melhor opinião, o douto Tribunal a quo de forma nenhuma poderia ter dado como provado que o Autor, ora Recorrido, trabalhou todos os dias que durou a sua relação laboral com a ora Recorrente, nos termos em que o fez na alínea o) dos factos provados.
XLII. Na verdade, não consta dos autos qualquer elemento probatório donde o douto Tribunal a quo possa retirar essa conclusão, sendo ademais certo que os documentos que o Autor juntou como doc.12 e 13 da p.i. resulta que o mesmo não trabalhou 62 dias, no período compreendido entre Julho de 1999 e Outubro de 2007
XLIII. O Autor não trabalhou todos os dias que durou a sua relação laboral com a Recorrente, pelo que o douto Tribunal a quo não dispunha de prova suficiente para dar como provado que o Autor trabalhou para a Ré todos os 3484 dias que durou a relação laboral, nem para, com base em tal facto incomprovado, ter condenado a Recorrente a pagar ao Recorrido o valor de MOP$52,260.00 (MOP15,00 x 3484) referente ao subsídio de alimentação a que, alegadamente, o Autor teria direito.
XLIV. Caso seja entendido que o Tribunal a quo estaria em condições de decidir esta questão sub judice, o que não se concede, a alínea o) dos factos provados deverá ter a seguinte redacção: “Durante os 3422 dias em que o Autor prestou trabalho efectivo para a Ré, nunca esta lhe pagou qualquer quantia a título de subsídio de alimentação.”
XLV. No que respeita ao recurso da matéria de facto, resulta que ao dar como provados, nos termos em que o fez, os factos constantes das alienas b), c), f) a h), o) e ao não incluir na matéria de facto o facto cujo aditamento se impõe sob a alínea c) 1, o julgamento da matéria de facto realizado pelo douto Tribunal a quo padece de contradições e deficiências que inquinam a decisão sob recurso do vício de erro de julgamento da matéria de facto, devendo, consequentemente a decisão sob recurso ser anulada.
XLVI. Quanto aos factos cujos elementos probatórios já existentes nos autos permitam a V. Exas. alterá-los, deve a decisão sob recurso ser substituída por outra nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 629.º, n.º 1 do C.P.C., e
XLVII. Quanto à matéria de facto que carece de ser aditada (alínea c1)) e aquela que cujos elementos probatórios não permitem a sua reapreciação por este douto Tribunal, deverá a decisão em recurso ser anulada, e ser ordenada a remessa dos presentes autos para o Tribunal de primeira instância por forma a que este profira despacho saneador stricto sensu donde conste toda a matéria relevante para a boa decisão da causa, conforme disposto no n.º 4 do artigo 629.º do C.P.C.
Sem conceder,
XLVIII. O douto Tribunal a quo, remetendo para a fundamentação constante do despacho proferido a fls. 153 a 158 dos autos, qualificou o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau como um contrato a favor de terceiros, e com base nesta qualificação, condenou a Ré, ora Recorrente, a pagar ao Autor a quantia global de MOP$165,712.98.
XLIX. No contrato a favor de terceiros o benefício do terceiro nasce directamente do contrato e não de qualquer acto posterior, ao que acresce que a obrigação do promitente é a de efectuar uma prestação e não celebrar outro contrato.
L. O que resulta do contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau é que esta se comprometia a recrutar determinado número de pessoas para virem a ser contratadas pela Ré para lhe prestarem determinada actividade manual ou intelectual mediante o pagamento de determinada retribuição e outras condições.
LI. Para que o contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau pudesse ser qualificado como um verdadeiro contrato a favor de terceiro, sempre seria necessário que resultasse dos autos a intenção dos contratantes de atribuir directamente ao Autor (terceiro beneficiário) um crédito ou uma vantagem patrimonial, de tal modo que esta adquirisse o direito à prestação prometida de forma autónoma, por via directa e imediata do contrato, podendo, por isso, exigi-la do promitente.
LII. O contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, não produz quaisquer efeitos na esfera jurídica do Autor, que do mesmo não é parte, e por não o conhecer nunca lhe criou qualquer expectativa de vir a ser beneficiário do mesmo.
LIII. Não sendo o Autor parte do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, para que o mesmo pudesse produzir efeitos na sua esfera jurídica havia que afastar o princípio “res inter alios acta aliis neque nocet neque prodest”, enquadrando-o num dos “casos especialmente previstos na lei” (artigo 400º, nº 2 do CC), como seja, o contrato a favor de terceiros, o que como se alegou não poderá proceder.
LIV. Afastada que está a figura do contrato a favor de terceiro, a pretensão do Autor terá necessariamente que falecer, conforme argumentação expedida no despacho proferido a fls. 151 a 156 dos autos, donde resulta claro que “ [...] Adianta-se, conclusivamente embora, que se entende que quer por eficácia ao despacho, quer por eficácia do contrato de trabalho a pretensão do autor não pode proceder [...] E não se vê outra hipótese de procedência da pretensão do autor que não passe pela figura do contrato a favor de terceiros. Com efeito, o despacho enquanto acto administrativo, não obriga a ré nos termos que autor pretende; o contrato de trabalho muito menos (...) Por outro lado, o ponto 9, alínea e) por referência à alínea d) d.2 do Despacho 12/GM/88 não configura a disposição legal de carácter imperativo que, nos termos do artigo 287.º fere de nulidade o contrato que a autora celebrou com a ré. (...) ”
LV. O despacho nº 12/GM/88 não tem uma natureza normativa e de cariz imperativo e as suas disposições não afectam a relação laboral estabelecida entre Recorrente e Recorrido porquanto o mesmo cuida, tão somente, do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes, e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
LVI. Atenta a natureza jurídica do Despacho não poderá o mesmo coarctar a liberdade contratual das partes, e gerar na esfera jurídica de qualquer delas direitos ou deveres que não tenham sido livre e reciprocamente acordados.
LVII. Assim como, não o pode, pelas mesmas razões, o Despacho do Secretário para a Economia e Finanças emitido ao abrigo e no seguimento das normas procedimentais estabelecidas no referido Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
LVIII. Das condições administrativas exigidas pela Região Administrativa Especial de Macau, relativamente à contratação de mão-de-obra estrangeira não resulta a imposição de contratar nestes ou noutros termos, não tendo qualquer reflexo na relação contratual de trabalho celebrada entre o Autor e o Recorrente, pois dali não resultam imperativos legais para a entidade patronal e/ou empregador de contratar em determinados termos.
LIX. Só com base no contrato de trabalho celebrado entre as partes é que o Autor poderia reclamar da Recorrente quaisquer eventuais direitos, mas esse contrato foi integralmente cumprido pela Recorrente.
LX. Nestes termos, a sentença recorrida incorre no vício de erro na aplicação do direito, por violação do disposto nos artigos 400º e 437 do Código Civil.
LXI. Caso se venha a entender, o que não se concebe, que efectivamente os contratos de prestação de serviços celebrados pela Recorrente e uma empresa de importação de mão-de-obra, e ao abrigo dos quais foi contratado e permaneceu o ora Recorrido ao serviço da Ré entre 17 de Novembro de 1998 e 31 de Maio de 2008, se tratam de contratos a favor de terceiro e, que consequentemente produzem efeitos e criam direitos na esfera jurídica do Recorrido,
LXII. Atenta a alteração da matéria de facto nos termos já expostos no presente recurso, sempre se dirá que, o ora Recorrente terá direito a auferir a compensação de MOP$51.831.40 (cinquenta e uma mil, oitocentas e trinta e uma patacas e quarenta avos) e não de MOP$165,712.98 (cento e sessenta e cinco mil, setecentas e doze patacas e noventa e oito avos) conforme decidido pelo douto Tribunal.
LXIII. Atentos os factos dados como provados nas alíneas b), c), c1) e e) a p), ter-se-á que concluir que no período que mediou entre 17 de Novembro de 1998 e 14 de Janeiro de 2001, durante o qual o Autor trabalhou para a Ré ao abrigo do contrato de prestação de serviços 6/93, no total de 758 dias que trabalhou, terá direito a receber a título de subsidio de alimentação MOP$15,00 x 758 (dias) = MOP$ 11,370.00, de subsidio de efectividade - MOP$360 x 25 (meses) = MOP$ 9,000.00 e de diferenças salariais - MOP$23,3 x 758 (dias) = MOP$ 17,661.40, num total de MOP$38,031.40 (trinta e oito mil e trinta e uma patacas e quarenta).
LXIV. No período que foi de 15.01.2001 a 15.01.2003, não existe qualquer diferença salarial entre o contrato de prestação de serviços 1/1 e os contratos de trabalho celebrados com o Autor, tendo este apenas direito ao subsídio de efectividade previsto no contrato de prestação e serviços e não nos seus contratos de trabalho, no montante de MOP$360.00 x 24 meses = MOP$8,640.00 (oito mil, seiscentas e quarenta patacas).
LXV. No período entre 16.01.2003 a 15.03.2006, não há lugar ao pagamento de qualquer diferença salarial, porquanto neste período as condições de remuneração estabelecidas nos contratos de trabalho do Autor e nos contratos de prestação de serviços ou são iguais, ou os contratos de trabalho do Autor estabelecem condições mais favoráveis para si.
LXVI. De 16 de Março de 2006 até Dezembro de 2006, prescrevia o contrato de prestação de serviços nº 1/1 ao abrigo do qual o Autor prestava serviço para a Ré, que este teria direito a um salário no valor de MOP$4,000.00, para 312 horas, e de acordo com o contrato de trabalho, o Autor nesse mesmo período auferia MOP$11,00 pelas primeiras 208horas que trabalhava por mês, e MOP$11,50/hora, pelo trabalho prestado para além das 208horas, auferindo assim um salário de MOP$2,288.00 por, 26 dias de trabalho, em que trabalhasse 8 horas por dia, e caso trabalhasse 312horas, ou seja, mais 104 horas mensais, o que certamente sucedia, face ao facto provado em n), receberia por tal excesso, 104h x MOP$11,50 = MOP$1,196.00, por mês.
LXVII. Assim nos meses compreendidos entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, por 312horas de trabalho prestadas, o autor recebia MOP$3,484.00, subsistindo assim uma diferença de MOP$516.00 (quinhentas e dezasseis patacas) mensais a título de salário no período peticionado pelo Autor e compreendido entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, num total de MOP$5,160.00 (cinco mil, cento e sessenta patacas).
LXVIII. Assim, no período peticionado pelo Autor 17 de Novembro de 1998 e 31 de Março de 2006, no que respeita às diferenças salariais existentes entre os contrato de trabalho que celebrou com a Ré e os contratos de prestação de serviços n.ºs 06/93 e 1/1 que esta última celebrou com a empresa de importação de mão de obra não residente, e aprovados pelo Governo, o Autor terá direito apenas ao montante global de MOP$51,831.40 (cinquenta e uma mil, oitocentas e trinta e uma patacas e quarenta avos), nos seguintes termos: a título de Subsidio de alimentação - MOP$15,00 x 758 (dias) = MOP$ 11,370.00; a título de Subsidio de efectividade - MOP$360 x 49 (meses) = MOP$ 17,640.00; Diferenças salariais - (MOP$23,3 x 758 (dias)) + (MOP$516.00 x 10 meses) = MOP$ 22,821.40.
LXIX. O salário do Autor era baseado no número de horas de trabalho efectivamente prestado, e não um salário mensal, conforme foi entendido pelo Tribunal a quo.
LXX. As cláusulas dos contratos de trabalho celebrados entre o Autor e a Ré para o período compreendido entre 14/01/2000 a 06/06/2001 são cláusulas típicas dos contratos cuja retribuição é fixada e calculada por hora.
LXXI. Deste modo, face às cláusulas dos contratos, devidamente conjugadas com as regras da experiência comum, e no uso da legis artes, o douto Tribunal a quo teria necessariamente de considerar como provado que o salário do Autor era estabelecido por referência ao preço hora, ou seja, ao trabalho efectivamente prestado.
LXXII. É também prova de que, pelo menos a partir de 2000, o salário do Autor passou a ser um salário “à hora”, o teor do documento n.º 2 junto pelo Autor na sua petição inicial, uma vez mais ignorado pelo douto Tribunal a quo, e donde resulta claramente que a partir do ano 2000, o salário dos trabalhadores não-residentes ao serviço da Ré, ora Recorrente, passaram a ser estabelecidos de acordo com o trabalho efectivamente prestado.
LXXIII. A decisão ora em recurso ao concluir que o salário auferido pelo Autor se tratava de um salário mensal constitui um erro notório na apreciação da prova, erro que teve como consequência em termos decisórios a condenação da Recorrente no pagamento de uma compensação equivalente ao dobro da retribuição normal pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal, em clara violação da lei, nomeadamente do disposto na alínea b) do n.º 6 do artigo 17.º do Decreto - Lei n.º 24/89, de 03 de Abril
LXXIV. Ora, julgando esse Venerando Tribunal de recurso que os contratos de trabalho celebrado entre a Recorrente e o Autor se tratam de contratos com pagamento à hora, deverá igualmente o douto acórdão a proferir estabelecer que o montante da remuneração a pagar pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal, resultou de um acordo celebrado entre o Autor e a respectiva entidade patronal, com observância dos limites que decorreram dos usos e costumes, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 6 do artigo 17.º do Decreto-lei n.º 24/89, de 03 de Abril, e, em consequência, ser a Recorrente absolvida do pagamento da compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal porquanto o Autor já recebeu os montantes acordados com o empregador.
LXXV. Mas mesmo que assim não se entenda e que se considere que o salário auferido pelo Autor é um salário mensal, o que não se concede, e afastada que está a classificação do contrato de prestação de serviços como um contrato a favor de terceiro, e por isso insusceptível de criar direitos na esfera jurídica do Autor, nunca o cálculo da compensação poderia ter por base o salário estabelecido no contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual o Autor, ora Recorrido, se manteve ao serviço da Ré, ora Recorrente, mas sim o estipulado nos contratos de trabalho supra mencionados, ou seja, MOP$ 66.66 por cada dia de trabalho.
LXXVI. Pelo que, atento o teor da conclusão anterior, o montante de tal compensação nunca poderá ultrapassar a quantia de MOP$4,799.52 (duas mil, duzentas e sessenta e seis patacas e quarenta e quatro avos), uma vez que a ora Recorrente já lhe pagou MOP$66,66 pelo trabalho prestado em cada um desses 72 dias de descanso semanal.
LXXVII. Mas mesmo que assim não se entenda, sempre se diga que tendo em conta que, a partir de 16 de Janeiro de 2001, o contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual o Autor, ora Recorrido, se manteve ao serviço da Ré era o contrato n.º 1/1, que estabelecia um salário de MOP$2,000.00 mensais, para 8 horas de trabalho diárias, pelo que, relativamente às 20 semanas que medeiam entre 15/01/2001 e 06/06/2001, o Autor apenas tem direito a receber por conta do trabalho prestado em dia de descanso semanal MOP$ 66.66 x 20, ou seja, MOP$1,333.20,
LXXVIII. Que a somar à remuneração em falta pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal nos 52 dias a que teria direito no período entre 14/01/2000 e 14/01/2002, no montante de MOP$5,893.68 ((90x2)-(2000:30)) x 52), perfaz a quantia global de MOP$7,229.88 e não MOP$8,160.48, conforme decido no aresto ora em recurso.
LXXIX. Caso V. Exa. não julguem procedente a parte do recurso da ora Recorrente que incidiu sobre a matéria de facto constante das alíneas b), c) e c-1), e entendam que o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e Sociedade de Apoios às Empresas de Macau, Lda. e ao abrigo do qual o ora Recorrido foi colocado ao serviço da Ré, regula toda a relação laboral entre as partes, o que só por mera hipótese se concede, haverá que ter em conta que,
LXXX. O subsídio de alimentação, conforme tem vindo a ser entendimento unânime da doutrina e jurisprudência, trata-se de um acréscimo salarial que pressupõe necessariamente a prestação efectiva de trabalho por parte do seu beneficiário.
LXXXI. Não existem elementos suficientes nos autos que permitam dar como provado que o Autor trabalhou durante todos os dias que durou a relação laboral com a Recorrente, antes pelo contrário, existem nos autos documentos que comprovam que o Autor não prestou trabalho efectivo em pelo menos 62 dos 4484 dias que durou a relação laboral em causa nos presentes autos.
LXXXII. Nunca poderia o douto tribunal a quo ter condenado a Recorrente a pagar ao Autor MOP$72,960.00 patacas a título de subsídio de alimentação pelo trabalho prestado em 3484 dias, mas tão só poderia, caso tivesse elementos probatórios bastantes, ter condenado a Recorrente a pagar ao Autor a título de subsídio de alimentação o montante correspondente ao número de dias de trabalho efectivamente por ele prestados.
LXXXIII. Mas mesmo que assim não se entenda e se conclua que o tribunal a quo podia já decidir sobre este pedido do Autor, não tendo, comprovadamente, o Autor trabalhado pelo menos 62 dias dos 3484 que durou a relação laboral em causa nos presentes autos, o limite da condenação no que a esta prestação respeita não poderia ter ido para além das MO P$52,260.00.
LXXXIV. A sentença ora em Recurso violou o disposto nos artigos 400º e 437º do Código Civil e bem assim o disposto no artigo 17º do Decreto-lei 24/89/M de 3 de Abril.
Nestes termos,
E nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser declarada nula a decisão sob recurso, e quanto aos factos cujos elementos probatórios já existentes nos autos permitam a V. Exas. alterá-los, ser a mesma substituída por outra nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 629.º, n.º 1 do C.P.C., e quanto à matéria de facto que carece de ser aditada e aquela que cujos elementos probatórios não permitem a sua reapreciação por este douto Tribunal, deverá a decisão em recurso ser anulada, e ser ordenada a remessa dos presentes autos para o Tribunal de primeira instância por forma a que este profira despacho saneador stricto sensu donde conste toda a matéria relevante para a boa decisão da causa, conforme disposto no n.º 4 do artigo 629.º do C.P.C.
Caso V. Exas. entendam que o processo contem já todos os elementos necessários que permitam conhecer de todas as questões suscitadas no presente Recurso, deve o mesmo ser julgado procedente e em consequência ser a decisão recorrida revogada e substituída por uma outra que absolva o Recorrente do pedido, ou,
Caso V. Exa. assim não entendam, deve o presente recurso ser julgado parcialmente procedente, e a decisão sob recurso ser revogada e substituída por uma outra que condene a ora Recorrente a pagar ao Autor o valor de MOP$51.831.40 (cinquenta e uma mil. oitocentas e trinta e uma patacas e quarenta avos).
*
Contra-alegou o autor da acção, formulando as seguintes conclusões:
1. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, o douto Despacho “saneador sentença” de que recorre procedeu a uma correcta interpretação dos factos e das normas legais aplicáveis e, bem assim, a uma correcta aplicação da Lei e do Direito devendo, em consequência, manter-se na integra;
2. É, no mínimo, estranho que a Recorrente venha em sede de alegações de Recurso insurgir-se contra a validade ou limite temporal do contrato de prestação de serviços que a mesma celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, e com base no qual foram celebrados sucessivos contratos de trabalho que permitiram que o Autor tivesse permanecido legalmente em Macau ao serviço da Ré durante uma dezena, de anos;
3. Mais estranho se toma a indignação quando foi a Recorrente quem sublinhou na sua Contestação que: “ (...) à data de assinatura dos mesmos (isto é, dos contratos individuais de trabalho celebrados com o Autor) o contrato de prestação de serviços com base no qual a Ré outorgou o contrato individual de trabalho com o Autor, era o CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS Nº 6/93 (...), tendo anteriormente sublinhado (para efeitos de aplicação de uma cláusula arbitral constante do mesmo contrato de prestação de serviço n.º 6/93) que: “ (...) as cláusulas dos referidos contratos de prestação de serviços ainda se encontram em vigor, designadamente aquele que diz respeito ao Autor, pelo que são válidas, eficazes e aplicáveis aos presentes autos” (cfr. arts. 39.º e 18.º da Contestação);
4. De onde, tendo a Recorrente aceite, sem qualquer reserva, em sede de Contestação, que as cláusulas do Contrato de Prestação de Serviço, maxime do Contrato n.º 6/93, ainda se encontram em vigor, isto é, que são válidas, eficazes e aplicáveis aos presentes autos e que foi com base nas mesmas que outorgou os contratos individuais de trabalho com o Autor, não poderá agora vir a “dar o dito por não dito”, impugnando factos assentes com base nas suas próprias confissões;
5. Ademais, se a Recorrente entendesse que a questão do prazo de validade do contrato de prestação de serviços n.º 6/93 (que a própria Recorrente juntou aos autos como estando ou tendo estado em vigor até ao termo da relação laboral com o Autor) configurava uma questão controvertida, já há muito que o haveria de ter suscitado, maxime em sede de matéria de excepção aquando da apresentação da sua Contestação em Maio de 2009;
6. Acontece, porém, que sabido que a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita (n.º 2 do art. 335.º do Código Civil), caberia à Recorrente provar os factos modificativos ou extintivos dos direitos contra si invocados e, em concreto, o facto de na sua opinião o contrato de prestação de serviços que esteve na base da contratação do trabalhador não residente não ter sido o mesmo que terá fundamentado a subsistência da relação laboral que se estabeleceu entre as partes desde o seu começo e até ao seu termo;
7. Não o tendo feito, tendo inclusivamente a Recorrente junto aos autos cópia do contrato de prestação de serviços n.º 6/93 afirmando expressamente tratar-se do contrato com base no qual foram celebrados os contratos individuais de trabalho com o Recorrido (cfr. uma vez mais o art. 39.º da Contestação), a consequência de tal incumprimento de tal ónus de prova é a decisão ter de ser desfavorável à parte onerada...
8. De onde não existe qualquer contradição, porquanto foi a própria Recorrente quem invocou e apresentou aos autos o contrato de prestação de serviços n.º 6/93, como tendo sido aquele com base no qual a Recorrente outorgou os contratos individuais de trabalho com o Recorrido.
Por outro lado,
9. A Recorrente procura juntar aos autos cópia de 15 contratos de prestação de serviços celebrados com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, e de 2 contratos de prestação de serviços celebrados com uma outra agência de emprego até ao presente desconhecida, a Trust Overseas, Emprego e Consultadoria Lda, alegando que os mesmos foram referidos numa lista constante do doc.2 junto pelo Autor na Petição Inicial e que só agora se ter tornado necessário a sua junção face à decisão proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância;
10. Ora, é entendimento pacífico na doutrina processualista e na jurisprudência que: “O recorrente não pode juntar, com a sua alegação, documentos que já tinha em seu poder ou que tinha possibilidade de obter na altura do encerramento da discussão em primeira instância, porquanto o disposto na parte final do n.º 1 do art.º 616.º do Código de Processo Civil de Macau não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho da causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação do recurso documento que já poderia e deveria ter apresentado em primeira instância. Pois, o legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida (cfr. entre outros, o Ac. do TSI, de 27.10.2005, Processo n.º 246/2005).
11. Assim, uma vez que a Recorrente desde sempre dispôs dos referidos documentos (estranho seria o contrário, visto a Recorrente ser parte outorgante dos mesmos) e não tendo avançando nenhuma razão convincente para os não ter junto anteriormente, deve ser indeferida a junção aos autos dos 17 documentos apresentados pela Recorrente;
12. Em consequência, rejeitados os 17 documentos trazidos pela Recorrente deverá improceder todo o conjunto de “alegados” vícios relativos à decisão da matéria de facto invocados pela Recorrente, porquanto os mesmos se baseiam nos referidos documentos, mantendo-se na íntegra a decisão proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base;
13. No que ao doc.2 junto pelo Autor na sua Petição Inicial diz respeito, é no mínimo estranho que a Recorrente venha agora pretender prevalecer-se do conteúdo, quando até hoje e em sede contravencional nunca concordou com o seu teor;
14. Mais estranho se torna, quando se deixa ver que a Recorrente somente procura extrair do doc.2 o que lhe parece mais favorável...
15. Mais grave ainda é o facto de a Recorrente nem sequer “se dignar” a juntar aos presentes autos a totalidade de contratos de prestação de serviços que a mesma celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. ou, pelos vistos, com outras Agências de Emprego, com vista à importação e contratação de mão-de-obra não residente e, in casu, do Recorrido;
16. Basta ver que depois do ano de 2001 as referidas sociedades celebraram entre si, no mínimo, 17 contratos de prestação de serviço com vista à importação ou renovação de mão-de-obra não residente, sendo certo que destes 17 contratos a Recorrente tão-só se limita a apresentar 3 contratos;
17. De onde, a junção aos autos de determinados contratos e a omissão de outros, deixa revelar a “má-fé” da Recorrente nos presentes autos e a sua contínua falta de colaboração processual...
18. Seja como for, importante será sublinhar que o contrato de prestação de serviços n.º 1/1 nunca esteve em apreciação nos presentes autos e, como tal, a sua concreta análise mostra-se de todo desnecessária, tendo em conta o pedido e a concreta causa de pedir apresentada pelo Autor na sua Petição Inicial e aceite pela Ré na sua Contestação;
19. Ademais, do próprio teor do contrato de prestação de serviços n.º1/1 nada resulta a respeito de o mesmo ter por objecto ou finalidade a “revogação” e/ou “substituição” de qualquer um dos contratos prestação de serviços n.º 9/92,6/93,2/94,29/94,45/94,40/94 e 1/96;
20. Do mesmo modo, em lado nenhum do contrato de prestação de serviços n.º 1/1 se faz uma alusão, por mínima que seja, ao facto de o mesmo contrato se destinar a substituir (“fundir” ou “agrupar”) o conteúdo de qualquer um ou de todos os contratos de prestação de serviços n.ºs 9/92, 6/93,2/94,45/94 e 1/96;
21. De onde, a Recorrente não conseguiu demonstrar um mínimo de conexão entre o contrato n.º 1/1 e a contratação e/ou manutenção da contratação do Recorrido;
22. E, tratava-se, de resto, de uma prova de fácil demonstração: bastava que, em momento próprio, a Recorrente tivesse junto aos presentes autos a lista nominativa dos trabalhadores a recrutar no âmbito do referido contrato, tal qual, aliás, o exigia a al. f) do ponto 9 do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro;
23. Não o tendo feito o contrato de prestação de serviços n.º 1/1 mostra-se de todo estranho aos presentes autos e, como tal, não poderá ser apreciado;
24. Por outro lado, ocupando-se o contrato de prestação de serviços n.º 1/1 tão-só das “vagas” dos contratos de prestação de serviços nºs 9/92, 6/93, 2/94,45/94 e 1/96, seria até estranho que os mesmos se destinassem a regular a concreta situação profissional do Recorrido que, ao tempo, se encontrava a exercer a sua actividade laboral para a Recorrente, ao abrigo de um outro contrato de prestação de serviços plenamente válido e em plena execução, em concreto o contrato de prestação de serviços n.º 2/94;
25. Quanto aos demais fundamentos/pedidos/reclamações apresentados pela Recorrente, porque se trata de matéria não alegada pelas partes e sem que a Recorrente tenha conseguido mostrar a sua relevância para a boa decisão da causa, devem ser julgados improcedentes todos os pedidos de inclusão de novos factos na selecção da matéria de facto assente, etc., porquanto a sua concreta inclusão determinaria um nova causa de pedir ou uma modificação ou alteração da causa de pedir e do pedido tal qual os mesmos foram configurados pelo Recorrido na sua Petição Inicial e aceites pela Recorrente na sua Contestação;
26. Se assim se não entender - o que tão-só para a mera situação hipotética de o douto Tribunal de recurso aceitar que entre 15 de Janeiro de 2001 e 31 de Maio de 2008 a relação entre a Recorrente e o Recorrido passou a ser disciplinada com base no contrato de prestação de serviços n.º 1/1, sempre se sublinha que a Recorrente olvida nos seus cálculos todo o período compreendido entre 2 de Março de 2005 e 15 de Março de 2006, titulado pelo Despacho n.º 00830/IMO/SEF/2005, nos termos do qual era garantido aos trabalhadores da Ré um mínimo de Mop$3500, por mês e, bem assim, o período do contrato aprovado pelo Despacho n.º 0950/IMO/DSAL/2007(450), de 12 de Junho de 2007 e válido até 31 de Maio de 2008 (exactamente o dia do termo da relação de trabalho do Autor para com a Ré) e onde se dispunha que os trabalhadores teriam direito a auferir um salário mensal de Mop$5070;
27. Do exposto, em caso algum o douto Tribunal de Recurso poderá deixar de atender à grave e manifesta falta de colaboração processual e violação do dever de diligência por parte da Recorrente nos presentes autos, e, em consequência, condenar a mesma em multa (em montante elevado, sempre se sugere), nos termos legais;
Quanto à matéria de Direito,
28. Resulta do próprio conteúdo literal do contrato celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio, que o mesmo - na sua quase totalidade - não se destinava a regular as relações jurídicas dos outorgantes mas antes de terceiros, maxime dos trabalhadores que seriam recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e posteriormente cedidos à Recorrente (de entre os quais se inclui o Recorrido);
29. Assim, tratando-se de um «contrato a favor de terceiro» e repercutindo-se o mesmo na relação jurídico-laboral existente entre a Recorrente e o Recorrido é, pois, mais do que líquido que o beneficiário da promessa (in casu, o Recorrido) adquire o(s) direito(s) - ou parte dele(s) - constantes do mesmo contrato independentemente de aceitação (art. 438.º, n.º 1 do Código Civil de Macau) e, em consequência, poderá exigir o seu cumprimento directamente do obrigado (in casu, da Recorrente), tal qual concluiu o Tribunal a quo;
30. A este respeito, veja-se, entre muitos outros, o entendimento sufragado pelo Tribunal de Segunda Instância (Processo n.º 739/2009), em muito relacionado ao dos presentes autos, quando se sublinha que: as condições de trabalho em que devem ser contratados os trabalhadores não residentes, constam do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, sendo que este torna de forma clara e expressa uma natureza assumidamente normativa e de cariz imperativo na medida em que nele se fixa uma disciplina substantiva e processual com vista à contratação, por empregadores de Macau, de trabalhadores não residentes (trabalhadores este que estão excluídos do Regime Geral das Relações Laborais apenas aplicável aos trabalhadores residentes - DL 24/89/M, de 3 de Abril e LRT) obrigando a uma contratação em condições mínimas acordadas com a empresa prestadora de serviços (in casu, a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.);
31. Do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, resulta que o despacho (leia-se, despacho da «entidade governamental competente» que autoriza a contratação de trabalhadores não residentes) condiciona a mesma à apresentação prévia de um «contrato de prestação de serviços» celebrado entre a “entidade interessada” e uma “terceira entidade - fornecedora de mão-de-obra não residente” (cfr. n.º 3 e n.º 9 c) do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro);
32. In casu, quer o «despacho da autoridade governamental» quer o Despacho n.º12/GM/88, de 1 de Fevereiro, vincularam imperativamente a Recorrente a contratar os trabalhadores não residentes - e, em concreto, o Recorrido - em conformidade com as condições mínimas constantes do «contrato de prestação de serviços» celebrado com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.;
33. A fixação legal de condições tidas como mínimas, em si mesma constitui um direito que escapa à liberdade da autonomia das partes, visto terem sido consagradas por uma razão - de ordem pública - maxime de protecção dos interesses da generalidade dos trabalhadores residentes (cfr. preâmbulo do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro);
34. Do mesmo modo, o direito às condições mínimas fixado no despacho de autorização configura um direito indisponível e, porquanto, subtraído ao domínio da vontade das partes;
35. In extremis, nunca o Recorrido poderia ter sido admitido como trabalhador da Recorrente (ou de qualquer outro empregador na RAEM) por via de um contrato que não respeitasse o disposto nos números 2, 3 e 9 do Despacho n.º12/GM/88, de 1 de Fevereiro, maxime por via de um «contrato individual de trabalho», porquanto a contratação de trabalhadores não residentes está sujeita a um regime especial e imperativo que em caso algum poderá ser derrogado pelas partes, excepto para consagrar condições de trabalho mais favoráveis ao trabalhador;
Nestes termos, e nos demais de Direito, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., pelas razões supra expostas, devem as presentes Alegações de Resposta serem aceites e o Recurso apresentado pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA!
*
Cumpre decidir.
***
II- Os Factos
O despacho recorrido deu por assente a seguinte factualidade:
a) O autor é trabalhador não residente.
b) A ré, com vista à contratação do autor como seu trabalhador, acordou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada o seguinte:
“Considerando que o Governo de Macau, por Despacho do SAEF autorizou a Guardforce (Macau) Limitada (adiante designada por 1. a outorgante) a admitir novos trabalhadores vindos do exterior;
Nos termos do Despacho acima mencionado e do Despacho no. 12/GM/88, a 1.a outorgante e Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Ltd. (adiante designada por 2.a outorgante), celebram o presente contrato que integra as seguintes cláusulas e termos que ambas as partes se obrigam reciprocamente a cumprir pontual e integralmente:
1. Recrutamento e cedência de trabalhadores.
A pedido da 1.a outorgante, a 2.a contratou a prestação de mão-de-obra oriunda da... num total de... trabalhadores, com idade compreendida entre os 18 e os 60 anos, boa saúde e bom comportamento, os quais são por este contrato cedidos à 1.a outorgante, por um período de 1 ano... .
2. Despesas relativas à admissão.
A 2.a outorgante responsabiliza-se pelas despesas de selecção e inspecção médica dos trabalhadores a contratar, assim como pelas formalidades relativas à sua saída dos países acima referidos por seu turno a 1.a outorgante fica responsável pelas despesas relativas á obtenção dos correspondentes títulos de identificação de trabalhadores não-residentes, bem como pelas despesas com a vinda daqueles para Macau.
3. Remuneração dos trabalhadores.
3.1. Os trabalhadores a que se refere o presente contrato auferirão salário idêntico ao nível médio dos salários praticados para desempenho equivalente, num mínimo de $90,00patacas diárias, acrescida de $15,00patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação.
3.2. O salário será pago pela 1.a outorgante directamente a cada trabalhador.
3.3. ... .
3.4. Além das retribuições já mencionadas, cada trabalhador terá direito a um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço.
4. Horário de trabalho e alojamento.
4.1. O horário de trabalho é de 8 horas diárias, a prestar durante o período fixado pela 1.a outorgante, sendo a prestação de trabalho extraordinário remunerado de harmonia com o disposto na legislação do trabalho em vigor em Macau para os operários residentes.
4.2. Os trabalhadores terão direito a faltar durante dez dias por ano para poderem visitar os seus familiares nos países acima referidos.
4.3. Se a 1.a outorgante interromper a laboração por um período superior a 5 dias, por falta de encomendas ou de energia, será obrigada a pagar ao trabalhador a partir do 6º dia, a remuneração base diária de $90,00 pelo período que durar aquela interrupção.
4.4. ... .
4.5. ... .
5. Assistência.
5.1. ... .
5.2. ... .
5.3. ... .
6. Deveres dos trabalhadores.
Os trabalhadores objecto do presente contrato estão sujeitos aos seguintes deveres:
a) ....
7. Serão causas de cessação do trabalho e imediato repatriamento:
a) ....
8. Outras obrigações da 1.a outorgante.
... .
9. Provisoriedade.
9.1. A 1.a outorgante declara que a autorização de permanência ao seu serviço dos trabalhadores objecto do presente contrato foi concedida a título precário, podendo ser cancelada a qualquer tempo pelo Governo de Macau, caso em que devolverá à 2.a outorgante, no prazo que lhe for indicado, o número de trabalhadores para o qual deixe de ter autorização bastante ou aquele cuja permanência no Território seja pela via competente declarada como indesejável.
9.2. ... .
10. Repatriamento.
10.1. Verificando-se que, por qualquer motivo, alheio ao 1.a outorgante, não é possível a continuação da prestação do serviço por parte dos trabalhadores, a 2.a outorgante responsabiliza-se pelo repatriamento dos mesmos para os países acima referidos suportando a 1.a outorgante as despesas relacionadas com a deslocação e, bem assim, o pagamento do subsídio de compensação cujo montante será reciprocamente acordado entre ambos os outorgantes.
10.2. O repatriamento a que se refere o presente contrato será da responsabilidade da 2.a outorgante que se compromete a efectivá-lo imediatamente.
11. Prazo do Contrato
11.1. Sem prejuízo do disposto no precedente no n.º 9.1., o presente contrato terá duração de 1 ano renováveis por igual período, mediante acordo das partes interessadas e precedendo acordo do Governo do Território, a obter até 30 dias antes do seu termo.
11.2. Não se verificando a sua renovação, o presente contrato caduca no seu termo ficando a 2.a outorgante responsável pelo repatriamento para os países acima referidos dos trabalhadores, e sendo as despesas com essa deslocação suportadas pela 1. a outorgante.
11.3. Este contrato vigorará desde a data da sua aprovação e até à data em que se extinguir a primeira validade do título de identificação de trabalhador não-residente, emitido pelas Forças de Segurança de Macau (Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau).
12. Disposições Finais.
12.1. Quaisquer litígios ou questões emergentes da sua execução, serão decididos por uma comissão arbitral, composta por 3 membros, sendo dois escolhidos por cada um das partes e o 3.º designado pelos árbitros de parte, a qual decidirá de acordo com a equidade.
12.2. ... .
c) Por assim terem acordado, entre 17 de Novembro de 1998 e 31 de Maio de 2008, o autor esteve ao serviço da ré, exercendo funções de guarda de segurança.
d) Trabalhando sob as ordens, direcção e fiscalização da ré.
e) Nos termos e condições entre ambas acordados e que constam dos documentos juntos com a petição inicial sob os nºs 5 a 11, os quais se dão aqui por reproduzidos (facto provado por acordo e nos termos do disposto nos arts. 368º e 370º do Código Civil).
f) Entre 17 de Novembro de 1998 e Fevereiro de 2005, como contrapartida da actividade prestada, a ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP. 2 000,00.
g) E nos meses de Março de 2005 a Fevereiro de 2006 a ré pagou ao autor o salário mensal de MOP. 2 100,00.
h) E nos meses de Março de 2006 a Dezembro de 2006, a ré pagou ao autor o salário mensal de MOP. 2 288,00.
i) - Entre 17 de Novembro de 1998 e 30 de Junho de 1999 o autor trabalhou 12 horas por dia, tendo a ré remunerado as 4 horas diárias de trabalho extraordinário a MOP 9,30 por cada hora.
j) - Entre Julho de 1999 e Junho de 2002 o autor prestou 4466 horas de trabalho extraordinário que a ré lhe retribuiu a MOP 9,30 por cada hora
k) - Entre Julho de 2002 e Dezembro de 2002 o autor prestou 582 horas de trabalho extraordinário que a ré lhe retribuiu a MOP 10,00 por cada hora.
l) - Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005 o autor prestou 2353 horas de trabalho extraordinário que a ré lhe retribuiu a MOP 11,00 por cada hora.
m) - Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006 o autor prestou 340 horas de trabalho extraordinário que a ré lhe retribuiu a MOP 11,30 por cada hora.
n) - Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006 o autor prestou 1074 horas de trabalho extraordinário que a ré lhe retribuiu a MOP 11,50 por cada hora.
o) - Durante os 3484 dias que trabalhou para a ré, nunca esta lhe pagou qualquer quantia a título de subsídio de alimentação.
p) - O autor nunca deu qualquer falta ao serviço remunerado sem conhecimento e autorização prévia da ré, durante a relação laboral, não lhe tendo a ré pago qualquer quantia a título de subsídio de efectividade.
q) - Na versão original do contrato celebrado entre autor e ré foi convencionado que pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal o autor seria remunerado pela ré nos termos fixados pela lei de trabalho de Macau e nas versões posteriores do mesmo contrato foi acordado que todas as condições seriam reguladas de acordo com a lei de trabalho de Macau.
r) - Entre 14 de Janeiro de 2000 e 06 de Junho de 2001 o autor não gozou nenhum dia de descanso semanal e, além do salário em singelo, não recebeu qualquer compensação por ter trabalhado nos referidos dias de descanso semanal nem lhe foi proporcionado qualquer dia de descanso compensatório.
s) O autor prestou voluntariamente trabalho nos dias de descanso semanal.
***
III- O Direito
1- Questão prévia
Suscitou o autor da acção, aqui recorrido, a rejeição dos documentos trazidos pela recorrente com as suas alegações, com o argumento de que eles já estavam na posse da apresentante desde o início do processo, sem que alguma razão o impedisse de os trazer anteriormente aos autos.
Não há dúvida que a junção e documentos deve ser feita no momento em que deles a parte disponha como meio de prova da matéria a ser submetida a julgamento. É esse o princípio geral que emana do art. 450º do CPC. No entanto, o art. 616º do CPC permite a sua apresentação já durante a fase das alegações de recurso nos casos do art. 451º, nº1 e 2 do mesmo Código, ou ainda no caso de a junção nessa ocasião apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância. Isto significa que esta junção tardia tem um carácter excepcional, apenas justificada perante razões prementes de indisponibilidade anterior ou de necessidade actual em razão dos termos do julgamento proferido no tribunal “ a quo”.
Ora, a verdade é que estes documentos, se já estavam na posse do apresentante, não foram juntos anteriormente porque ele mesmo terá pensado que não serviriam como modo de prova daquilo que estava em discussão. E, efectivamente, eles na nossa óptica nada trazem de relevo que faça infirmar o julgamento realizado. Nessa medida, não careceriam de estar nos autos.
Ainda assim, entendemos que devam permanecer no processo para que lhe façamos algumas referências sempre que tal for necessário no âmbito do conhecimento do presente recurso, assim se procedendo a uma análise mais global se o caso o merecer, para que não escape nenhum elemento que possa ser útil ao desenho mais preciso da situação material e à solução jurídica que aquela impuser.
Manter-se-ão, pois, nos autos.
*
2- Da nulidade
Considera a recorrente que a sentença padece de nulidade por contradição entre fundamentação e decisão. E isto por ter considerado que a contratação do autor decorreu do prévio contrato de prestação de serviços celebrado entre Guardforce e a “Sociedade de Apoio às Empresas de Macau” (al. b), da especificação), sem que depois desse por provado quantas vezes aquele contrato foi renovado e até quando vigorou. Assim, não podia o tribunal dar como provado que a subsistência do vínculo laboral que ligou a recorrente ao recorrido durou por mais de dez anos.
Razão pela qual, diz, “a decisão é em si mesma contraditória porquanto parte de um contrato de prestação de serviços com uma duração limitada de um ano, para fundamentar a preterição do pagamento de quantias que com base nesse mesmo o Autor teria direito durante os 10 anos que durou a relação laboral”.
Ou seja, “a alínea b) da fundamentação fáctica da decisão reporta-se a prova que intrinsecamente é incompatível com o período de trabalho a que a sentença se reporta, pelo que a sentença padece de nulidade nos termos do 571 nº 1 al. c) do CPC, por se verificar contradição entre a fundamentação fáctica e a decisão”.
Como é sabido, a oposição invocada (nº1, al. c), do art. 571º do CPC) apenas existe quando os fundamentos invocados pelo julgador deveriam ter conduzido logicamente a um resultado decisor oposto daquele que foi alcançado (Acs. STJ 1/06/1993, Proc. nº 003146; STJ 31/03/1998, Proc. nº 98ª265), ou seja quando se detecta um vício de raciocínio que deveria ter conduzido a uma decisão diversa daquela para a qual o raciocínio conduziu efectivamente o seu autor (TSI, de 16/02/2006, Proc. nº 156/2005).
No caso, não há esse vício, porque a coerência entre fundamentos e decisão é total. No máximo, o que pode existir é, em vez de nulidade, erro de julgamento se os pressupostos com base nos quais o julgador laborou estiverem errados. Mas, aí, a questão é já de mérito (Ac. STJ de 3/08/2001, Proc. nº 00A3277).
Ora, não há nada de irregular quanto a este ponto. Na verdade, nada obstaria à celebração de um contrato com aquela duração (1 ano), que fosse posteriormente renovado e ao abrigo do qual pudessem ser celebrados um ou vários contratos de trabalho entre a Guardforce e os trabalhadores. E isso não tinha que estar assim tão minuciosamente explicitado nos fundamentos da decisão, porque esse não era tema central que estivesse em discussão e que fosse objecto de litígio. Aliás, a própria recorrente, quando na posição de contestante, afirmara que as cláusulas do contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual contratou o autor (contrato 6/93) ainda se encontravam em vigor (arts. 18º e 39º da contestação).
Portanto, não vemos que tivesse havido controvérsia ao longo dos articulados que justificasse que o senhor juiz devesse ir ao preciosismo temporal da duração de cada um dos contratos em causa (prestação de serviço e contrato de trabalho). Na verdade, o que consta da alínea b) é o resultado factual mínimo obtido a partir da posição das partes. E assim sendo, não podemos entrever na decisão qualquer nulidade.
Improcede, pois, a arguida nulidade.
*
2- Do erro de julgamento da matéria de facto
Considera a recorrente estarem incorrectamente julgados os factos constantes das alíneas b), c), f), g), h) e o) da matéria assente.
No que respeita à primeira (alínea b)), entende que o tribunal deveria identificar, exactamente, qual o contrato de prestação de serviços e qual o despacho de autorização ao abrigo dos quais o autor, ora recorrido, foi contratado pela ré, ora recorrente.
Efectivamente, o senhor juiz não especificou o número do contrato de prestação de serviços que esteve na base da contratação do autor. Mas ao prescrever na alínea b) que a ré acordou com a “Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada” o clausulado que parcialmente transcreveu, não o fez erradamente se realmente o contrato efectivo que subjaz à contratação do autor, seja qual for o número que tem e independentemente da autorização administrativa correspondente, apresenta aquele teor na parte que ao caso mais interessa.
O contrato de prestação de serviços tem o nº 6/93, tal como o referiu a contestante na sua peça? O autor não impugnou essa matéria a aceitou-a no art. 36º da réplica? Sim, é verdade.
Pode, pois, acrescentar-se a essa alínea os elementos em falta. Ela passará a ter o conteúdo seguinte:
“A ré, com vista à contratação do autor como seu trabalhador, acordou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada” o contrato de prestação de serviços nº 06/93, com o seguinte teor (…) – mantendo-se o resto da alínea.
*
Quanto à alínea c), entende a recorrente que, partindo dos meios de prova existentes nos autos, nomeadamente do doc. nº 2 junto pelo autor com a petição inicial, o facto nela incluído está incorrectamente julgado.
Está em causa o segmento ali contido “Por assim terem acordado”. Para a recorrente, existe contradição entre tal alínea e o que consta do documento nº2 citado. E isto porque o facto dessa alínea parece resultar do teor da alínea b) anterior, por o contrato de prestação de serviços que esteve na base da contratação do trabalhador não residente não poder ter sido o mesmo que fundamentou a subsistência da relação laboral desde o começo até ao seu termo.
Ora bem. A circunstância de na alínea c) ter sido dito “Por assim ter sido acordado” não contradiz o clausulado em 11.1 do contrato de prestação de serviços constante na alínea b), pois ali é dito que os contratos poderiam ser renovados por igual período de tempo. A génese de tão longa duração da relação laboral pode, pois, fundar-se naquele mesmo contrato. Não é errado dizer, portanto, que um tão longo período da relação de trabalho derivou, longinquamente, ou indirectamente, do contrato de prestação de serviços. E se esse contrato tiver o nº 6/93, como as partes aceitaram no processo e agora nós incluiremos na matéria da alínea b), então, até mesmo com esse sentido de conexão entre alínea b) e c), há agora perfeita sincronia. E sendo assim, não há erro de julgamento.
Mas, de resto, aquela expressão “Por assim ter sido acordado” da alínea c) também não está inquestionavelmente relacionada com o contrato de prestação de serviços levado à alínea precedente, e, antes, numa interpretação perfeitamente possível, pode querer dizer, como até nos parece que quer, que, por ter sido querido e consensualmente aceite por ambas as partes (entidade patronal Guardforce e autor da acção), a relação laboral durou cerca de 10 anos, entre Novembro de 1998 e Maio de 2008. E se assim for interpretado, nada há a criticar sobre a forma como o seu conteúdo foi vertido na citada alínea, pois se o contrato de trabalho perdurou durante dez anos, isso só pode ter acontecido por assim o terem consensualmente querido os contratantes, ou seja, “por assim ter sido acordado”.
Assim, porque não cremos que haja qualquer erro de julgamento da matéria de facto, nem sequer erro de redacção da citada alínea, não se acha tão pouco necessário que essa alínea passe a ter outra configuração ou conteúdo, tal como o pretende a recorrente a fls. 287 verso (fls. 20 das alegações).
A recorrente pretende que se altere a redacção da alínea em questão. Porém, incluir na alínea c) que a partir de Janeiro de 2001 e até ao termo da relação laboral em 2008 o trabalhador recorrido se manteve ao serviço da recorrente em virtude do contrato de prestação de serviços nº 1/1, tal como o deseja a recorrente (fls. 20 das suas alegações) é temerário. É que esse contrato (que a recorrente nem sequer juntou aos autos) e também o nº 14/1, pretenderam fundir as vagas dos contratos 9/92, 6/93, 2/94, 29/94, 45/94, 40/94 e 1/96, segundo parece resultar do doc. nº2 junto com a petição inicial pelo autor. Ou seja, o sentido da fusão foi reunir em apenas dois contratos de prestação de serviços as vagas não preenchidas pelos anteriores contratos de prestação de serviços acima referidos. Cremos, pois, que tais contratos não revogaram os anteriores. E, por isso, sob o domínio desses anteriores contratos, continuaram a ser efectuadas renovações de contratos individuais de trabalho entre Guardforce e trabalhadores, só tendo transitado para os novos 1/1 e 14/1 as vagas que não tivessem sido preenchidas pelos outros.
Portanto, não é legítimo pensar que tais contratos 1/1 e 14/1 tiveram por objectivo reunir todos os contratos anteriores com os números atrás referidos, porque tal não resulta do seu texto (ver docs. 11 a 17 juntos pela recorrente) e também porque a recorrente não juntou nenhuma lista nominativa de trabalhadores que passaram a estar sob a sua alçada, isto é, que passassem a ser recrutados sob o seu abrigo, em que estivesse incluído o nome do aqui recorrido.
Razão por que não é possível concluir pelo erro de julgamento quanto ao teor dessa alínea c) e que ela deva ter a sugerida redacção constante de fls. 20 das alegações da recorrente, porque os autos não fornecem elementos seguros que aconselhem a fazê-lo nos moldes em que o pretende a recorrente.
Motivo pelo qual, também, não é possível que esta instância de recurso inclua outra alínea (C1)) com os termos avançados pela recorrente nas suas alegações (ver fls. 24 da peça alegatória).
*
Quanto às alíneas f), g) e h) da matéria de facto, pretende a recorrente, de acordo com os documentos juntos aos autos pela próprio recorrido com a petição inicial, que se lhes dê outra redacção.
Todavia, a matéria das alíneas f) e g) advém dos factos invocados nos arts. 46º e 49º da petição inicial, os quais, por sua, vez, derivam dos documentos nºs 2 e 12 juntos com aquele articulado. Ora, esta matéria, tal como redigida pelo autor, foi aceite pela contestante, ora recorrente, “por corresponderem à verdade” (ver art. 25º da contestação a fls. 113 dos autos).
Assim sendo, nada há a alterar, até porque os referidos documentos atestam a veracidade da afirmação contida nos factos f) e g) em apreço, não sendo necessário ir à minúcia do que ficou acordado (clausulado contratualmente), mas sim ao que foi efectivamente pago.
Quanto à alínea h), ela diz-nos que nos meses de Março a Dezembro de 2006 a ré pagou ao autor o salário mensal de Mop$ 2.288,00. Esta facticidade, tal como está assente, também derivou do facto inscrito na petição inicial no art. 52º, que, por seu turno, remetia para o documento nº 12 junto com aquele articulado.
Trata-se de um facto que corresponde exactamente ao que consta no referido documento, apresentado pelo impetrante contra o ora recorrente Guardforce, que, note-se, por este não foi impugnado no seu articulado contestatório (fls. 105 e sgs.) e, antes, até foi expressamente confirmado e aceite (art. 42º dessa peça).
E nem sequer aqui se colocam questões de divergência entre provado e documentado, pois que uma coisa é o que está clausulado, nomeadamente no documento nº11, outra é o que foi efectivamente pago. E entre ambas, não há incompatibilidade que mereça correcção relativamente àquilo que o tribunal deu por assente.
*
Falta agora analisar a alínea o), que tem o seguinte teor:
“Durante os 3484 dias que trabalhou para a ré, nunca esta lhe pagou qualquer quantia a título de subsídio de alimentação”.
É factualidade que resulta dos arts. 87º e 88º da p.i., que a ré impugnou, sim (ver art. 28º da contestação).
A recorrente considera que o tribunal não podia dar como provada, uma vez que não há nos autos qualquer elemento de onde tal pudesse ser extraído, ou seja, de onde resultasse evidente que o autor trabalhou durante todos os dias por que durou a relação laboral. Razão que o leva a pedir que o TSI faça baixar os autos à 1ª instância a fim de que esta questão seja objecto de selecção e prova.
Este facto que a sentença deu por provado assenta, realmente, na matéria dos arts. 87º e 88º da petição inicial. Pretendia o autor alegar que a relação laboral durou cerca de 9 anos, 6 meses e 14 dias (88º) e que durante todo esse período nunca a ré pagou o subsídio de alimentação (87º).
Acontece que a ré, na sua contestação, impugnou expressamente a matéria do art. 87º (a de que ao longo de toda a relação laboral nunca a ré lhe pagou qualquer subsídio de alimentação), tal como bem se pode ler no art. 28º desse articulado. Portanto, não podia ser levada à matéria assente um facto que ainda não era líquido, porque controvertido.
Nem mesmo a questão do período de duração da relação laboral há consenso. Na verdade, sendo certo que o autor entendeu que aqueles 9 anos, 6 meses e 14 dias perfariam 3484 dias (art. 88º da p.i.), a ré Guardforce apenas aceitou que “…a relação de trabalho entre a Ré e o Autor durou 9 anos, 6 meses e 14 dias…”, tal como expressamente é dito no art. 25º da contestação. Ou seja, embora tenha aceitado a duração da relação laboral em anos e meses, por outro lado já não aceitou que aquele período corresponda a 3484 dias de trabalho. Não aceita ainda a ré o facto de se ter dito que durante toda a relação não foi pago o subsídio de compensação, se até mesmo do documento junto pelo autor com o nº 13 da p.i. serem apontados 24 dias em que ele não trabalhou e com o documento nº12 serem referidos outros 38 dias em que não prestou trabalho, o que no total perfaz um total de 62 dias de não prestação efectiva de serviço.
Apreciando esta matéria, somos a dizer que, efectivamente, do teor das alíneas f), j) e l) dos factos assentes, em conjugação com o teor dos documentos 12 e 13, tal como o afirma a recorrente, resulta – feitas as contas ao valor remuneratório horário e ao valor salarial recebido – que o autor/recorrido não prestou serviço durante 62 dias. Sendo assim, anuimos que àquele número 3484, sejam abatidos 62 dias.
E, consequentemente, haveremos de concordar que a redacção da alínea o) deriva de um erro na apreciação da prova e que, para ser fiel à realidade, urge corrigir para passar a tomar a seguinte expressão:
“Durante os 3422 dias em que o Autor prestou trabalho efectivo para a Ré, nunca esta lhe pagou qualquer quantia a título de subsídio de alimentação”, assim procedendo o recurso nesta parte.
*
3- Da demais matéria do recurso.
Insurge-se a recorrente quanto à natureza do contrato que uniu a Guardforce a “Sociedade de Apoio às Empresas de Macau”, que o tribunal “ a quo” qualificou como sendo a favor de terceiro e ao abrigo do qual condenou a ora recorrente.
Vejamos, então, este aspecto da decisão recorrida.
E sobre ele, este TSI tem já definida a sua posição em termos de unanimidade, de que destacaremos o seguinte trecho extraído do acórdão proferido em 2/06/2011, no Processo nº 780/2010:
“1ª questão
Que tipo de relação administrativa se estabeleceu entre Guardforce e a Administração?

Quando a ora recorrida se dirigiu à Administração pedindo admissão, nos termos do Despacho nº 12/GM/88 (leia-se autorização) para contratar não residentes, fê-lo como mero interessado particular que, para ver proferido o acto permissivo, deveria observar certos requisitos.

Superados os primeiros obstáculos através dos pareceres pertinentes favoráveis (cfr. nº9, a, b, do referido Despacho), a entidade competente proferiu despacho de admissão, condicionando-a, porém, à apresentação do contrato a celebrar entre requerente (Guardforce) e entidade fornecedora de mão-de-obra não residente (Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, lda).

Aquele despacho disse ainda que a autorização implicava a sujeição da requerente a determinadas obrigações específicas: a)-manter um número de trabalhadores residentes igual à média dos que lhe prestaram serviço nos últimos três meses; b)- garantir a ocupação diária dos trabalhadores residentes ao seu serviço e manter-lhes os respectivos salários a um nível igual à média verificada nos três meses anteriores; c)- observar uma conduta compatível com as legítimas expectativas dos trabalhadores residentes).

Estamos, portanto, perante um acto administrativo cuja eficácia foi diferida para momento posterior, em virtude de os seus efeitos dependerem da verificação do requisito ulterior (arts. 117º, nº1 e 119º, al.c), do CPA): apresentação do contrato de prestação de serviço com a entidade fornecedora de mão-de-obra não residente.

Ora, este contrato é, para este efeito, um contrato-norma com estipulações vinculantes para ambas as partes.

Ou seja, a Administração, satisfez-se com a celebração daquele instrumento negocial em que o futuro empregador (contratante Guardforce) declarava contratar futuros trabalhadores não residentes e prometia conceder-lhes as condições e regalias a que ali mesmo, livremente, se deixou subjugar. Claro está que, em nossa opinião, deveria ser mais natural e lógico que a condição fosse mais longe ao ponto de se exigir de todo e qualquer interessado na aquisição de mão-de-obra não residente em Macau a demonstração da efectiva contratação nos moldes em que o compromisso foi assumido perante a entidade fornecedora. Faria mais sentido, realmente, que a condição do acto não se ficasse pela realização de uma mera “declaração de intenções” ou de uma simples “promessa de facere”, que podia não ser, como não foi, cumprida. Na verdade, a vinculação entre as partes contratantes iniciais (Guardforce e Sociedade de Apoio) podia bem ser quebrada sem conhecimento do Governo, o qual assim nada podia fazer para repor as condições de trabalho que estiveram na base da autorização, ou até mesmo para a cancelar. Isto é, parece absurdo que se estabeleçam requisitos de contratação, que as partes iniciais acolheram no contrato-norma para que o despacho autorizativo adquirisse eficácia, e depois o autor do acto se desligue completamente da sorte dos contratos de aplicação dando azo a toda a sorte de incumprimentos e eventuais abusos. Não se deveria esquecer que os contratos de aplicação devem obediência não só ao contrato-norma, como ao acto autorizativo. E por isso mesmo é de questionar quais as consequências derivadas da violação dos contratos celebrados com o trabalhadores e quais os efeitos para estes (futuros e incertos) decorrentes desse contrato-norma. À primeira questão – sem sermos muito categóricos – somos de parecer que nem o Despacho 12/GM/88, nem o contrato firmado na sequência do despacho autorizativo estabelecem sanções. À segunda questão já somos obrigados a responder, e essa é tarefa que nos ocupará já de seguida.
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2ª Questão
Quais os direitos para os trabalhadores contratados na sequência daquele contrato de prestação de serviços celebrado entre Guardforce e Sociedade de Apoio?

Tal como a sentença o afirma, ao caso não pode ser aplicável o DL nº 24/89/M, de 3/04, uma vez que este diploma se aplica aos trabalhadores residentes.

E também é certa, em parte, a ideia que emana da mesma decisão, segundo a qual o Despacho nº 12/GM/88 não visa estatuir sobre os contratos a celebrar entre empregadores e trabalhadores não residentes. Visa sim, e nessa medida reflecte-se sobre eles, determinar um conjunto de conteúdos mínimos que o empregador deve respeitar nos contratos a celebrar. Contudo, não desce ao pormenor dos direitos e regalias concretas, embora se refira no art. 9, d.2 ao dever de ser averiguado no contrato de prestação de serviços se se encontra satisfeita a garantia do pagamento do salário acordado com a empresa empregadora. Ora, como pode ser prestada esta garantia se depois do contrato com o trabalhador ninguém mais controla o cumprimento do clausulado! E como garantir no contrato-norma algo que só no contrato de aplicação pode ser constatado! Por conseguinte, só indirectamente se pode dizer que os contratos celebrados com os trabalhadores têm no referido despacho a sua regulação normativa.

A Lei nº 4/98/M, de 29/97, por seu turno, também não passa de um conjunto de normas programáticas inseridas naquilo que é uma Lei de Bases (Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais), não preenchendo as necessidades de regulação as normas que constam do art. 9º, uma vez que aí igualmente nada é estabelecido sobre o conteúdo das relações laborais entre aqueles.

Só a Lei nº 21/2009/M de 27/10, sim, define um conjunto de regras a que deve obedecer a contratação de trabalhadores não residentes, mas escapa ao nosso raio de alcance, atendendo ao momento em que surge a lume.

De qualquer modo, assentem os contratos celebrados com os trabalhadores não residentes indirectamente no Despacho nº 12/GM/88, ou derivem eles directamente do contrato firmado entre Guardforce e Sociedade de Apoio, a verdade é que ninguém se atreve a dizer que aquele instrumento contratual e o Despacho em causa são de todo inertes e indiferentes ao clausulado que viesse a integrar o contrato entre empregador e trabalhadores. A questão só se complica na medida em que se trata de pessoas que não intervieram no referido instrumento. Daí que se pergunte a que título dele nasceram direitos para a sua esfera.

Não se pode dizer com total tranquilidade que há lacuna de regulamentação, se for de pensar que a vinculação do instrumento entre Guardforce e Sociedade de Apoio é suficiente, isto é, se for de considerar que, mesmo que por causa do despacho autorizativo e do Despacho 12/GM/88, os direitos nascem com aquele instrumento. Faltaria apurar somente a que título.

A sentença em crise entende, porém, que não, por não sentir emergir daquele contrato de prestação de serviços nenhuma das figuras contratuais que costumam associar terceiros não intervenientes, como foi o caso.

Por outras palavras, a questão é a do apuramento da natureza jurídica desse contrato no que a estes terceiros concerne.

E considerando não se estar perante um contrato de trabalho, um contrato de trabalho para pessoa a nomear, um contrato de cedência de trabalhadores ou um contrato de promessa – por razões que explicita e com as quais concordamos, mas que, por comodidade e desnecessidade ao Desfecho decisório do recurso nos dispensamos de reproduzir – acabou por concluir que, do mesmo modo, não se estaria em presença do contrato a favor de terceiros, mas eventualmente ante um contrato de promessa de celebrar um contrato de trabalho com pessoa a nomear (sem qualquer efeito na relação laboral contratada entre empregador e trabalhador) e que apenas permitiria à beneficiária (Sociedade de Apoio) reclamar prejuízos resultantes do incumprimento.

E para tanto concluir, arrancando da leitura do art. 437º do Código Civil, foi peremptório em afirmar que no conceito da figura do contrato a favor de terceiro avulta o requisito da “prestação”, que aqui julga não ser possível, uma vez que essa prestação apenas equivaleria à “celebração de outro contrato” (ver fls. 24 e verso da sentença). Argumento a que ainda adita o de que de um contrato a favor de terceiro não podem nascer obrigações para este. Dois obstáculos, portanto, que, em sua óptica, o impediam de preencher os elementos tipo desta espécie contratual.

A solução a dar a ambos estes impedimentos invocados pelo Ex.mo juiz “a quo” merece um tratamento em bloco.

Vejamos.

Segundo o art. 437º do CC:

“1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais”.

No contrato a favor de terceiro, como se vê, existem três elementos pessoais a considerar: dois contraentes e um beneficiário; de um lado, o promitente, a pessoa que promete realizar a prestação e o promissário, a pessoa a quem é feita a promessa; do outro, o terceiro beneficiário, estranho à relação contratual, mas que adquire direito à prestação. Eis aqui um bom exemplo de desvio à relatividade dos contratos ou ao princípio do efeito relativo (inter-partes) dos contratos1.

Claro que se poderia alvitrar que, para valer perante um qualquer terceiro, este deveria ser designado no contrato como beneficiário, o que implicava desde logo a sua identificação. Todavia, este eventual obstáculo tomba sob o peso da norma criada pelo art. 439º, ao permitir que a prestação pode ser estipulada a favor de terceiro indeterminado, bastando que o beneficiário seja determinável no momento em que o contrato vai produzir efeitos a seu favor.

Regra geral, portanto, do contrato nasce um direito a uma prestação2, a uma vantagem3, não uma obrigação4. Por isso se diz que o efeito para a esfera do “beneficiário” deva ser positivo5.

A questão está, agora, em saber duas coisas:

Uma, se esse efeito positivo ou de vantagem é incompatível com a atribuição de deveres; outra, como deve esse efeito ser conferido, isto é, qual a forma de manifestação da prestação.

A primeira questão, é respondida com relativa facilidade. É certo que através de um contrato entre duas partes não pode impor-se apenas uma obrigação a outra pessoa que nele não tenha figurado, enquanto objecto único dos efeitos pretendidos em relação a ela. Isso contraria o espírito da relatividade contratual na sua essência mais pura e escapa, pela letra do preceito transcrito, à sua mais estrita previsão. Não é disso, porém que aqui se trata.

Por outro lado, a imposição de deveres, num quadro mais alargado de uma posição jurídica que também envolva vantagens, não tem qualquer eficácia se o terceiro não os aceitar dentro da sua livre determinação e no quadro do exercício da sua vontade. De resto, é hoje pacífico que podem ser fixados ónus e deveres ao terceiro, sem que com isso resulte afectada a sua margem de liberdade. As partes atribuem-lhe vantagens, se de benefícios o negócio unicamente tratar. Mas, se a atribuição do efeito positivo carecer de uma atitude posterior do beneficiário da qual resulte a assunção de deveres, através da sua adesão por qualquer facto6, não se vê em que isso contrarie o objectivo do contrato. A vantagem é, para este efeito, cindível ou autonomizável. Por conseguinte, tudo ficará cometido ao seu livre arbítrio e alto critério pessoal: o terceiro é livre de acatar ou não os deveres, sendo certo que se a sua resposta for negativa, perderá o direito à vantagem e ao efeito positivo7 resultante daquele contrato.

A segunda pode ser mais problemática, mas a solução acaba por ser pacífica, segundo se crê, se for de entender que “dar trabalho”, isto é, conceder um posto de trabalho, proporcionar emprego a alguém nas condições estipuladas no contrato-norma é uma prestação de facere ou uma prestação de facto8, mesmo que incluída numa relação jurídica a constituir. O contrato a celebrar com o terceiro não seria o fim último da situação de vantagem reconhecida e prometida pelo contrato entre Guardforce e Sociedade de Apoio, mas sim e apenas o instrumento jurídico através do qual se realizaria o benefício, a vantagem, o direito.

De resto, também se não deve negar que, para além do efeito positivo traduzido no próprio emprego prometido oferecer, qualquer cláusula que ali o promitente assumiu em benefício do trabalhador a contratar (v.g, valor remuneratório, garantia de assistência, etc.) ainda representa uma prestação positiva a que Guardforce se obrigou.

Por conseguinte, os obstáculos erigidos na sentença a este respeito, salvo melhor opinião, não têm consistência. O que vale por dizer que, contra a tese da sentença sob censura, o contrato a favor de terceiro será aquele que melhor se adequa à situação em apreço e é nesse pressuposto que avançaremos para as consequências daí emergentes”.

É, como se disse, uma tese que tem vindo a ser seguida sem tergiversações e aqui, uma vez mais, confirmamos.

Razão pela qual o recurso nesta parte não merece provimento.
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4- A compensação devida

Ultrapassada esta etapa, falta apurar se a sentença recorrida condenou bem a Guardforce nos diversos “itens” da sua dispositividade.

Vejamos.

4.1- Subsídio de alimentação

A sentença multiplicou o valor de 15 Mop$ por cada um dos 3484 dias em que o autor tinha trabalhado para a ré. Todavia, apurados que foram apenas 3422, o valor indemnizatório desce para Mop$51.330,00.


4.2- Subsídio de efectividade

Este subsídio carece de uma prestação de serviço regular sem faltas ao trabalho. Ora, em vez de 3484 dias, apurou-se que foram 3422 os dias de trabalho, o que à primeira vista impediria a tarefa de facilmente ajuizar sobre o valor compensatório a atribuir. Acontece que, mesmo com algumas ausências, não está provado que elas tenham decorrido de faltas (ausências injustificadas) injustificadas ou que não tenham derivado de dispensas ao serviço pela ré com perda de retribuição. O que, assim sendo, e tal como o concluiu a sentença, conduz a que este trabalhador não perca o direito a este subsídio referente a cada um dos 114 meses e 7/5 de duração da relação laboral.

O que, considerando o valor de 90 patacas constante do documento referido na alínea b), ponto 3.4, equivale a 360 patacas (90x4) e resulta no valor total de Mop$ 41.208,00.

4.3- Diferenças salariais

As contas da sentença estariam bem feitas, se não fossem os dias de não trabalho efectivo (62) ocorridos durante o período de 17/11/1998 a Fevereiro de 2005, concretamente nos dias mencionados a fls. 30 das alegações do recurso.

Assim sendo, relativamente a este período, a diferença é, efectivamente de Mop 23,3 diárias, atendendo ao valor do contrato mencionado em b) (90 patacas diárias) e ao valor pago referido em f) (2000: 30= 66,7), o que dá uma diferença naquele indicado valor (90- 66,7 = 23,3).

Logo, multiplicado este valor pelo período em causa, temos: 23,3 x30x75,5 (meses) = Mop$ 52.774,50, a que se subtrairá o valor de Mop$ 1.444,60 (23,3x62), ficando a diferença em Mop$ 51.329,90.

Quanto aos períodos entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, sendo a diferença diária de Mop$ 20, temos o seguinte:
90- (2100:30) x 30 x 12= 20 x 30 x 12= Mop$ 7.200,00;

No que respeita ao período que decorre entre Março e Dezembro de 2006, sendo a diferença diária de Mop$13,70, temos:
90- (2288:30) x 30 x 10= 13,70 x 30 x 10= Mop$ 4.100,00

Tudo perfazendo a quantia global de Mop$ 62.629,90

4.4- Trabalho extraordinário

Nada a este título ajuizaremos, uma vez que não faz parte da matéria do recurso interposto pela Guardforce, sendo certo que a sentença nada atribuiu ao autor, sem que este dela tivesse recorrido.
4.5- Descanso semanal
Neste ponto, a recorrente discorda da sentença na parte em que considerou que o salário do autor tivesse sido acordado mensalmente e não em função do número de horas de trabalho. O mesmo é concluir que não aceita que o trabalho prestado em dias de descanso seja remunerado pelo dobro do valor de cada unidade/dia.
Está em causa o trabalho prestado entre 14/01/2000 e 6/06/2001, período durante o qual o aqui recorrido não teria gozado qualquer dia de descanso e que, segundo ele, e face ao doc. nº 6 junto com a petição inicial, imporia o pagamento desses descansos segundo o regime do DL nº 24/89/M, de 3/04.
A sentença partiu do pressuposto de que o salário era mensal e decidiu em conformidade este item. A ora recorrente discorda, por achar que o vencimento era pago de acordo com o número de horas prestadas efectivamente pelo autor.
A razão está do lado da sentença. Com efeito, o facto de as cláusulas 2 e 4 do doc. nº6 citado dizer que “os salários são pagos com base no número de horas de trabalho prestadas, contudo a sociedade garante o pagamento de Mop$ 2.000,00 por mês, equivalentes a 215 horas base. As horas extraordinárias e/ou o trabalho suplementar serão pagas pelo mínimo de Mop$ 9,30 por hora ou pagas de acordo com o estabelecido pelas partes” não significa senão isto: que o trabalhador tinha um salário base mensal (2.000,00) equivalente a 215 horas mínimas (“8H15M per shift x 26.06 working days per month = 215 hours”: cláusula 4, em inglês).
O cálculo do valor salarial efectuado pela entidade patronal terá partido, portanto, de uma base assente num determinado número de horas de trabalho, mas sem que isso significasse que o trabalhador fosse pago concretamente por elas, uma a uma. O número de horas apenas se terá tornado fundamental como modo de calcular o limite a partir do qual o serviço prestado seria extraordinariamente remunerado.
Aliás, se assim não fosse, não se compreenderia que a entidade patronal sempre garantisse o salário de duas mil patacas, pagando-o repetidamente, mês após mês, e que fosse pago efectivamente depositado mensalmente em dia certo na conta bancária do interessado, como bem se colhe da matéria provada e dos documentos juntos aos autos (v.g. clausula 2ª, doc. fls. 57 dos autos).
Esta é a posição, de resto, já assumida por este mesmo TSI em arestos anteriores, e que, por exemplo, citamos os acórdãos proferidos em 16/06,2011, no Proc. nº 838/2010 ou em 7/07/2011, no Proc. nº 722/2010,e de que de novo fazemos eco.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
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Resta, pois, averiguar qual o valor indemnizatório a propósito deste item.
A sentença entendeu que, por aplicação do DL nº 24/89/M, o autor teria direito ao dobro da retribuição normal.
Vejamos.
Vale aqui, para o efeito, o que emerge do disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).

N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,

N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.

Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Na 1ª perspectiva acima avançada, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).

Na 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:

- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1).

Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2, tal como o concluiu a sentença recorrida. Nesse caso, o valor devido seria Mop$ 180 por cada um dos 72 dias não gozados, atendendo ao valor da retribuição mínima assegurada pelo contrato a favor de terceiro acima assinalado. Mas, como a Guardforce já pagou por cada um deles a importância de Mop$ 66,66 (2.000,00:30 dias), a diferença corresponde ao valor indemnizatório devido. O que, assim sendo, perfaz a importância de Mop $ 8.160,48, tal como decidido na 1ª instância.

Conclusão: Em vista do que se acaba de dizer, a indemnização global engloba as seguintes parcelas:

- Mop$ 51.330,00, de subsídio de alimentação;
- Mop$ 41.208,00, de subsídio de efectividade;
- Mop$ 62.629,00, de diferenças salariais;
- Mop$ 08.160,48, de descansos semanais não gozados.

Tudo perfazendo, o valor global de Mop$ 163.327,48.

***

IV- Decidindo

Nos termos expostos, acordam em:

Conceder parcial provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida na parte respectiva e, em consequência:

a) Alterar o teor da alínea b) da matéria de facto assente, a qual passará a ter a seguinte redacção:
“A ré, com vista à contratação do autor como seu trabalhador, acordou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada” o contrato de prestação de serviços nº 06/93, com o seguinte teor (…) – mantendo-se o resto da alínea.
b) Alterar o teor da alínea o) da matéria de facto assente, a qual passará a ter a seguinte redacção:
“Durante os 3422 dias em que o Autor prestou trabalho efectivo para a Ré, nunca esta lhe pagou qualquer quantia a título de subsídio de alimentação”.
c) Condenar a Guardforce a pagar a A a indemnização de Mop$ 163.327,48, acrescida de juros legais, contados pela forma referida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo n. 69/2010.
Custas pelas partes em ambas as instâncias em função do decaimento.

T.S.I., 02 / 02 / 2012

(Relator) José Cândido de Pinho

(Primeiro Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong

(Segundo Juiz-Adjunto) Choi Mou Pan
1 Margarida Lima Rego, Contrato de Seguro e Terceiros, Estudos de Direito Civil, pag. 492
2 Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, pag. 410;
3 Digo Leite de Campos, Contrato a favor de terceiro, 1991, pag. 13.
4 Ob. cit, pag. 417
5 Margarida Lima Rego, ob. cit, pag. 493. Também, E. Santos Junior, Da Responsabilidade Civil de Terceiro por Lesão do Direito de Crédito, Almedina, pag. 165.
6 Inclusive pela forma que as partes contraentes entendam indicar: Autor e ob. cit, pag. 519. Nós entendemos que isso pode ser feito pela via do contrato a celebrar.
7 Neste sentido, por outras palavras, ver Margarida Lima Rego, ob. cit, pag. 494.
8 Neste sentido, ver Ac. do TSI no Proc. nº 574/2010, de 19/05/2011 e referências ali feitas à noção de prestar por Pessoa Jorge, in Obrigações, 1966, pag. 55, e Menezes Cordeiro, in Direito das Obrigações, 1º, pag. 336 e 338.
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