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Processo nº 800/2011
(Autos de Suspensão de Eficácia)

Data: 15 de Dezembro de 2011

ASSUNTO:
- Suspensão de eficácia
- Acto negativo com conteúdo positivo
- Requisitos legais

SUMÁRIOS:
- Só há lugar a suspensão de eficácia quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.
- O acto administrativo que consiste no indeferimento do pedido da renovação da autorização da fixação de residência temporária, é um acto negativo.
- Contudo, não é um acto puramente negativo, por ter uma vertente positiva, já que ao indeferir renovação da autorização da fixação de residência temporária, altera-se a situação jurídica preexistente, ferindo-se as expectativas de conservação de efeitos jurídicos da autorização anterior.
- Para decretar a suspensão, é necessário verificar-se, cumulativamente, os seguintes requisitos:
    “a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
    b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
    c) Do processo não resultam fortes indícios de ilegalidade do recurso.” (nº 1 do artº 121º do CPAC).
O Relator,
Ho Wai Neng

Processo nº 800/2011
(Autos de Suspensão de Eficácia)

Data: 15 de Dezembro de 2011
Requerentes: A
B
Entidade requerida: Secretário para a Economia e Finanças

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

    A e B, melhor identificados nos autos, vêm requerer a suspensão da eficácia do despacho do Secretário para a Economia e Finanças, de 10/10/2011, pelo qual se indeferiram as suas renovações da autorização de fixação de residência temporária.
Alegam para tanto, no essencial, que a execução deste acto lhes causará prejuízos de difícil reparação; a suspensão da execução não acarreta qualquer prejuízo para o interesse público; e inexistem indícios de ilegalidade na interposição do recurso.
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A entidade requerida vem opor à pretensão dos requerentes, por entender o pedido não preencher os requisitos legais previstos no nº 1 do artº 121º do CPAC.
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O Mº Pº é de parecer da improcedência do pedido.
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O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstam ao conhecimento do mérito da causa.
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Factos provados:
    - Por despacho do Senhor Chefe do Executivo de 04/02/2005, foi autorizado o pedido da fixação de residência temporária por investimento do requerente B, com um agregado familiar composto por 6 elementos, a saber: C (esposa), D (mãe do referido requerente), E (sogra), F (filho) A (filho) e G (filho).
    - Por sentença de 07/04/2009, proferido no Proc. nº CR1-09-0090-PSM, com trânsito em julgado em 23/04/2009, o requerente B foi condenado na pena de 5 meses de prisão, com suspensão de execução de 2 anos, pela prática de um crime de emprego ilegal, p.p.p. artº 16º, nº 1 da Lei nº 6/2004.
    - Em 19/02/2009, nasceu o filho menor do requerente B, de nome H, que é titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente nº XXX(5).
    - Em 25/03/2010, o requerente B e os membros do seu agregado familiar acima referidos requereram a renovação da autorização da fixação de residência temporária.
    - Em 16/09/2011, foi elaborada a informação/proposta nº 1606/居留/2002/02R, conforme consta a fls. 25 a 27 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, propondo o indeferimento do pedido da renovação da autorização da fixação de residência temporária do agregado familiar das requerentes, com fundamento na condenação criminal do requerente B acima referida.
    - Por despacho de 10/10/2011, o Secretário para a Economia e Finanças mediante a declaração da concordância da informação/proposta acima referida, indeferiu o pedido da renovação da autorização da fixação de residência temporária acima em referência.
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Enquadramento jurídico:
Dispõe o artº 120º do CPAC que só há lugar a suspensão de eficácia quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.
No caso em apreço, o acto administrativo em causa consiste no indeferimento da renovação a fixação de residência temporária do agregado familiar dos requerentes, daí que é um acto negativo.
Contudo, não é um acto puramente negativo, por ter uma vertente positiva, já que ao indeferir renovação da autorização da fixação de residência temporária, altera-se a situação jurídica preexistente, ferindo-se as expectativas de conservação de efeitos jurídicos da autorização anterior.
   Pelo exposto, se conclui que o acto em causa é susceptível de suspensão da eficácia.
    No mesmo sentido, vejam-se os Ac. do TUI (Proc. nº 15/2010, de 14/05/2010) e deste TSI (Proc. nº 328/2010/A, de 03/06/2010 e Proc. nº 304/2011, de 19/05/2011).
   Para a procedência do pedido, não basta ser um acto positivo, ou sendo negativo, com conteúdo positivo.
   É ainda necessário reunir outros requisitos legais, a saber:
   “a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
     b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
     c) Do processo não resultam fortes indícios de ilegalidade do recurso.” (nº 1 do artº 121º do CPAC).
    Tais requisitos devem verificar-se cumulativamente para que o requerimento seja procedente (Acórdãos do Tribunal de Última Instância, de 25.4.2001, Proc. nº 6/2001, do Tribunal de Segunda Instância, de 22.2.2001, Proc. nº 30-A/2001, e do Supremo Tribunal Administrativo de Portugal, de 1.7.2003, Proc. nº 975/03).
    Como fundamento de prejuízo de difícil reparação, os requerentes alegaram, essencialmente, os seguintes:
a) impossibilidade de manter o trabalho na RAEM;
b) sem casa para viver noutra localidade;
c) perda do rumo da vida e sem quaisquer garantias quanto ao futuro; e
d) impossibilidade de tomar conta do filho menor de 2 anos de idade, que é residente permanente da RAEM.
    Repare-se, o legislador não exige a verificação efectiva do prejuízo de difícil reparação, basta a séria probabilidade, pois utiliza a palavra “previsivelmente” e não “efectivamente”.
    Assim, da situação configurada, cremos que, em termos de normalidade e senso comum, não seria difícil aceitar que os prejuízos referidos nas al. a) e d) possam resultar, como consequência directa e necessária, da execução imediata do acto e, pela própria natureza dos mesmos, são, ao nosso ver, difíceis de reparação.
    Não nos parece que a suspensão da eficácia do acto cause grave prejuízo para o interesse público concretamente prosseguido pelo acto, pois, apesar de o requerente B ter sido condenado na RAEM pela prática de um crime de emprego ilegal, não existe prova bastante que permite concluir que dessa circunstância decorra grave lesão para o interesse público pelas suas presenças na Região até decisão do recurso a interpor.
    Também não existem indícios, muito menos fortes, da manifesta ilegalidade do recurso contencioso a interpor.
    Estão assim verificados todos os requisitos da suspensão de eficácia.
    *
    Por tudo o exposto, acordam em deferir o presente pedido de suspensão da eficácia.
    
    Sem Custas por a entidade requerida gozar da isenção subjectiva.
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    Registe e notifique.
    *
RAEM, aos 15 de Dezembro de 2011.
Ho Wai Neng Presente
José Cândido de Pinho Vitor Coelho
Lai Kin Hong (Vencido nos termos da declaração de voto que se junte.)

Processo nº 800/2011
Declaração de voto de vencido

Vencido pelo seguinte:

Antes de entrar na apreciação dos vários requisitos previstos no artº 121º do CPAC, o Acórdão antecedente considera que se trata in casu de um acto de conteúdo negativo com vertente positiva.

É justamente aí reside a minha discordância.

Como vimos nos autos, foi ao abrigo do disposto no artº 8º do D.L. nº14/95/M de 27 de Março que o ora requerente requereu ao Governo da RAEM a renovação do seu título de residência por investimento em imóveis.

Nos termos do disposto desse artº 8º/2, a renovação está sujeita à verificação dos mesmos requisitos da emissão inicial do título de residência.

Pela leitura da informação sobre a qual incidiu o despacho de cuja eficácia ora se requer a suspensão, sabe-se que é pelo facto de o ora requerente ter sido condenado pela prática de um crime de emprego ilegal que lhe foi indeferida a renovação do título de residência ao abrigo do disposto no artº 9º/2-1) da Lei nº 4/2003.

Se é certo que ao requerente e aos seus familiares foi concedida a autorização de residência em Macau ao abrigo do diploma regulador da residência por investimento em imóveis, não é menos verdade que essa autorização é aprazada, ou seja, tinha um prazo de validade previamente determinada.

Nos termos do disposto do artº 19º/2 da Lei nº 4/2003, a renovação está sujeita à verificação dos mesmos requisitos da emissão inicial do título de residência.

Assim, apesar de a lei prever a possibilidade de renovação da tal autorização, o certo é que a renovação depende sempre não só da verificação de todos os mesmos requisitos legais da emissão inicial, como também da discricionariedade do Governo da RAEM.

Não atribuindo a lei aos interessados uma expectativa firme de ser renovada a autorização da sua residência em Macau, não podemos dizer que no caso sub judice da execução do despacho de não renovação da autorização decorra um efeito ablativo de um bem jurídico detido pelos interessados, pois não se pode olvidar que o statu quo ante não era temporalmente ilimitado, mas sim com a duração previamente fixada, embora renovável.

Falando sob outro prisma, se a renovação não decorrer do exercício de poderes vinculados, mas sim de poderes discricionários, o acto de não renovação não pode deixar de ser meramente negativo sem vertente positiva.

In casu, o requerente invocou como fundamento para sustentar a requerida suspensão da eficácia a possibilidade de ele próprio e seus familiares terem de aguardar que seja decidido o recurso contencioso sem qualquer hipótese de manter o seu trabalho, sem casa parar viver noutra localidade, perdendo por completo o rumo das suas vidas e sem quaisquer garantias quanto ao futuro.

Todavia, uma coisa é a não renovação da sua autorização da residência por investimento, outra coisa a expulsão de Macau.

Efectivamente não consta do despacho que indeferiu a renovação uma ordem de expulsão.

Portanto, a eventual expulsão não decorre directamente da execução do despacho que indeferiu a renovação, mas sim da uma outra decisão que venha a ser tomada pela outra entidade competente no âmbito de um outro procedimento administrativo.

Por outro lado, mesmo admitindo a hipótese de considerar, tal como assim entende o Acórdão antecedente, a existência de vertente positiva susceptível de suspensão, a decisão deste tribunal administrativo nunca substitui-se à decisão da Administração no sentido de fazer prorrogar a autorização já expirada por forma a permitir os filhos do ora requerente a continuar a permanecer em Macau.

A não ser assim, ao decretar a suspensão de eficácia do despacho em causa, estaria o Tribunal a dar uma ordem à Administração de conceder uma autorização provisória de residência, substituindo-se assim à Administração no desempenho das suas funções administrativas.

O que obviamente colide com o princípio de separação de poderes.

De facto, a simples não execução do despacho de não renovação não implica directamente a renovação de uma autorização de residência, que é justamente o efeito pretendido pelo requerente,

Se assim for, cabe perguntar a que título o ora requerente e os seus familiares podem continuar a residir legalmente em Macau?

Desta maneira, pretendendo os interessados continuar a permanecer em Macau, não-lhes resta outra via que não seja a apresentação de um pedido de autorização especial de permanência para fins de estudo, ao abrigo do disposto no artº 8º da Lei 4/2003.

Pelo exposto, entendo que é de indeferir o presente requerimento de suspensão de eficácia pela não verificação ab initio do pressuposto a que se alude o artº 120º-b) do CPAC.


RAEM, 15DEZ2011

O juiz adjunto,


Lai Kin Hong




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