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Proc. nº 748/2010
(Recurso Contencioso)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 15 de Dezembro de 2011
Descritores:
-Concurso
-Língua veicular
-Sub-critérios ou Sub-factores

SUMÁRIO:

I- O nº2 do art. 21º do DL nº 63/85/M, de 6/07/1985, no que concerne à utilização da língua, refere-se aos termos da redacção da proposta em si mesma. O nº3 do mesmo preceito admite a apresentação nas línguas chinesa ou inglesa, mas uma vez mais reporta-se à proposta propriamente dita. Em nenhum dos casos, proíbe que algum documento seja redigido em língua inglesa.

II- O artigo subsequente mantém-se na mesma linha. Trata-se de um preceito que se dedica à exigência dos documentos que instruem a proposta e nele não se vislumbra qualquer proibição acerca da apresentação de documentos noutra língua que não a portuguesa ou chinesa.

III- Se é verdade que a utilização de sub-critérios ou sub-factores de apreciação pela comissão de análise de propostas num concurso após a abertura das propostas, na medida em que pode levar a pensar que eles se afeiçoem ao jeito de algum concorrente, conduz à violação dos princípios da isenção, imparcialidade, transparência concursal e estabilidade, tal violação deixa de verificar-se se aquilo que se introduz “ex novo” não representa mais do que a explicitação de parâmetros de aferição e, sobretudo, se essa alteração é feita no último dia do prazo e, por conseguinte, antes do conhecimento do conteúdo de cada uma das propostas




Proc. Nº 748/2010
(Recurso Contencioso)

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.


I- Relatório

“A”, com os demais sinais dos autos, recorre contenciosamente do despacho de 20/04/2010 do Ex.mo Chefe do Executivo, que autorizou a adjudicação do concurso público “Criação e Exploração de Lugares de Estacionamento tarifado nas Vias Públicas da Zona 2” aposto na Informação Administrativa nº 493/DGT/2010.
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O processo prosseguiu os termos normais e, após a produção de prova testemunhal, seguiu-se a fase das alegações facultativas, nas quais a recorrente formulou as seguintes conclusões:
1. O júri do concurso socorreu-se dos documentos juntos em língua inglesa pela Contra-Interessada e dos seus conhecimentos pessoais.
2. Os “conhecimentos pessoais” dos membros do júri advieram do facto de a Recorrente ter junto os seus catálogos com a proposta apresentada a concurso.
3. Além disso, encontrava-se na altura em funcionamento outros parques experimentais na RAEM, por iniciativa da aqui Recorrente, que instalou os equipamentos e sabia as suas características técnicas.
4. A Contra-Interessada apresentou uma proposta com dois produtos diferentes para a gestão dos lugares de estacionamento de automóveis, tendo a Recorrida classificado essa proposta com a classificação mais alta, sem qualquer justificação por que é que não foi classificada com a média aritmética das pontuações dos dois produtos ou com a classificação mais baixa,
5. Pois, do programa de concurso constava a necessidade de apresentar um plano global para a exploração do estacionamento, com indicação dos aparelhos a utilizar. No caso de se utilizar um aparelho melhor em conjunto com outro pior, dita a lógica, que a administração sai pior servida do que se for só utilizado o aparelho melhor. Porém, a proposta do elo mais fraco foi a melhor classificada.
6. Logo no Programa de Concurso foram estabelecidos subcritérios muito minuciosos para a avaliação do primeiro critério de avaliação (o preço), porém nessa altura não se estabeleceram subcritérios para nenhum dos outros items de avaliação.
7. Sem qualquer justificação, foram criados factores de eliminação e subcritérios estanques, na véspera da abertura das propostas a concurso, sem conhecimento da Recorrente.
8. Critérios e subcritérios que, a não serem considerados ilegais, deveriam então ter determinado a eliminação da Contra-Interessada por não ter fornecido ao júri elementos donde constasse que o equipamento proposto para gestão de parques de motociclos suporta parques com mais de 40 lugares.
9. Mantêm-se válidas as conclusões formuladas na petição de recurso, que se têm aqui por reproduzidas.
10. As ilegalidades apontadas ao relatório do júri do concurso devem ser julgadas provadas e procedentes, devendo ser declarado anulado o acto de adjudicação que o incorporou, de adjudicação do concurso público para a “Criação e exploração de lugares de estacionamento tarifado nas vias públicas da zona 2”, de 20 de Abril de 2010.
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Por seu turno, o Ex.mo Chefe do Executivo, nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões:
I. Quanto às disposições do artigo 21º, nºs 2 e 3, do artigo 22º, al. d) e do artigo 24º, al. a) do Decreto-Lei nº 63/85/M
1. Uma vez que já decorrido o prazo para fazer reclamação contra as propostas apresentadas, a reclamação da recorrida, em que alegou que a contra-interessada não apresentou a tradução em línguas oficiais da especificação do “Sistema de Estacionamento” proposto, não foi formulada tempestivamente. (cfr. artigos 25º a 30º do Decreto-Lei nº 63/85/M)
2. Em conjunto com a proposta a contra-interessada entregou o documento que comprova o preenchimento de todos os requisitos e a não falta de qualquer informação importante, pelo que a mesma não violou o artigo 22º, al. d) e artigo 24º, al. a) do Decreto-Lei nº 63/85/M.
3. Na audiência, as 1ª, 4ª e 5ª testemunhas indicaram que a Comissão de Avaliação das Propostas atribuiu a mesma pontuação ao factor de “características dos equipamentos a utilizar (nível de avanço técnico e aplicabilidade na Cidade de Macau)” na proposta da contra-interessada e da recorrida após considerado que o sistema de cobrança proposto pelas duas partes é do mesmo modelo do que está efectivamente em funcionamento em Macau.
4. Na sua petição (nºs 57 e 78) e nas alegações finais a recorrente alegou que a entidade recorrida atribuiu, depois de ler a proposta da recorrente, à contra-interessada a mesma pontuação atribuída à recorrente. Estas alegações não são verdadeiras.
5. Isso comprova que a entidade recorrida actuou segundo os princípios da imparcialidade, da justiça e boa fé na fase de adjudicação, assim como a Comissão de Avaliação das Propostas durante a fase de avaliação das propostas, tendo esta atribuída a mesma pontuação aos dois concorrentes que recomendaram o mesmo modelo do sistema de cobrança (19,5%).
6. Ao prestar depoimento, a 1ª testemunha manifestou que mesmo que a contra-interessada não apresentasse a tradução em língua oficial de uma parte do conteúdo, isso não impediu a Comissão de fazer avaliação justa de todas as propostas apresentadas, acrescentando que o documento em causa foi redigido em inglês. Além de conhecer bem o funcionamento e as características dos equipamentos, os vogais da Comissão compreendem também a parte elaborada em inglês. Ademais, a contra-interessada já apresentou os referentes documentos em língua oficial, não se podendo dizer que a mesma não entregou a tradução em língua oficial de todos os documentos que instruíram a proposta.
7. O Decreto-Lei n.º63/85/M e nos autos do concurso público não se prevê, expressamente, a consequência da falta de apresentação da tradução em língua oficial daquele documento, pelo que não se pode atribuir ao referido factor a pontuação de 0 valor ou rejeitar a proposta da contra-interessada.
8. A Comissão entendeu que não era necessário exigir à concorrente a tradução em língua oficial do documento, estando isto de acordo com os princípios da economia e da boa fé no procedimento administrativo.
9. A Comissão de Avaliação das Propostas não violou o artigo 21º, nºs 2 e 3, o artigo 22º, al. d), nem o artigo 24º, al. a) do Decreto-Lei nº 63/85/M, por consequência, não padece de nenhum vício de invalidade o acto administrativo praticado pela entidade recorrida.
II. Princípio da imparcialidade
10. Segundo os dados constantes dos autos e os depoimentos prestados em audiência, a avaliação feita pela Comissão não contradisse as “Instruções sobre os critérios de apreciação de propostas” fixadas e provadas na segunda reunião da Comissão realizada antes da abertura das propostas (vide fls. A0947 a A0954 e A0956 a A0957 dos autos).
11. De facto, a classificação dada pela Comissão reúne totalmente os critérios de apreciação da “Fase de selecção” indicado no nº 2 das “Instruções sobre os critérios de apreciação”.
12. Outrossim, o acto da Comissão de dividir, antes da abertura das propostas, o factor de “Características dos equipamentos a utilizar” em dois subfactores de “Nível de avanço técnica” (5%) e “Aplicabilidade em Macau” (15%) de acordo com o artigo 6º do Código de Trabalho da Comissão de Avaliação das Propostas, aprovado pelo Despacho nº 15/SOPT/2009 (Anexo 2) do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, não contraria as regras impostas pelo “Programe do Concurso” ou “Instruções sobre os critérios de apreciação”. A Comissão não fixou os “subcritérios” fora do programa do concurso, tal como foi alegado pela recorrente (vide a parte de conclusão da petição inicial, pontos 19 a 23).
III. Fundamentação
13. Na audiência as 1ª, 2ª e 4ª testemunha indicaram explicitamente que, segundo as regras do concurso de serviço público, o governo deve adoptar a melhor proposta.
14. A Administração (adjudicante) tem direito a adoptar a proposta que mais satisfaz os interesses públicos e as finalidades do concurso, para proceder efectivamente à sua instalação. Assim sendo, é justo e de acordo com as regras gerais que a Comissão adopte a proposta mais favorável entre as propostas apresentadas pelas recorrente e contra-interessada (ou seja a proposta com pontuação mais elevada).
15. Nas suas alegações a recorrente invocou que as testemunhas não conseguiram responder se a contra-interessada ia fornecer ao Governo da RAEM o projecto com nota mais alta que ganhou o concurso público para ser instalado efectivamente. Isso não quer dizer que o acto recorrido violou a lei. A questão levantada pela recorrente tem a ver com a execução de um acto administrativo (ou seja, o cumprimento de contrato administrativo), a qual não pode ser confundida com a proposta da Comissão da Avaliação das Proposta ao superior de seleccionar o projecto com a nota mais alta como vencedor do concurso público.
16. Pelo exposto, a Comissão não violou os princípios da legalidade, imparcialidade ou boa fé, nem os artigos 114º e 115º do CPA ao adoptar a proposta com pontuação mais elevada entre as duas propostas (uma de 18,75% e outra 19,5%).
17. Por todos os expostos, a entidade recorrida não violou o artigo 21º, n.ºs 2 e 3, o artigo 22º, al. d) ou o artigo 24º, al. a) do Decreto-Lei nº 63/85/M, nem os princípios previstos nos artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º do Código do Procedimento Administrativo ou as disposições dos artigos 114º e 115º, nº 2 do mesmo código.
Solicita que seja julgado improcedente o recurso da recorrente.
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Finalmente, a contra-interessada “B”, concluiu as suas alegações da seguinte maneira:
1ª A aqui Contra-interessada entregou todos os documentos requeridos no âmbito do ponto 15. do Programa do presente Concurso Público, e todos eles, sem qualquer excepção, inexistindo por isso quaisquer elementos essenciais que impedisse fosse a sua Proposta admitida a concurso, apreciada e classificada a final, como veio a ser;
2ª Entregou a aqui Contra-interessada o documento “Descrição das características gerais do sistema tarifário” redigido em língua chinesa, onde se explicita pormenorizadamente todo o sistema e equipamento proposto;
3ª Esse sistema e equipamento são idênticos ao sistema tarifário para parqueamento de motociclos presentemente instalado e a funcionar na Estrada dos Cavaleiros, nas Portas do Cerco;
4ª E por isso do inteiro conhecimento da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, entidade por onde corre o processo de concurso, e do conhecimento também de todos os membros da Comissão de Abertura de Propostas, designados no âmbito da sobredita Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego;
5ª Estando então a referida Comissão na posse de toda a informação relevante e necessária à tomada de decisão;
6ª Os catálogos dos equipamentos e materiais incluídos no sistema tarifário proposto pela aqui Contra-interessada foram na verdade entregues na sua versão original em língua inglesa, mas tratando-se tão-somente de informações complementares, não essenciais para o conhecimento do sistema e equipamento por si proposto;
7ª Não padece assim o acto recorrido do invocado vício de violação de lei;
8ª No que tange ao alegado facto de a aqui Contra-interessada ter apresentado dois produtos a concurso, “Duncan Eagle 2100” e “Duncan RSV VM”, sem juntar com a sua proposta descrições técnicas ou catálogos em língua portuguesa ou chinesa, pelo deveria ter obtido a classificação 0%, valem aqui as mesmas razões aduzidas acima nos arts. 6º a 17º desta Contestação para se estabelecer a legalidade do procedimento concursal nesta sede;
9a Quanto à invocada questão de o mapa de classificação conter elementos que não encontram reflexo em qualquer dos elementos juntos pela aqui Contra-interessada, a verdade é que dos documentos por si apresentados na sua Proposta constam as indicações de poder ser utilizada energia renovável/energia solar no funcionamento dos produtos Duncan fornecidos, e bem assim a possibilidade de utilização nos mesmos produtos de baterias verdes de baixo custo e alta eficiência, de carregamento por energia solar;
10a No que toca à invocada omissão na proposta da aqui Contra-interessada de qualquer referência à possibilidade de utilização desse produto para parques até 99 motociclos, a verdade é que tal requisito não constava do Programa do Concurso Público, tendo os membros do Júri considerado, e avaliado as propostas, em função da possibilidade de instalação e gestão de mais de 40 lugares para ciclomotores ou menos de 10 lugares para veículos automóveis - cfr. Mapa 3-A (Avaliação das características do equipamento);
11a Relativamente à invocada omissão na proposta da aqui Contra-interessada da possibilidade de utilização de baterias de 99Ah (diga-se, 90Ah), tal alegação é igualmente inverdadeira porque tal referência consta efectivamente da sua proposta em III.2 “Descrição de equipamentos e material incluídos no sistema tarifário” → descrição da amostra do sistema tarifário para motociclos → Duncan VM → Pay-by-Space Multi-Space Meter Solution, na Specification de fls. 2 - Power: Green cell battery/rechargeable battery with solar panel/mains, a fls. 10, 2º parágrafo e ainda na foto de tis. 10, a fls. 1, 2º parágrafo, e ainda em II.5 “Plano de investimento no melhoramento da instalação e equipamento de cobrança do serviço de estacionamento na estrada”;
12ª No Concurso Público ora em crise, os concorrentes não estavam impedidos de apresentar mais que um produto nas suas propostas;
13ª Andaram bem os membros do júri quando, de uma forma criteriosa e fundamentada, decidiram considerar o produto que melhor foi avaliado e classificado, em vista das exigências do Programa do Concurso e do interesse público;
14ª Estranho seria que tal não tivesse acontecido, ou seja, estranho seria se fosse considerado na classificação final da aqui Contra-interessada a pontuação de 18.75%, atribuído pelo júri ao produto que lhes mereceu menos adequação ao Programa do Concurso;
15ª O júri do Concurso apreciou e valorou de igual modo idêntico modelo de sistema tarifário apresentado por ambas as Concorrentes, com os conhecimentos apreendidos dos documentos entregues no âmbito do Concurso, e com os conhecimentos práticos adquiridos com o funcionamento de idênticos sistemas na cidade de Macau, em tudo agindo no respeito dos princípios da imparcialidade, isenção e boa-fé da administração;
16ª O júri do concurso ora em crise não estava impedido de estabelecer sub-critérios, sub-factores, ou microcritérios na apreciação de cada um dos factores fixados no Programa do Concurso e quantificar uns e outros, designadamente em sede de factor de classificação “21.2 Caracteristicas dos equipamentos a utilizar (tecnologia avançada e aplicável à circunstância de Macau)”, por forma a atingir uma maior objectivação e melhor fundamentação da decisão;
17ª Porque na justificação que encontrou nessa sede, o júri do concurso se conteve sempre nos limites materiais dos critérios de avaliação anteriormente estabelecidos no Programa do Concurso, tal metodologia e justificação nunca poderá ser vista como constituindo a criação de sub-critérios e sub-factores não previstos e ilegais, antes sendo apenas determinada pelo objectivo de uma rigorosa fundamentação da classificação;
18ª A referida metodologia e justificação adoptada pelo júri do Concurso foi estabelecida no último dia do prazo para a apresentação das propostas a concurso, como aliás expressamente aceita a Recorrente no art. 73º do seu requerimento inicial do vertente Recurso Contencioso, ou seja, antes da Comissão ter acesso ao conteúdo das propostas apresentadas;
19ª Não se predeterminou por isso o júri do concurso, no seu juízo de avaliação, às concretas soluções que vieram a ser apresentadas pelos proponentes no Concurso Público, nem resultou de tal juízo de avaliação, e do seu resultado, qualquer discriminação para nenhum dos concorrentes, nem positiva nem negativa;
20a Não pode ser assim a sua actuação percebida como violadora dos princípios da justiça, da imparcialidade, da estabilidade do concurso e da isenção, nem de quaisquer outros princípios ou regras legais impostas à Administração no exercício da sua actividade;
21ª Não é verdade que a proposta apresentada pela aqui Contra-interessada não contivesse os elementos necessários à conclusão de que o seu aparelho permitia a utilização em parques até 99 motociclos, porquanto tal informação consta da Proposta por si apresentada, a tis. 1, 2º parágrafo em III.2 “Descrição de equipamentos e material incluídos no sistema tarifário” → descrição da amostra do sistema tarifário para motociclos → Duncan VM → Pay-by-Space Multi-Space Meter Solution, e que acima já se alegou no âmbito do art. 24º desta Contestação;
22a O júri do concurso dispôs de todos os elementos e informações para decidir como decidiu;
23a O Relatório de classificação das propostas elaborado pelo júri do concurso não se encontra inquinado por qualquer ilegalidade, nem padece o processo concursal ora em crise de qualquer vício, designadamente os invocados pela Recorrente vício de violação de lei e vicio de forma por falta de fundamentação, nem de violação dos princípios, da imparcialidade, boa-fé, justiça, estabilidade do concurso e da isenção da administração;
24ª Para além de todo o suporte documental constante do processo, que sufraga toda a posição assumida e alegada pela aqui Contra-interessada na sua Contestação, entende também a aqui Contra-interessada que toda a matéria fática alegada na sua referida peça processua foi escrutinada favoravelmente em sede de audiência destinada à produção de prova;
25ª As testemunhas arroladas pela Entidade Recorrida o Exmo. Senhor Chefe do Executivo da RAEM, e que foram efetivamente inquiridas na audiência realizada nos autos, a saber, XXX, mostraram ter conhecimento dos factos, sendo as duas primeiras testemunhas membros da Comissão de Abertura das Propostas, e as restantes duas titulares de cargos e funções de chefia na Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, entidade responsável pelo lançamento do Concurso Público em crise nos vertentes autos, tendo prestado depoimentos isentos e credíveis;
26ª Tendo confirmado nos seus depoimentos que o sistema e equipamento, apresentados pela aqui Contra-interessada no âmbito do Concurso, foi convenientemente explicitado em língua chinesa na respectiva Proposta concursal, que tal sistema e equipamento já era conhecido de todos os membros da Comissão de Abertura das Propostas e da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, porquanto idêntico sistema e equipamento se encontrava já instalado e a funcionar em Macau, em três locais da Estrada dos Cavaleiros, nas imediações das Portas do Cerco; e que, em momento algum, foi necessário traduzir os catálogos em língua inglesa, sendo até os membros da Comissão de Abertura das Propostas perfeitos conhecedores dessa língua de caráter universal;
27ª Mais confirmando que não constava do Programa do Concurso e respetivo Caderno de Encargos qualquer referência à possibilidade de utilização do sistema e equipamento propostos para uma quantidade até 99 motociclos; e que os concorrentes não estavam impedidos de apresentar mais de um equipamento no Concurso Público;
28ª As sobreditas testemunhas deixaram bem claro que os critérios, ou sub-critérios, de avalição das propostas no vertente Concurso Público foram estabelecidos em despacho da Secretário das Obras Públicas, em momento bastante anterior à abertura das propostas, e conhecimento das mesmas, por parte da respetiva Comissão;
29ª Pelo que falecem todos os fundamentos invocados pela Recorrente no presente Recurso Contencioso;
30ª Deu-se cumprimento in casu a todas as estipulações e comandos legais previstos nos arts. 21º, nº 2 e 3, e 22º alínea d) do Decreto-Lei nº 63/85/M, de 6 de Julho, bem como as normas e princípio ínsitos nos arts. 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 114º e 115º, nº 2 do Código do Procedimento Administrativo.
Termos em que,
Deverá ser doutamente decidido não se encontrar inquinado o acto de adjudicação recorrido, o qual deverá ser mantido por esse Venerando Tribunal, nos precisos termos em que foi praticado.
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O digno Magistrado do M.P., no seu parecer de fls. 226-230, opinou no sentido da improcedência do recurso.
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Cumpre decidir.
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II- Pressupostos processuais
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.

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III- Os Factos

1- Foi aberto concurso para a “Criação e Exploração de Lugares de Estacionamento tarifado nas Vias Públicas da Zona 2”, cujo anúncio foi publicado no Boletim Oficial de 10/03/2010 (fls. 911-912 apenso instrutor I).

2- A ele concorreram:
- “A”, ora recorrente;
“Sociedade de Administração de Parques XXX, Lda”
- “B”, aqui contra-interessada;
-“Sociedade de Administração de Parques XXX, Lda”;
- “Sociedade de Administração de Propriedade XXX, Lda”;
“Sociedade de Administração de Propriedade XXX, Lda”
3- Foram dados a conhecer o ” Programa do Concurso” (Apenso Traduções “B”, fls. 90) e o “Caderno de Encargos ( loc. cit., fls. 121 e sgs.)
4- Foi elaborado o relatório de Apreciação das Propostas a Concurso Público (fls. 13 e sgs. do Apenso “Traduções”“A”).
5- Foi prestada a informação nº 493/DGT/2010, de 8/04/2010, que propôs a adjudicação da exploração do serviço à “Companhia de Parques de Macau” e o Ex.mo Chefe do Executivo despachou “Autorizo” (fls. 908 a 910 dos autos e tradução no Apenso A “Traduções” a fls. 104 e sgs.).
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IV- O Direito
1- Sustentou a recorrente na petição inicial, e manteve-o nas alegações facultativas, que a contra-interessada não podia ter apresentado o “sistema de estacionamento” por si proposto em língua inglesa. Tendo-o feito e sido admitido, a Administração teria cometido a violação dos arts. 21º, nº2 e 3 e 22º, al. d) do DL nº 63/85/M, de 6/07/1985.
Vejamos então o que dizem tais normativos:
Artigo 21.º
(Conceito e redacção da proposta)
1. A proposta é o documento pelo qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante vontade de contratar, e indica as condições em que se dispõe fazê-lo.
2. A proposta deve ser, sempre que possível, redigida em língua portuguesa e nos termos do modelo fixado no programa do concurso.
3. Poderá ser permitida a apresentação de propostas redigidas em língua chinesa ou inglesa, o que deverá ser expressamente referido no programa do concurso.

Artigo 22.º
(Documentos que instruem a proposta)
A proposta será instruída com os seguintes documentos:
a) Documento comprovativo da prestação da caução provisória, quando o programa do concurso a não dispense;
b) Declaração pela qual se obriga a prestar caução definitiva, caso o fornecimento lhe venha a ser adjudicado;
c) No caso de não ser cidadão português ou empresa com sede em Macau, declaração escrita e devidamente autenticada de renúncia ao foro em tudo quanto disser respeito aos actos do concurso e da aquisição, até à sua total liquidação;
d) Quaisquer outros documentos de habilitação exigidos no programa do concurso.

Como se vê, a disposição que trata da apresentação em língua portuguesa é a do nº2 do art. 21º transcrito e, mesmo assim, ela refere-se aos termos da redacção da proposta em si mesma. O nº3 do mesmo preceito admite a apresentação nas línguas chinesa ou inglesa, mas uma vez mais reporta-se à proposta propriamente dita. Em nenhum dos casos, proíbe que algum documento seja redigido em língua inglesa. E o artigo subsequente mantém-se na mesma linha. Trata-se de um preceito que se dedica à exigência dos documentos que instruem a proposta e nele não vislumbramos qualquer proibição acerca da apresentação de documentos noutra língua que não a portuguesa ou chinesa.

Ora, quando a lei estabelece um determinado padrão de acção (hipótese) sem definir a sua consequência (estatuição), o intérprete tem que socorrer-se de mecanismos de interpretação que o aproximem do objectivo legal, tem que apurar qual o fim da norma.

E no caso que nos ocupa, trata-se, sem dúvida nenhuma, de um leque preceitual que funciona em favor da Administração e do serviço público a que tende o concurso. A norma é gizada em prol da Administração e não dos candidatos concorrentes. Por isso, deve a entidade administrativa verificar se apreende o conteúdo dos documentos em língua estrangeira com vista a aquilatar da conformação do objectivo dos documentos ao fim da adjudicação.

É por essa razão que o ponto 16 do Programa do Concurso (fls. A0127 apenso I) estabelece que “Os documentos referentes aos elementos proponentes a que se refere o ponto 11 e os documentos que instruem a proposta referidos no ponto 15 devem ser elaborados em uma das duas línguas oficiais da Região Administrativa Especial de Macau. No entanto, se os documentos, pela sua origem ou natureza, não forem redigidos em uma das línguas oficiais …, devem ser acompanhados por uma tradução autenticada em uma das duas línguas oficiais, a qual prevalece para todos e quaisquer efeitos”.

Ou seja, o programa impõe uma conduta procedimental, mas que não corresponde a um dever absoluto. Quer dizer, não é impostergável o dever de apresentação de documentos em língua oficial. E por isso, a não obediência a esse dever pode ser suprido mediante uma tradução para uma das línguas oficiais, precisamente porque a entidade que aprecia o mérito das candidaturas tem que estar munida de todos os elementos que lhes permitam uma decisão completamente consciente.

Ora, o facto de haver um documento em língua chinesa não foi obstáculo à compreensão do objectivo da sua junção. Razão pela qual não julgou necessária a tradução, uma vez que não a impôs ao concorrente apresentante.

Por outro lado, a contra-interessada indicara que o sistema de cobrança era igual ao sistema utilizado já na Estrada dos Cavaleiros, além de haver feito a entrega em língua chinesa da “Descrição das características gerais do sistema tarifário em língua chinesa”. Quer dizer, mesmo que o catálogo fosse na língua de Shakespeare, o concorrente tinha apresentado uma parte explicativa do funcionamento do equipamento.

Razão por que não podemos dizer que faltasse algum essencial e que, por conseguinte, tivessem sido violados os normativos citados, nem tão pouco, o art. 24º, al. a), do DL nº 63/85/M.
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2- Considera a recorrente, por outro lado, que a classificação atribuída pelo júri do concurso relativamente ao ponto 14.2 do Aviso “Características dos equipamentos a utilizar” carece de fundamentação.

E isto por ser ininteligível o raciocínio por detrás da classificação atribuída em relação a cada um dos aparelhos propostos, nomeadamente a de 19,5% (em 20% possíveis) à proposta da contra-interessada. Além disso, essa contra-interessada apresentou dois produtos a concurso “Duncan Eagle 2100” e “ Duncan RSV VM”, sem que tivesse juntado quaisquer descrições técnicas ou catálogos em língua chinesa ou portuguesa, pelo que deveria ter obtido 0% neste item. E por outro lado, a tabela, na parte referente ao produto “Duncan RSV VM” em que nada é dito sobre carregamento por energia solar, nem é feita alusão à possibilidade de utilização deste produto para parques até 99 motociclos e à possibilidade de utilização de baterias de 99Ah, além de, finalmente, a proposta dessa contra-interessada ter sido classificada duas vezes, em razão de ambos os produtos apresentados.

Contudo, também aqui carece de razão.

Não proíbem, nem o Anúncio, nem o Programa de Concurso, a apresentação por um concorrente de dois produtos. Apenas está proibida no ponto 13 do Programa a apresentação de propostas condicionadas que envolvam alterações de cláusulas do caderno de encargos. E isso não o vislumbramos.

E se tal era possível, não se vê que alguma causa impedisse a atribuição de duas classificações à contra-interessada, uma para cada produto ou que a Administração devesse rubricar explicações para o efeito. Aliás, esta nem sequer seria, a nosso ver, matéria para a densificação do vício de forma, por falta de fundamentação.

Relativamente à referência ao uso da língua inglesa, valem aqui as considerações acima efectuadas, para as quais remetemos as partes, sendo certo que esta nunca seria matéria que preenchesse o vício aqui invocado de falta de fundamentação (art. 115º, nº 2, do CPA).

No que concerne à energia solar, à utilização de baterias de 90Ah e à possibilidade de utilização de utilização em parques até 90 motociclos, também não é verdadeira a afirmação, pois essa foi matéria que foi levada à proposta da contra-interessada em III-2 (“Descrição de equipamentos e material incluídos no sistema tarifário” e II.5 (“Plano de Investimento no melhoramento da instalação e equipamento de cobrança do serviço de estacionamento na estrada”).

No que se refere à ininteligibilidade da classificação, igualmente não procede a intenção da recorrente. A leitura dos considerandos contidos nos campos de preenchimento parecem corresponder aos critérios e valores parcelares constantes das instruções sobre critérios de apreciação das propostas (ver fls. 56 e sgs, apenso “Traduções A”) e isso foi feito por igual para todos os concorrentes, inclusive para a recorrente.

A recorrente ainda aduz a circunstância de a contra-interessada não ter apresentado uma proposta que permitisse uma utilização em parques até 99 veículos, ao contrário de si própria, que introduziu esse dado. Todavia, o programa do concurso não estabelecia nenhum limite mínimo ou máximo de veículos. Por tal motivo, a ausência desse elemento não pode valer contra o apresentante. De qualquer modo, consta da proposta dessa contra-interessada que na “descrição de equipamentos e material incluídos no sistema tarifário” (fls. 1, 2º parágrafo, em III.2) havia possibilidade de utilização do produto proposto em parques até 99 motociclos.

Portanto, não avistamos nenhuma insuficiente fundamentação no que a este respeito concerne.
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3- Por fim, defende que se mostram violados os princípios da estabilidade, imparcialidade e isenção do concurso, na medida em que o júri introduziu sub-critérios.

Mas nem aqui procede a argumentação. Se é verdade que a utilização de sub-critérios ou sub-factores de apreciação pela comissão de análise de propostas num concurso após a abertura das propostas, na medida em que pode levar a pensar que eles se afeiçoem ao jeito de algum concorrente, conduz à violação dos princípios da isenção, imparcialidade, transparência concursal e estabilidade (no direito comparado, ver, por exemplo, Ac. STA de 3/06/2004, Proc. nº 0381/04, entre tantos)1, tal violação deixa de verificar-se se aquilo que se introduz “ex novo” não representa mais do que a explicitação de parâmetros de aferição (como era o caso) e, sobretudo, se essa alteração é feita no último dia do prazo e, por conseguinte, antes do conhecimento do conteúdo de cada uma das propostas (como também foi o caso)2.

Portanto, não se pode dar por procedente este vício.

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V- Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso e manter o acto impugnado.
Custas pela recorrente em 10 U.C.
TSI, 15 / 12 / 2011
Presente José Cândido de Pinho
Vitor Coelho Lai Kin Hong
Choi Mou Pan

1 Margarida Olazabal Cabral, in O Concurso Público nos Contratos Administrativos, pag.91.
2 No mesmo sentido, ver o Ac. deste TSI, de 10/11/2011, no Proc. nº 747/2010, de que o agora relator foi adjunto.
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