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Proc. nº 635/2011
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 16 de Fevereiro de 2012

Assunto:
- Ónus de impugnação específica

SUMÁRIO:
- O incumprimento do ónus de impugnação específica legalmente exigido no nº 1 do artº 599º do CPPM determina a rejeição do recurso parte.
O Relator,











Processo nº 635/2011
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 16 de Fevereiro de 2012
Recorrente: A Lda. (Autora)
Recorridos: B e C (Réus)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 29/04/2011, decidiu-se julgar improcedente a acção ordinária intentada pela A Lda. contra os Réus, absolvendo os mesmos do pedido.
Dessa decisão vem recorrer a Recorrente, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
i. Recorrente é uma sociedade comercial constituída há vários anos e atende clientes na sua sede (quer para prestar assessoria quer para vender produtos relacionados com o combate ao fogo), logo, possui um escritório completamente equipado para o exercício do seu comércio e, em sede de petição inicial, indicou um acervo de coisas que se deterioram (computadores, data da c1ientela,etc), morreram (oito peixes da sorte que viviam num aquário à entrada do escritório) e ficaram inutilizadas (vinho tinto que estava sob determinada temperatura mas que sujeitou a dois dias de variações de temperatura) devido quer ao corte de electricidade que o R. marido requereu junto da CEM ..
ii. A A. apresentou como prova testemunhal os trabalhadores da empresa, um cliente, depoimento através de carta rogatória de um especialista de informática de renome internacional (Dr. Fortunato Costa, C.V. in http://www.fortunatocosta.com/).
iii. O Tribunal a quo deu como provado, nuclearmente, que:
a) O R. marido B requereu a CEM que suspendesse o fornecimento de electricidade na fracção arrendada à Autora;
b) Em consequência desse corte a A. ficou sem luz durante dois dias;
c) Em consequência do aludido corte de energia, a A. teve o escritório fechado ao público durante dois dias;
d) Os que se deslocaram às instalações da A. deparam-se com a porta fechada às horas do expediente.
iv. Contudo, o Tribunal a quo considerou que «...não estarem preenchidos todos os pressupostos...» relativos ao instituto da responsabilidade civil «...a saber, nenhum prejuízo alegadamente sofrido pela A. Aqui ficou demonstrado, nem logrou a A. provar a existência de qualquer nexo de causalidade entre o facto praticado pelos RR. E os eventuais danos causados (mas não provados) à mesma.» e, consequentemente, considerou improcedente o pedido da Autora. (sublinhados nossos)
v. Salvo o devido respeito, o Tribunal errou em toda a linha ao considerar inexistir qualquer prejuízo no pela banda da A. Apesar de ter estado encerrada por dois dias de trabalho, ora: Sendo a R. uma comerciante regularmente constituída, a funcionar há anos, com 22 dias por mês para trabalhar, com trabalhadores a seu cargo, com fornecedores para pagar, com clientela para contactar e ser contactada, com serviços para prestar a terceiros (clientes) e material para exibir e vender...Não se entende o raciocínio do Tribunal a quo para chegar à conclusão de inexistência de quaisquer prejuízos!
vi. Mas, que premissas utilizou o Tribunal a quo para concluir tal?! Ora, atentos que, no mundo jurídico a velha lógica aristotélica continua sendo perfeitamente válida o Tribunal a quo, ergo, errou quando considerou provado (aliás, não podia ser de outro modo porque mui doutamente confessado pelo mandatário constituído) que o R. marido mandou cortar a luz à A. e que, contudo, nenhum prejuízo ficou provado pela Autora.
vii. Venerandos Senhores Juizes, a A. tem a seu favor um perito internacional de informática que colabora, nomeadamente, com a O.N.U. e União Europeia, cujo Curriculum Vitae fala por si, como se pode ver infra:
Dr. Fortunato Moreira Da COSTA
Information Technology Expert - Project Manager SimulTrain
Certified Trainer - Consultant - Systems Architect
Fitini.NET ConsultinG- Founder CEO

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Tel: +(1) 805 288 7333
E-Mail: fitini@fitini.net - consulting@fitini.net
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Ora,
viii. O Tribunal a quo, ao não realizar um exame crítico da prova, errou porque:
a) Ao fazer tábua rasa de carta rogatória onde o perito internacional foi ouvido, desconsiderou por completo a perda de data dos computadores da Autora e...
b) Ao fazer tábua rasa do facto notório de a A. ter tido de pagar os salários (e respectivos subsídios) dos seus trabalhadores, apesar de estes não terem trabalhado.
c) Ao fazer tábua rasa do facto notório que consistiu em o estabelecimento comercial ter estado encerrado e incontactável por dois dias causou, necessariamente, danos à Autora.
Pois que,
ix. As premissas maiores foram consideradas provadas pelo que, é expectável, ser a conclusão a consequência das premissas do silogismo...
x. Mas, in casu, não foi o que aconteceu o Tribunal a quo considerou que um estabelecimento fechado em dois dias de trabalho não são causa de qualquer prejuízo, apesar de a A. os ter alegado ter apresentado prova de que funciona normalmente, tem trabalhadores a cargo e tem clientela ...
xi. Venerandos Senhores Juízes, a livre convicção (que não se questiona) não é sinónimo de arbítrio de pensamento!!! O Tribunal a quo deveria ter feito um exame crítico das provas apresentadas em audiência, não lhe basta dizer que «... a A. não logrou provar....», salvo o devido respeito, tal procedimento não permite transparência na decisão, não admite que o cidadão compreenda o sentido de uma decisão jurisdicional.
xii. Nos termos da al. c), N°1, art. 571° do C.P.C. quer parecer, salvo o devido respeito por opinião contrária, a sentença proferida pelo Tribunal a quo está viciada de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão.
xiii. O Tribunal a quo também considera que a A. não «...conseguiu provar a existência de um nexo de causalidade entre o facto praticado pelos RR. e os eventuais danos...», mas Senhores Juízes, é lícito a um tribunal exigir prova impossível a um litigante?!!!
Veja-se,
xiv. Alguém manda cortar a luz na casa de outrem e, ipso facto, não ressalta para qualquer normal ser humano de que daí resultou um prejuízo?! Ademais, in casu, a «vítima» é um comerciante que alegou prejuízos, enumerou-os, indicou provas testemunhais e documentais... Que mais se pode exigir a um normal litigante?!
xv. Ora, retornado ao nexo de causalidade...Ensina a Doutrina que "a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Como também é por demais sabido este normativo consagra a doutrina da causalidade adequada. Como causa adequada deve considerar-se, em princípio, toda e qualquer condição do prejuízo. Mas uma condição deixará de ser causa adequada, tornando-se, pois, juridicamente indiferente, desde que seja irrelevante para a produção do dano segundo as regras da experiência, dada a sua natureza e atentas as circunstâncias conhecidas do agente, ou susceptíveis de ser conhecidas por uma pessoa normal, no momento da prática da acção. E dir-se-á que existe aquela relevância quando, dentro deste circunstancialismo a acção não se apresenta de molde a agravar o risco da verificação do dano." (GaIvão Telles, Direito das Obrigações 7 ed. pág. 405)
xvi. Por sua vez, ensina a Jurisprudência Comparada que "A causa juridicamente relevante de um dano é (nos termos do art. 563º do C. Civil) aquela que, em abstracto, se revele adequada ou apropriada à produção desse dano, segundo regras da experiência ou conhecidas do lesante." (Ac. do S.T.J. de 10.3.98, B.M.J. 475 - 635, sublinhado nosso).
xvii. Concluindo, dir-se-á que o Tribunal a quo errou ao não dar como provado que a Recorrente sofreu prejuízos que se consubstanciaram em dois dias de encerramento do seu estabelecimento comercial e os emergentes desse encerramento (salários, contactos de clientela, morte de oito peixes da sorte, etc.).; E que, segundo, o Tribunal a quo não conseguiu estabelecer um nexo lógico entre as premissas maiores e a conclusão a que chegou, violando, salvo o devido respeito, elementares regras de lógica formal.
Em consonância com,
xviii. A Jurisprudência Comparada que ensina ser «nula a sentença quando os fundamentos invocados estejam em plena oposição com a decisão tomada. Embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade.» (TCAN, Acórdão de 6 de Junho de 2007, Proc.N° 0001/02, sublinhados nossos)
Pedindo no final que seja revogada a decisão recorrida, substituída por outra que condene os Réus a pagar a devida indemnização.
*
Os Réus responderam à motivação do recurso da ora recorrente, nos termos constantes a fls. 188 a 194 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso ora interposto.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Fica assente a seguinte factualidade pela 1ª Instância:
a) Os Réus são proprietários da fracção autónoma Xº andar X, sita na Avenida da XX nº X-, Edifício XXX, em Macau, dada de arrendamento à Autora e que serve de sua sede. (A)
b) Os Réus propuseram acções no TJDB contra o ora Autora no sentido de conseguir o despejo desta, a correr termos no 2º Juízo Cível sob os n.ºs CV3-06-0171-CPE e CV3-08-0025-CPE. (B)
c) O Réu marido B requereu à Companhia de Electricidade de Macau que suspendesse o fornecimento de electricidade na fracção arrendada à Autora (C)
d) O contador da luz da fracção aludida em A) foi cortado pela C.E.M., em 8 Agosto de 2006. (1º)
e) Em consequência desse corte a Autora ficou sem luz durante dois dias. (2º)
f) Em consequência do aludido corte de energia, a Autora teve o escritório fechado ao público durante dois dias. (7º)
g) Os clientes que se deslocaram às instalações da Autora depararam-se com a porta fechada às horas do expediente. (8º)
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III – Fundamentos
Nos termos do nº 1 do artº 599º do CPCM, quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados; e
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
Por outro lado, o nº 2 do mesmo preceito legal exige ainda que “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda”.
No caso em apreço, a Autora limita-se a alegar, de forma genérica, que devia considerar-se por provados os danos por si alegados na petição inicial, sem ter cumprido o ónus da impugnação específica acima em referência, o que determina a rejeição do recurso nesta parte.
Com a inalteração da matéria de facto fixada pelo tribunal a quo, o recurso da Autora nunca pode proceder, pois, a não verificação da existência de danos alegados conduz inevitavelmente à improcedência do pedido de indemnização.
Alegou também a recorrente que “a sentença proferida pelo Tribunal a quo está viciada de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão”, nos termos da al. c), n° 1, art. 571° do CPCM, sem que, no entanto, concretizar em que consiste esta oposição.
Ora, a falta de elementos de concretização implica a impossibilidade da apreciação material da mesma por este tribunal.

Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
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Custas do recurso pela Autora.
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Notifique e registe.
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RAEM, aos 16 de Fevereiro de 2012.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong




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