Processo nº 140/2010
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
A, por si e em representação do seu filho menor B, ambos devidamente identificados nos autos, vêm propor a acção declarativa de condenação com processo comum ordinário, registado sob o nº CV3-03-0003-CAO e que corre os seus termos no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, contra a A, D e E, também devidamente identificados nos autos.
Citados os Réus e deduzidas as suas contestações, vieram os Autores na réplica provocar a intervenção principal de F, devidamente identificado nos autos, e a companhia de seguro que veio mais tarde a ser identificada ser a G.
Ouvidos os Réus, foi por despacho do Mmº Juiz titular do processo proferido a fls. 145 a 146 dos presentes autos, admitida a requerida intervenção e determinada a citação de F. E pelo mesmo despacho foi ordenada a notificação do mesmo citando para informar o Tribunal da identificação da companhia de seguro a citar.
Mediante articulado próprio, veio F contestar e informar o Tribunal de que a companhia de seguro em causa é a G.
Apurada a identidade da companhia de seguro, foi ordenada a citação da G.
Mediante articulado próprio a fls. 199 e s.s. dos presentes autos, veio a G contestar, inter alia, por excepção com fundamento na falta de interesse processual.
Excepção dilatória essa veio a ser julgada improcedente no despacho saneador.
Não se conformando com o segmento do despacho saneador que decidiu julgar improcedente a excepção por ela deduzida, veio a G interpor recurso concluindo e pedindo:
1. A ora Interveniente, bem como o Interveniente, F, não têm nenhum interesse a acautelar que lhes permitisse intervir nesta causa, não fazendo qualquer sentido afirmar que “a intervenção do outro (único) veículo interveniente no acidente de viação objecto dos presentes autos é de todo o interesse, pelo facto de a culpa no acidente só poder ser imputada ao 3° R ou àquele condutor”.
2. Na petição inicial deve o A. expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção, bem como lhe é permitido formular pedidos alternativos ou subsidiários. Ora, na presente acção não foi formulado qualquer pedido quanto aos intervenientes, nomeadamente quanto ao Interveniente ora Recorrente e a posição dos AA. em relação às circunstâncias do acidente vai no sentido de imputar toda a responsabilidade ao condutor do ciclomotor, Réu nos presentes autos.
3. Os AA. não podem agora, a coberto de um pedido de intervenção provocada, afirmar a culpa de outros (que não os RR.) para exigirem responsabilidade a todos, sem alterar a sua posição em relação aos factos alegados. Factos esses que estão no sentido (único) da exclusiva culpa dos RR.
4. Tanto assim é que no despacho recorrido (na parte impugnada) se afirma claramente que “È verdade que na petição inicial os Autores não deduziram qualquer pedido contra o segundo interveniente.”, acrescentando-se nesse mesmo despacho que “è é igualmente verdade que na petição inicial os autores haviam deduzido toda a causa de pedir e pedido apenas na responsabilidade do 3° Réu, condutor do ciclomotor".
5. Assim sendo, salvo o devido respeito, os novos Intervenientes não fazem parte da relação material controvertida tal como vem descrita na petição inicial dos AA. Razão porque se entende que só se os AA. desistirem do pedido em relação aos primitivos RR e alterarem a causa de pedir pode ser aceite a intervenção provocada dos intervenientes agora chamados.
6. Por isso, entende-se estar-se perante a excepção dilatória de falta de interesse processual, prevista na alínea h) do artº 413º do CPCM. Excepção essa que nos termos do nº2 do artº 412º do CPCM dá lugar à absolvição da instância.
Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exªs., deverá o presente recurso proceder, ser revogada a decisão recorrida e, consequentemente, absolver-se a Ré, ora Recorrente, da instância.
Admitido o recurso interlocutório com efeito meramente devolutivo e subida deferida, continuou correr os seus termos da tramitação processual e veio afinal a ser proferida a seguinte sentença:
I- RELATÓRIO
A, viúva, de nacionalidade chinesa, titular do BIRM n.º XXX, por si e em representação do seu filho menor,
B, solteiro, de nacionalidade portuguesa, titular do BIRM n.º XXX, ambos residentes em Macau, na Avenida de Venceslau de Morais, Edifício “XXX” – Bloco 3, XXº andar “XX”.
vêm intentar a presente
ACÇÃO DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO
COM PROCESSO COMUM ORDINÁRIO
contra os Réus:
1. C, com sede em Hong Kong e representação em Macau, na Rua Dr. Pedro José Lobo, nºs 1 a 3, Edifício “XXX”, 11º andar;
2. D, solteiro, “Disco-Jockey”, titular do BIRM n.º XXX, residente em Macau, no Pátio da Barca, n.º XX, 3º andar “E”, ora absolvido do pedido por despacho a fls. 239 e ss.; e
3. E, casado, operário, titular do BIRM n.º XXX, residente em Macau, na Estrada Marginal da Areia Preta, Edifício “XXX”, Bloco 13, 11º andar “B”.
e os intervenientes:
1. F; e
2. G; ambos com os sinais dos autos.
Alegaram fundamentalmente e em síntese que,
- No dia 8 de Agosto de 1998, pelas seis horas e nove minutos da manhã, o 3º Réu E conduzia o ciclomotor com a matrícula CM-112XX, propriedade do 2º Réu D, transportando como passageiro H - marido e pai dos ora AA., na Avenida da Amizade, no sentido Hotel Lisboa →Terminal Marítimo.
- O tempo estava bom, a iluminação pública era boa, a densidade do trânsito era fraca (era sábado) e estavam instalados nas duas bermas da via gradeamentos metálicos provisórios, que estreitavam a via.
- Ao chegar ao cruzamento com a Avenida de Marciano Baptista, o 3º Réu E perdeu o controlo do ciclomotor, transpondo em consequência a linha contínua que separa as duas vias de trânsito e invadindo a via de sentido contrário.
- Em resultado, o motociclo embateu de frente com o automóvel ligeiro com a matrícula MD-94-XX, que circulava precisamente naquela via.
- O referido embate causou a queda do ciclomotor, incluindo o 3º Réu, seu condutor, bem como do passageiro H, os quais ficaram feridos, tendo sido posteriormente conduzidos ao Centro Hospitalar do Conde de São Januário – CHCSJ.
- À sua chegada ao CHCSJ o estado de saúde de ambos era de tal forma considerado grave, que foram de imediato internados.
- Com efeito, o H perdera entretanto os sentidos, tendo-lhe sido diagnosticado, quando deu entrada na Urgência, o estado de coma e um grande hematoma intra-craneano na área occipital esquerda.
- Em razão do referido acidente, o H veio a morrer pelas nove horas e cinquenta e cinco minutos do dia 16 de Agostos de 1998.
- Segundo conclusão do médico-legista a morte do H foi causada directa e necessariamente pelo traumatismo encéfalo-craneano por este sofrido, o qual foi por sua vez provocado pelo violento embate resultante do referido acidente de viação.
- Apesar do desenvolvimento da Medicina, o estado de coma permanece ainda um mistério indecifrável, mas é certo que o sistema nervoso central continua activo,
- Pelo que pode dizer-se com segurança que durante o período em que permaneceu vivo, internado e em coma, o H terá sofrido dores intensas.
- Após o acidente de viação, o 3º Réu foi de imediato submetido a um exame da taxa de alcoolémia no sangue, o qual acusou 2,03 g/l, conforme nota exarada na Guia de apresentação para exame de alcoolémia, constante a fls. 31 dos referidos autos, cuja cópia se junta, e que se dá por reproduzida.
- Com a percepção e raciocínio próprios de qualquer ser humano, o Autor B, apesar de ter à data do acidente apenas cinco anos de idade, sofreu e continua a sofrer com a ausência do seu Pai.
- Com as despesas hospitalares, medicamentosas e de assistência médica resultantes do internamento a que o H foi sujeito em virtude do acidente provocado pelo 3º Réu, a Autora despendeu a quantia de MOP$11,858.00.
- Em resultado da sua morte, a Autora incorreu ainda em MOP$46,500.00 a título de despesas com o funeral e demais cerimónias religiosas que lhe estão associadas.
- Não obstante estar ocasionalmente desempregado, desde 20 de Junho de 1998, situação verdadeiramente excepcional na vida de uma pessoa com 33 anos de idade e fazendo parte da chamada população activa, é perfeitamente admissível e deve considera-se que brevemente o H tornaria a estar empregado, o que se pode presumir que teria ocorrido já em 1 de Janeiro de 2000.
- A pesar da sua situação, o H nunca deixou de contribuir para os encargos da vida familiar, participando nas despesas do lar e nas necessárias à educação do ora Autor.
- Tendo exclusivamente em consideração o último salário que o H auferiu antes do acidente; a sua idade àquela data; um período médio de desemprego de 18 meses; a idade para reforma ou aposentação de 65 anos; e uma percentagem de afectação de 50% dos seus rendimentos de trabalho aos encargos da vida familiar,
- Em consequência necessária e directa da morte do H, a sua família deixou de receber MOP$1,067,760.00, ou seja [(5.932×12meses)×30 anos de trabalho]×50%, valor que se reivindica para os devidos e legais efeitos.
- O próprio H e os Autores devem ser indemnizados pelos danos não patrimoniais.
- Atento o disposto na parte final do n.º 3 do artigo 489º do CC, tais danos não patrimoniais computam-se na totalidade, em quantia não inferir a MOP$1.100.000,00, a saber:
a) MOP$100.000,00, a título de todo o intenso sofrimento e dores sofridos pelo H, desde o exacto momento do acidente até à hora da sua morte;
b) MOP$400.000,00, como compensação por todo a mágoa, angústia e ansiedade sofridos pela autora A, sua mulher, em virtude da morte do seu marido;
c) MOP$600.000,00, como compensação pela infinita tristeza, saudade e carência sofridos pelo autor B, seu filho, por morte de seu Pai.
- Sendo o 2º Réu D o proprietários do ciclomotor, cabe-lhe a responsabilidade pela sua utilização e circulação atento o disposto no n.º 1 do artigo 496º do Código Civil.
- Tendo a responsabilidade civil decorrente daquela utilização e circulação sido transferida para a 1ª Ré, mediante contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil, é esta também demandada.
Conclui, pedindo que:
a) Serem os Réus condenados ao pagamento da quantia de MOP$1,126,118.00 (um milhão cento e vinte e seis mil cento e dezoito Patacas) relativa a danos patrimoniais; e
b) Serem os Réus condenados no pagamento a quantia de MOP$1,100.000.00 (um milhão e cem mil Patacas), referente a danos não patrimoniais.
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Citado regularmente a 1ª Ré, C, que apresentou a contestação.
Alegou fundamentalmente e em síntese que:
- Na ocorrência do acidente, o motociclo vinha no sentido de trânsito Hotel Mandarim Oriental-terminal do jet foil e o veículo automóvel seguia no sentido inverso isto é em direcção ao Hotel Lisboa.
- Na altura, estavam em curso obras de construção de um viaduto superior (junto do cruzamento entre a Avenida da Amizade e a de Marciano Baptista) que determinaram que a faixa de rodagem dos veículo que seguiam em direcção ao Hotel Lisboa ficasse mais estreita e os veículos tivessem, tal como o veículo automóvel referido nos autos, que circular na faixa de rodagem que não se destinava ao seu sentido de circulação.
- Tal facto originou o embate entre os dois veículos e, por sua vez, provocou a queda do condutor e do passageiro do motociclo.
- De facto, ao invés do mencionado na P.I. foi o condutor do veículo automóvel que embateu no motociclo e não o inverso.
- E, embora seja verdade que o condutor do motociclo tinha ingerido bebidas alcóolicas, tal não pode, de per si, ser considerado como determinante da culpa no acidente certo sendo, aliás, que o condutor do automóvel também conduzia sob a influência do alcóol.
- Para que o condutor do motociclo fosse considerado o culpado pela produção do acidente tornar-se-ia necessário que existisse um nexo de causalidade entre o facto culposo e o acidente, isto é que o condutor do motociclo tivesse, com a sua conduta causado o acidente.
- E, como se deixou acima referido, o acidente foi causado pela imprevidência do condutor do automóvel que o conduzia fora de mão indo embater no motociclo.
- As despesas de funeral quando o seu montante seja exorbitante e meramente voluptuoso, estando correntemente aceite que o limite máximo a ressarcir pelas companhias de seguro é de MOP$30,000.00.
- A contabilização efectuada pelos AA. relativamente às perdas salariais futuras do falecido baseia-se numa mera expectativa, a qual não tem qualquer apoio ou cobertura legal.
- O que é um facto, é que o falecido H estava desempregado e, por isso, não contribuía com nenhum rendimento para a sua família.
- O montante da indemnização a título de danos não patrimoniais dos AA. são exageradissimos em atenção dos valores correntes da jurisprudência.
- É de salientar que é totalmente falso que a vítima tenha sofrido dores intensas.
- Não existe qualquer estudo médico que afirme que os indivíduos em coma sofram dores.
- Não tem, assim, sentido pedir a quantia de MOP$100,000.00.
Conclui, pedindo que a acção ser julgado improcedente e não provada.
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Citado regularmente o 2º Réu D, que apresentou a contestação.
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Citado regularmente o 3º Réu E, que apresentou a contestação.
Alegou fundamentalmente e em síntese:
- Os AA., na acção penal, não deduziram o pedido cível de indemnização dentro do prazo previsto na lei, não obstante terem notificados do despacho do MMº Juiz da causa para o efeito, o fazer dos AA. equipara-se a sua renúncia ao direito de indemnização, não podendo agora intentar um acção cível em separado, devendo considerar o tribunal incompetente em razão de matéria e julgar improcedente a acção.
- Encontra-se prescrito do direito de indemnização, assim, o contestante deve ser absolvido do pedido.
- Por razões que o ora contestante desconhece mas que podem estar eventualmente aliadas ao facto de que à data do acidente se encontravam em curso obra de construção de um viaduto superior (junto do cruzamento entre a Avenida da Amizade e a de Marciano Baptista) que determinaram que a faixa de rodagem afecta ao sentido descendente (isto é, do terminal em direcção ao Hotel Lisboa), o que significa que conduzia na faixa que não se destinava ao seu sentido de circulação.
- Tal facto originou o embate entre os dois veículos, que, por sua vez, provocou a queda dos ocupantes do motociclo – do ora contestante que o conduzia e da infeliz vítima que vinha a ser transportada.
- Não corresponde à verdade que o ora contestante tenha embatido de frente com o automóvel por ter transposto a linha contínua que separa os faixas de rodagem destinadas aos dois sentidos oposto.
- É verdade que o ora contestante havia ingerido bebidas alcoólicas, não pode ser considerado como determinante da culpa no acidente, certo sendo, aliás, que o condutor do automóvel também conduzia sob influência do álcool.
- Na verdade, para que haja responsabilidade dos condutores de veículos originada em acidentes de viação, não basta que eles tenham infligido qualquer disposição regulamentar de trânsito ou hajam incorrido em culpabilidade por qualquer das formas previstas na lei. É necessário que entre o facto culposo e o acidente haja um nexo de causalidade. Assim, o facto do ora contestante conduzir sob a influência do álcool não o torna culpado da morte do passageiro que rebocava no motociclo por si conduzido.
- Conforme pretende provar em julgamento, a morte do infeliz H deveu-se à imprevidência do condutor do veículo automóvel que o conduzia fora de mão, indo embater no motociclo conduzido pelo ora contestante.
- Permanecendo, porém, a dúvida, de qualquer forma, resulta dos autos exuberantemente que houve uma colisão de veículos e que, não se apresentou líquida a versa do condutor automóvel, em caso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos bem com a contribuição da culpa de cada um dos condutores, não poderá o ora contestante aceitar que seja a si apenas assacada a responsabilidade no deflagrar do acidente que vitimou H.
- Em relação as despesas hospitalares e outras feitas para salvar a infeliz vítima e as do funeral nada a impugnar quanto à sua quantificação.
- Em relação à indemnização pela perda de rendimentos futuros, a Autora recorreu a uma fórmula matemática, ficcionando não só o valor do salário (que não existia) mas, ainda, um limite de idade para a vida activa muito elevado, pelo que o acolhimento de tal fórmula com o consequente recebimento imediato da totalidade do capital indemnizatório determinaria um enriquecimento injustificado por parte da sua beneficiária.
- Quando ao pretium doloris, acredita que a vítima H tenha sofrido alguma dor ou angústia, face ao estado de coma em que entrou imediatamente após acidente. Salvo o devido respeito pelo ser humano, não poderão ser muitas dado o estado de inconsciência em que permaneceu até à sua morte. A esse título, não repugna ao ora contestante que seja atribuída uma indemnziação de valor igual a MOP$25,000.00.
- Quanto aos danos morais sofridos pelos AA., a sua fixação deve ser feita em conjunto – porque assim o determina a lei. E o valor a atribuir não deve ser mais elevado do que MOP$100,000.00.
Conclui, pedindo que ser julgado improcedente, e não provado, absolvendo-se o 3º R do pedido, se não for, essa a situação e venha a julgar-se o ora contestante o único causador do acidente ou, no mínimo, que contribuiu para o seu deflagar, deve a acção ser parcialmente improcedente porque não provados todos os factos tomados em consideração para a quantificação dos danos, devendo, a final, ser reduzido o pedido formulado ao montante global de MOP$183,350.00 (cento e oitenta e três mil, trezentas e cinquenta patacas), sendo MOP$58,350.00, a título de danos patrimoniais, e MOP$125,000.00, a título de danos não patrimoniais.
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Os AA. replicaram, responderam as excepções aduzidas pelos RR., mantendo a sua posição inicial.
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Nesta ocasião, os AA. requereram a intervenção do F, condutor do veículo ligeiro MD-94-XX e a companhia de seguros que deve assumir a responsabilidade civil desse veículo.
Foi deferido o requerimento.
Citado regulamente os intervenientes F e a G.
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O interveniente F alegou fundamentalmente e em síntese que:
- O direitos de indemnização dos AA. já se encontra prescrito, assim deve o interveniente ser absolvido do pedido.
- Na ocorrência do acidente, ao chegar ao cruzamento em T da Avenida da Amizade com a Avenida de Marciano Baptista, o 3º R. não controlou adequadamente a viatura que conduzia, deixando que a mesma se aproximasse da linha contínua, ao centro da via, que separa os dois sentidos do trânsito da Avenida da Amizade.
- Ao deparar-se com a aproximação do ciclomotor, o chamado, como reacção instintiva para evitar embater o motociclo, guinou de imediato para o lado direito da via (e não para o lado esquerdo, pois neste encontravam-se matérias de obras de construção e gradeamentos metálicos).
- No entanto, mesmo assim, o ciclomotor acabou por embater de frente no lado esquerdo do automóvel conduzido pelo chamado.
- Em relação as indemnizações de despesas hospitalares e funerais, nada impugna.
- Em relação a indemnização de perda de rendimento futuros, o falecido estava desempregado e o cálculo feito pelos AA. não corresponde à verdade, e assim, não deve ser considerado procedente.
- Relativamente aos danos não patrimoniais, são exagerados e sem qualquer fundamento.
Conclui e pedindo que a acção ser julgada improcedente , por não provada, absolvendo-se o chamado dos pedido bem como serem todas as custas, selos e procuradoria condigna pelos AA..
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A interveniente G contestou:
Alegou fundamentalmente e em síntese que:
- A interveniente falta interesse processual, com efeito, na presente acção não foi formulado qualquer pedido quanto aos intervenientes e a posição das AA. em relação às circunstâncias do acidente vai no sentido de imputar toda a responsabilidade ao condutor do ciclomotor, assim deve ser resolvido da instância.
- Encontra-se prescrito o direito dos AA. por ter decorrido o prazo legal, devem assim, a interveniente ser absolvido do pedido.
- Em relação a ocorrência do acidente, a Interveniente acompanha a versão alegada pelos AA..
- Alegou ainda que:
- O falecido era portadora de um nível elevado de álcool no sangue, que apresenta 2,66g/l, assim como o condutor do motociclo, apresenta a taxa de 2,03g/l.
- A culpa na produção do acidente se deve única e exclusivamente ao condutor do motociclo, E.
- Pelo que não se verifica qualquer culpa na produção do acidente por parte do condutor do veículo automóvel, F.
- De qualquer forma, parece resultar dos autos que existe um facto essencial e que poderá ser causal em relação ao acidente, é que o passageiro do motociclo, H sabia necessariamente que o condutor desse mesmo motociclo, E, conduzia sob a influência de álcool porque tinham estado juntos a beber antes do acidente.
- Sabendo que o condutor, aliás, como ele próprio, estão sob a influência do álcool, então podemos afirmar com elevado grau de certeza, que o passageiro do motociclo se conformou com os resultados e os danos que adviessem da condução do E ao viajar com ele.
- Com a agravamento de estado os dois em estado de elevada embriaguês, arriscarem a conduzir, ainda por cima um motociclo.
- Pelo que se terá, também, de considerar que não existiu violação ilícita dos direitos do H.
- É que o próprio passageiro H, titular do interesse juridicamente protegido, violou as regras gerais de prudência e ao circular (com alto grau de embriagues) como passageiro do condutor do motociclo, também ele com elevado grau de embriagues, consentiu expressamente no facto danoso.
- Em suma, o acidente, que não deixa de se lamentar, ficou a deve-se, única e exclusivamente, ao comportamento do condutor do motociclo CM-11XXX, à sua imprudência e negligência, não podendo ser imputada qualquer responsabilidade ao condutor do veículo automóvel MD-94-XX (ora também interveniente), pela produção do acidente e das lesões sofridas pelo H.
- O que, nos termos do artigo 505º do Código Civil é causa de exclusão da responsabilidade do interveniente condutor desse veículo automóvel e
- Consequentemente, excluir a sua responsabilidade em indemnizar por quaisquer danos derivados do acidente em questão.
- E nesses termos, excluída fica também a responsabilidade da Seguradora, ora Interveniente, no pagamento de qualquer tipo de indemnização.
- Em relação ao cômputo dos danos do acidente, afigura-se que este valor é exagerado e não se encontra devidamente fundamentado.
- Na data do acidente, o passageiro H se encontrava separado de facto da A., A e vivia com uma namorada no Edifício Hoi Pan no Bairro da Areia Preta.
- Segundo informação prestadas pelo condutor do ciclomotor, a A. e o seu marido, não se amavam, não eram um casal feliz e não tinham vida conjugal.
- Verifica-se assim que os alegados danos morais da 1ª A. devem ter em conta o facto de está já não viver com o marido à algum tempo e em relação ao 2º R. o facto de não viver na mesma casa do pai à data do acidente.
- Quanto à indemnização por danos emergentes e lucros cessantes reclamadas pelos AA. afigura-se completamente errado o pedido.
Conclui, pedindo que ser julgado o pedido improcedente ou parcialmente improcedente quanto à matéria relacionada com os intervenientes por não provado, e deve ainda os AA. ser condenados no pagamentos das custas do processo e em procuradoria condigna, tendo, nomeadamente, em conta a proporção do seu decaimento.
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Replicaram os AA. das contestações dos intervenientes.
Responderam as excepções deduzidas pelos mesmo.
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Proferido o despacho saneador a fls.239 e ss..
Mantendo-se a validade da instância, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento com as devidas formalidades legais.
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II- PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente , em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade “ad causam”.
O processo é o próprio.
As excepções aduzidas pelos Réus e intervenientes, parece-nos todas já foram decididas, inclui a prescrição dos direitos dos Autores em relação ao 3º Réu e os dois intervenientes.
Inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias que obstem à apreciação de “meritis”.
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III-FACTOS
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
Dos Factos Assentes
A) No dia 8 de Agosto de 1998, pelas seis horas e nove minutos da manhã, o 3º Réu E conduzia o ciclomotor com a matrícula CM-11XXX, propriedade do 2º Réu D, transportando como passageiro H – marido e pai dos Autores, na Avenida da Amizade, no sentido Hotel Lisboa →Terminal Marítimo.
B) O tempo estava bom, a iluminação pública era boa, a densidade do trânsito era fraca (era sábado) e estavam instalados nas duas bermas da via gradeamentos metálicos provisórios, que estreitavam a via.
C) Em razão do referido acidente, o H veio a morrer pelas nove horas e cinquenta e cinco minutos do dia 16 de Agosto de 1998.
D) A vítima estava desempregado à data do acidente.
Da base instrutória
1. Ao chegar ao cruzamento com a Avenida de Marciano Baptista, o 3º Réu E perdeu o controlo do ciclomotor, deixando o seu veículo aproximar-se da linha contínua do meio da via que separa as duas vias de trânsito.
2. A viatura MD-94-XX, naquela altura circulava na outra via oposta e também junto da referida linha continua, ao deparar a aproximação do ciclomotor interveniente, o condutor do veículo virou de imediato para o lado direito e, ocorreu o embate.
3. O referido embate causou a queda do ciclomotor, incluindo o 3º Réu, seu condutor, bem como do passageiro H, os quais ficaram feridos, tendo sido posteriormente conduzidos ao Centro Hospitalar do Conde de São Januário – CHCSJ.
4. H foi diagnosticado, quando deu entrada na Urgência, o estado de coma e um grande hematoma intra-craneano na área occipital esquerda.
5. A morte do H foi causada directa e necessariamente pelo traumatismo encéfalo-craneano por este sofrido.
6. O qual foi por sua vez provocado pelo violento embate resultante do referido acidente de viação.
7. Após o acidente de viação, o 3º Réu foi de imediato submetido a um exame da taxa de alcoolémia no sangue, o qual acusou 2,03 g/l.
8. O autor B sofreu e continua a sofrer com a ausência do seu pai.
9. Todos os factos decorrentes do acidente e descritos supra tornaram a autora num ser deprimido, infeliz e extremamente angustiado, particularmente ao ver o filho de ambos sofrer com a ausência do pai.
10. Com as despesas hospitalares, medicamentosas e de assistência médica resultantes do internamento a que o H foi sujeito em virtude do acidente, a Autora despendeu a quantia de MOP$11,858.00.
11. Em resultado da sua morte, a Autora incorreu ainda em MOP$46,500.00 a título de despesas com o funeral e demais cerimónias religiosas que lhe estão associadas.
12. H, contribuiu para a família através de quantia não determinada.
13. O condutor do veículo automóvel conduzia sob influência do álcool.
14. O H estava qualificado para o desempenho de funções no domínio aeronáutico, e não obstante estar na altura do acidente desempregado, o seu último emprego havia sido o de na sociedade comercial , onde auferia a quantia de MOP$5,932.00 por mês.
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IV – FUNDAMENTOS
Cumpre-se, pelo exposto, a estes factos, à aplicação do direito.
O problema incide na responsabilidade extracontratual pelo risco emergente do acidente causado por veículos.
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A data de ocorrência do acidente, encontrava-se em vigor o direito civil de 1966.
A partir de primeiro de Novembro de 1999 entrou em vigor o Código Civil de Macau. Nos termos do artigo 12º do D.L. n.º 39/99/M, de 3 de Agosto, “Sem prejuízo de disposição especial do presente Decreto-Lei, as normas do novo Código Civil relativas à responsabilidade civil extracontratual e à obrigação de indemnização são igualmente aplicáveis aos factos ocorridos antes da sua entrada em vigor, se forem mais favoráveis ao responsável ou se, cabendo a responsabilidade a mais de uma pessoa, vierem a abolir a presunção de culpa de qualquer delas”.
As disposições acima mencinados, arts. 483º 499º, 501º nº1, 562º 563º, 570º e 505º do Código Civil de 1966, corresponde aos arts. 477º, 492º, 496º n.º 1, 556º, 557º, 564º e 498º, existe apenas a alteração relativamente a exclusão da responsabilidade.
Assim, entende-se ao caso é aplicável o Código Civil de Macau de 1999.
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A - Sobre os pressuposto da responsabilidade civil
O art. 477º do C.C.M. prevê que, aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Nos termos do art. 496º nº1 do C.C.M., “aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que esta não se encontre em circulação”.
Nos termos do citado art. 477º n.º 1 do C. C. M., são os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual subjectiva:
- o facto ilícito: facto voluntário violador de direitos alheios ou de interesses juridicamente protegidos;
- a culpa do agente: o nexo de imputação do facto ao agente a título de dolo ou negligência;
- o dano ou prejuízo;
- e o nexo de causalidade entre o dano e o facto.
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Do facto ilícito
O facto resulta da matéria provada que ocorreu uma acção voluntária (dominável ou controlável pela vontade humana), por parte de qualquer dos dois intervenientes.
Estamos perante uma colisão entre um veículo ligeiro e um ciclomotor, causando a morte do passageiro de ciclomotor. Nada há na matéria de facto que indique qualquer desvio a este pressuposto, dominando todos os intervenientes as suas acções de maneira perfeitamente consciente, auto e alo orientados no espaço e no tempo.
A ilicitude pode adoptar duas modalidade:
a) traduzir-se-á na violação directa de direito de outrem, ou seja, é cometida uma infracção relativamente a direito subjectivo de outra pessoa; ou
b) pode consistir na violação de uma, pelo menos, disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
Neste último caso, acontece quando normas que tutelam interesses públicos, fazem repercutir essa mesma tutela no âmbito ou círculo de interesses particulares, acautelando-os ou protegendo-os mediata e indirectamente, sem que isso enfraqueça por si só essa defesa, essa qualidade jurídica da norma que impões certo comportamento, socialmente importante e ingente.
O Direito Estradal é porventura o complexo normativo que visam proteger interesses públicos, fazem repercutir essa mesma tutela no âmbito ou círculo de interesses particulares, como a protecção da integridade física, saúde, sossego, mesmo a própria vida.
Confrontamos os comportamentos dos intervenientes para a apreciação da ilicitude do facto.
A vítima era passageira do ciclomotor, não se verifica que a mesma tenha violado os direitos de outrem nem as disposições estradais.
Na ocorrência do acidente, o condutor de ciclomotor, conduzia sob efeito de bebidas alcoólicas, perdeu o controlo do ciclomotor, deixando o seu veículo aproximar-se da linha contínua do meio da via que separa as duas vias de trânsito; e o veículo ligeiro MD-94-XX, naquela altura circulava na outra via oposta e também junto da referida linha continua, ao deparar a aproximação do ciclomotor interveniente, o condutor do veículo virou de imediato para o lado direito e, ocorreu o embate.
O condutor do ciclomotor conduzia sob influência alcoólica, violou as disposições legais do Código da Estrada, existe a ilicitude do seu acto.
O condutor do veículo, ao deparar o ciclomotor aproximar da linha contínua do meio da via, virou de imediato para o lado direito, ou seja dirigida para a faixa do sentido oposto, violou também as disposições legais do Código da Estrada, porquanto, não procedeu as manobras conforme as disposições do Código da Estrada, por outro lado, não verifica nos autos qualquer situação legal que exclui a ilicitude do seu acto, assim existe a ilicitude do seu acto.
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Da culpa – culpa exclusiva ou concorrência de culpas
A culpa pode ser dolo ou negligência.
No dolo, o agente quis directamente realizar o acto ilícito. Há uma estreita contiguidade e correlação entre a vontade e o evento ocorrido.
Na negligência, surgindo como omissão da diligência exigível do agente, em que este prevê a produção de facto ilícito, mas por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria, crê indevidamente na sua não verificação.
No nosso Código optou pela tese da culpa em abstracto. O perigo iminente no tráfego impõe acrescido cuidado. O padrão de referência será a diligência normal dum agente medianamente prudente, avisado, cuidadoso.
O grau da culpa determina o grau da responsabilidade do agente.
Conforme o disposto no artigo 564º do mesmo Código, “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída; a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.”
Segundo o artigo 498º do Citado Código, “sem prejuízo do disposto no artigo 500º, a responsabilidade fixada pelos n.os 1 e 3 do artigo 496º só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo.”
In casu, ficou provado que a vítima é passageira do ciclomotor conduzido pelo 3º Réu.
A Interveniente Companhia de Seguros da China, S.A.R.L., entendeu que o falecido sabia necessariamente que o condutor do ciclomotor conduzia sob a influência de álcool porque tinham estado juntos a beber antes do acidente, sabendo o condutor, como ele próprio, estão sob a influência do álcool, então podem afirmar com elevado grau de certeza, que o passageiro do motociclo se confirmou com os resultados e os danos que adviessem da condução do 3º Réu ao viajar com ele. O próprio passageiro violou as regras gerais de prudência e ao circular com alto grau de embriaguês como passageiro do condutor do motociclo, também ele com elevado grau de embriaguês, consentiu expressamente no facto danoso.
O Código de Estrada não proíbe as pessoas, depois de tomar bebidas alcoólica, apanhar o motociclo ou ciclomotor.
Assim, não podemos afirmar que o falecido tinha culpa na produção do acidente.
Face ao comportamento do falecido, apenas nos permitam concluir que o mesmo contribui um risco para o agravamento do dano, uma vez que a pessoa em estado de embriaguês, encontra-se limitada a sua capacidade de se defender de si próprio.
No caso de concorrência de risco e culpa, o risco não exclui nem diminui a responsabilidade da culpa, nos termos do artigo 498º do Código Civil de Macau.. Pode constituir um dos elementos atendíveis na apreciação dos dores sofridos pela família.
O condutor do ciclomotor circulava sob efeito de bebidas alcoólicas, que se apresenta com uma taxa alcoolémia equivalente a 2,03 gramas por litro de sangue, não prestou a devida cautela de um condutor médio, tem culpa na produção do acidente.
O condutor do veículo ligeiro MD-94-XX, naquela altura circulava na outra via oposta e também junto da referida linha continua, ao deparar a aproximação do ciclomotor interveniente, o condutor do veículo virou de imediato para o lado direito e, ocorreu o embate.
A manobra do condutor do veículo foi mal efectuada, o condutor deve ser a sua faixa com a aproximação da beira esquerda, o condutor do veículo, ao virar para o lado direito, fez o veículo aproximar-se para a linha contínua até poderia entrar na faixa oposta.
Pode acontecer que o automobilista pretendia evitar um eventual embate, circunstancia essa só é adentível na graduação da culpa, mas não exclui a culpa.
Assim, dúvidas não restam, o acidente de viação em causa é da culpa do motociclista e do automobilista, por não terem conduzido o veículo com prudência devida.
Ponderando os comportamento dos condutores do ciclomotor e do veículo, atribui a culpa 80% ao motociclista e 20% ao automobilista.
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Do dano e do nexo da causalidade entre o facto e o dano
Na verificação de um dano afigura-se como condição essencial da responsabilidade civil e traduz-se na supressão ou diminuição de uma situação favorável, de uma vantagem que estava protegida pelo Direito.
Em relação ao nexo de causalidade ou seja os danos resultantes da violação: a obrigação de indemnização só existem em relação aos danos causados pela lesão do acidente, exige uma ligação do dano ao facto. Este nexo de causalidade só se concretize quando os danos provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, é esta doutrina de causalidade adequada mais generalizada.
Face aos factos provados, resultou que a morte da vítima foi consequência das lesões sofridas no acidente, pois os danos só ocorreram, devido ao acidente e dele decorreram de forma perfeitamente previsível.
Assim, verifica-se a existência da conexão causal adequada da morte com facto, o condutor do veículo tem obrigação de indemnizar os danos da vítima bem como os prejuízos de terceiros nos termos do artigo 488º do Código Civil.
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B- Sobre a indemnização
A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (art. 557º do C.C.M.).
A lei prevê o princípio de restauração natural que consiste na reconstituição da situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art. 556º do mesmo Código).
Quando não é possível a restituição natural, a indemnização é fixada em dinheiro (art. 560º do C.C.M.).
O dano pode ser patrimonial ou não patrimonial, conforme seja ou não susceptível de avaliação pecuniária.
Dentro do dano patrimonial, não só os prejuízos decorrentes do facto ilícito verificados na esfera patrimonial do lesado por supressão, inutilização ou desaproveitamentos dos seus elementos, seja por diminuição do activo seja por aumentado passivo – danos emergentes -, como ainda os benefícios que deixaram de ingressar naquela esfera em consequência da lesão – lucros cessantes. E são atendíveis tanto os prejuízos já verificados como ainda os futuros desde que previsíveis.
O critério da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais está consagrada no artigo 489º do mesmo Código Civil.
A fixação da indemnização de danos não patrimoniais é feita com base de equidade, tendo em consideração à culpabilidade do agente e à situação económica deste e do lesado, de modo proporcionar ao lesado uma compensação que, de algum modo alivie os sofrimentos que a lesão lhe provocou, ou lhe faça esquecer.
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Os autores, herdeiro da vítima pediram:
1. Uma indemnização patrimonial que inclui:
(1) a quantia de MOP$11.858,00, despesas hospitalares, medicamentosas e de assistência médica resultantes do internamento a que o H foi sujeito em virtude do acidente
(2) a quantia MOP$46.500,00 a título de despesas com o funeral e demais cerimónias religiosas que lhe estão associadas.
(3) A quantia de MOP$1.067.760,00, quantia que a família deixou de receber em consequência necessária e directa da morte do H;
2. Uma indemnização não patrimonial a ser fixada da forma seguinte:
(4) A quantia de MOP$100.000,00, a título de sofrimento e dores sofridos pelo H, desde o exacto momento do acidente até à hora da sua morte;
(5) A quantia de MOP$400.000,00, como compensação por todo a mágoa, angústia e ansiedade sofridos pela autora A, sua mulher, em virtude da morte do seu marido;
(6) A quantia de MOP$600.000,00, como compensação pela tristeza, saudade e carência sofridos pelo autor B, seu filho, por morte de seu Pai.
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Trata aqui uma indemnização a terceiros em caso de morte.
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O artigo 488º do Código Civil prevê:
“1.No caso de lesão de que proveio a morte, é o responsável obrigado a indemnizar as despesas feitas para salvar o lesado e todas as demais, sem exceptuar as do funeral.
2. Neste caso, como em todos os outros de lesão corporal, têm direito a indemnização aqueles que socorreram o lesado, bem como os estabelecimento hospitalares, médicos ou outras pessoas ou entidades que tenham contribuído para o tratamento ou assistência da vitima.
3. Têm igualmente direitos a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a que o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.”
O artigo 489º estabelece:
“1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de facto e aos filhos ou outros descendente; na falta destes, ao unido de facto e aos pais ou outros ascendente; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
3. O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo atenção, em qualquer caso, as circunstancias referidos no artigo 487º, no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pela pessoas com direitos a indemnização nos termos do número anterior.”
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No caso de morte: os danos causados ao sinistrado e a terceiros (despesas feitas para salvar o sinistrado e outros, designadamente as do funeral – artigo 488º - 1 e 2 do C.C.-, pelas perdas de alimentos daqueles que estavam em condições de exigir alimentos a falecido ou que dele estavam recebendo alimentos no cumprimento duma obrigação natural – n.º3 do art. 488º- e pelo desgosto causado pela morte do sinistrado ao cônjuge sobrevivo (não separado judicialmente) e aos filhos ou outros descendentes, e na falta destes, aos pais ou outros ascendentes do falecidos; por último (na falta dos anteriores) aos irmãos do morto ou sobrinhos que os representem – artigo 489º do C.C.
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Sob os mencionados pontos (1) e (2), os Autores pediram uma indemnização a título das despesas hospitalares, medicamentosas e de assistência médica resultantes do internamento da vítima e despesas do funeral, não suscitam dúvidas que os autores devem ser indemnizados.
Acrescentam-se que, dos autos nada constam elementos que demonstram ser exagerada a quantia MOP$46.500,00 de despesas com o funeral e demais cerimónias religiosas associadas.
Sob o ponto (3), os Autores pediram serem indemnizados de uma quantia que a família deixou de receber em consequência necessária e directa da morte do H, calculando a quantia baseando 50% dos rendimentos que H deixaria de receber.
A fixação desses danos patrimoniais, não pode ser conseguida senão com base na equidade, alicerçada no prudente arbítrio do julgador.
O montante do vencimento poderá ter apenas um valor indiciário, a ponderar em conjugação com outros factores, não se deve dar uma excessiva relevância ao facto de o sinistrado estar desempregado ou padecer de outra limitação similar, hoje estava desempregado, amanhã podia ter um bom emprego.
Decisivo aqui é a perda da sua capacidade aquisitiva.
Nos termos do artigo 558º n.º 2 do Código Civil, na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis.
Tendo em consideração da habilitação profissional do falecido, a última profissão que o mesmo dedicou, o seu último rendimento, o rendimento médio dessa profissão, a idade do falecido, a necessidade do filho até a sua maioridade em relação ao alimentação, vestuário, educação, etc., fixo equitativamente o montante de MOP$592,800.00.
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Em relação a indemnização não patrimonial composta pelas quantias indicadas nos mencionados pontos (4), (5) e (6), os Autores pediram uma indemnização pelos sofrimentos da vítima que antecederam a sua morte e pelos danos causados aos AA. por falecimento prematuro da vítima.
No caso de morte, não tendo o sinistrado chegado a pedir indemnização, pode ser atendidos: os danos não patrimoniais sofridos pela vítima e os sofridos pelas pessoas mencionados no n.º 2 do artigo 489º do Código Civil. Mas em qualquer caso, a indemnização é unitária e o montante será fixado equitativamente pelo tribunal.
Não podemos concordar com os Réus/Interveniente na afirmação de que os Autores pediram separadamente a indemnização não patrimonial. Tendo em consideração do pedido formulado na petição inicial, trata-se de uma exposição do seu critério da fixação de tal indemnização. Por outro lado, salvo melhor entendimento, nada impede o Tribunal proceder a partilha dessa indemnização não patrimonial às pessoas com que tem direito, a requerimento das mesma e conforme os sofrimentos de cada.
No nosso caso, tendo em consideração do complexo factual provado, sem dúvida, a vítima e os AA. em consequência do acidente, sofreram danos não patrimoniais que, pela sua gravidade merecem a tutela do direito, havendo a considerar, sobretudo, o grau de culpabilidade dos causadores do acidente, o comportamento de todos intervenientes, incluindo a vítima, na ocorrência do acidente, a gravidade das lesões sofridas dos lesados, o tempo provável da vida da vítima, consideramos que é justa e adequada fixar uma indemnização não patrimonial no montante MOP$700,000.00.
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Tudo ponderando, entendemos adequada a seguinte montante:
- MOP$700,000.00, a título de danos não patrimoniais, a todos os autores, em conjunto;
- MOP$651,158.00, a título de danos patrimoniais, a saber:
a). MOP$11,858.00 a título de despesas hospitalares, medicamentosas e de assistência médica pelo internamento do falecido;
b). MOP$46,500.00 a título de despesas com o funeral e demais cerimónias religiosas que lhe estão associadas.
c). MOP$592,00.00 a título de danos futuros.
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Já acima referimos, na produção do acidente, o falecido não era culpado, mas o 3º Réu tem a culpa de 80% e a Inverveniente tem a culpa de 20%, assim, estes últimos têm que indemnizar os AA. conforme essa proporção.
Pelo contrato de seguro a 1ª Ré, assumiu o risco da responsabilidade civil emergente de acidente de viação com o ciclomotor, e a Interveniente assumiu o do veículo ligeiro, assim as mesmas seguradoras devem assumir as respectivas responsabilidades de indemnização.
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Dado que o montante da indemnização responsabilizada pelo 2º Interveniente não ultrapassou o limite da quantia de indemnização segurada, assim, nos termos do art.º 45.º, n.ºs 1 e 2 do DL. n.º 57/94/M, de 28 de Novembro, o 2º Interveniente não é parte legítima e deve ser absolvido da instância.
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Ponderando, resta decidir.
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V.- DECISÃO
Nos termos expostos, o Tribunal julga a acção parcialmente procedente e em consequência, decide:
1. condenar os Réus no pagamento aos Autores de:
a) MOP$651,158.00 (seiscentos e cinquenta e um mil, cento e cinquenta e oito patacas), a título de danos patrimoniais;
b) MOP$700,000.00 (setecentas mil patacas), a título de danos não patrimoniais, a todos os Autores em conjunto;
2. A 1ª Ré C e o 3º Réu E responsabilizam solidariamente pelo 80% das quantias mencionadas no anterior ponto 1.
3. A interveniente G responsabiliza pelo 20% das quantias mencionadas no citado ponto 1.
4. Absolve o interveniente F da instância.
*
Custas pelas partes na proporção do seu decaimento.
Não verificado qualquer melhoramento essencial da situação económica dos Autores, nos termos do disposto nos artigos 1º, nº1, 4º, 5º, 8º e 21º do Dec. Lei nº41/94/M de 1/Agosto, considero verificada a insuficiência económica dos requerentes, e concedo-lhes o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa total de pagamento de preparos e custas.
Fixo MOP$7.000,00 (sete mil patacas) a título de honorários da advogada nomeada aos Autores pela sua participação nos autos, a adiantar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância e a entrar em regara de custas. (artigo 21º n.º 1, al. a) do R.C.T.)
*
Registe e notifique.
*
Macau, aos 29/07/2009
Não se conformando com essa sentença que os condenou, vieram os Réus C e E recorrer, separadamente, da mesma.
C concluiu e pediu:
1- A sentença de que ora se recorre enferma de erro na aplicação da Lei, no que diz respeito à divisão de responsabilidades arbitrada. (artº 400 nº 1 do C.P.P.M.)
2-Na verdade, face aos factos dados como provados quer o condutor do ciclomotor quer o condutor do veículo automóvel conduziam sob a influência do alcoól;
3-Mas, enquanto que o condutor do ciclomotor embora tenha perdido o controlo sob o mesmo, apenas o deixou aproximar-se da linha contínua do meio da via que separa as duas vias de trânsito;
4-o condutor do veículo automóvel virou de imediato para o lado direito, ou seja para a faixa de rodagem do sentido oposto.
5-Foi, assim, o condutor do veículo automóvel que violou as disposições legais do Código da estrada, porquanto em vez de virar para o lado esquerdo, como seria normal e correcto para tentar evitar o acidente, decidiu virar para o lado direito, isto é, para a faixa de sentido oposto.
6-Assim sendo, a sentença recorrida deverá ser alterada arbitrando-se uma divisão de culpas na proporção inversa, isto é, de 80% para o condutor do veículo automóvel e de 20% para o condutor do ciclomotor.
Nestes termos, nos melhores de Direito e sempre com o Mui Douto suprimento de V. Excelências, deve, pelas apontadas razões, ser julgado procedente o presente recurso, assim se fazendo a esperada e sã
JUSTIÇA!
Ao passo que o Réu E concluiu e pediu:
1ª O recorrente não concorda com o douto acórdão proferido pelos Mmos. Juízes, que integraram o Tribunal Colectivo, condenou a 1ª Ré Ásia Insurance Company, Limited e o 3° Réu E, ora recorrente, a pagarem solidariamente aos autores 80% da quantia global de MOP$1.080.926,40 (MOP$520.926,40 a título de danos patrimoniais e MOP$560.000,00, a título de danos não patrimoniais).
2ª As alegações do seu recurso tendo por base a sua discordância no que respeita à percentagem da repartição de culpas que lhe foi atribuído, à atribuição de uma indemnização patrimonial aos AA a titulo de lucros cessantes, bem como, ao quantum indemnizatório a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais.
3a O Tribunal Colectivo “a quo” deu como provados os factos que constam da sentença proferida nos autos e que o recorrente dá aqui, para os devidos efeitos legais, por inteiramente reproduzida.
4a Na sentença proferida pelo Tribunal a quo, verifica-se que a mesma erra notoriamente na apreciação da prova no que respeita ao apuramento da repartição de culpas.
5ª No acidente em questão, a culpa do acidente teria que ser apreciada no cotejo das condutas dos seus intervenientes, não restando quaisquer dúvidas de que o condutor do veículo MD-94-XX teve maior culpa pela produção do mesmo.
6ª Foi o condutor do veículo que virou imediatamente para a direita indo de encontro ao motociclo do 3° Réu e da vítima, sem ter certificado de que podia travar sem pôr em perigo o trânsito de veículos.
7ª Acresce que deveria também ser valorado na conduta do condutor do veículo o facto de estar também a conduzir sobre a influência de álcool (quesito 17° da base instrutória).
8ª - A actuação que do 3° Réu e do condutor do veículo seriam analisadas de, forma diferente, caso ficasse provado que o 3° Réu ficou em rota de colisão com o veículo, caso ficasse provado que ambos poderiam ter travado, caso ficasse provado que o condutor do veículo não conseguiu travar, caso ficasse provado que o condutor do veículo assegurou-se previamente que o podia fazer sem causar perigo ou embaraço para o transito ou outrem.
9ª Não tendo sido dado como provadas as situações acima referidas não é possível saber quais os factos provados que comprovem ter sido a conduta do arguido que concorreu em grande parte (80%) para a produção do acidente.
10ª Infelizmente não resultou da matéria de facto provada ou não provada que o 3º Réu podia e devia ter imobilizado o veículo de forma a evitar o embate e que o condutor do veículo não teve qualquer possibilidade de reduzir a velocidade e imobilizar o veículo.
11ª Nos autos não se fez prova outros factos que se mostravam essenciais para aquilatar da culpa de 80% do 3° Réu na produção do acidente.
12ª Existe erro de julgamento que ressalta da matéria de facto provada nos quesitos 1º e 2° da base instrutória.
13ª É patente o elevado grau de culpa do condutor do veículo automóvel na produção do evento pelo que deveria o Tribunal “a quo” apurar a repartição de culpas do condutor do motociclo (3° Réu) em 30% e do condutor do veículo 70%, ambos responsáveis pela produção do acidente.
14ª Em caso de dúvida sempre poderia a responsabilidade e a culpa ser repartida em 50% para cada uma das partes.
15ª Não o fazendo, o acórdão recorrido está inquinado do vício de erro de julgamento violando o artigo 499° do Código Civil.
16ª Obtendo provimento o entendimento do recorrente no sentido e sendo atribuído ao condutor do veículo automóvel 70% de culpa na ocorrência do acidente, ou, eventualmente, 50% de culpa, deverá o ora recorrente ser considerado parte ilegítima e ser absolvido da instância, porquanto a seguradora deve assumir as respectiva responsabilidade de indemnização a que se deve limitar a essa percentagem.
17ª Incumbia aos autores provar o rendimento mensal que a vitima dispunha para a família, tal como alegado no artigo 30° e 31° da petição inicial, sendo pacífico que incumbe as partes alegar os factos que integram a causa de pedir (artigos 5° e 430°, n.º 1, do CPC), não competindo ao Tribunal fixar equitativamente esse valor.
18ª Ao ter arbitrado equitativamente um montante de MOP$592.800,00, sem estar provado o valor que a vitima contribuía para a família e sem estar provado qual o último vencimento auferido pela vitima, violou a decisão recorrida o artigo 560°, n.º 6, do CC (e o artigo 564°, n.º 2, do CPC) visto que não existe, in casu, qualquer impossibilidade absoluta de averiguar o montante daquele mesmo vencimento, qual a parcela que servia para contribuir para a família e, consequentemente, o valor global exacto das contribuições que a família virá deixar de receber em virtude do seu falecimento.
19a Seria, pois, de aplicar a regra do artigo 564°, n.º 2, do CPC, relegando para o incidente de liquidação na acção executiva a fixação desse «quantum» indemnizatório. !
20a Na sentença recorrida erradamente é dado por assente que verifica-se uma situação de impossibilidade de apuramento do valor exacto dos danos, prevista no art° 560°/6 do CC, que permite ao juiz o recurso à fixação equitativa do valor dos danos.
21ª A fixação da indemnização a título de danos não patrimoniais teria que ser operada com base na factualidade dada como provada e em termos equitativos e equilibrados, nos termos do disposto nos artigos 487° e 489° do Código Civil, tomando ainda em conta os valores correntes adoptados pela jurisprudência, o que manifestamente não se verificou no caso sub judice.
22a A sentença recorrida viola nesta parte o disposto nos artigos 487° e 489° do Código Civil ao não fixar de forma equitativa o montante da respectiva indemnização, tendo em atenção o grau de culpabilidade e a situação económica do agente e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
23a Atenta a factualidade dada como assente esse dano não patrimonial seria ressarcível com uma indemnização de montante não superior a MOP$150.000,00 (cento e cinquenta mil patacas) para o filho e no montante não superior a MOP$200.000,00 (duzentas mil patacas para a mulher).
24ª Os factos que se referem às dores que vítima teria sofrido ao perder a vida, não constam do elenco dos factos dados como provados e foi mesmo considerado como não provado o quesito 7° da base instrutória.
25ª Erradamente o Tribunal recorrido entendeu considerar uma indemnização à vítima a título de danos não patrimoniais e atribuir essa indemnização quando fez o cálculo do valor global atribuído de MOP$700.000,00 (setecentas mil patacas).
26ª Não tendo sido provado que a vitima tenha sofrido ao perder a vida não deviria ter sido contabilizado na atribuição unitária da indemnização os danos não patrimoniais por si sofridos.
Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada, devendo, em conformidade com o acima exposto, ser decidido o seguinte:
a) Ser o ora recorrente condenado a pagar aos demandantes civis 30% das quantias de MOP$700.000,00 e de MOP$651.158,00, por virtude da repartição de culpas, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais; em alternativa,
b) Ser o ora recorrente condenado a pagar aos demandantes civis 50% das quantias de MOP$700.000,00 e de MOP$651.158,00,repartição de culpas, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, ou, por mera cautela de patrocínio,
c) Deverá ser relegado para o incidente de liquidação na acção executiva a fixação do «quantum» indemnizatório respeitante ao lucros futuros atribuídos aos AA.; e,
d) Deverá proceder-se à liquidação dos montantes indemnizatórios referentes aos diversos danos não patrimoniais por serem exagerados, ou, ainda só por mera cautela de patrocínio,
e) Deverá proceder-se à liquidação dos montantes indemnizatórios referentes aos diversos danos não patrimoniais por serem exagerados, procedendo-se só depois à aplicação da proporção estipulada pelo Tribunal a quo (30% e 70%, respectivamente) respeitante à repartição da responsabilidade pelo risco nos termos acima retratados,
fazendo-se assim a habitual
JUSTIÇA!
Contra-alegaram os Intervenientes F e G e os Autores, pugnando pela improcedência dos recursos interpostos pela C e pelo Réu E – cf. fls. 596 a 611, 619 a 633, e 638 a 648.
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
O recurso interlocutório
Começamos pela apreciação do recurso interlocutório interposto pelo Interveniente G.
É de seguinte teor o segmento do despacho saneador objecto do recurso:
I.5. Da falta de interesse processual (2° interveniente).
É verdade que na petição inicial os Autores não deduziram qualquer pedido contra o 2º interveniente.
E é igualmente verdade que na petição inicial os autores haviam deduzido toda a causa de pedir e pedido apenas na responsabilidade do 3° Réu, condutor do ciclomotor.
Mas não podemos ignorar que, como também em relação ao 1º interveniente, o 2º interveniente é chamado nesta acção por ter sido suscitado o incidente da intervenção principal provocada, em que, por despacho de fls. 145 a 146, foi deferido o requerimento dos Autores a formulação de pedido subsidiário contra os aqui intervenientes, que sejam diversos dos primitivos Réus inicialmente demandados, nos termos consagrados dos artigos 267° e 67°, ambos do CPCM.
Assim, por virtude do pedido subsidiário, havemos que concluir pela existência do interesse processual em demandar a ora interveniente.
Pelo exposto, improcede a excepção da interveniente.
Ora, a questão a resolver neste recurso interlocutório consiste em saber se in casu é admissível o incidente de intervenção principal provocada da G.
Como se sabe, por força do princípio da estabilidade da instância, consagrado no artº 212º do CPC, os elementos essenciais de uma instância tornam-se estáveis com a citação do réu.
Assim, a instância deve manter estável quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir – artº 401º/-b) do CPC.
Todavia, o que não quer dizer que a citação torna esses elementos imutáveis ou inalteráveis.
Pois existem situações em que a própria lei admite expressamente modificações de alguns desses elementos essenciais de uma instância.
Na parte que nos interesse agora, temos as modificações subjectivas.
E uma das modificações subjectivas é justamente a intervenção de terceiros, regulada nos artºs 262º e s.s. do CPC.
O conceito de terceiro contrapõe-se ao conceito de parte que insere a ideia de pessoa por quem ou contra quem é solicitada, em nome próprio, uma providência judicial tendente à tutela de um direito – Manuel Augusto Gama Prazeres, in Dos Incidentes da Instância no Actual Código de Processo Civil, pág. 102.
A propósito da intervenção de terceiros, ensina Salvador da Costa que (in Os Incidentes da Instância, 3ª, pág. 78):
Os incidentes de intervenção de terceiros foram estruturados na base dos vários tipos de interesse na intervenção e das várias ligações entre esse interesse, que deve ser invocado como fundamento da legitimidade do interveniente, e da relação material controvertida desenvolvida entre as partes primitivas.
São três os tipos de intervenção, designadamente a intervenção principal, a intervenção acessória e a oposição.
No primeiro tipo, ou seja, na intervenção principal, em que ocorre igualdade ou paralelismo do interesse do interveniente com o da parte principal a que se associa, o terceiro, que poderia accionar inicialmente em termos de litisconsórcio ou de coligação, associa-se ou é chamado a associar-se a uma das partes primitivas, assumindo o estatuto de parte principal, cumulando-se no processo a apreciação de uma relação jurídica da sua titularidade substancialmente conexa com a relação material controvertida delineada perante as partes primitivas.
Assim, visa a intervenção principal, perante uma acção pendente, proporcionar a terceiros, que a lei designa por intervenientes, o litisconsórcio ou a coligação com alguma das partes da causa.
A intervenção pode ser do lado activo ou do lado passivo, assumindo o interveniente no primeiro caso a posição de co-autor e, no segundo, a posição de co-réu.
É espontânea quando resultar da iniciativa do interveniente, caso em que se configura como uma acção intentada pelo interveniente contra o réu ou como defesa contra o autor da causa principal.
A intervenção é provocada se foi implementada por iniciativa de alguma das primitivas partes na acção.
É admissível nos casos de litisconsórcio ou de coligação em relação aos sujeitos da causa principal, ou seja, quando o interveniente seja titular de um interesse em intervir igual ao do autor ou do réu.
Aqui a nós interessa a intervenção provocada.
A propósito dessa modalidade da intervenção de terceiros, reza o artº 267º do CPC que:
1. Qualquer das partes pode chamar a juízo os interessados com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
2. Nos casos previstos no artigo 67.º, pode ainda o autor chamar a intervir como réu o terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido.
3. O autor do chamamento alega a causa do chamamento e justifica o interesse que, através dele, pretende acautelar
Estatui no nº 1 desse artigo o chamamento por qualquer das partes primitivas a juízo dos interessados com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
E o nº 3 exige que o requerente da intervenção deve alegar e justificar a legitimidade do chamando.
In casu, os Autores apoiaram o seu requerimento da intervenção provocada do F e da G, S.A., nos factos alegados pela Ré C nos artºs 16º e 25º da contestação por ela deduzida, que se provados, poderiam fazer responsabilizar o chamado F e a G.
Trata-se de matéria alegada pela Ré C para impugnar a versão dos factos descritos pelos Autores na sua petição inicial, natural e necessariamente levada para a base instrutória.
Têm estes dois artigos o seguinte teor:
16º - de facto, ao invés do mencionado na p.i., foi o condutor do veículo automóvel (F) que embateu no motociclo e não o inverso; e
25º - e, como se deixou acima referido, o acidente foi causado pela imprevidência do condutor do automóvel que o conduzia fora de mão indo embater no motociclo.
Sendo certo que, mais tarde, foi apurado que o tal veículo automóvel era segurado, no momento dos factos, pela ora Recorrente G.
E para justificar o seu interesse em fazer intervir a G, os Autores invocaram que “se se vier a provar o alegado nos artºs 16º e 25º na contestação apresentada pela Ré C, o condutor do veículo automóvel não poderá deixar de ser responsabilizado pelos prejuízos a que com a sua conduta deu azo”.
Ora, se é certo que os Autores não mencionaram na petição inicial factos concretos que impliquem a responsabilidade da chamada, ora Recorrente G, não é menos verdade que o interesse em fazer intervir essa chamada foi invocado com base na relação material controvertida desenvolvida entre as partes primitivas.
Pois, foram os novos elementos fácticos trazidos pela Ré C que desenvolveram e “ampliaram” a causa de pedir primitiva concebida pelos Autores.
E foi pela própria natureza da relação controvertida nestes termos desenvolvida e ampliada que fez nascer um interesse litisconsorcial superveniente que por sua vez habilita os Autores a provocar a intervenção da chamada G.
Trata-se de uma situação de litisconsórcio necessário, entre os primitivos Réus e os dois Intervenientes.
Pois, se o pedido dos autores não fosse deduzido contra também os dois intervenientes, descritos pelo Réu C como responsáveis pela indemnização pelos danos causados pelo acidente, a decisão da presente acção não poderia produzir o seu efeito útil normal.
Eis o interesse processual do Interveniente, ora recorrente, G.
Bem andou o Exmº Juiz a quo ao julgar improcedente a excepção da falta de interesse processual.
Improcede assim o recurso interlocutório.
A seguir passemos a debruçarmo-nos sobre os recursos da sentença final.
O recurso da sentença final interposto pela Ré C
A única questão levantada neste recurso é a da repartição de culpas entre os dois condutores envolvidos no acidente.
Discorda a ora Recorrente C da sentença ora recorrida no ponto em que foi decidida a repartição de culpas, atribuindo 80% da culpa ao Réu E e 20% ao Interveniente F.
Pede que, tendo em conta a matéria de facto assente, deva ser revogada a repartição de culpas operada pelo Tribunal a quo, e em substituição passar a atribuir 80% de culpa ao Interveniente F (condutor do veículo automóvel) e 20% ao Réu E (condutor do ciclomotor).
Então vejamos.
Foram dados provados os seguintes factos com relevância à boa decisão do recurso:
* No dia 8 de Agosto de 1998, pelas seis horas e nove minutos da manhã, o 3º Réu E conduzia o ciclomotor com a matrícula CM-11XXX, propriedade do 2º Réu D, transportando como passageiro H – marido e pai dos Autores, na Avenida da Amizade, no sentido Hotel Lisboa →Terminal Marítimo;
* O tempo estava bom, a iluminação pública era boa, a densidade do trânsito era fraca (era sábado) e estavam instalados nas duas bermas da via gradeamentos metálicos provisórios, que estreitavam a via;
* Ao chegar ao cruzamento com a Avenida de Marciano Baptista, o 3º Réu E perdeu o controlo do ciclomotor, deixando o seu veículo aproximar-se da linha contínua do meio da via que separa as duas vias de trânsito;
* A viatura MD-94-XX, naquela altura circulava na outra via oposta e também junto da referida linha continua, ao deparar a aproximação do ciclomotor interveniente, o condutor do veículo virou de imediato para o lado direito e, ocorreu o embate;
* O referido embate causou a queda do ciclomotor, incluindo o 3º Réu, seu condutor, bem como do passageiro H, os quais ficaram feridos, tendo sido posteriormente conduzidos ao Centro Hospitalar do Conde de São Januário – CHCSJ;
* H foi diagnosticado, quando deu entrada na Urgência, o estado de coma e um grande hematoma intra-craneano na área occipital esquerda;
* A morte do H foi causada directa e necessariamente pelo traumatismo encéfalo-craneano por este sofrido;
* O qual foi por sua vez provocado pelo violento embate resultante do referido acidente de viação;
* Após o acidente de viação, o 3º Réu foi de imediato submetido a um exame da taxa de alcoolémia no sangue, o qual acusou 2,03 g/l; e
* O condutor do veículo automóvel conduzia sob influência do álcool.
A sentença ora recorrida fundamentou a repartição de culpas no seguinte segmento:
O condutor do ciclomotor circulava sob efeito de bebidas alcoólicas, que se apresenta com uma taxa alcoolémia equivalente a 2,03 gramas por litro de sangue, não prestou a devida cautela de um condutor médio, tem culpa na produção do acidente.
O condutor do veículo ligeiro MD-94-XX, naquela altura circulava na outra via oposta e também junto da referida linha continua, ao deparar a aproximação do ciclomotor interveniente, o condutor do veículo virou de imediato para o lado direito e, ocorreu o embate.
A manobra do condutor do veículo foi mal efectuada, o condutor deve ser a sua faixa com a aproximação da beira esquerda, o condutor do veículo, ao virar para o lado direito, fez o veículo aproximar-se para a linha contínua até poderia entrar na faixa oposta.
Pode acontecer que o automobilista pretendia evitar um eventual embate, circunstancia essa só é adentível na graduação da culpa, mas não exclui a culpa.
Assim, dúvidas não restam, o acidente de viação em causa é da culpa do motociclista e do automobilista, por não terem conduzido o veículo com prudência devida.
Ponderando os comportamento dos condutores do ciclomotor e do veículo, atribui a culpa 80% ao motociclista e 20% ao automobilista.
Todavia, se se tem como correcta a decisão recorrida no ponto em que considerou terem o Réu E, condutor do motociclo, e o Interveniente F, condutor do veículo automóvel, contribuído com culpa para a produção do acidente, já não consideramos ser de manter a forma como foi operada a repartição de culpas entre eles.
Vejamos.
Ficou provado que ao chegar ao cruzamento com a Avenida de Marciano Baptista, o 3º Réu E perdeu o controlo do ciclomotor, deixando o seu veículo aproximar-se da linha contínua do meio da via que separa as duas vias de trânsito.
E que a viatura MD-94-XX, naquela altura circulava na outra via oposta e também junto da referida linha contínua, ao deparar a aproximação do ciclomotor interveniente, o condutor do veículo virou de imediata para o lado direito e, ocorreu o embate.
Ora, é verdade que o condutor do ciclomotor que transportou a vítima perdeu o controlo e deixando o seu veículo aproximar-se da linha contínua do meio da via que separa as duas vias de trânsito.
Todavia, não resulta provado que o ciclomotor já invadiu na faixa de circulação em sentido oposto, por onde se circulava o veículo automóvel conduzido pelo Interveniente F.
Antes pelo contrário, ficou provado que este, o Interveniente F, ao deparar a aproximação do ciclomotor, virou de imediato para o lado direito.
Como se sabe, aqui em Macau, os veículos circulam-se pela esquerda e devem manter-se a circular na sua própria faixa de rodagem – artº 13º/1 e 2 do Código da Estrada, aqui aplicável.
In casu, ao deparar a aproximação do ciclomotor da linha contínua que separa as duas faixas de rodagem, em vez de manter-se a circular na sua própria faixa, o condutor do automóvel virou, inexplicavelmente para nós, para o lado direito!
Dessa parte dos factos provados podemos tirar razoavelmente a ilação judicial para afirmar que a tal manobra fez necessariamente o veículo automóvel despistar-se da sua trajectória pela sua faixa de rodagem, ultrapassar a linha central separadora e invadir na faixa de rodagem em sentido oposto, onde ocorreu a colisão.
Vistas as coisas sob outro prisma, se o veículo automóvel seguisse a sua trajectória dentro da sua própria faixa de rodagem, mesmo que o condutor do ciclomotor tivesse deixado o seu veículo a aproximar-se de linha contínua central por perda do controlo, o acidente poderia não ocorrer ou pelo menos ocorrer de forma menos grave do que efectivamente foi. Pois com a viragem para o lado direito, o veículo automóvel foi embater no ciclomotor e não foi passivamente colido pelo ciclomotor.
Assim, à actuação do condutor do veículo automóvel deve atribuir-se a percentagem da culpa na produção do acidente maior do que a arbitrada na primeira instância.
Pois se o risco do acidente foi criado pela perda do controlo por parte do condutor do ciclomotor, à actuação do conduto do veículo automóvel deve ser imputada a conversão desse risco na colisão.
Naturalmente afigura-se-nos manifestamente pouco sustentável a imputação da apenas 20% da responsabilidade ao condutor do veículo automóvel
Globalmente ponderado o resto da matéria de facto provada, assim como as circunstâncias que o rodeia, somos de opinião que se deve fixar a repartição de culpas em 50% para cada um dos condutores.
Merece assim a parcial procedência o recurso.
O recurso da sentença final interposto pelo Réu E
Em consequência do decidido no recurso interposto pela seguradora a Ré C, esta passará a ser condenada a pagar aos Autores 50% da soma de MOP$651,158,00 e MOP$700.000,00, valor esse fica muito aquém do valor de seguro (que é de MOP$1.000.000,00, vide a fls. 209 dos p. autos), até ao qual responde somente a seguradora C nos termos do disposto no artº 45º/2 do Decreto-Lei nº 57/94/M.
Assim, é-nos manifesta a falta de legitimidade por parte do Réu E, ora recorrente, o que conduz à absolvição do pedido desse mesmo Réu.
Razão porque o presente recurso não pode ser admitido.
Tudo visto, resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam:
Julgar improcedente o recurso interlocutório interposto pelo Interveniente G;
Julgar parcialmente o recurso da sentença final interposto pela Ré C, revogando a sentença recorrida na parte que fixou a repartição de culpas e passando a fixar a repartição de culpas em 50% para cada um dos condutores;
Condenar a Ré C no pagamento aos Autores a quantia global de MOP$675.579,00 (correspondente à metade da soma das indemnizações fixadas em primeira instância e não impugnadas em sede de recurso);
Condenar a Interveniente G, no pagamento aos Autores a quantia global de MOP$675.579,00 (correspondente à metade da soma das indemnizações fixadas em primeira instância e não impugnadas em sede de recurso); e
Não admitir o recurso interposto pelo Réu E.
Custas do recurso interlocutório pela Interveniente G.
Custas na proporção pela Ré C e pelos Intervenientes F e G e pelos Autores, sem prejuízo do apoio judiciário já concedido em relação aos Autores.
Sem custas pelo Réu E.
Notifique.
RAEM, 06OUT2011
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira
Ac. 140-2010-1