Processo nº 858/2011 Data: 19.01.2012
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Liberdade condicional.
SUMÁRIO
A liberdade condicional é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 858/2011
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão e o de violação do disposto no artº 56º do C.P.M.; (cfr., fls. 48 a 90 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).
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Em resposta, pugna o Exm° Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 96 a 101).
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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na Motivação do recurso (fls.84 a 90 dos autos), apesar de invocar «Da insuficiência para a decisão da matéria de facto», o recorrente assacou à douta decisão recorrida, no fundo, só o vício de violação de lei, argumentando que ele satisfazia a todos os pressupostos consagrados no art.56° do CPM.
Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações do nosso Exmo. Colega na Resposta (fls.96 a 101 dos autos), e nada temos, de relevante, a acrescentar-lhes.
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No dia de hoje, constitui jurisprudência firme que a concessão da liberdade condicional depende do preenchimento cumulativo de todos os pressupostos, quer objectivos quer subjectivos, consignados no art.56° do CPM, bastando a não verificação de qualquer um para se negar o pedido da liberdade condicional (a título meramente exemplificativo, vide. Acórdão do TSI no Processo n.° 195/2003).
Importa recordar que a liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa por mera boa conduta prisional, e serve na política do C.P.M. um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o recluso possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão. (Acórdão do TSI no Processo n.° 50/2002)
Daí decorre que se, não obstante um comportamento prisional adequado, pelo passado do recluso e perspectivas de reintegração se não se formula um juízo de prognose favorável a uma regeneração e se teme pelas razões de prevenção geral. (Acórdãos do TSI nos Processos n.°225/2010)
Ainda se inculca reiteradamente que cada situação deve ser observada em concreto e caso a caso, num circunstancialismo de modo, tempo e lugar próprios, analisando de forma crítica a personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo se vai reinserir na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo ainda constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social. (Acórdãos do TSI nos Processos n.o225/201O e n.° 404/2011 )
Envolvendo conceitos indeterminados de prognose, as alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art.56° dota aos julgadores certa margem de livre apreciação na interpretação e na valorização, pelo que a convicção de não verificação dos pressupostos subjectivos só poderia ser neutralizado se houvesse uma exemplar e excelente evolução activa da personalidade do recluso durante a execução da prisão, e não um mero comportamento passivo cumpridor das regras básicas de conduta prisional. (Acórdãos do TSI nos Processos n.° 9/2002)
No caso sub judice, ajuizando todos os dados, a Mema. Juiz a quo entendeu doutamente (cfr., fls. 62 a 64, designadamente fls. 63 verso a 64 dos autos): 就本案囚犯的情況,尤其在一般預防方面,基於其在判刑案中所犯的是販毒罪,囚犯有預謀地前往內地購買多達40克的氯胺闢回澳分拆銷售,目的是向自己工作|的卡拉OK之客人兜售,並由起初兩個星期才往內地提貨一次,至後來因應客人的增加轉為一星期前往兩次,由此可見,囚犯的故意程度甚高,所犯之罪的不法性十分嚴重,實應予高度譴責。事實上,此罪對社會的影響相當深遠,由此衍生的其他犯罪及社會問題亦十分嚴重,人們但一旦染上毒癮,受害的不單是其本人,而是其家人甚至是整個社會。有跡象顯示此類犯罪近年在本澳愈來愈活躍,甚至有愈來愈年輕化的趨勢,情況令人擔憂,故預防此類犯罪實急不容緩。須指出,儘管這個負面因素在量刑時已被考慮,但是,在決定假釋時仍必須將之衡量,考究將囚犯提早釋放會否使公眾在心理上產生無法接受之感,會否對社會秩序產生重大衝擊。
考慮到澳門社會現實情況,提早釋放囚犯將引起相當程度的社會負面效果,妨礙公眾對被觸犯的數個法律條文之效力所持有的期望,故基於有需要對有關犯罪作一般預防的考慮,本院認為,提前釋放囚犯將有礙法律秩序的權威及社會的安寧,因此,不符合澳門«刑法典»第56條第1款b項所規定的給予假釋此一必備實質要件。
Apesar de se militarem, nos autos, umas circunstâncias favoráveis ao recorrente, na esteia das jurisprudências supra citadas, aderimos à posição da Mesma. Juiz a quo, no sentido de ele ainda não reunir, por ora, os pressupostos previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do art. 56° do CPM.
Pois, as regras da experiência comum revelam reiteradamente que é dificil de abandonar o vício de tráfico e consumo de droga; e como bem observou a Mema. Juiz a quo, mostram-se duvidosas a capacidade de reintegrar-se na sociedade de modo auto-responsável e auto-controlo.
O que se dá a prever, a jusante, que não se verifica, na presente altura, o pressuposto consagrado naquela alínea a), pelo que a concessão da liberdade condicional periga a prevenção especial.
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Por todo o exposto, pugnamos pela improcedência do recurso em apreço”; (cfr., fls. 108 a 109-v).
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Corridos os vistos legais dos Mmºs Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– por Acórdão do T.J.B. de 24.09.2010, foi, A, ora recorrente, condenado na pena única de 4 anos e 15 dias de prisão, pela prática, em concurso real, de 1 crime de “tráfico de estupefacientes” e 1 outro de “detenção indevida de utensílio ou equipamento”;
– o mesmo recorrente deu entrada no E.P.C. em 25.02.2009, e em 06.11.2011, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 11.03.2013;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá viver com a sua mãe, em Macau, possuindo perspectivas de emprego numa loja de animais.
Do direito
3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do artº 56º do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.
Diz também que a decisão recorrida padece de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Vejamos.
–– No que toca à dita “insuficiência”, evidente é que não tem o recorrente razão, pois que como se pode ver da decisão recorrida, nela ponderou-se toda a matéria relevante existente nos presentes autos.
–– Vejamos agora dos pressupostos da liberdade condicional.
Preceitua o citado artº 56º do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. nº 1).
“In casu”, atenta a pena única que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 25.02.2009, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.
Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º.
Na verdade, e na esteira do decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 20.01.2011, Proc. nº 30/2011, de 27.01.2011, Proc. nº 25/2011 e o de 03.03.2011, Proc. n.° 116/2011).
Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.
Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?
Cremos que de sentido negativo deve ser a resposta, mostrando-se-nos de subscrever, na íntegra, o teor do douto Parecer do Ilustre Procurador Adjunto, que aqui, por uma questão de economia processual, se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
De facto, (e independentemente do demais, em especial, do facto de não ser o recorrente primário), atentos os tipos de crime pelo ora recorrente cometidos, em especial, o de “tráfico de estupefacientes”, importa pois acautelar a sua repercussão na sociedade, o que equivale a dizer que não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico; (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106).
Assim, em face das expostas considerações, e verificados não estando os pressupostos do art. 56°, n.° 1 do C.P.M., há que confirmar a decisão recorrida.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.
Honorários ao Exm° Defensor no montante de MOP$900.00.
Macau, aos 19 de Janeiro de 2012
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 858/2011 Pág. 12
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