打印全文
Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso Jurisdicional em matéria administrativa
N.° 28 / 2005

Recorrente: Secretário para a Segurança
Recorrida: A







1. Relatório
   A interpôs recurso contencioso perante o Tribunal de Segunda Instância com pedido de anulação do acto do Secretário para a Segurança, datado de 24 de Agosto de 2004 que indeferiu o requerimento de prorrogação excepcional de permanência pelo prazo de seis meses.
   O Tribunal de Segunda Instância, por seu acórdão de 28 de Julho de 2005 proferido no processo n.° 259/2004, concedeu provimento ao recurso contencioso, anulando a decisão impugnada.
   Deste acórdão vem agora o Secretário para a Segurança interpor recurso ao Tribunal de Última Instância, formulando as seguintes conclusões das alegações:
   “1. O Tribunal de Segunda Instância anulou o acto recorrido considerando-o viciado de erro nos pressupostos de facto dado que em seu entender a situação de facto da recorrente foi incorrectamente qualificada como “relação de trabalho” e por isso não aplicável o RA n.º 17/2004 que se ocupa, apenas, de relações laborais.
   2. Entende o ora recorrente, que o RA n.º 17/2004 não se ocupa apenas de relações de trabalho “stricto sensu”, sendo mais abrangente, e que,
   3. A situação de facto do acto recorrido é totalmente subsumível à norma do art.º 4.º do RA n.º 17/2004, qualquer que seja a qualificação jurídica que da mesma se faça.
   4. Sendo a situação de facto totalmente enquadrável no art.º 4.º do RA n.º 17/2004 não pode deixar de indeferir-se a pretensão, sob pena de se violar essa mesma norma.
   5. Donde se há-de concluir que o acto administrativo em apreço não padece de qualquer vício que determine a sua anulação.”
   Pedindo que seja dado provimento ao recurso e anulado o acórdão recorrido.
   
   A recorrida concluiu, nas suas alegações, de forma seguinte:
   “1. A entidade ora recorrente manifesta, com a interposição do acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, uma incoerência no seu comportamento processual nos presentes autos, que não pode deixar de ser censurada.
   2. Em sede de contestação do recurso interposto pela ora recorrida, a entidade ora recorrente manifestou a sua posição no sentido de não qualificar a actividade da recorrida uma vez que entendia que a DSAL era mais competente para isso do que ela própria.
   3. Sujeitando-se ao entendimento que o Venerando Tribunal de Segunda Instância quisesse dar ao caso.
   4. A recorrente, que entendia não ser a mais competente para versar sobre a matéria substantiva dos autos, resolveu opinar sobre a mesma, quando não o tinha feito no despacho recorrido ...
   5. A conduta processual e institucional da recorrente é manifestamente reprovável e não poderá deixar de ser censurada por V. Exas.
   6. Por duas ordens de razão: em primeiro lugar porque a própria recorrente, afirmou na sua contestação, que materialmente não estava habilitada a qualificar a situação da recorrida, razão pela qual decidiu apenas e tão só, seguir a posição adoptada pela DSAL.
   7. Em segundo lugar, porque ao assumir a posição que tomou a entidade ora recorrente – de que sujeitaria à qualificação que viesse a ser dada pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância, e em total oposição ao que havia afirmado, vem interpor deste recurso, releva uma atitude claramente abusiva, que é qualificável como venire contra factum proprio.
   8. Aquela declaração da ora recorrida em sede de contestação é suficiente para concluir que a ora recorrente não tem nem interesse em agir, nem legitimidade no presente recurso.
   9. Por duas razões: (1) porque relegou expressamente para o Venerando Tribunal de Segunda Instância a decisão sobre a causa, considerando-se incompetente para enquadrar juridicamente a actividade da ora recorrida; (2) porque prescindiu anteriormente desse direito de forma expressa.
   10. Termos em que deverá, desde logo, improceder o presente recurso apresentado pela ora recorrente.
   11. Veio também a recorrente apresentar a sua tese, até agora desconhecida, de que o Regulamento Administrativo 17/2004, de 14 de Junho, é aplicável, não só às relações de trabalho “stricto sensu”, como também a outras “actividades”.
   12. Adoptando a mesma da posição do Digno Magistrado do Ministério Público, de que a situação sob escrutínio poderia qualificar-se como “actividade ilegal”.
   13. Ora, a qualificação do missionarismo como “actividade ilegal” viola as mais elementares regras de direito internacional de respeito pela dignidade do Homem e dos seus direitos à liberdades Religiosa e Cultural.
   14. Desde logo, viola os art.ºs 2.º, n.º 2 e 13.º, n.º 1 do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, adoptado em Nova Iorque, em 16 de Dezembro de 1966 aplicável a Macau ex vi do art.º 40.º da Lei Básica de Macau.
   15. Ao qualificar o missionarismo, não como uma relação de trabalho, como anteriormente fez (ao aderir ao parecer emitido pela DSAL), mas como uma actividade ilegal nos termos do Regulamento 17/2004, a entidade recorrente incorre em dois graves erros de direito.
   16. Primeiro por qualificar o missionarismo de uma forma censurável à luz dos mais elementares direitos e liberdades do Homem, contra, aliás ao que é até aceite em países qualificados como sendo do Terceiro Mundo.
   17. Segundo por fazer uma qualificação manifestamente contra legem, qualificando as situações concretas contra lei expressa, pois o legislador intitulou o Regulamento Administrativo n.º 17/2004 de Regulamento sobre a Proibição do Trabalho Ilegal, sendo o termo trabalho um conceito jurídico próprio, consagrado na lei, prima facie no Código Civil (vide art.º 1079.º)
   18. O Regulamento Administrativo n.º 17/2004 tem como escopo precisamente a protecção do direito ao trabalho, prima facie, dos residentes da RAEM, através da repressão da concorrência pelo trabalho prestado por não residentes, frequentemente com condições de trabalho inferiores àquelas que em princípio seriam asseguradas aos trabalhadores residentes.
   19. De todo o modo, é regra elementar de interpretação jurídica que “quando o legislador distingue, não cabe ao intérprete distinguir”, pelo que a interpretação abrogante formulada pela ora recorrente, não faz, pois qualquer sentido face à ratio legis do diploma a que se refere.
   20. A recorrida reitera, pois, as alegações de facto e de direito, e as conclusões que fundaram a interposição do recurso para o Venerando Tribunal de Segunda Instância, pelo que dá por reproduzidas, para todos os devidos efeitos legais as sustentações de facto e de direito constantes do referido recurso.”
   Pedindo que seja julgado improcedente o recurso e confirmado a decisão do Tribunal de Segunda Instância.
   
   A Procuradora-Adjunta junta ao Tribunal de Última Instância apresentou o parecer que consiste essencialmente em:
   “No presente recurso foi suscitada a questão de saber se é aplicável à situação sub judice em que se encontra a ora recorrida A a disciplina do Regulamento Administrativo n.º 17/2004, concretamente o disposto no art.º 4.º do mesmo diploma.”
   “Desta norma resulta que, não obstante a não qualificação como ilegal a situação em que um não residente, convidado pela pessoa singular ou colectiva sediada na RAEM, exerce actividades religiosas, desportivas, académicas, de intercâmbio cultural e artísticas, mesmo sem autorização necessária, certo é que o legislador estabelece o limite temporal para permanência do não residente para a prestação de trabalho ou serviço, que não pode ultrapassar 45 dias por cada período de 6 meses, consecutivos ou interpolados.”
   “Não podemos deixar de concordar com o douto entendimento do Tribunal a quo quanto à qualificação jurídica da relação entre A e a dita Igreja, uma vez que, face aos elementos constantes dos autos e ao conceito de relação de trabalho definido por lei, concretamente pelo art.º 1079.º do CPC e art.º 2.º, al. c) do DL n.º 24/89/M, é de crer que não estamos perante uma relação de trabalho “stricto sensu”.
   Neste sentido, não se pode falar da violação destas normas que definem o conceito de contrato de trabalho.”
   
   “No entanto e no que concerne à questão de aplicabilidade do Regulamento Administrativo n.º 17/2004, somos de opinião que o seu âmbito de aplicação é mais amplo do que o defendido pelo Tribunal a quo, não se limitando a relações de trabalho nos termos tal como vêm definidas na lei.
   Interpretando conjuntamente as disposições legais em causa, nomeadamente os art.ºs 2, al. 1) e 4.º do referido diploma, parece-nos que, não obstante o termo (“trabalho”, “trabalho ilegal”) utilizado neste diploma para definir o seu objecto, o legislador não pretende delimitar o âmbito de aplicação do diploma apenas a situações em que entre o não residente de Macau e a pessoa singular ou colectiva são estabelecidas relações de trabalho ou contratos de trabalho “stricto sensu”.
   Na realidade, a al. 1) do art.º 2.º refere que é considerado ilegal o trabalho prestado pelo não residente sem a necessária autorização, “ainda que não remunerado” (o sublinhado é nosso).
   Como se sabe, a relação de trabalho definida na lei tem como elemento essencial a “retribuição”, na medida em que a actividade é prestado mediante “retribuição”.
   Daí que, se também é visto como ilegal o trabalho sem remuneração, como é que se pode concluir que o termo utilizado no diploma em causa deve ser interpretado de acordo com o conceito jurídico que é exacta e rigorosamente dado por lei e, consequentemente, o mesmo diploma se aplica apenas a situações em que se estabeleçam relações de trabalho “stricto sensu” ?
   Salvo o devido respeito, parece-nos que, tal como entende o nosso Colega do MP no seu parecer dado no recurso contencioso, cujas considerações também subscrevemos, a concepção assumida pelo Regulamento Administrativo n.º 17/2004 é mais ampla, abrangendo não só situações de relação de trabalho, mas também outras actividades exercidas ou serviços prestados pelo não residente, mesmo não remunerados, e talvez será mais correcto falar-se de “actividade” e não “trabalho” no sentido técnico.
   
   Nota-se que, no caso sub judice, o pedido de prorrogação excepcional de permanência foi apresentado com vista à continuação de prestação de serviço missionário, pelo que, antes da decisão, a Administração deve ter em conta o disposto no n.º 2 do art.º 4.º do Regulamento Administrativo n.º 17/2004 que estabelece o limite temporal para a permanência do não residente para a prestação de trabalho ou serviço.
   A situação de facto ora em apreciação é enquadrável na al. 2) do n.º 1 do art.º 4.º do Regulamento e, consequentemente, sujeita-se ao prazo máximo fixado no n.º 2 do mesmo artigo.
   
   Pelo exposto, parece-nos que o presente recurso merece provimento.”
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 O Tribunal de Segunda Instância considerou provados os seguintes factos:
   “A recorrente ofereceu-se para prestar serviço de missionário em Macau pela Igreja, como parte dos seus deveres enquanto ‘mórmon’.
   A referida Igreja está regularizada em Macau, RAE, estando constituída como “Associação Igreja X”, em chinês ‘(某)教會’, e em inglês “Association of The Church X”, com sede na [Endereço].
   A Associação Igreja X (doravante designada apenas como Igreja) dedica-se, entre outras actividades, à promoção de programas e actividades de natureza religiosa, beneficência, educacional, cultural, social, recreativa, assistência social ou outros de natureza não lucrativa.
   Como elemento essencial para a prossecução da sua actividade, a Associação necessita do indispensável suporte missionário, constituído essencialmente por elementos pertencentes à Igreja que representa.
   Os referidos missionários vêm regularmente a Macau desde há vários anos, em regime de rotatividade e por períodos não superiores a seis meses, obtendo para o efeito as necessárias autorizações de permanência e prorrogação de permanência ao abrigo do Decreto-Lei n.º 55/95/M.
   A recorrente apresentou em 28/06/2004 um pedido de prorrogação excepcional de permanência na Região Administrativa Especial de Macau pelo prazo de 6 meses.
   Pretensão essa que foi indeferida pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança de Macau.
   A decisão recorrida é o despacho de 24/08/2004, emitido pelo Exmo Senhor Secretário para a Segurança de Macau, que indeferiu o pedido de prorrogação excepcional de permanência pelo prazo de 6 meses requerido pela ora recorrente em 28/06/2004.
   Desse despacho foi a recorrente notificada nos seguintes termos:
‘SERVIÇO DE MIGRAÇÃO
COMISSARIADO DE ESTRANGEIROS
NOTIFICAÇÃO
   
   Nesta data notifico a Sr.ª A, (titular do passaporte americano n.º XXXXXXXXX) de que, relativamente ao requerimento por si apresentado este Comissariado em 28/06/2004, solicitando a prorrogação excepcional de permanência na RAEM por 6 meses, o Secretário para a Segurança de Macau, concordou com a proposta constante na Informação MIG.XXXX/2004/E deste Serviço de 11/08/2004 e por seu despacho de indeferimento em 24/08/2004, não autorizou o vosso pedido de prorrogação excepcional de permanência,
   Ora se transcreve o teor da proposta supracitada em seguinte:
   ‘1. Da carta apresentada pela Associação Igreja X, constata-se que a requerente é uma dos missionários da respectiva Associação, sendo recomendada a prestar ajuda às actividades do missionarismo em Macau. A respectiva associação religiosa responsabiliza-se de todas as quotidianas despesas necessárias da requerente durante a sua permanência em Macau, incluindo as do alojamento, assistência médica e de transporte;
   2. Tendo em consideração que, a contar de entrada em Macau, ou a contar da data em que a respectiva associação lhe passou uma declaração de trabalho, com o objectivo de certificar que a interessada está a assumir a relativa missão, o período de permanência e as actividades exercidas acima referidas pela interessada em Macau já ultrapassou os prazos estipulados na alínea 2 do artigo 4º (um prazo máximo de 45 dias por cada período de 6 meses consecutivos ou interpolados) do Regulamento Administrativo n.º 17/2004 (Regulamento sobre a Proibição de Trabalho Ilegal). Segundo o teor do oficio n.° XXXX/DMNOR/DE/DSTE/04, de 05/08/2004, a DSTE esclareceu que a situação da interessada poderia ser considerada trabalho ilegal, devendo a interessada em causa requerer a autorização de trabalho junto da DSTE;
   3. Pelo que, proponho que não lhe seja autorizado o presente pedido de prorrogação excepcional de permanência. A situação de permanência da interessada só pode ser automaticamente regularizada conforme o procedimento determinado deste Serviço de Migração, após obter a respectiva autorização administrativa da DSTE.’
   Deste acto cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância da RAEM.
   Macau, aos 27 de Agosto de 2004.
   O Chefe do Comissariado de Estrangeiros, Intº.
   Wong Chio Man
   Subcomissário’
   
   Do respectivo Processo Instrutor que conduziu àquele despacho de indeferimento constam as seguintes informações e pareceres:
Governo da Região Administrativa Especial de Macau
CORPO DE POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA
   ‘Parecer:
   Concordo, à consideração do Exmo. Secretário para a Segurança.
Aos 17 de Agosto de 2004
                  Comandante substituto do CPSP
(Ass.)
   1. Os 4 requerentes mencionados na presente Informação apresentaram os pedidos de prorrogação excepcional da permanência por um período de 6 meses nos termos do artigo 12.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, a fim de dedicar-se às actividades de evangelização na Associação Igreja X.
   2. A Associação Igreja X emitiu ofícios respectivamente em 28 de Maio e 17 de Junho do corrente ano, em que certifica que os requerentes acima referidos são missionários da referida Associação, ajudando a Associação a exercer actividades de evangelização em Macau durante 6 meses. Na estadia em Macau dos referidos requerentes, as despesas de alimentação, alojamento, assistência médica, transporte e toda a necessidade de viver ficarão a cargo da referida Associação.
   3. A permanência dos requerentes em causa em Macau e a sua dedicação às respectivas actividades, a contar do primeiro dia da sua entrada em Macau, já excederam o prazo estipulado pelo artigo 4.º, n.º 2 do Regulamento sobre a Proibição do Trabalho Ilegal, aprovado pelo Regulamento Administrativo n.º 17/2004 (quarenta e cinco dias por cada período de seis meses, consecutivos ou interpolados). Conforme o ofício n.º XXXX/DMONR/DE/DSTE/04, emitido pela Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego em 5 de Agosto do corrente ano, a situação acima referida deve ser considerada trabalho ilegal e os indivíduos em causa devem pedir autorização para trabalho à DSTE.
   4. Nestes termos, proponho que não autorize os pedidos de prorrogação excepcional dos 4 requerentes em causa. A situação da permanência do requerente será resolvida conforme os procedimentos inerentes deste Serviço depois de a DSTE conceder a autorização para trabalho aos requerentes em causa.
   5. À consideração superior do Comandante substituto.
                Aos 17 de Agosto de 2004.
           O Subintendente interino do Serviço de Migração,
(Ass.)’
   
‘Assunto: Pedidos de prorrogação excepcional da permanência

Informação n.º MIG. XXXX/2004/E
   
   
Data: 11/08/2004
   1. Os requerentes abaixo mencionados (n.ºs 1 a 4, id. constante do mapa I) apresentaram, respectivamente em 15 e 28 de Junho do corrente ano, os pedidos de prorrogação excepcional de permanência por um período de 6 meses, nos termos do artigo 12.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, a fim de dedicar-se às actividades de evangelização na Associação Igreja X.
   (Mapa I) Os dados de identificação dos 4 indivíduos:
Ordem
Nome
Nacionalidade
N.º de Passaporte
Válido até
Data da primeira entrada
Prazo da permanência autorizado
Dias da permanência em Macau
1
B
EUA
XXXXXXXXX
06/06/2009
03/06/2004
18/07/2004
70 dias
2
A
EUA
XXXXXXXXX
06/08/2007
18/06/2004
18/07/2004
55 dias
3
C
EUA
XXXXXXXXX
09/09/2013
18/06/2004
18/07/2004
55 dias
4
D
Filipinas
XXXXXXXX
24/03/2009
12/06/2004
22/07/2004
61 dias
   2. Documentos apresentados:
   - Uma cópia do passaporte dos requerentes acima referidos (Doc. 1);
   - A Associação Igreja X emitiu ofícios respectivamente em 28 de Maio e 17 de Junho do corrente ano, em que certifica que os 4 requerentes acima referidos são missionários da referida Associação, ajudando a Associação a exercer actividades de evangelização em Macau durante 6 meses. Na estadia em Macau dos referidos requerentes, as despesas de alimentação, alojamento, assistência médica, transporte e toda a necessidade de viver ficarão a cargo da referida Associação (Doc. 2);
   - Uma cópia do certificado relativo a registo da referida Associação (n.º XXXX), emitida pela Direcção dos Serviços de Identificação em 2 de Abril de 2004 (Doc. 3);
   - Uma cópia do estatuto orgânico da referida Associação, em versão portuguesa (Doc. 4).
   3. Segundo os elementos existentes, verifica-se que o Secretário para a Segurança já autorizou, até agora, a prorrogação excepcional de permanência em Macau dos 15 missionários da Associação em causa respectivamente até Julho, Agosto e Outubro do corrente ano, entre os quais, 3 já saíram de Macau e os seus pedidos já foram cancelados.
   4. Visto que o Regulamento sobre a Proibição de Trabalho Ilegal aprovado pelo Regulamento Administrativo n.º 17/2004, entrou em vigor em 1 de Julho do corrente ano, este Comissariado emitiu um ofício para a Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego para consultar as disposições do referido Regulamento, e em 5 de Agosto do corrente ano, recebeu a resposta da DSTE através do ofício n.º XXXX/DMONR/DE/DSTE/04. Conforme a referida resposta, como a permanência dos requerentes em causa em Macau e a sua dedicação às respectivas actividades, a contar do primeiro dia da sua entrada em Macau, já excederam o prazo estipulado pelo artigo 4.º, n.º 2 do Regulamento Administrativo supracitado (quarenta e cinco dias por cada período de seis meses, consecutivos ou interpolados), a situação dos referidos requerentes deve ser considerada trabalho ilegal e os indivíduos em causa devem pedir autorização para trabalho à DSTE.
   5. O 1º requerente entrou em Macau em 3 de Junho de 2004 e a sua permanência em Macau foi autorizada até 3 de Julho de 2004. Posteriormente, ele entrou em Macau outra vez através do Terminal do Porto Exterior em 18 de Junho de 2004 e a sua permanência em Macau foi autorizada até 18 de Julho de 2004. Até agora, ele já tem permanecido em Macau há 70 dias; os 2º e 3º requerentes entraram em Macau em 18 de Junho de 2004 através do Terminal do Porto Exterior e a sua permanência foi autorizada até 18 de Julho de 2004 e, até agora, eles já têm permanecido em Macau há 55 dias; a 4ª requerente entrou em Macau em 12 de Junho de 2004 através do Terminal do Porto Exterior, a sua permanência foi autorizada até 12 de Julho de 2004, posteriormente, ela entrou em Macau outra vez em 18 de Junho de 2004, através do Terminal do Porto Exterior e foi autorizada permanecer em Macau até 18 de Julho de 2004, posteriormente, ela entrou em Macau outra vez em 22 de Junho de 2004, através do Terminal do Porto Exterior e foi autorizada permanecer em Macau até 22 de Julho de 2004. Ela tem permanecido em Macau há 61 dias.
   6. No dia em que apresentaram os seus pedidos respectivamente em 15 e 28 de Junho do corrente ano, os 4 requerentes supra mencionados encontravam-se na situação de permanência legal em Macau.
   7. À consideração superior.
O informante,
O Chefe interino do Comissariado de Estrangeiros
(Ass.)
(Ass.)’
Guarda Policial n.º XXXXXX
   
   
   ‘Despacho :
   Indefiro, nos termos e com os fundamentos do parecer constante desta informação.
em 24/8/04

O Secretário para a Segurança
Cheong Kuok Va’ ”
   
   
   2.2 A aplicação do Regulamento Administrativo n.º 17/2004 a actividades religiosas
   A requereu ao Chefe do Executivo a prorrogação de permanência na Região Administrativa Especial de Macau por sessenta dias, nos termos do art.º 12.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, com fundamento na prestação de serviços missionários à Associação Igreja X. Atendendo que o tempo de permanência e prestação daquela actividade já ultrapassou o prazo previsto no n.º 2 do art.º 4.º do Regulamento Administrativo n.º 17/2004, foi o requerimento indeferido pelo Secretário para a Segurança. Ao apreciar o recurso contencioso interposto pela requerente contra tal decisão, o Tribunal de Segunda Instância entendeu que não existia relação laboral entre a requerente e a Igreja, anulou, em consequência, o acto impugnado por erro nos pressupostos.
   O ora recorrente considera que o Regulamento Administrativo n.º 17/2004 se aplica não apenas a relações laborais em sentido próprio, mas é adoptada uma concepção mais ampla, cujo art.º 4.º aplica-se às actividades missionárias referidas nos presentes autos. Por seu lado, a recorrida reitera que o objectivo deste Regulamento Administrativo é combater o trabalho ilegal e nas actividades missionárias não há relação de trabalho.
   A recorrida suscitou ainda nas suas alegações a falta de legitimidade e interesse em agir do recorrente. Estas questões prévias já foram julgadas improcedentes pelo relator do presente processo através do despacho já transitado em julgado (fls. 162).
   
   A questão a ser apreciada no presente recurso consiste em saber se o Regulamento Administrativo n.º 17/2004 se aplica aos não residentes que desenvolvem actividades missionárias por conta de outrem.
   O Tribunal de Última Instância já conheceu da mesma questão no acórdão de 11 de Janeiro de 2006 proferido no processo n.º 24/2005, decidindo que o âmbito da aplicação do citado Regulamento Administrativo abrange as referidas actividades. No presente processo mantemos a mesma posição.
   
   O Regulamento Administrativo n.º 17/2004, intitulado de Regulamento sobre a Proibição do Trabalho Ilegal, estabelece a proibição da aceitação ou prestação de trabalho e o correspondente regime sancionatório (art.º 1.º).
   Em que o art.º 2.º regula o âmbito da aplicação do diploma:
   “Para efeitos do presente regulamento administrativo considera-se trabalho ilegal aquele que é prestado:
   1) Pelo não residente que não possua a necessária autorização para exercer actividade por conta de outrem, ainda que não remunerada;
   2) Pelo não residente que, apesar de possuir a necessária autorização para trabalhar por conta de outrem, se encontra a exercer a sua actividade, remunerada ou não, para entidade diversa da que requereu a sua contratação;
   3) Pelo não residente que, apesar de possuir a necessária autorização para trabalhar por conta de outrem, se encontra a exercer a sua actividade sem observância de outras condições de contratação, com excepção da referida na alínea 2), impostas pelo respectivo despacho de autorização;
   4) Pelo não residente que exerce uma actividade em proveito próprio, sem observância das condições definidas no artigo seguinte.”
   No art.º 4.º estão previstas as excepções:
   “1. Salvo disposição legal em contrário, não são abrangidas pelo disposto na alínea 1) do artigo 2.º do presente regulamento administrativo as seguintes situações em que o não residente preste uma actividade:
   1) Quando tenha sido celebrado um acordo entre empresas sediadas fora da Região Administrativa Especial de Macau, adiante designada por RAEM, e pessoas singulares ou colectivas sediadas na RAEM para realização de obras ou serviços determinados e ocasionais, nomeadamente, quando haja necessidade de utilização de trabalhadores fora da RAEM para prestação de serviços de direcção, técnicos, de controlo de qualidade ou de fiscalização;
   2) Quando a pessoa singular ou colectiva sediada na RAEM convide o não residente a exercer actividades religiosas, desportivas, académicas, de intercâmbio cultural e artísticas.
   2. As excepções previstas no n.º 1 para permanência do não residente para a prestação de trabalho ou serviço são limitadas a um prazo máximo de quarenta e cinco dias por cada período de seis meses, consecutivos ou interpolados.
   3. O período de seis meses referido no número anterior conta-se a partir da data da entrada legal do não residente na RAEM.
   4. ...
   5. ...”
   
   A recorrida ofereceu-se para prestar serviço de missionário em Macau pela Igreja X, como parte dos seus deveres enquanto mórmon. Ela salienta que se trata de serviço voluntário, gratuito e altruísta, não havendo nenhum contrato de trabalho. O recorrente aceita também que não é uma relação de trabalho stricto sensu.
   
   Nos termos do art.º 1079.º, n.º 1 do Código Civil: “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.”
   É manifesto que, nos presentes autos, as actividades missionárias desenvolvidas pela recorrida não constituem relação de trabalho previsto no Código Civil. No entanto, isso não significa que o Regulamento sobre a Proibição do Trabalho Ilegal não se aplica ao presente caso. Segundo as al.s 1) e 2) do art.º 2.º do Regulamento Administrativo, estão sujeitos ao regime deste diploma os não residentes que exercem actividade por conta de outrem, mesmo sem remuneração. Já se estende para além do âmbito da relação de trabalho em sentido restrito, e até a al. 2) do n.º 1 do art.º 4.º do mesmo Regulamento Administrativo refere expressamente a actividades religiosa e outras.
   Assim, o âmbito da aplicação do Regulamento Administrativo n.º 17/2004 não se limita a relações de trabalho em sentido restrito, abrange ainda uma série de situações previstas no seu art.º 2.º, nomeadamente o exercício de actividade por conta de outrem, na condição de sem remuneração, e a actividade em proveito próprio.
   Tal como se explica no acórdão do Tribunal de Última Instância do processo n.º 24/2005: “O que significa que o Regulamento quando emprega a expressão ‘trabalho ilegal’ emprega um conceito que não corresponde ao conceito jurídico designado de trabalho subordinado. Mas isso não é nenhum problema para o intérprete, desde que a lei, como é o caso, esclareça devidamente que situações pretende abranger. Em matéria de interpretação de normas jurídicas o intérprete deve estar prevenido contra o ‘conceitualismo’.”
   O Regulamento Administrativo em causa não considera as actividades religiosas e outras como “actividades ilegais”, mas prescreve, antes, qual o prazo a observar por não residentes quando desenvolvem em Macau as actividades previstas no n.º 1 do art.º 4.º do mesmo Regulamento Administrativo sem a prévia autorização.
   Desde que o Regulamento Administrativo n.º 17/2004 se aplica às situações da recorrida, ela deve estar sujeita ao prazo previsto no n.º 2 do art.º 4.º deste diploma ao permanecer em Macau desenvolvendo as actividades missionárias sem prévia autorização.
   Por isso, não se verificando erro nos pressupostos no acto do recorrente, deve conceder provimento ao recurso.
   
   
   
   3. Decisão
   Face aos expostos, acordem em julgar procedente o recurso e, em consequência, negar provimento ao recurso contencioso.
   Custas pela recorrida no presente recurso jurisdicional e no recurso contencioso, com as respectivas taxas de justiça em 3UC e procuradoria de 1/3.
   


   Aos 4 de Abril de 2006.


           Juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
A Magistrado do Ministério Público presente na conferência:
            Vitor Manuel Carvalho Coelho
Processo n.° 28 / 2005 21