Processo n.º 122/2011
(Recurso Cível)
Data : 23/Fevereiro/2012
ASSUNTOS:
- Marcas
- Interesse legítimo
- Legitimidade; aferição em função do momento do pedido de marca
SUMÁRIO:
1. Há interesse legítimo sempre que o requerente destine a marca a uma actividade económica concreta que exista ao tempo do pedido apresentado junto da entidade competente para a sua concessão, pode requerê-la para uma actividade ainda não desenvolvida, tem que haver alguma indiciação ou preparação do desenvolvimento da actividade, ou tem de haver alguma relação com a actividade já desenvolvida.
2. Tem legítimo interesse o requerente que desempenhe, por regra, em moldes empresariais, uma das categorias da actividade económica (primária, secundária e terciária), à qual se ligam os produtos ou serviços a assinalar. A lei confere, expressamente, legitimidade em razão da actividade económica do interessado, independentemente da respectiva natureza jurídica (pessoa singular ou colectiva, de direito privado ou público).
3. O requerente tem legitimidade quando, no momento do pedido, independentemente da sua natureza jurídica, exerça ou demonstre poder vir a exercer, por via de regra, empresarialmente, qualquer das actividades económicas previstas na lei e destine a marca, imediata ou diferidamente, a produtos ou serviços relacionados com essas actividades.
4. Importa conciliar a possibilidade de se requerer uma marca para o futuro e a legitimidade nesse pedido, aferindo da relação entre o titular e o interesse no momento em que se formula a pretensão.
5. Assim, se uma dada sociedade de entrega de valores (SEV) não pode, nos termos da lei, desenvolver outras actividades, em particular na área seguradora e financeira, ainda que, abstractamente se possa pedir uma marca para o futuro, neste caso, a requerente carece de um interesse digno de protecção em relação a uma actividade que neste momento lhe está vedada.
O Relator,
(João Gil de Oliveira)
Processo n.º 122/2011
(Recurso Cível)
Data: 23/Fevereiro/2012
Recorrente: A, Limitada
(XXX)
Recorrida: B
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A, em chinês, XXX, Limitada, em português, e XXX, Limited, em inglês, parte contrária nos autos à margem referenciados, inconformada com a sentença que decidiu julgar procedente o recurso judicial do despacho de concessão de registo de marca nº N/43495 (XXX Express Padala), para a classe 36ª, proferido pela Senhora Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia em 8 de Fevereiro de 2010 e publicado no Boletim Oficial de 3 de Março de 2010, e, em consequência, anulou a referida decisão, com fundamento em falta de legitimo interesse na concessão do mesmo por parte da aqui Recorrente,
vem recorrer,
alegando, no essencial:
1. O presente recurso vem interposto da douta sentença que decidiu julgar procedente o recurso judicial do despacho de concessão de registo de marca, com fundamento em falta de legítimo interesse na concessão do mesmo por parte da aqui Recorrente;
2. A decisão tomada com base em tal fundamento padece de vício de erro na aplicação do direito, por incorrecta determinação da norma aplicável, que não poderá ser a Portaria nº 313/95/M, de 4 de Dezembro, mas antes o Aviso do Chefe do Executivo nº 10/2009, e a Classificação Internacional de Produtos e Serviços para efeitos de Registo de Marcas (Classificação de Nice – 9ª Edição);
3. A ora recorrente á uma sociedade de entrega rápida de valores em numerário (SEV), cujo objecto social consiste na promoção de entregas rápidas de valores em numerário, no território de Macau ou no exterior, por ordem de terceiro, após a entrega, por estes, da respectiva contrapartida, e que o Decreto-Lei nº 15/97/M prevê ainda que só é permitido às SEV efectuaram as operações cambiais estritamente necessárias à prossecução do mesmo, e que, finalmente, é vedado às SEV o exercício de qualquer actividade diferente do seu objecto social;
4. Não é verdade que não tenha a recorrente interesse legitimo para ter requerido o registo da sua marca “XXX Express Padala”, por ter apenas intuitos especulativos;
5. A recorrente solicitou o registo da sua sobredita marca na classe 36ª, porque é precisamente a essa classe que pertencem os serviços constantes do seu objecto social;
6. É errado dizer-se, como se concluiu na douta sentença recorrida, que a classe 36ª respeita a serviços de seguros e finanças, assim como é errado dizer-se que nesta matéria rege a portaria nº 313/95/M, de 4 de Dezembro;
7. Através do Aviso do Chefe do Executivo nº 10/2009, constante do Boletim Oficial, II Série, nº 30/2009, publicado em 22 de Maio de 2009, foram mandadas publicar as modificações e outras alterações à 8ª Edição da Classificação Internacional de Produtos e Serviços para Efeitos do Registo de Marcas, havidas respectivamente em Outubro de 2003 e em Outubro de 2005, e bem assim a tradução para a língua portuguesa, da 9ª Edição da Classificação Internacional de Produtos e Serviços para Efeitos do Registo de Marcas;
8. Considerando-se no aludido diploma legal que o Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e Serviços aos Quais se Aplicam as Marcas de Fábrica ou de Comércio, concluído em Nice, em 15 de Junho de 1957, tal como revisto pelo Acto de Estocolmo, de 14 de Julho de 1967 e pelo Acto de Genebra, de 13 de Maio de 1977 e emendado em 28 de Setembro de 1979 (Acordo de Nice), por virtude da notificação efectuada, em 1 de Novembro de 1999, pela República Popular da China ao Depositário, o Direito Geral da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, se continua a aplicar na Região Administrativa Especial de Macau;
9. A referida publicação foi efectuada nos termos do nº 1 do artigo 6º da Lei nº 3/1999, e entrado em vigor na RAEM as referidas alterações ao Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e Serviços aos Quais se Aplicam as Marcas de Fábrica ou de Comércio a partir de tal publicação de 22 de Maio de 2009, precedida de promulgação por parte do Exmo. Senhor Chefe do Executivo de 28 de Abril de 2009;
10. A aqui recorrente requereu o registo da sua marca ora em crise “XXX Express Padala” em 25 de Junho de 2009, pelo que as sobreditas alterações aplicaram-se ao seu pedido e processo de registo;
11. A Classificação Internacional de Produtos e Serviços para efeitos de Registo de Marcas (Classificação de Nice – 9ª Edição) em vigor também em Macau desde o sobredito dia 22 de Maio de 2009, prevê que à classe 36ª pertencem os serviços referentes às actividades de seguros, negócios financeiros, negócios monetários e negócios imobiliários, conforme Guia do Utilizador dela constante;
12. Desenvolvendo a ora recorrente uma actividade respeitante a negócios monetários, o registo da sua sobredita marca só podia ser efectuado no âmbito da classe 36ª;
13. Como bem decidiu o despacho de concessão de registo e marca nº N/43495 (XXX Express Padala), para a classe 36ª, proferido pela Senhora Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia;
14. A ora recorrente tem legítimo interesse na concessão do registo em causa nos presentes autos;
15. Padeceu a douta sentença recorrida de vício de erro na aplicação do direito, por incorrecta determinação da norma aplicável, que não poderá ser a Portaria nº 313/95/M, de 4 de Dezembro, mas antes do Aviso do Chefe do Executivo nº 10/2009, e a Classificação Internacional de Produtos e Serviços para efeitos de Registo de Marcas (Classificação de Nice – 9ª Edição);
16. Deve em conformidade ser a douta sentença recorrida revogada, declarando-se ter a ora recorrente legítimo interesse na concessão do registo da marca ora em causa, mandando-se baixar os autos Tribunal onde a decisão foi proferida, a fim de serem julgadas as restantes questões invocadas pela Recorrente B no seu requerimento inicial, e seguirem os autos nessa sede judicial seus trâmites legais.
O Grupo Empresarial “B” responde, em síntese:
Das “Conclusões” apresentadas pela ora Recorrente extrai-se que, no seu entendimento, a questão do interesse legítimo na concessão de uma marca restringe-se ao facto de se saber como se encontram integrados os produtos e serviços na Classificação de Nice.
O que é, no modesto entendimento da aqui Recorrida, uma falsa questão.
No caso em apreço a legislação aplicável é, exactamente, a que o douto Tribunal a quo aplicou, tendo feito uma interpretação correcta de todo o conjunto de normas legais que chamou à colação para produzir uma decisão justa, equilibrada e legal.
O ora recorrido não pode deixar de contra argumentar a tese da Recorrente quando afirma que o douto Tribunal a quo explicitou uma Sentença eivada do vício de erro na aplicação do direito, por incorrecta determinação da norma aplicável, que não poderá ser a Portaria nº 313/95/M, de 4 de Dezembro, mas antes o Aviso do Chefe do executivo nº 10/2009 e a Classificação Internacional de produtos e Serviços para efeitos de Registo de Marcas (Classificação de Nice – 9ª Edição)”, pois a questão que foi apreciada prende-se com o “interesse legítimo” no registo da marca em apreciação.
A parte contrária está impedida por lei de prestar os serviços da classe 36ª, precisamente aqueles que a marca em recurso se destina a assinalar, pelo que não tem interesse legítimo no registo dessa marca.
A lei – artº 201º do RJPI – considera que há interesse legítimo sempre que o requerente destine a marca a uma actividade económica concreta que exista ao tempo do pedido apresentado junto da entidade competente para a sua concessão.
É verdade que pode haver situações em que o interessado não solicite o registo da marca para ser usada, imediatamente, mas sim para novos serviços ligados ao alargamento da(s) sua(s) actividade(s), ocorrendo, ainda, outras situações em que, embora ainda não exercendo nenhuma actividade economia, esteja o interessado em condições de demonstrar, no momento do pedido, encontrar-se numa fase preliminar ou preparatória de organização empresarial; terá, então, que provar que a marca solicitada se destina a serviços relacionados com uma actividade económica em vias de ser iniciada.
No presente caso, conforme se encontra provado nos autos, a recorrida solicitou o registo da marca registanda, na qualidade de “sociedade de entrega de valores”, abreviadamente, designada por SEV; não provando a requerente que exerce ou que está em vias de exercer qualquer outra actividade comercial, lançando para o mercado da RAEM outros serviços que não sejam os que, por via legal, estão circunscritos à “entrega de valores” e outros com esta relacionados, não tem a mesma legitimidade para solicitar o registo da marca que tomou o nº N/43495, para a classe 36ª, por não ter interesse legítimo no respectivo registo.
Posteriormente, o douto Tribunal a quo fundamentou a falta de interesse legítimo na concessão da marca em apreciação para assinalar serviços da classe 36ª, aplicando, também, as normas constantes do Decreto-Lei nº 15/97/M, de 15 de Maio, o diploma que regulamenta actividade específica da entrega rápida de pequenos valores em numerário, entre diversos países e territórios.
Daí ter o douto Tribunal recorrido questionado, na sua sentença, se a lei não permite que seja alterado o objecto social qual o seu interesse no registo da marca para assinalar serviços da classe 36ª (?).
É, pois, incontornável a conclusão de que a Recorrente desenvolve uma actividade muito específica, estando-lhe vedada, por lei, a possibilidade de “ampliar” o leque das áreas de intervenção, exactamente, como a própria recorrente reconhece.
A recorrente da marca, ora recorrente, não podendo, nos termos da lei, exercer qualquer outra actividade que não seja aquela para a qual obteve autorização do Chefe do Executivo, não pode ver-lhe concedida a marca, sob pena de se violarem regras de ordem pública.
A ora recorrente não tem legítimo interesse no registo da marca nominativa que consiste em XXX EXPRESS PADALA para assinalar serviços integrados na classe 36ª, nomeadamente, os que, por si própria, foram indicados, isto é: “seguros; negócios financeiros; negócios monetários, negócios imobiliários, designadamente serviços de administração e arrendamento de imóveis, cobrança de dívidas, serviços de câmbios e depósito de valores, operação fiscais, financeiras, monetárias e imobiliárias, casas de penhores”.
Nos termos do art.º 11º, nº 1, do DL nº 15/97/M, a abertura de estabelecimentos, para além do principal, carece de autorização prévia da Autoridade Monetária e, em conformidade com o nº 2 do mesmo artigo, é vedada às sociedades de entregas de valores, (também designadas, abreviadamente, por SEV) a abertura de sucursais ou de escritórios de representação no exterior da RAEM.
Por sua vez, nos termos do art.º 12º do mesmo diploma, não é permitida a entidades com sede no exterior a abertura de sucursais ou de escritórios de representação, na RAEM, para o exercício desta específica actividade.
NESTES TERMOS, requer seja considerado improcedente o presente recurso jurisdicional e, consequentemente, seja mantida a douta sentença recorrida que, julgando procedente o recurso judicial, anulou a decisão da DSE de 8 de Fevereiro de 2010 e determinou a recusa do registo da marca nº N/43495 (“XXX Express Padala”), para a classe 36ª, por falta de legítimo interesse por parte da ora Recorrente.
A Direcção dos Serviços de Economia da Região Administrativa Especial de Macau, apresenta as suas alegações de recurso, concluindo:
O requerente tem legitimidade quando, no momento do pedido, independentemente da sua natureza jurídica, exerça ou demonstre poder vir a exercer, por via de regra, empresarialmente, qualquer das actividades económicas indicadas no art.º 201, e destine a marca imediata ou diferidamente, a produtos ou serviços relacionadas com essa actividades ou a produtos ou serviços diferentes (utilização indirecta) desde que, nesta última hipótese, já exerça uma actividade económica.
Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
- B, com sede na Holanda, interpôs recurso judicial do despacho de concessão de registo da marca nº N/43495 (“XXX Expresso Padala”), para a classe 36ª, proferido pela Senhora Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia em 8 de Fevereiro de 2010 e publicado no Boletim Oficial de 3 de Março de 2010.
- A aí recorrida e ora recorrente A, LIMITADA é uma sociedade comercial com sede em Macau cujo objecto social consiste no exercício exclusivo da actividade de entrega rápida de valores em numerário no território de Macau ou no exterior, por ordem de terceiros, após a entrega, por estes, da respectiva contrapartida, nos termos do Decreto-Lei nº 15/97/M, de 5 de Maio (cfr. doc. de fls. 77 a 81).
III - FUNDAMENTOS
1. DO OBJECTO DO RECURSO
Pretende a recorrente que, através do presente recurso jurisdicional, seja revogada a douta sentença de 18 de Outubro de 2010, que, alterando o despacho da DSE de 8 de Fevereiro de 2010, que lhe concedeu a marca nominativa, para assinalar serviços integrados na classe 36ª, que consiste em XXX Express Padala e que tomou o nº N/43495, veio a recusá-la com fundamento na falta de interesse legítimo na sua concessão.
Considera ainda ter havido incorrecta aplicação da lei na dilucidação da questão.
2. Das razões da recorrente
Em relação a esta última questão diz ser errado dizer-se, como se concluiu na douta sentença recorrida, que a classe 36ª respeita a serviços de seguros e finanças, assim como é errado dizer-se que nesta matéria rege a portaria nº 313/95/M, de 4 de Dezembro.
Com efeito,
Através do Aviso do Chefe do Executivo nº 10/2009, constante do Boletim Oficial, II Série, nº 20/2009, publicado em 22 de Maio de 2009, foram mandadas publicar as modificações e outras alterações à 8ª Edição da Classificação Internacional de Produtos e Serviços para Efeitos do Registo de Marcas, adoptadas pela Comissão de Peritos da União Particular, nas suas 19ª e 20ª Sessões, havidas respectivamente em Outubro de 2003 e em Outubro de 2005, na sua versão autêntica em língua inglesa, acompanhada das respectivas traduções para as línguas chinesa e portuguesa, e bem assim a tradução para a língua portuguesa da 9ª Edição da Classificação Internacional de Produtos e Serviços para Efeitos do Registo de Marcas, efectuada a partir dos respectivos textos autênticos em inglês e em francês e adaptada à tradução oficial em língua chinesa.
Considerando-se no aludido diploma legal que o Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e Serviços aos Quais se Aplicam as Marcas de Fábrica ou de Comércio, concluído em Nice, em 15 de Junho de 1957, tal como revisto pelo Acto de Estocolmo, de 14 de Julho de 1967 e pelo Acto de Genebra, de 13 e Maio de 1977 e emendado em 28 de Setembro de 1979 (Acordo de Nice), por virtude da notificação efectuada, em 1 de Novembro de 1999, pela República Popular da China ao Depositário, o Director Geral da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, se continua a aplicar na Região Administrativa Especial de Macau.
Tendo sido a referida publicação efectuada nos termos do nº 1 do artigo 6º da Lei nº 3/1999, e entrado em vigor na RAEM as referidas alterações ao “Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e Serviços aos quais se aplicam as Marcas de Fábrica ou de Comércio” a partir de tal publicação de 22 de Maio de 2009, precedida de promulgação por parte do Chefe do Executivo de 28 de Abril de 2009.
A aqui recorrente requereu o registo da sua marca ora em crise “XXX Express Padala” em 25 de Junho de 2009, pelo que as sobreditas alterações aplicaram-se ao seu pedido e processo de registo.
Ora, a Classificação Internacional de Produtos e Serviços para efeitos de Registo de Marcas (Classificação de Nice – 9ª Edição) em vigor também em Macau desde o sobredito dia 22 de Maio de 2009, prevê que à classe 36ª pertencem os serviços referentes às actividades de seguros, negócios financeiros, negócios monetários e negócios imobiliários, conforme Guia do Utilizador dela constante.
Pelo que, desenvolvendo a ora recorrente uma actividade respeitante a negócios monetários, o registo da sua sobredita marca só podia ser efectuado no âmbito da classe 36ª, como bem decidiu o despacho de concessão de registo de marca nº N/43495 (XXX Express Padala), para a classe 36ª, proferido pela Senhora Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia.
Assim sendo, conclui, a recorrente que terá padecido a douta sentença recorrida de vício de erro na aplicação do direito, por incorrecta determinação da norma aplicável, pelo 09que não poderá ser a Portaria nº 313/95/M, de 4 de Dezembro, mas antes o Aviso do Chefe do Executivo nº 10/2009, e a Classificação Internacional de Produtos e Serviços para efeitos de Registo de Marcas (Classificação de Nice – 9ª Edição).
3. Produtos e Serviços na Classificação de Nice
3.1. A questão do interesse legítimo na concessão de uma marca não se restringe ao facto de se saber como se encontram integrados os produtos e serviços na Classificação de Nice, mas antes o de apurar do interesse legítimo da requerente no registo da marca, perdendo relevância a determinação dos produtos e serviços incluídos dentro de dada classe.
Em todo o caso, consultando-se a 9ª (e última) edição da Classificação de Nice, no respectivo GUIA DO UTILIZADOR, lê-se:
“1. Os títulos de classe indicam, de modo geral, as áreas a que, em princípio, pertencem os produtos e serviços.
2. Para assegurar a classificação correcta de cada produtos ou serviços, devem ser consultadas a Lista Alfabética dos Produtos e Serviços, bem como as Notas Explicativas relativas às várias classes. (…) 8. Para efeitos do registo de marcas, recomenda-se vivamente que se utilizem as indicações que figuram na Lista Alfabética para qualificar os produtos ou serviços e que se evite a utilização de expressões vagas ou de termos gerais, demasiado imprecisos”.
Recorrendo à Nota Explicativa, pode ler-se:
“A Classe 36 inclui essencialmente os serviços prestados em negócios financeiros e monetários e os serviços prestados relativamente a contratos de seguros de todos os tipos. Esta classe inclui nomeadamente: - serviços relacionados com negócios financeiros ou monetários, a saber: a) serviços de todas as instituições bancárias ou instituições com elas relacionadas tais como agências de câmbio ou serviços de compensação; b) serviços de instituições de crédito que não sejam bancos, tais como associações cooperativas de crédito, empresas financeiras individuais, prestamistas, etc.; c) serviços de fundos de investimento e de companhias holding; d) serviços de corretagem em valores e em bens imóveis; e) serviços relacionados com negócios monetários, assegurados por agentes fiduciários; f) serviços relativos à emissão de cheques de viagem e de letras de crédito; - serviços de administração de imóveis, ou seja, serviços de locação, de avaliação ou de financiamento; - serviços relativos a seguros, tais como serviços prestados por agentes ou corretores que se ocupam de seguros, serviços prestados aos segurados e serviços de subscrição de seguros”.
Se se consultar a longa Lista Alfabética dos serviços integrados nesta classe 36ª, não se encontra o específico serviço de “entrega rápida de valores em numerário, por ordem de terceiros, após a entrega, por estes, da respectiva contrapartida”, que é a específica actividade que a Recorrente desenvolve.
Acontecendo que, na edição 8ª da Classificação de Nice, os serviços integrados na classe 36ª são rigorosamente, os mesmos, razão por que se repete que se trata de uma “falsa questão”, invocar-se que, para efeitos de se saber em que classe se devem integrar os serviços indicados pela aqui recorrente (seguros; negócios financeiros; negócios monetários, negócios imobiliários, designadamente serviços de câmbios e depósito de valores, operação fiscais, financeiras, monetárias e imobiliárias, casas de penhores), como sendo os que a marca registanda se destina, se tem que atender à 9ª edição da Classificação de Nice, para se aquilatar do interesse legítimo da aqui recorrente na concessão de uma marca para assinalar serviços integrados nessa classe 36ª.
No caso em apreço os dados com que o Tribunal a quo jogou, ainda que integrando a questão em diploma diferente, ainda que dizendo que o registo pedido para a classe 36º respeitava a serviços de seguros e finanças, são exactamente os mesmos, importando, no fundo, indagar se procedeu a uma incorrecta interpretação, ao considerar que a actividade de entrega de valores não permite ou não legitima o pedido para actividades solicitadas.
3.2. Na verdade, o Mmo Juiz não deixou de enquadrar e classificar correctamente a actividade de entrega de valores a que a recorrente se dedica e de aferir da compatibilidade dessa actividade com os serviços da classe 36º
Daí que a menção à Portaria n.º 313/95/M, de 4 de Dezembro, se configure irrelevante, tendo sido feito o raciocínio de que a actividade de uma SEV (sociedade de entrega de valores) é legalmente incompatível com outras actividades, por uma sociedade dessa natureza não as poder desenvolver face ao regime instituído DL n.º 15/97/M, de 4 de Dezembro, tendo concluído, como concluiu, pela natureza especulativa desse pedido de registo de marca.
Nos termos do art.º 11º, nº 1, do DL nº 15/97/M, a abertura de estabelecimentos, para além do principal, carece de autorização prévia da Autoridade Monetária e, em conformidade com o nº 2 do mesmo artigo, é vedada às sociedades de entregas de valores, (também designadas, abreviadamente, por SEV) a abertura de sucursais ou de escritórios de representação no exterior da RAEM.
Por sua vez, nos termos do art.º 12º do mesmo diploma, não é permitida a entidades com sede no exterior a abertura de sucursais ou de escritórios de representação, na RAEM, para o exercício desta específica actividade.
4. Fundamento na sentença
O Tribunal a quo, ao debruçar-se sobre a questão suscitada pela recorrente no recurso judicial (ora recorrida), da falta de “interesse legítimo” na concessão de uma marca por parte da requerente (ora recorrente), para assinalar serviços integrados na classe 36ª, tendo em conta que a mesma é uma empresa que se dedica a uma actividade específica e peculiar, regulamentada por legislação própria, escreveu na sua douta Sentença:
“Quanto à falta de interesse legítimo. Em máxima síntese, o Recorrente (ora Recorrido, acrescenta-se, agora) afirma que a parte contrária está impedida por lei de prestar os serviços da classe 36ª, precisamente aqueles que a marca em recurso se destina a assinalar, pelo que não tem interesse legítimo no registo dessa marca. Dispõe o art.º 201º do RJPI que o direito ao registo da marca cabe a quem nisso tiver legítimo interesse”.
E prosseguindo a sua fundamentação, fez consignar: “Em primeiro lugar cabe referir que, sendo a recorrida (ora Recorrente, acrescenta-se, agora) uma sociedade comercial sediada em Macau, não pode oferecer dúvidas que a lei de Macau é a aplicável sobre a capacidade, nos termos do disposto nos art.ºs 175º e 177º do Código Comercial. Em segundo lugar, cabe referir que o legítimo interesse na concessão do registo respectivo é, nos termos do disposto no art.º 201º do RJPI, um pressuposto ou facto constitutivo do direito ao registo da marca. Em terceiro lugar, deve referir-se que não se vê como possa recusar-se que a autoridade administrativa competente tenha o dever de sindicar a falta do legítimo interesse na concessão do registo previamente à decisão de concessão ou recusa quando a questão que lhe é colocada ou quando tenha fundadas dúvidas não procedendo a afirmação da decisão da DSE que “… não é requisito do registo da marca”.
Desta citação se pode verificar que o douto Tribunal recorrido fez, desde logo, a aplicação da norma atinente ao caso: o artº 201º do RJPI.
E é aqui que entramos no cerne da questão.
5. Interesse legítimo
5.1. Pode ou não a sociedade em causa, tem ou não interesse legítimo essa sociedade de entrega de valores, para solicitar o registo de uma marca para um conjunto de actividades de uma dada classe, no caso específico a classe 36º?
Será que a lei - artº 201º do RJPI - considera que há interesse legítimo sempre que o requerente destine a marca a uma actividade económica concreta que exista ao tempo do pedido apresentado junto da entidade competente para a sua concessão, pode requerê-la para uma actividade ainda não desenvolvida, tem que haver alguma indiciação ou preparação do desenvolvimento da actividade, ou tem de haver alguma relação com a actividade já desenvolvida?
Tudo questões que a lei não resolve expressamente.
5.2. Socorramo-nos, então da Doutrina.1
Tem legítimo interesse o requerente que desempenhe, por regra, em moldes empresariais, uma das categorias da actividade económica (primária, secundária e terciária), à qual se ligam os produtos ou serviços a assinalar. A lei confere, expressamente, legitimidade em razão da actividade económica do interessado, independentemente da respectiva natureza jurídica (pessoa singular ou colectiva, de direito privado ou público).
Há legítimo interesse sempre que o interessado destine a marca a uma actividade económica concreta que exista ao tempo do pedido. O requisito exigido é o da ligação da marca a uma actividade directamente exercida pelo interessado. Não sendo a enumeração legal taxativa, isso significa que no conceito de legítimo interesse podem caber outras situações. Desde logo, resulta da lei a possibilidade de formulação de um pedido de marca destinada a ser usada no futuro, desde que, sob pena de caducidade, o diferimento do uso não seja superior a um período de cinco anos, após o registo. Assim, seria contraditório, do ponto de vista da coerência do sistema normativo, que o nosso direito de marcas estatuísse a falta de legítimo interesse a todo aquele que, exercendo já uma actividade económica, pretendesse registar uma marca para uso não imediato.
Há, portanto, situações, frequentes na prática, em que o requerente solicita o registo da marca para ser usada, imediatamente, em novos produtos ou serviços, ligados ao alargamento da(s) sua(s) actividade(s). Se o requerente, no momento do pedido, for um industrial, comerciante, agricultor, artesão ou prestador de serviços tem, pois, legitimidade para pedir uma marca, destinada a ser usada, directamente, na sua actividade (ou actividades), de modo imediato ou mediato (diferido).
Na hipótese do uso diferido ou mediato, a eventual falta de uso futuro não constituirá um problema de (i)legitimidade e, consequentemente, de possível invalidade, mas um problema de caducidade por não uso da marca.
Outra situação subsumível, ao conceito de legítimo interesse, por decorrer, coerentemente, da ratio legis, é a do requerente que, não exercendo ainda nenhuma actividade económica, esteja em condições de demonstrar, no momento do pedido, se para tal for instado, encontrar-se numa fase preliminar ou preparatória de organização empresarial e destine a marca a produtos ou serviços da sua actividade.
Há legítimo interesse sempre que o requerente possa demonstrar destinar a marca a produtos ou serviços relacionados com uma actividade económica em vias de ser iniciada própria do requerente.
O conteúdo do conceito de legítimo interesse, por referência à ligação imediata ou mediata da marca a uma actividade do titular, implica que não tem legítimo interesse todo aquele que não exerça, nem demonstre vir a exercer, qualquer actividade económica e apenas tenha a intenção de se servir do registo com finalidade exclusivamente especulativa.
Donde, enuncia o autor que vimos citando, o seguinte critério-síntese de legitimidade: “o requerente tem legitimidade quando, no momento do pedido, independentemente da sua natureza jurídica, exerça ou demonstre poder vir a exercer, por via de regra, empresarialmente, qualquer das actividades económicas indicadas nas várias alíneas do art. [168.°], e destine a marca, imediata ou diferidamente, a produtos ou serviços relacionados com essas actividades”.2
5.3. Desta posição doutrinária, acima excertada, podemos concluir que não se exclui a possibilidade de alguém ter interesse em segurar uma dada marca para uma actividade que vai desenvolver no futuro.
No mesmo sentido, a Jurisprudência Comparada.3
No caso presente é verdade que pode haver alguma relacionação entre a actividade desenvolvida actualmente e aquelas que se visam no futuro. Só que não se vê como pode ser ultrapassado o obstáculo, doutamente vislumbrado na sentença, pois que se é certo que nada impede que a sociedade proceda a uma alteração do objecto social, encerrando a actividade que está neste momento a desenvolver, não é menos certo que a legislação que regula uma actividade de uma SEV a interdita de outros exercícios.
E, poder-se-ia, acrescentar no reforço da tese da recorrente que no caso de não usar a marca durante um determinado período é a própria lei que prevê a caducidade do registo findo o prazo previsto no artigo 231º, n. 1, b) do RJPI.
Então como conciliar a possibilidade de se requerer uma marca para o futuro e uma ilegitimidade nesse pedido, por, respeitando ao futuro, nada existir neste momento?
Pensamos que a resposta há-de passar por uma aferição da relação entre o titular e o interesse no momento em que se formula a pretensão. Com isto estamos a circunscrever e a relacionar os termos de uma legitimidade substantiva - enquanto relação entre o sujeito e o conteúdo do acto 4- para a necessidade de essa relação que se pretende encabeçar ter de ser efectivada através de um procedimento de registo de marcas junto da DSE, assumindo este natureza constitutiva, donde relevar então uma legitimidade procedimental que se há-de determinar pelo momento em que se inicia esse procedimento.
Ora, dentro deste quadro, no momento em que se vai aferir do interesse para o pedido da apontada marca, o certo é que a requerente, aqui recorrida, não se pode dedicar àquelas actividades.
E daí emerge necessariamente um sem interesse ou não interesse nesse pedido, pois que não está em condições de exercer a actividade para a qual formulou o pedido.
Tanto basta para termos as razões avançadas pela recorrida e recepcionadas na sentença recorrida como mui válidas e pertinentes.
5.4. Este entendimento, aliás, sufragado em recentíssimo acórdão tirado nesta Instância, no processo 106/2011, de 16 de Fev., exactamente com as mesmas partes e numa situação muito próxima à dos autos.
Tudo visto e ponderado, pelas razões acima expostas, o recurso não deixará de improceder.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Macau, 23 de Fevereiro de 2012,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Couto Gonçalves, in Função Distintiva da Marca, Almedina, 1999, 157 e 161
2 - Couto Gonçalves, Função Distintiva da Marca, Almedina, 1999, 157 e 161
3 - Ac. RL de 30/9/2008, proc. 3546/3008-1
4 - Mota Pinto, , TGDC, 3ª ed., 255
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122/2011 24/24