Processo n.º 66/2012
(Suspensão de eficácia do acto)
Data : 16/Fevereiro/2012
ASSUNTOS:
- Prejuízo de difícil reparação
SUMÁRIO:
Não se verifica o requisito de suspensão de eficácia do acto de proibição de entrada na RAEM por quatro anos, invocando-se motivos de segurança pública e uma condenação por crime de burla, não se configurando prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente, causar para o requerente ou para os interesses que este venha a defender no recurso - previsto no artigo al. a) do n.º 1 do art. 121º do CPAC- se este alega resultar da imediata execução do acto, além do mais, a perturbação, se não mesmo a colocação em causa da sua estabilidade e convívio familiar com a sua mulher que é residente em Macau e com quem casou em 2010, com ela convivendo desde 1998, depois de se dizer advogado da Common Law e da necessidade de se deslocar de um lado para o outro, sem que concretize outros interesses, dizendo aqui ter encontrado um porto seguro, considerando que os valores a preservar não passam somente pela permanência de um não residente em Macau.
Relator,
(João Gil de Oliveira)
Processo n.º 66/2012
(Suspensão de Eficácia)
Data : 16 de Fevereiro de 2012
Requerente: A
Requerido: Secretário para a Segurança
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A, mais bem identificado nos autos, vem interpor procedimento cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo ao abrigo dos artigo 120.° e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso, do despacho do Senhor Secretário para a Segurança, datado de 25 de Novembro de 2011, nos termos do qual foi interditada a entrada do requerente na RAEM pelo período de quatro anos.
Para tanto alega fundamentalmente e em síntese:
O Requerente, de nacionalidade britânica, é advogado no sistema da common law.
Paralelamente, o Requerente tem negócios em diversos países e regiões.
No exercício da sua actividade forense e de negócios, o Requerente necessita de efectuar constantes deslocações, parando pouco tempo em cada local por onde passa.
Desde 1998 que Macau vem sendo um porto de abrigo para si, altura em que começou a viver com a sua actual mulher, B, residente permanente de Macau, com quem é casado desde 21 de Janeiro de 2010, tudo como melhor se comprova no processo gracioso à margem referenciado.
Na base da decisão de interdição de entrada na RAEM está a condenação do Requerente na pena de um ano de prisão pela prática do crime de burla qualificada no âmbito do processo n.º CR4-09-0094-PCC, considerando-se que o Requerente, em virtude dessa condenação, constitui uma ameaça para a segurança e ordem públicas da RAEM.
Macau foi, por mais de dez anos e até ter sido preventivamente impedido de entrar no Território em 15 de Novembro de 2011, o local de residência habitual do Requerente, aqui se encontrando o núcleo da sua vida familiar.
A medida de interdição de entrada na RAEM durante quatro anos traz graves implicações na vida familiar do Requerente.
Desde logo a necessidade de a sua mulher, B, ter de se deslocar para fora de Macau para poder estar com o marido, ora Requerente.
Com efeito, desde que o Requerente se viu impedido de entrar no Território da RAEM, a sua mulher teve já de se deslocar para fora em três ocasiões para poder estar com o marido.
Entre os dias 12 e 15 de Dezembro de 2011 deslocou-se ao Cambodja (doc. 2), local onde o Requerente tem permanecido na expectativa de poder ver resolvida a sua situação em Macau.
E ao Cambodja voltou entre os dias 4 e 16 de Janeiro de 2012 (cf. doc. 2).
Tal situação é absolutamente insustentável e prejudica gravemente os interesses familiares do Requerente e da sua mulher, residente permanente de Macau que, como tal, beneficia do direito à protecção da família consagrado, desde logo, no artigo 38.º da Lei Básica.
Com efeito, em 12 de Novembro de 2010, no âmbito do processo CR4-09-0094-PCC, o Requerente foi condenado por crime de Burla qualificada, p. e p. no artigo 211.°, n.º 3 do Código Penal, na pena única de um ano de prisão, tendo o Tribunal (facto sempre omitido no processo gracioso), atentas as circunstâncias, decidido suspender a pena por dois anos, condenando ainda o ora Requerente no pagamento de uma indemnização à RAEM no valor de MOP50,000.00 (cinquenta mil patacas) e no pagamento de uma contribuição de MOP500.00 (quinhentas patacas) para o fundo de apoio às vítimas de crimes.
Dois pontos importantes relevam desta condenação: o Requerente foi condenado numa pena relativamente baixa, quando o máximo previsto para o crime de burla qualificada são cinco anos (cfr. artigo 211.°, n.º 3, do Código Penal), por um lado, e, por outro, viu o Tribunal suspender a pena pelo prazo de dois anos.
O Tribunal ficou convencido de que o Requerente poderia manter dali em diante uma conduta íntegra, no respeito pela lei, não constituindo a sua liberdade um perigo para a sociedade.
Tanto assim é que o Tribunal fez apenas depender a suspensão da pena do cumprimento do dever de o Requerente pagar à RAEM, no prazo de três meses, o montante de MOP50,000.00 (cinquenta mil patacas), a título de indemnização, acrescido do dever de contribuir com o pagamento de MOP500,00 (quinhentas patacas) para o fundo de apoio às vítimas de crimes, obrigações essas que o Requerente cumpriu de imediato.
Se o Tribunal assim considerou, não se compreende como é que agora, mais de um ano após o trânsito em julgado do acórdão, vem o Senhor Secretário para a Segurança sustentar que por virtude da condenação na pena de um ano (com pena suspensa por dois anos) o Requerente constitui um perigo para a ordem e segurança públicas aplicando-lhe uma medida de interdição de entrada na RAEM por quatro anos!
Assim, aplicar ao ora Requerente uma medida de interdição de entrada na RAEM por um período de quatro anos revela-se desconforme com as circunstâncias que fundamentam a sua possibilidade.
É verdade que o Requerente foi condenado numa pena privativa da liberdade, facto que pode fundamentar a medida de interdição de entrada na RAEM por força da aplicação conjugada dos artigos 4.°, n.º 2, alínea 2), da Lei n.º 4/2003, e 12.°, n.º 2, alínea 1), 3 e 4 da Lei n.º 6/2004.
Mas essa medida de interdição com fundamento na condenação numa pena privativa da liberdade na RAEM só pode ter lugar se verificados dois requisitos, a saber: 1) existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM (cf. artigo 12.°, n.º 3, da Lei n.º 6/2004); 2) ser a interdição proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam (cfr. artigo 12.º, n.º 4, da Lei n.º 6/2004).
Não estão preenchidos os requisitos previstos nos n.º 3 e 4 do artigo 12.º da Lei n.º 6/2004, pelo que não existe fundamento para decretar medida de interdição de entrada na RAEM, e muito menos por tão longo período.
Tudo considerado, estão reunidos os requisitos necessários para que seja decretada a suspensão da eficácia do acto ora em crise, porquanto a decisão nunca deveria ser tomada neste sentido, uma vez que está ferida pelo vício da ilegalidade por ser manifestamente desproporcional e violadora de um direito fundamental.
A execução do acto está a causar um prejuízo grave na vida familiar do Requerente, que se tem visto impossibilitado de, nos últimos meses, conviver diariamente com a sua mulher, motivo pelo qual se encontra preenchido o requisito da alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Por outro lado, a suspensão do acto não determina uma grave lesão do interesse público prosseguido pelo acto.
Tem-se por preenchido o requisito da alínea b) do n.º 1 do artigo 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Nestes termos, deve a presente suspensão cautelar de eficácia de acto administrativo ser admitida e suspensa a decisão de interdição de entrada do Requerente na RAEM;
Ademais, em decorrência do efeito suspensivo provisório decorrente da interposição deste pedido de suspensão de eficácia (vd. artigo 126.º do CPAC) deve o Senhor Secretário para a Segurança assegurar a entrada imediata do requerente na RAEM.
Contesta o Exmo Senhor Secretário para a Segurança, dizendo no essencial:
Após a tomada de conhecimento dos antecedentes criminais do requerente, a decisão de interdição da entrada em Macau foi feita com base no receio de que o recorrente provavelmente ponha em risco a segurança pública.
A decisão de interdição da entrada em Macau é uma medida preventiva para garantir a segurança pública e a segurança da vida e do património da população desta Região, sendo aplicável a não residentes quando houver fundado receio de que os mesmos prejudiquem a segurança pública de Macau ou constituam perigo potencial para a sociedade de Macau.
O requerente foi condenado pelo tribunal da RAEM pela prática do crime de burla qualificado, sendo as suas condutas suficientes para causar medo e receio de que o requerente poria em perigo a segurança pública ou constituiria perigo potencial para a mesma.
Pelo que, caso seja suspensa a eficácia da referida medida de interdição da entrada em Macau, isto implica que o requerente é autorizado a permanecer em Macau, porém, quanto a isso, é exactamente entendido que a Administração, no uso dos seus poderes conferidos por lei, deve interditar a entrada em Macau do requerente. Sem dúvida, a suspensão de eficácia do acto em causa impedirá a salvaguarda dos interesses públicos desta Região.
O requerente alegou que a decisão da interdição da sua entrada em Macau causa a instabilidade da família e separação conjugal, o que provoca prejuízos graves e irreparáveis para a sua vida familiar.
O requerente não é residente de Macau e é apenas autorizado a permanecer em Macau na qualidade de turista.
A realidade de o requerente e a sua esposa viverem separadamente não é causada pela Administração. Ao longo do tempo, ou o requerente vem para Macau ou a sua esposa desloca-se ao exterior para concretizar a reunião familiar. Porém, é de reconhecer que o acto ora impugnado causa efectivamente um certo nível de inconveniência para o requerente vir para Macau para visitar a sua esposa, porém, para além disso, não há mais nada que o acto em crise lhe possa causar.
Nem o direito internacional nem a lei interna de Macau prevê que os não residentes de Macau gozam do direito de fixar residência em Macau, e os mesmos também não podem aproveitar-se do exercício do direito à reunião familiar para invocar o direito da entrada em Macau, de modo a impedir as políticas e medidas de imigração estabelecidas e executadas pelo Governo da RAEM para a salvaguarda da segurança pública e a ordem pública.
Ao invocar e alegar os factos que causam prejuízos de difícil reparação, as provas do requerente devem ser concretas e expressas, não podendo ser vaga e conclusiva a sua alegação.
Os alegados graves prejuízos para a vida familiar são meramente prejuízos conjecturais, eventuais e hipotéticos, não existindo, de facto, prova suficiente que revela que tais prejuízos são consequência directa, imediata e necessária da execução do acto.
Nos pontos 18.º a 20.º do requerimento, referiu-se que a esposa do requerente foi três vezes ao exterior. Isto é uma das formas da reunião familiar dos cônjuges que vivem separadamente, e o requerente e a sua esposa faziam isso para concretizar a reunião familiar antes do acto cuja suspensão de eficácia se pede, pelo que, isto não pode ser considerado como consequência directa e necessária da execução do referido acto.
Daí, pode-se ver que, a alegação no requerimento não basta para provar que o acto executado causa ao requerente prejuízos de difícil reparação.
A concessão da suspensão de eficácia do acto administrativo devem preencher cumulativamente os três requisitos previstos no artigo 121.º n.º 1 alíneas a) a c) do Código de Processo Administrativo Contencioso e o requerimento em causa não preenche os requisitos previstos nas alíneas a) e b) do disposto acima referido, pelo que, não se deve conceder a suspensão de eficácia do referido acto administrativo.
De qualquer maneira, quando houver conflito entre os interesses públicos e os privados, é necessário pesar tais interesses em conflito. Em comparação com os interesses públicos, os prejuízos para o requerente decorrentes do indeferimento do pedido da suspensão de eficácia do referido acto administrativo não são intoleráveis e tais prejuízos são muito menos do que os prejuízos para os interesses públicos resultantes da concessão da suspensão de eficácia do acto ora posto em crise, uma vez os prejuízos para os interesses públicos envolvem a segurança pública da população em geral.
Nestes termos, pronuncia-se no sentido de dever ser indeferido o pedido de suspensão de eficácia do acto.
O Exmo Senhor Procurador-Adjunto emite o seguinte douto parecer:
Sendo certo que na suspensão de eficácia não poderão ser apreciados os vícios imputados ao acto administrativo, tendo de se partir da presunção da legalidade de tal acto e respectivos pressupostos de facto, temos que grande parte do alegado pela requerente a tal nível no presente meio processual se apresenta como inócuo, nomeadamente as considerações atinentes a alegada violação do princípio da proporcionalidade e do direito à unidade e estabilidade familiares (art°s 25 a 46° da P.I.).
Posto isto, vem A, de nacionalidade inglesa, requerer a suspensão de eficácia do despacho do Secretário para a Segurança de 25/11/11 que lhe interditou a entrada na RAEM pelo período de 4 anos, por entender constituir a presença do mesmo na Região perigo para a segurança e ordem públicas, decorrente da condenação criminal daquele, nos tribunais da Região, pela prática de crime de burla qualificada, na pena de prisão de 1 no, suspensa na sua execução por 2 anos.
Tanto quanto se alcança da redacção introduzida no art. 121.° do CPAC, os requisitos contemplados nas diversas alíneas do seu n.º 1 para a suspensão de eficácia dos actos administrativos são cumulativos, bastando a inexistência de um deles para que a providência possa ser denegada.
Tais requisitos são, um positivo (existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente, causar) e dois negativos (inexistência de grave lesão do interesse público e não resultarem do processo fortes indícios de ilegalidade do mesmo).
Aceitamos a verificação "in casu" dos dois requisitos negativos, já que se não divisam indícios (e muito menos, fortes) de ilegalidade na interposição do recurso, sendo que, por outro lado, pese embora a requerente tenha sido condenado na RAEM por acto de índole criminal, inexiste (até por força dos contornos específicos em que decorreram os actos por que foi condenado e da suspensão da execução da pena aplicada, decorrente desses contornos) prova bastante que permita concluir que dessa circunstância decorra grave lesão para o interesse público pela sua presença na Região até decisão do recurso.
Quanto ao requisito positivo, tem vindo a constituir jurisprudência constante, o facto de, no incidente de suspensão de eficácia do acto administrativo, incumbir ao requerente o ónus de alegar factos concretos susceptíveis de formarem a convicção de que a execução do acto causará provavelmente prejuízo de difícil reparação, insistindo permanentemente tal jurisprudência no ónus de concretização dos prejuízos tido como prováveis, insistindo-se também que tais prejuízos deverão ser consequência adequada, directa e imediata da execução do acto.
No caso, o requerente invoca, a tal propósito, que a medida de interdição em questão traz graves implicações à sua vida familiar, já que é casado com uma residente da RAEM, sendo que, para se encontrarem, esta tem de se deslocar para o exterior do Território, o que já terá sucedido por 3 vezes, duas para o Cambodja e uma para Hong Kong, contribuindo, assim, no seu critério, a medida tomada para a instabilidade e desunião familiares.
Ora, bem vistas as coisas, para além dos "inconvenientes emocionais" que bem se compreendem, decorrentes da impossibilidade do convívio do recorrente com a sua mulher na RAEM, não se descortina o "anúncio" de qualquer facto concreto susceptível de criar a convicção de que da execução do acto decorra para o recorrente qualquer prejuízo efectivo, de difícil reparação, sendo certo que a norma se não reportará a tal tipo de "inconvenientes", ou matéria de ordem emocional.
E, sendo assim, fácil é verificar, no caso, a não verificação do pressuposto previsto na al. a) do n° 1 do art. 121°, CPAC.
Tanto basta para o indeferimento do peticionado.
Este, o nosso entendimento.
Foram colhidos os vistos legais.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
III - FACTOS
Por despacho do Exmo Senhor Secretário para a Segurança, de 25 de Novembro de 2011, foi interditada a entrada do requerente pelo período de quatro anos, tendo sido ele notificado, na pessoa do seu mandatário, nos seguintes termos:
“O patrocinado do Sr. Advogado Santos Duarte (A, de sexo masculino, nascido a XX de XX de 19XX, titular do Passaporte britânica n.º XXXXXX) foi condenado pelo Tribunal Judicial de Base de Macau, pela prática do crime de burla previsto no art.º 211.º, n.º 3 do Código Penal de Macau, na pena de 1 ano de prisão. A entrada do respectivo patrocinado em Macau porá em risco a ordem e a segurança pública da região. Para a defesa do interesse público de Macau, o Secretário para a Segurança de Macau proferiu, nos termos do art.º 4.º, n.º 2, al. 2) da Lei n.º 4/2003 em conjugação com o art.º 12.º, n.ºs 2, 3 e 4 da Lei n.º 6/2004, em 25 de Novembro de 2011, um despacho que interditou a entrada do respectivo patrocinado na Região Administrativa Especial de Macau pelo período de 4 anos (contados a partir de 25 de Novembro de 2011).
Da decisão da interdição da entrada acima referida proferida pelo Secretário para a Segurança cabe recurso contencioso, no prazo de 60 dias, para o Tribunal de Segunda Instância. No caso da violação das medidas ora aplicadas, o respectivo patrocinado será punido com pena de prisão nos termos do art.º 21.º da Lei n.º 6/2004.
Com os melhores cumprimentos
Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública”
IV - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa por saber se se verificam os pressupostos que possibilitam a suspensão da eficácia do acto praticado.
Trata-se de suspensão de eficácia de acto impositivo que se consubstancia na proibição de entrada com interdição na RAEM po quatro anos.
O instituto da suspensão de eficácia do acto administrativo traduz-se numa medida de natureza cautelar, cujo principal objectivo é atribuir ao recurso, de que é instrumental, o efeito suspensivo. Isto porque, como regra, o recurso contencioso de anulação tem sempre efeito meramente devolutivo, já que o acto administrativo a impugnar goza de presunção de legalidade e do privilégio da executoriedade, entendida esta como “a força que o acto possui de se impor pela execução imediata, independentemente de nova definição de direitos”. 1
Faz parte da justiça administrativa a possibilidade de quem recorre ver suspensos os efeitos do acto sobre o qual recai a invocação de ilegalidade, porque, como dizia Chiovenda, «o tempo necessário para obter a razão não deve converter-se em dano para quem tem razão».
Importará ter presente, em sede deste enquadramento inicial, que “o princípio da legalidade da Administração Pública ampliou-se, transformando-se num princípio de juridicidade; a presunção de legalidade de que gozavam os actos administrativos perdeu razão de ser; a emergência de uma nova geração de direitos fundamentais juridicizou a eficácia e a eficiência e colocou a prevenção e a precaução na ordem do dia; finalmente, o direito à tutela jurisdicional efectiva ganhou dimensão constitucional.”2
2. 1. Prevê o art. 121º do CPAC:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
Da observação desta norma é fácil verificar que não importa nesta sede a análise da questão de fundo, de eventuais vícios subjacentes à decisão impugnada, tendo, no âmbito do presente procedimento preventivo e conservatório, que se partir, por um lado, da presunção da legalidade do acto e da veracidade dos respectivos pressupostos - fumus boni iuris -, por outro, de um juízo de legalidade da interposição do recurso.
Tal como foi decidido no acórdão do Tribunal de Última Instância de 13 de Maio de 2009, proferido no processo n. 2/2009, para aferir a verificação dos requisitos da suspensão de eficácia de actos administrativos é evidente que se deve tomar o acto impugnado como um dado adquirido. O objecto do presente procedimento preventivo não é a legalidade do acto impugnado, mas sim se é justo negar a executoriedade imediata dum acto com determinado conteúdo e sentido decisório. Assim, não cabe discutir neste processo a verdade dos factos que fundamentam o acto impugnado ou a existência de vícios neste.3
A suspensão dessa eficácia depender aqui da verificação dos três requisitos das alíneas a), b) e c) do n.º 1 artigo 121º do C.P.A.C.: previsível prejuízo de difícil reparação para o requerente, inexistência de grave lesão de interesse público pelo facto da suspensão e o não resultarem do processo fortes indícios da ilegalidade do recurso.
2.2. Resulta da Doutrina e Jurisprudência uniformes que os requisitos previstos no art. 121º supra citado são de verificação cumulativa, pelo que, não se observando qualquer deles, é de improceder a providência requerida.4
Daí que a ponderação da multiplicidade de interesses, públicos e privados, em presença, pode atingir graus de complexidade dificilmente compagináveis com a exigência de celeridade da decisão jurisdicional de suspensão dos efeitos da decisão impugnada. Sem falar no facto de o interesse público na execução do acto não se dissociar de relevantes interesses particulares e o interesse privado da suspensão tão pouco se desligar de relevantes interesses públicos, sendo desde logo importantes os riscos económicos do lado público e do lado privado, resultantes quer da decisão de suspensão dos efeitos quer da decisão de não suspensão.
É importante reconhecer que a avaliação da juridicidade da decisão impugnada em tribunal reside hoje, muitas vezes, no refazer metódico da ponderação dos diferentes interesses em jogo.
2.3. A lei não impõe o conhecimento de tais requisitos por qualquer ordem pré determinada, mas entende-se por bem que os requisitos da al. c), relativos aos indícios de ilegalidade do recurso, por razões lógicas e de precedência adjectiva deverão ser conhecidos antes dos demais e ainda, antes de todos, o pressuposto relativamente à legitimidade do requerente, já que a norma fala exactamente em quem tenha legitimidade para deles interpor recurso e, seguidamente, nos requisitos elencados nas diversas alíneas.
Até porque a existência de fortes indícios da ilegalidade da interposição do recurso reporta-se às condições de interposição ou pressupostos processuais e não às condições de natureza substantiva ou procedência do mesmo.5
3. Da não ilegalidade do recurso
Impõe o preceito acima citado que não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso.
A instrumentalidade desta medida cautelar, implica uma não inviabilidade manifesta do recurso contencioso a interpor.
Só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrível; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e não quando a questão seja debatida na doutrina ou na jurisprudência.6
O recorrente impugna o acto, invocando a não verificação dos pressupostos subjacentes à proibição de entrada, pondo em causa que a sua permanência na RAEM coloque em perigo a segurança pública, partindo dos termos da condenação leve sofrida e da suspensão da respectiva pena.
Perante este quadro fáctico, tal como configurado nos autos, não é difícil ter por integrado o requisito da legalidade do recurso, afigurando-se como evidente o direito, pelo menos, à definição jurídica da situação controvertida, daí decorrendo claramente a legitimidade e o interesse processual do recorrente, titular directo do direito que diz ter sido atingido, não havendo dúvidas, nem elas sendo levantadas, quanto aos outros pressupostos processuais relativos à actuação do recorrente.
Não se está, pois, perante uma situação de manifesta ilegalidade do recurso, mostrando-se ainda aqui verificado o requisito negativo da alínea c) do artigo 121º do citado C.P.A.C..
Este tem sido, aliás, o entendimento deste Tribunal.7
4. Dos prejuízos de difícil reparação para o requerente
4.1. Fixemo-nos, então, no requisito positivo, relativo à existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente, causar para o requerente ou para os interesses que este venha a defender no recurso - al. a) do n.º 1 do art. 121º do CPAC.
Conforme tem sido entendimento generalizado, compete ao requerente invocar e demonstrar a probabilidade da ocorrência de prejuízos de difícil reparação causados pelo acto cuja suspensão de eficácia requer, alegando e demonstrando, ainda que em termos indiciários, os factos a tal atinentes.
Tais prejuízos deverão ser consequência adequada directa e imediata da execução do acto.8
4.2. Vejamos que prejuízos alega a requerente.
A este nível invoca o requerente o facto de resultar da imediata execução do acto, além do mais, a perturbação se não mesmo a colocação em causa da sua estabilidade e convívio familiar com a sua mulher que é residente em Macau e com quem casou em 2010.
Depois de se dizer ser advogado da Common Law e da necessidade de se deslocar de um lado para o outro – sem que diga porquê – diz ter encontrado um porto seguro – porto seguro porquê? – em Macau onde permaneceu por 10 anos.
À espera da resolução deste caso, entretanto, já teve de se deslocar por duas vezes ao Cambodja, sem que fiquemos a saber igualmente dessa necessidade, questões que se colocam tão somente para se aferir de um real e concreto prejuízo.
A decisão tomada já obrigou a que a esposa se tivesse deslocado por várias vezes a Hong Kong, este sim um prejuízo resultante da proibição de entrada, admitindo-se que daí advenha algum transtorno.
Em todo o caso, somos aqui a acompanhar a reflexão do Digno Magistrado do MP enquanto diz que “No caso, o requerente invoca, a tal propósito, que a medida de interdição em questão traz graves implicações à sua vida familiar, já que é casado com uma residente da RAEM, sendo que, para se encontrarem, esta tem de se deslocar para o exterior do Território, o que já terá sucedido por 3 vezes, duas para o Cambodja e uma para Hong Kong, contribuindo, assim, no seu critério, a medida tomada para a instabilidade e desunião familiares.
Ora, bem vistas as coisas, para além dos "inconvenientes emocionais" que bem se compreendem, decorrentes da impossibilidade do convívio do recorrente com a sua mulher na RAEM, não se descortina o "anúncio" de qualquer facto concreto susceptível de criar a convicção de que da execução do acto decorra para o recorrente qualquer prejuízo efectivo, de difícil reparação, sendo certo que a norma se não reportará a tal tipo de "inconvenientes", ou matéria de ordem emocional.
E, sendo assim, fácil é verificar, no caso, a não verificação do pressuposto previsto na al. a) do n° 1 do art. 121°, CPAC.”
A estabilidade e defesa da família, sendo um valor a preservar, não passa necessariamente pela sua realização em Macau, cabendo aos interessados nessa união programar as suas vidas, ou readaptar as suas opções, tendo em conta os condicionalismos que por esta ou aquela razão ditam separações inevitáveis.
Inverificado se mostra este requisito e tanto bastaria para se julgar improcedente o presente pedido de suspensão de eficácia do acto.
5. Lesão de interesse público
De qualquer modo não se deixará de fazer uma breve referência sobre a lesão do interesse público.
Já se decidiu neste Tribunal que, ressalvando situações manifestas, patentes ou ostensivas a grave lesão de interesse público não é de presumir, antes devendo ser afirmada pelo autor do acto. Trata-se de um requisito que se prende com o interesse que, face ao artigo 4º do C.P.A., todo o acto administrativo deve prosseguir.9
Relativamente a este requisito, importa observar que toda a actividade administrativa se deve pautar pela prossecução do interesse público, donde o legislador exigir aqui que a lesão pela não execução imediata viole de forma grave esse interesse.
Só o interesse público definido por lei pode constituir motivo principalmente determinante de qualquer acto administrativo. Assim, se um órgão da Administração praticar um acto administrativo que não tenha por motivo principalmente determinante o interesse público posto por lei a seu cargo, esse acto estará viciado por desvio de poder, e por isso será um acto ilegal, como tal anulável contenciosamente. E o interesse público é o interesse colectivo, que, embora de conteúdo variável, no tempo e no espaço, não deixa de ser o bem-comum.10
Ora, se se tratar de lesão grave - séria, notória, relevante - a execução não pode ser suspensa.
5.2. Perante o acto impositivo concreto há que apurar se a suspensão de eficácia viola de forma grave o interesse público.
A expressão "grave lesão do interesse público" constitui um conceito indeterminado que compete ao Juiz integrar em face da realidade factual que se lhe apresenta. Essa integração deve fazer-se depurada da interferência de outros requisitos, tendo apenas em vista a salvaguarda da utilidade substancial da sentença a proferir no recurso.
Ora, no caso sub judice não custa aceitar que, vista a condenação em concreto e a suspensão da execução da pena, o que aponta para uma menor gravidade dos actos praticados, não seja de presumir um grande perigo para a segurança e assim para o interesse geral e público dos cidadãos.
Poder-se-ia pensar que a concessão da suspensão de eficácia do acto faria abalar a imagem de autoridade das Forças de Segurança e das autoridades da RAEM, mas não se pode generalizar esse receio, sob pena de se pôr em causa o próprio Estado de Direito se se concluir que as decisões da Administração não podem ser questionadas ou anuladas por quebra de autoridade ou perda de face.
Ainda que esse possa ser um argumento e tem-no sido por vezes, o certo é que não se pode generalizar, sendo que cada caso é um caso.
Para além de que a autoridade só sai reforçada se no cumprimento da lei e no escrutínio desse respeito, tarefa que, em última linha, incumbe aos tribunais.
Face ao exposto, somos a concluir no sentido da não verificação do requisito positivo da alínea a) do n.º 1 do art. 121º do CPAC.
Razões por que por não verificação cumulativa de todos os requisitos para o efeito, se julgará improcedente o pedido de suspensão de eficácia do acto em causa.
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar o pedido formulado por A, de suspensão de eficácia do acto em causa.
Custas pelo requerente com taxa de justiça de 5 Ucs.
Macau, 16 de Fevereiro de 2012,
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira Vitor Manuel CarvalhoCoelho
(Relator) (Presente)
(Magistrado do M.oP.o)
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Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 - Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo”, 8º ed., 409
2 - Maria da Glória Garcia, Professora das Faculdades de Direito da Universidade de Lisboa e da Universidade Católica Portuguesa, Suspensão de Eficácia do Acto Administrativo
3 Ac. TUI 37/2009, de 17/Dez.
4 - Vieira de Andrade, Justiça Administrativa, 3ª ed., 176; v.g. Ac. do TSI, de 2/12/2004, proc.299/03
5 - Ac. STA 46219, de 5/772000, http//:www.dgsi.pt
6 - Ac. do TSI de 30/5/02, proc. 92/02
7 - Como resulta do acórdão de 25/1/07, n.º 649/2006/A.
8 - Acs. STA de 30.11.94, recurso nº 36 178-A, in Apêndice ao DR. de 18-4-97, pg. 8664 e seguintes; de 9.8.95, recurso nº 38 236 in Apêndice ao DR. de 27.1.98, pg. 6627 e seguintes
9 - Ac. do T.S.I. de 22 de Novembro de 2001 – Pº205/01/A ; ac. do T.S.I. de 18 de Outubro de 2001 - Proc.191/01
10 - Freitas do Amaral, Direito Administrativo”, 1988, II, 36 e 38
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66/2012 1/24