Recurso nº 367/2009
Data: 15 de Dezembro de 2011
Assuntos: - Divórcio
- Culpa do cônjuge
- Violação dos deveres conjugais
- Dever de coabitação
- Cúmulo dos pedidos
- Oposição entre fundamentos e a decisão
Sumário
1. Para imputar a um ou ambos cônjuges a violação dos deveres conjugais para servir dos fundamentos de divorcio, além de culposa, dolosa ou negligente, a violação tem de ser grave ou reiterada. Não bastando uma qualquer violação, é necessário que, por um lado, revista gravidade, a valorar, nomeadamente, de acordo com a culpa que possa ser imputada ao requerente e ao grau de educação e sensibilidade moral dos cônjuges, tal como se consagra o artigo 1635º, nº 2, do Código Civil, e que não se traduza num acto simples, isolado, não merecedor de valoração; por outro, atenta a sua gravidade ou reiteração, a violação cometida comprometa a possibilidade da vida em comum.
2. O dever de coabitação constitui a designação um tanto eufemística de um dos elementos fundamentais que caracterizam a plena comunhão de vida subjacente à sociedade conjugal, e, por outro, está ainda relacionado especialmente com o dever de adoptar duma residência comum.
3. A separação de facto desfaz efectivamente a comunidade, mas não o vínculo conjugal.
4. Está provado que o Autor prestava contribuição com o seu vencimento para os encargos da vida familiar, com isto não se pode dizer que o autor se omitiu a “prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar” e que se conclui pela violação ao dever de assistência.
5. Demonstrando os factos provados que, desde 1994, passou o Autor a viver sozinho, e, em data não apurada, o Autor começou a não jantar em casa, passando o dia todo fora, algumas vezes durante parte da noite, e, muitas vezes, com o telefone desligado, pelo que não era possível à Ré contactá-lo, não o via nem falava com ele, até, a partir de 20 de Novembro de 1999, o Autor deixou de viver na casa de morada de família sita em Macau, deixando assim de ter plena comunhão de leito, mesa e habitação com a ré reconvinte, violando assim do dever de coabitação.
6. No processo de divórcio litigioso é admissível a formulação de pedido destinada à fixação do direito a alimentos.
7. Ocorre o vício de oposição entre os fundamentos e decisão quando os fundamentos avocados na Sentença conduzirem de acordo com um raciocino lógico a resultado oposto ao que foi decidido, ou a resultado no sentido diferente.
O Relator,
Choi Mou Pan
Recurso nº 367/2009
Recorrente: A
Recorrido: B
A cordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
A, de nacionalidade portuguesa e residente em Macau, propôs contra B, acção especial de Divórcio Litigioso, pedindo decretar o divórcio com fundamento em separação de facto por mais de dois anos consecutivos.
A ré contestou e deduziu a reconvenção contra o autor, pedindo também o divórcio e declarar ser o autor o único e exclusivo culpado, e atribuir-lhe a utilização a morada de família, assim como fixar o regime definitivo da prestação de alimentos do autor para com a ré e da regulação do exercício do poder paternal do filho menor do casal.
O autor respondeu à reconvenção pugnando pela improcedência da declaração de único e exclusivo culpado do autor, e pela inadmissibilidade dos restantes pedido nos termos do artigo 218° n° 3 do Código de Processo Civil.
Procedido o julgamento em audiência, o Colectivo respondeu aos quesitos e finalmente o Mm° Juiz-Presidente proferiu a sentença decidindo:
1. Decretar dissolvido o casamento entre o Autor A e a Ré B, casamento este que foi celebrado em 3 de Junho de 1989, em Macau, com culpa exclusiva do Autor.
2. Ser entregue provisório à Ré B o exercício do poder paternal do filho menor, até decisão judicial que venha a ser tomada definitivamente no processo adequado, podendo o Autor A efectuar o seu direito de visita o filho nos fins de semana alternados, indo o mesmo buscá-lo à casa de morada de família às 18 horas de sexta-feira e levando-0 de volta até às 20 horas Domingo, para tal, o Autor deve comunicar à Ré com antecedência de 24 horas, desde que o filho não se oponha.
3. Fixar-se em MOP$6,000.00 a título de alimentos do filho menor, pago pelo Autor A até ao dia 15 de cada mês, a depositar na conta bancária a indicar pela Ré.
4. Atribuir à Ré B a fracção autónoma actualmente habitada pela mesma como morada da família para viver com o filho menor.
Com esta sentença não conformou, recorreu para este Tribunal A, alegando que:
- Dos factos provados não resulta qualquer violação por parte do Autor do dever de assistência consistente na obrigação dos cônjuges de prestar alimentos e de contribuir para os encargos da vida familiar, pelo contrário, nos termos da resposta ao art. 12 da Base Instrutória, resultou provado que “o Autor prestava contribuição com o seu rendimento para os encargos da vida familiar – foi indevidamente interpretado e aplicado o art. 1536º do C.C.
- Os pedidos reconvencionais formulados pela R. de fixação de regimes definitivos de utilização da casa de morada de família, alimentos para si e regulação do exercício do poder paternal (no caso uma alteração à referida regulação, pois o juiz já havia logrado obter o acordo dos cônjuges relativamente à matéria na tentativa de conciliação) não podem ser formulados na acção especial de divórcio litigioso, pois aos mesmos correspondem forma de processo diversas da de processo especial de divórcio litigioso (já que ao processo de alimentos requerido pela R. cabe processo declarativo ordinário, ao de atribuição da casa de morada de família cabe o processo especial regulado no artigo 1249º do CPC e ao de regulação do poder paternal do menor, o processo especial previsto e regulado nos artigos 114º e ss. do Regime Educativo e Regime de Protecção Social da Jurisdição de Menores) – foi indevidamente interpretado e aplicado o disposto no art. 218º, nº 3, do CPC.
- Apesar de o processo especial de divórcio litigioso seguir os termos do processo ordinário quando contestado, ainda assim não é possível nele cumular pedido de prestação de alimentos, que também segue a referida forma de processo, é que o processo de divórcio litigioso não deixa de ser um processo especial apesar de a partir de determinada fase poder seguir os termos do processo ordinário de declaração – outra interpretação faz indevida aplicação do art. 218º, nº 3, do CPC.
- A decisão, recorrida na fundamentação de eventual decisão sobre o pedido de alimentos da R., e invocando a norma legal que trata da matéria – o art. 1857º do C.C.-, conclui que a Ré continuará a receber, como actualmente recebe, as rendas dos imóveis comuns e fixa para encargos da vida familiar, não especificando se a título de prestação de alimentos da Ré ou do filho menor do casal, a quantia de MOP$6,000.00; a final, na parte decisória não se pronuncia sobre o pedido de alimentos da Ré e fixa MOP$6,000.00 a título de prestação de alimentos ao filho menor do casal. Existe pois manifesta oposição dos fundamentos com a decisão, ocorrendo nulidade da sentença, nos termos do previsto no art. 571º, nº al. c) do CPC.
Termos em que, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que dê acolhimento ao que se deixou exarado nas conclusões, ou seja, que não existe violação por parte do R. do dever de assist6encia, e que, no processo especial de divórcio litigioso, não podem ser deduzidos pedidos reconvencionais para fixação de regimes definitivos de utilização da casa de morada de família, alimentos para si e regulação do exercício do poder paternal de filho menor.
B veio responder o recurso, alegando, em síntese, o seguinte:
i. Face aos factos considerados provados, designadamente os factos constantes dos quesitos 1º e 6º a 10º, não pode deixar de considerar-se que o Autor, desde 1994 até ao momento em que saiu de casa, não cumpriu com os seus deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência previstos no artigo 1533º do Código Civil.
ii. É, aliás, o próprio Autor quem reconhece que violou o dever de coabitação, confissão esta suficiente para que o divórcio seja decretado por sua exclusiva culpa.
iii. Termos em que não pode deixar-se de considerar que o Autor foi o principal culpado na separação de facto, o que deverá ser declarado em sede de sentença nos termos do nº 2 do artigo 1638º e do artigo 1642º, ambos do Código Civil.
iv. Quanto ao pedido de fixação de alimentos, aplica-se o regime previsto no nº 2 do artigo 391º do Código de Processo Civil, artigo que trata da “cumulação de Pedidos” nos termos do qual “No processo de divórcio litigioso é admissível a formulação de pedido destinado à fixação do direito a alimentos.”.
iv. Não faz qualquer sentido tentar cercear tal direito à Ré apenas porque apresentou aquele pedido em sede de reconvenção, uma vez que o Pedido Reconvencional, para todos os efeitos, acaba por ter a mesma natureza de uma Petição Inicial.
vi. A Ré tem direito a alimentos nos termos da al. a) do artigo 1857º.
vii. Ainda, o filho menor do casal conta actualmente 14 anos de idade e encontra-se a viver com a mãe, que, em exclusivo, vela pela sua segurança e saúde e dirige a sua educação bem como lhe presta toda a assistência, uma vez que o Autor apenas contribui para o seu sustento.
viii. Pelo que compete à Ré acompanhar o filho em todos os momentos, o que absorve grande parte do seu tempo disponível.
ix. No que respeita aos rendimentos da Ré, resultou provado (resposta ao quesito 18º) que estes se cingem actualmente ao valor de MOP$4,700.00.
x. Não obstante a resposta dada ao quesito 16º, o que é certo é que está feita a prova nos autos de que a R. tem, mensalmente, a seu cargo, despesas médias com o agregado familiar composto por si e pelo seu filho, no valor de MOP$18,491.57, não obstante as despesas com o agregado familiar serem de valor superior. Contudo, à data da entrada da PI em Juízo o Autor pagava o remanescente, conforme acima alegado.
xi. Face ao exposto, é manifesto que os actuais rendimentos auferidos pela R. são insuficientes para fazer às despesas com o agregado familiar composto por si e por seu filho.
xii. Tendo em conta que o salário mensal líquido auferido pelo Autor é de MOP$19,548.50, e tendo em conta os restantes critérios consagrados no nº 3 do artigo 1857º do Código Civil, está este em condições de pagar alimentos nos valores fixados em sede de Sentença.
xiii. O pedido de regulação do exercício do poder paternal e da casa de morada de família são cumuláveis com o Pedido Reconvencional de Divórcio não se verificando quaisquer obstáculos a que assim aconteça.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado improcedente devendo ser mantida a decisão recorrida.
Cumpre-se decidir.
Foram colhidos os vistos legais.
À matéria de facto foi dada por assente a seguinte factualidade:
Da Matéria de Facto Assente:
- No dia 3 de Junho de 1989, o Autor e a Ré celebraram casamento católico em Macau, sem convenção antenupcial (doc. nº 1) (alínea A da Especificação).
- O regime de bens do casamento é o regime de comunhão de adquiridos (alínea B da Especificação).
- Na constância do casamento tiveram um filho: C, do sexo masculino, nascido em Macau, no dia 1 de Agosto de 1993 (doc. nº 2) (alínea C da Especificação).
- O Autor e a Ré não têm qualquer intenção de restabelecer a vida em comum (alínea D da Especificação).
- O Autor deixou de viver na casa de morada de família sita em Macau, Taipa, Rua de Nam Keng, Fa Seng, edf. XX, Bloco 4, XXº andar “XX”, a partir de 20 de Novembro de 1999 (alínea D da Especificação).
- Desde que nasceu o filho do casal, a Ré deixou de trabalhar (alínea F da Especificação).
- O salário mensal líquido auferido pelo Autor é de MOP$19,548.50 (alínea G da Especificação).
Da Base Instrutória:
- As relações entre os cônjuges foram normais até ao ano de 1994 (resposta ao quesito 2º).
- Passando (o Autor) a viver sozinho (resposta ao quesito 5º).
- Em data não apurada, o Autor começou a não jantar em casa (resposta ao quesito 6º).
- Passava o dia todo fora (resposta ao quesito 7º).
- Muitas vezes, com o telefone desligado, pelo que não era possível à Ré. (resposta ao quesito 8º).
- Pelo que a Ré quase não via nem falava com o Autor (resposta ao quesito 9º).
- Em 1998, o Autor também passou a estar ausente algumas vezes durante parte da noite (resposta ao quesito 10º).
- O Autor prestava contribuição com o seu vencimento para os encargos da vida familiar (resposta ao quesito 12º).
- Quando a Ré engravidou passou a depender exclusivamente dos rendimentos do marido ora Autor e dos rendimentos provenientes do arrendamento de uma fracção comercial pertencente ao casal (resposta ao quesito 15º).
- As despesas normais da Ré e seu filho são no valor mensal de MOP$7,000.00 (resposta ao quesito 16º).
- A Ré continua a receber as rendas mensais dos imóveis comuns, que actualmente recebe, a renda de um estabelecimento, no valor de MOP$3,600.00, e a renda de um parque de estacionamento, no valor de MOP$1,100.00, no total de MOP$4,700.00 (resposta ao quesito 18º).
- As despesas mensais do Autor inclui a pensão de alimentos provisórios que tem vindo a pagar à Ré, no montante de MOP$5,000.00 (resposta ao quesito 19º).
- A Ré deixou de trabalhar quando engravidou (resposta ao quesito 20º).
Conhecendo.
O recorrente levantou 3 questões essenciais:
- Não concordou com a decisão que lhe atribuiu a culpa pelo divórcio;
- Cúmulo ilegal dos pedidos reconvencionais, porque pedidos reconvencionais formulados pela R. de fixação de regimes definitivos de utilização da casa de morada de família, alimentos para si e regulação do exercício do poder paternal serão conhecidos nos processos distintos, incompatíveis com o presente processo de divórcio litigioso;
- Nulidade da sentença pela oposição entre os fundamentos e a decisão quanto à parte do pedido de alimentos, pois a sentença tinha pronunciado na parte de fundamentação tão só os alimentos para a ré e na parte decisória atribuiu os alimentos só para o menor.
Vejamos.
1) Da culpa
Independentemente de que a sentença não tinha pronunciado sobre o fundamento de separação de facto por dois anos consecutivos que o autor levou para servir do fundamento de divórcio, e, ainda que o divórcio possa tem como fundamento a violação dos deveres conjugais, conhecemos apenas a questão da declaração da culpa, objecto do presente recurso, como impõe a pronunciar.
O recorrente entendeu que dos factos provados, nada indica que ele tinha violado qualquer dos deveres conjugais, ao contrario, está provado que ele tinham cumprindo os deveres de assistência pela forma a sustentar à família com a contribuição para os encargos da vida família.
Como se sabe, os cônjuges estão vinculados pelos deveres, entre outros, de coabitação, cooperação e assistência. Além de culposa, dolosa ou negligente, a violação tem de ser grave ou reiterada (e, assim, se torne grave devido à repetição continuada.1 Não basta uma qualquer violação, é necessário que, por um lado, revista gravidade, a valorar, nomeadamente, de acordo com a culpa que possa ser imputada ao requerente e ao grau de educação e sensibilidade moral dos cônjuges, tal como se consagra o artigo 1635º, nº 2, do Código Civil, e que não se traduza num acto simples, isolado, não merecedor de valoração; por outro, atenta a sua gravidade ou reiteração, a violação cometida comprometa a possibilidade da vida em comum.2
Trata-se de um critério que não olha rigorosamente para a gravidade da causa invocada, mas para a gravidade do efeito ou do resultado dos factos registados, embora considerando também, para o efeito, as circunstâncias referidas no art. 1635.º, n.º 2, do CC.
Impõe-se, pois, que o comportamento do cônjuge, pela sua gravidade ou reiteração, comprometa definitivamente a subsistência da relação conjugal, analisado objectivamente e inserido no contexto da real situação em que ocorreu.
Foi o autor considerado como violador dos deveres de coabitação e de assistência, previstos no artigo 1533° do Código Civil.
Trata-se o dever de coabitação do dever de vida em comum que recai sobre os cônjuges, mas se não esgota no dever de viver sob o mesmo tecto.
O dever de coabitação constitui a designação um tanto eufemística de um dos elementos fundamentais que caracterizam a plena comunhão de vida subjacente à sociedade conjugal (trata-se do chamado débito conjugal, o dever de cada um dos cônjuges ter relação de sexo com o outro), designando “não apenas para dar realização morigerada ao instituto sexual de cada um deles, mas também para deste modo assegurar a fecundidade do lar, dando ao casal os filhos cuja criação e educação, como fruto natural do seu amor e garantia de perpetuação do seu sangue, mais empolgam os sentimentos humanos”.3
Este dever está ainda relacionado especialmente com o dever de adoptar duma residência comum, como se prevê no artigo 1534º, sob epígrafe “Residência da família”, nos seguintes termos:
“1. Os cônjuges devem escolher de comum acordo a residência da família, atendendo, nomeadamente, às exigências da sua vida profissional e aos interesses dos filhos e procurando salvaguardar a unidade da vida familiar.
2. Salvo motivos ponderosos em contrário, os cônjuges devem adoptar a residência da família.
3. Na falta de acordo sobre a fixação ou alteração da residência da família, decidirá o tribunal a requerimento de qualquer dos cônjuges.”
Quanto ao dever de assistência, prevê o artigo 1536° do Código Civil que:
“1. O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar.
2. O dever de assistência mantém-se durante a separação de facto, se esta não for imputável a qualquer dos cônjuges.
3. Se a separação de facto for imputável a um dos cônjuges, ou a ambos, o dever de assistência, a favor do outro cônjuge, só incumbe em princípio ao único ou principal culpado; o tribunal pode, todavia, excepcionalmente e por motivos de equidade, impor esse dever ao cônjuge inocente ou menos culpado, considerando, em particular, a duração do casamento e a colaboração que o outro cônjuge tenha prestado à economia do casal.”
Como escreveu Maria Nazareth Lobato Guimarães no seu estudo Reforma do Código Civil,«a separação de facto desfaz efectivamente a comunidade, mas não o vínculo conjugal,4
Desta sorte, importa dizer que o vínculo conjugal se mantém, mantém-se o dever conjugal de assistência que emana de tal vínculo jurídico, pois “não deve confundir-se a obrigação alimentar que impende sobre ambos os cônjuges com o dever de alimentos genericamente regulado nos artigos 2003º e segs (Em Macau o artigo 1844°). As regras são diferentes. O dever conjugal recíproco de alimentos deriva directa e imediatamente do casamento e não supõe qualquer acordo prévio ou antecedente litigioso, enquanto a obrigação de alimentos regulada nos artºs 2003º e segs (Em Macau o artigo 1844°) é fruto de convenção entre as partes ou de decisão judicial.”5
Dai distingue-se o violador do dever de assistência de quem deu causa a separação de facto, pois quem deu causa a separação de facto tanto não se quer traduz intrinsecamente a violação do dever conjugal de assistência, como não quer, por isso, traduz a não violação de outro dever, tal como o dever de coabitação.
Demonstrando os factos provados que, desde 1994, passou o Autor a viver sozinho, e, em data não apurada, o Autor começou a não jantar em casa, passando o dia todo fora, algumas vezes durante parte da noite, e, muitas vezes, com o telefone desligado, pelo que não era possível à Ré contactá-lo, não o via nem falava com ele, até, a partir de 20 de Novembro de 1999, o Autor deixou de viver na casa de morada de família sita em Macau.
Está por outro lado provado que o Autor prestava contribuição com o seu vencimento para os encargos da vida familiar, com isto não se pode dizer que o autor se omitiu a “prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar” e que se conclui pela violação ao dever de assistência.
Porém, com os factos acima resumidos, ressalta indubitavelmente, que o autor deixou de ter plena comunhão de leito, mesa e habitação com a ré reconvinte, violando assim do dever de coabitação, por outro lado, as consequências decorrentes da violação deste dever são graves, não só porque continuadas no tempo, mas ainda porque houve um completo abandono na defesa e colaboração de necessidades de ordem moral e afectiva do agregado familiar.
Pelo que, é de considerar ser o autor o cônjuge culpado.
2. Cúmulo ilegal dos pedidos
O recorrente entendeu haver cúmulo ilegal dos pedidos reconvencionais, porque os pedidos reconvencionais formulados pela R. de fixação de regimes definitivos de utilização da casa de morada de família, alimentos para si e para o menor e a regulação do exercício do poder paternal serão conhecidos nos processos distintos, incompatíveis com o presente processo de divórcio litigioso.
Não tem mínima razão.
Prevê o artigo 957° que:
“1. Em qualquer altura do processo, o juiz, por iniciativa própria ou a requerimento de alguma das partes, e se o considerar conveniente, pode fixar um regime provisório quanto a alimentos, à regulação do exercício do poder paternal dos filhos e à utilização da casa de morada da família.
2. Para efeitos do disposto no número anterior, o juiz pode ordenar a realização das diligências prévias que considere necessárias.”
Quer dizer, enquanto no processo de divórcio litigioso pode decidir e fixar o regime (provisória) quanto a alimentos e à utilização da casa da morada família, a regulação do exercício do poder paternal, podem a ré deduzir o pedido reconvencional na sua contestação.
Ainda por cima, o artigo 391° n° 2 do Código de Processo Civil, admite expressamente este cúmulo de pedidos – “No processo de divórcio litigioso é admissível a formulação de pedido destinada à fixação do direito a alimentos”.
Tendo fixado nos presentes autos o regime provisória do exercício do poder paternal e alimentos do menor, poderia a sentença decidi-lo no regime definitivo, pela forma a fazer uma conversão expressa. Mas será outra coisa a não conversão na sentença, cuja consequência será apreciada no seguinte ponto.
É improceder o recurso nesta parte.
3. Oposição entre os fundamentos e a decisão
Assaca-se contra a decisão com fundamento de oposição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do artigo 571° n° 1 al. c) do Código de Processo Civil.
Tem razão.
É pacificamente considerado que ocorre o vício previsto no referido artigo (fundamentos em oposição com a decisão) quando os fundamentos de facto e de direito invocados na sentença recorrida conduzirem de acordo com um raciocínio lógico a resultado oposto ao que foi decidido, ou seja, quando a fundamentação apresentada justifica uma decisão precisamente oposta à tomada.
A sentença na parte da fundamentação ponderou expressamente se os alimentos destinam para a ré, citando o artigo 1857° do Código Civil, mas na parte decisória, decidiu expressamente os alimentos a pagar pelo autor a favor do menor, verifica-se efectivamente o vício da referida oposição entre fundamentação e a decisão.
De facto, a ré na sua reconvenção pediu que se condenasse o autor a pagar, a título de alimentos, a favor da ré no montante de MOP$6000 e a favor do menor em MOP$6750.
Embora não se possa falar no caso, tal como a fundamentação da sentença se encontrava, de haver nitidamente oposição entre fundamentos e a decisão por não haver uma “relação oposta” entre si, (pois, a sentença fundamentou uma coisa e decidiu noutra coisa, e a oposição em princípio só se refere às coisas situadas nos pólos opostos, v.g. um sim outra não), já é pacífica a jurisprudência que se entende também se verifica este vício quando a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho, pelo menos, direcção diferente.6
Assim sentido e nesta conformidade, verifica-se efectivamente o imputado vício que conduz à nulidade da sentença nesta parte.
Podendo embora este tribunal de recurso, perante a nulidade da decisão, no regime de substituição, tomar nova decisão em conformidade com o de direito, estamos perante a dificuldade por seguinte:
Um, a ré com os pedidos reconvencionais quanto aos alimentos, não recorreu da decisão;
Dois, havendo embora a omissão da pronúncia da sentença, sobre os vícios previstos no n° 1 do artigo 571 do Código de Processo Civil, não é de conhecimento oficioso;
Três, o recorrente recorreu da decisão nesta parte da nulidade da sentença, não tinha pedido recursório substancial que se permita tomar decisão de mérito;
Quatro, a sentença não tomou a decisão no sentido de converter o regime provisória do exercício do poder paternal e alimentos em definitivo, limitando-se a remeter certidão da sentença para o Ministério Público nos termos e para os efeitos previsto no n° 3 do artigo 114 do D.L. n° 65/99/M.
Cremos ser mais adequado e correcto, dentro do limite do objecto do recurso, relegar à decisão a tomar em sede próprio da regulação do poder paternal, no regime definitivo, a decisão quanto aos alimentos, tão só do menor, em virtude da remessa ordenada na parte final da sentença nos termos do referido artigo 114° do D.L. n° 65/99/M.
Ainda por cima, os interesses do menor estão salvaguardados uma vez ainda está em vigor o regime provisório do exercício do poder paternal e dos alimentos do mesmo menor, determinado nos presentes autos.
Procede-se o recurso nesta parte.
Ponderado resta decidir.
Pelo exposto acordam neste Tribunal de Segunda Instancia em conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo autor A, e em consequência, declarar-se nula a sentença na parte da decisão dos alimentos do menor, mantendo-se a restante decisão recorrida.
Custas pelo recorrente e recorrida na proporção do seu decaimento.
RAEM, aos 15 de Dezembro de 2011
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
1 Neste sentido vide o Acórdão do STJ de Portugal que se cita a título de direito comparado, de 27 de Maio de 2010 no processo n° 10100/05.5TBCSC.L1.S1.
2 Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2ª Edição 1992, p. 530.
3 Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2ª Edição 1992, p. 258.
4 Edição 1981, p. 191.
5 Abel Pereira Delgado, Divórcio, p.46.
6 Neste sentido vide os acórdãos, entre outros, de RC de 21 de Janeiro de 1992, Col. Jur. 1992, 1° p. 85, e do STJ de 19 de Janeiro de 1991, citado no Código de Processo Civil anotado de Abílio Neto, 15ª Edição, 1999, p. 865.
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