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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau


Recurso penal
N.º 25 / 2010

Recorrente: A







   1. Relatório
   A foi julgada no Tribunal Judicial de Base no âmbito do processo comum colectivo n.º CR1-09-0126-PCC e condenada pela prática dos seguintes crimes:
   - por aplicação da lei penal mais favorável, um crime de tráfico de drogas previsto e punido pelo art.º 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M na pena de 10 anos e 6 meses de prisão e multa de 20.000 patacas, convertível em 133 dias de prisão;
   - um crime de uso de documento falso previsto e punido pelo art.° 18.°, n.° 3 da Lei n.° 6/2004 na pena de 9 meses de prisão;
   - um crime de falsas declarações sobre a identidade previsto e punido pelo art.° 19.° da Lei n.° 6/2004 na pena de 7 meses de prisão.
   Em cúmulo, foi condenada na pena única de 11 anos de prisão e multa de 20.000 patacas, convertível em 133 dias de prisão.
   Recorrendo desta decisão para o Tribunal de Segunda Instância, este, por seu acórdão proferido no processo n.º 171/2010 de 22 de Abril de 2010, julgou parcialmente procedente o recurso e absolveu a arguida do crime de falsas declarações sobre a identidade e mantinha a condenação dos restantes dois crimes. E a pena única foi fixada para 10 anos e 10 meses de prisão e multa de 20.000 patacas, convertível em 133 dias de prisão.
   Deste acórdão vem agora a arguida recorrer para este Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões nas suas alegações:
   “1. A respeito da parte “determinação da medida de pena” da sentença recorrida;
   2. Foi julgado que se mantém a pena determinada nos termos do artigo 8.º n.º 1 do DL n.º 5/91/M para um crime de tráfico da recorrente.
   3. Dos factos dados por provados que:
   4. A recorrente preencheu o preceito do artigo 66.º n.º 2 alínea c) do CPM (arrependimento, confissão e reparação dos danos na medida possível)
   5. Pelo que, se devia beneficiar da atenuação especial da pena.
   6. Todavia, entendeu a sentença recorrida que a conduta da recorrente não deu lugar à aplicação do artigo 66.º n.º 2 alínea c) do CPM, de modo a negar o seu direito ao tratamento mais favorável.
   7. Pelo que a sentença recorrida erroneamente interpretou o preceito do artigo 66.º n.º 2 alínea c) do CPM.
   8. Daí que suscita o vício emergente da interpretação errónea da lei nos termos do artigo 400.º n.º 1 do CPPM, deve se decretar a revogação da sentença recorrida.
   9. Julgou a recorrente que numa interpretação correcta da referida norma, devia decretar que a recorrente se prevaleça da atenuação especial e adequar a pena nos termos do artigo 67.º do CPM.
   10. Em segundo lugar, na sentença recorrida, a pena aplicada (condenado na pena de 10 anos 6 meses de prisão e na multa de 20.000,00 patacas) em virtude do crime de tráfico é demais elevada.
   11. A respeito da questão de determinação da medida de pena para o crime de tráfico de drogas, devia-se levar em conta os critérios nos casos idênticos ou próximos.
   12. Para além de alcançar a objectividade na determinação da medida de pena para caso concreto, determina-se a medida de pena relativamente justa face aos outros casos.
   13. Só assim é que conseguimos à justiça verdadeira.
   14. No presente recurso, verifica-se na quantidade de droga detida pela recorrente neste recurso (cerca de 300 gramas) que é muitas vezes menos do que os réus detiveram (cerca e 1000 patacas) nos três recursos n.º 617/2009 do T.S.I e n.ºs 28/2009 e 38/2009 do T.U.I.
   15. Daí que é manifestamente desequilibrada, irracional, inadequada e excessiva a pena fixada na sentença recorrida para o crime de tráfico.
   16. Na contestação e no parecer, tanto o procurador adjunto junto do Tribunal Judicial de Base como o junto do Tribunal de Segunda Instância estão de acordo de que o Tribunal da 1.ª instância determinou a pena excessiva para o crime de tráfico da recorrente.
   17. Mas, a sentença recorrida olvidou este aspecto.
   18. Como na sentença recorrida, não foram consideradas a finalidade da pena e a culpabilidade da recorrente mencionadas no artigo 40.º do CPM, nem apreciadas todas as circunstâncias necessárias à determinação da medida de pena, inclusivamente a reparação da consequência do crime após a execução da recorrente, e a sua conduta reveladora do arrependimento, e desta maneira, foi fixada a pena demais elevada.
   19. Portanto, a sentença recorrida devia ser declarada revogada por violar a norma dos artigos 40.º e 65.º n.ºs 1 e 2 do CPM, e conter o vício emergente da interpretação errónea da lei previsto no artigo 400.º n.º 1 do CPPM.
   20. Enquanto julgou a recorrente que se devia condenar, ao abrigo do artigo 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, a recorrente na pena de 6 anos 6 meses de prisão pelo crime de tráfico de drogas, tendo em vista os artigos 40.º e 65.º n.ºs 1 e 2 do CPM.”
   Pedindo que seja revoado o acórdão recorrido na parte referente à medida da pena e aplicada a Lei n.° 17/2009 para fixar a pena em 6 anos e 6 meses de prisão.
   
   O Ministério Público concluiu de seguinte forma na sua resposta:
   “1. Nos termos do artigo 66.º n.º 1 do CPM, a atenuação especial da pena tem por requisito material e necessário “a diminuição acentuada da ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”.
   2. As circunstâncias exemplificadas no artigo 66.º n.º 2 do CPM não conduzem necessariamente à atenuação especial da pena.
   3. A diminuição acentuada exigida pela lei não reporta à diminuição ordinária ou do grau normal. No caso concreto, apenas justificaria a atenuação especial da pena a diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpabilidade do agente ou da necessidade da pena em função da verificação das determinadas circunstâncias.
   4. Neste caso, o argumento de ser delinquente primário e a sua confissão, invocado pela recorrente não corresponde ao requisito consagrado no artigo 66.º n.º 1 do CPM para a atenuação especial da pena.
   5. Na verdade, em consonância com os factos dados por assentes pelo Tribunal a quo, a recorrente não é residente de Macau, recorreu à forma oculta (esconder drogas no corpo) de transportar drogas da grande quantidade para Macau, e utilizou documento falsificado de identificação, declarou à polícia de Macau dados de identificação não verdadeiros com intenção de se eximir da responsabilidade pena, revela-se a sua alta intensidade de dolo, a ilicitude grave e a influência extremamente negativa sobre a segurança e saúde pública, não nos permite a concluir que a ilicitude do facto, a culpabilidade da recorrente ou a necessidade da pena seja diminuída de forma acentuada, entendemos que não se devia atenuar especialmente a pena aplicada aa recorrente.
   6. Porém, tendo em conta a situação concreta do caso, a moldura penal aplicável e o critério para a determinação da medida de pena estatuído nos termos dos artigos 40.º e 65.º do CPM, com referência a pena decidida nos casos idênticos pelos Tribunais de Segunda Instância e de Última Instância, em razão da quantidade de drogas (por exemplo, as penas aplicadas nos recursos n.º 617/2009 do T.S.I e n.ºs 28/2009 e 38/2009 do T.U.I.), parece-nos que seja excessiva a pena de 12 anos de prisão aplicada ao abrigo do artigo 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009.
   7. Não obstante a moldura penal estabelecida nos termos do artigo 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009 conferiu a maior margem para decisão judicial, não podem ser negligenciadas a culpabilidade subjectiva da recorrente bem como a ilicitude da sua conta e como também verificou-se a alta exigência preventiva geral para os crimes da mesma natureza. A despeito disso, tendo em conta que o legislador baixou consideravelmente o limite mínimo da moldura penal para o crime de tráfico e as demais circunstâncias concretas do caso, inclusivamente a personalidade da recorrente manifestada na conduta e os seus comportamentos anteriores e posteriores ao caso (a recorrente é delinquente primária, confessou integralmente os factos na audiência de julgamento), a quantidade de droga envolvida no caso, proponhamo-nos a condenar a recorrente na pena de prisão não superior a 8 anos.
   8. Nos termos expostos, deve-se julgar parcialmente procedente o recurso.”
   
   Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição assumida na resposta.
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Matéria de facto
   Foram dados como provados pelos Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância os seguintes factos:
   “1. Em 24 de Outubro de 2008, às 21h33, o voo n.º XXXXX da recorrente A da companhia aérea chegou ao Aeroporto Internacional de Macau.
   2. Naquele dia, às 22h00, a recorrente A, estava munido dum passaporte com fotografia dele próprio, do titular identificado como B (n.º XXXXXXXXX), entrou em Macau através do posto fronteriço do Aeroporto Internacional de Macau.
   3. O referido passaporte com fotografia da recorrente A, do titular identificado como B (n.º XXXXXXXXX) era falsificado.
   4. Depois, na zona de bagagem da entrada do Aeroporto Internacional de Macau, a recorrente A foi interceptado pela polícia judiciária.
   5. Ao ser examinado pela polícia judiciária, a recorrente A exibiu à polícia judiciária o referido passaporte com fotografia dele próprio e do titular identificado como B, a fim de provar a sua identidade.
   6. Posteriormente, na PJ, a recorrente A declarou como B, filho do C e D, nascido em XX de X de 19XX.
   7. A recorrente A sabia bem que o aludido passaporte era falsificado e declarou ao agente policial que os referidos dados da identificação eram verdadeiros.
   8. A recorrente A utilizou o referido passaporte falsificado e forneceu os dados falsos de identificação pessoal com o objectivo de escapar ao controlo da polícia sobre imigração ilegal.
   9. Por ter suspeita de esconder drogas no corpo, a recorrente A foi levado à Urgência do Hospital para se submeter ao exame ulterior pelas 0h00 e pouco do dia 25 de Outubro de 2008.
   10. Através do exame de raio x da sua barriga, verificou-se no corpo da recorrente A uma grande quantidade de objectos da forma elipsoidal.
   11. Em 25 de Outubro de 2008, das 4h30 às 16h00 e pouco, foram evacuados do corpo da recorrente A 50 grãos elipsoidais envolvidos com papel plástico amarelo, na casa de banho da Urgência do Hospital de Conde S. Janunário.
   12. Após exame laboratorial, comprovou-se que os referidos 50 grãos elipsoidais continham Heroína, substância abrangida pela Tabela I-A, anexa ao DL n.º 5/91/M, tem o peso total de 384,89g.
   13. As drogas acima referidas foram escondidas no corpo da recorrente A e trazidas por este a Macau, para serem entregues ao indivíduo da identidade desconhecida.
   14. A recorrente A agiu, livre, voluntária conscientemente e com dolo.
   15. A recorrente A conhecia bem a natureza e as características das referidas drogas por ele escondidas no corpo e trazidas a Macau,
   16. A conduta da recorrente A não é permitida nos termos legais.
   17. A recorrente A utilizou, duas vezes, o mesmo passaporte falsificado e realizou o acto no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a sua culpa.
   18. A recorrente A sabia bem que o seu acto é legalmente proibido e punido.
   19. A recorrente era empregado da mesa antes de entrar na prisão, mediante o salário diário de 110 patacas.
   20. A recorrente é solteiro, tem dois filhos a seu cargo.
   21. A recorrente confessou os factos, sendo primário.

   Factos não provados: outros factos descritos na acusação.”
   
   
   2.2 Atenuação especial da pena
   No presente recurso, a recorrente impugna a medida da pena fixada para o crime de tráfico de drogas por considerar demasiado pesada. Entende que, com a confissão, o arrependimento e o facto de ser primária, a pena deve ser atenuada especialmente nos termos do art.° 66.°, n.° 2, al. c) do Código Penal (CP).
   
   Nos termos do art.° 66.°, n.° 1 do CP: “o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.”
   E na al. c) do n.° 2 do referido artigo prescreve que o “arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados” é um factor a considerar para efeito de atenuar especialmente a pena.
   
   De acordo com os factos provados, a recorrente confessou os factos e era primária. Apenas perante estas circunstâncias, sem qualquer outros factos susceptíveis de ser considerados que diminui acentuadamente a ilicitude do factos, a sua culpa ou a necessidade da pena, por exemplo, os actos que mostram realmente o arrependimento sincero da recorrente, é inviável, de qualquer maneira, atenuar especialmente a pena.
   
   
   2.3 Aplicação da lei penal mais favorável e a medida da pena
   A recorrente sustenta subsidiariamente que a pena para o tráfico de drogas deve ser fixada em 6 anos e 6 meses de prisão em aplicação do art.° 8.°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009.
   
   Depois da prática do acto criminoso pela recorrente, entrou em vigor a nova lei de proibição da produção, do tráfico e do consumo ilícitos de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas (Lei n.º 17/2009). Assim, é necessário proceder à comparação dos regimes antigo e novo nesta matéria nos termos do art.º 2.º, n.º 4 do CP.
   O Tribunal Judicial de Base condenou a recorrente na pena de 10 anos e 6 meses de prisão com a lei antiga (Decreto-Lei n.° 5/91/M) por considerar que a pena seria 12 anos de prisão se fosse aplicada a lei nova (Lei n.° 17/2009). O Tribunal de Segunda Instância não examinou expressamente a comparação dos regimes antigo e novo e manteve a condenação do tráfico de drogas pela lei antiga.
   
   Segundo o n.° 4 do art.° 2.° do CP: “Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, salvo se já tiver havido condenação transitada em julgado.”
   Entende-se que a comparação das leis penais nestes termos implica que seja aplicado ao arguido o regime penal mais favorável em bloco. Mas tal não obsta que o tribunal de recurso reaprecie qual é a lei penal mais favorável por se tratar de uma questão de direito e estar relacionada com a fixação concreta da pena, para além de a recorrente suscitou expressamente a questão.
   
   Para a fixação da pena concreta, é de atender especialmente que a recorrente transportou no seu corpo 50 grãos elipsoidais envolvidos com papel plástico amarelo que contém 384,89g heroína, com a utilização do passaporte falso no aeroporto de Macau, confessou os factos e era primária.
   
   A pena de 10 anos e 6 meses de prisão e 20.000 patacas de multa fixada pela primeira instância com a lei antiga não é desproporcional.
   Mas a pena de 12 anos de prisão que o Tribunal Judicial de Base fixou com a lei nova mostra-se já desproporcional face às circunstâncias concretas do crime.
   
   O crime de tráfico de drogas previsto no art.º 8.º, n.º 1 da nova Lei n.º 17/2009 é punível com a pena de 3 a 15 anos de prisão.
   É inegável a gravidade do crime, pois é alto o grau da ilicitude do crime e a culpabilidade da recorrente, com a utilização do meio de transportar a droga de difícil detecção, e a necessidade premente de combater este tipo de crime.
   Uma das finalidades principais da lei nova é agravar a punição para actos de tráfico de drogas e evitar, ao mesmo tempo, punição demasiado severa para os casos de tráfico de gravidade reduzida, nomeadamente com pequena quantidade de drogas.
   Mas é de notar que o limite mínimo da pena baixou significativamente de 8 anos de prisão na lei antiga para 3 anos de prisão na lei nova. E o limite máximo aumentou apenas de 12 anos de prisão para 15.
   Assim, não só o tráfico de drogas em quantidade reduzida é punido agora com a lei nova com menos severidade, também o tráfico em quantidade já em certa medida apreciável pode não ser punido com pena tão pesada que na lei antiga.
   Ainda que a pena seja menos pesada com a aplicação da lei nova, possivelmente em contrário da intenção legislativa inicial de agravação da punição, o juiz deve recorrer ao mesmo critério para a fixação da pena concreta, seja na aplicação da lei nova, seja da lei antiga.
   É o que acontece no presente caso, pois é mais equilibrado fixar a pena concreta em 8 anos e 6 meses de prisão para o presente caso, numa moldura penal de 3 a 15 anos de prisão.
   É evidente que se deve aplicar a lei nova por ser mais favorável à recorrente.
   
   Com a pena de 9 meses de prisão fixada para o crime de uso de documento falso, a pena única para o cúmulo jurídico deve ser fixada em 8 anos e 10 meses de prisão.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em julgar parcialmente procedente o recurso, revogando o acórdão recorrido na parte que manteve a pena para o crime de tráfico de drogas fixada pela primeira instância, e passar a condenar a recorrente pela prática de um crime de tráfico ilícito de drogas previsto e punido pelo art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009 na pena de 8 anos e 6 meses de prisão.
   Em cúmulo jurídico com a pena fixada para o crime de uso de documento falso, é a recorrente condenada na pena única de 8 anos e 10 meses de prisão.
   Custas pela recorrente, com as taxas de justiça fixadas em 2UC, tanto neste Tribunal como no Tribunal de Segunda Instância, e os honorários de 1200 patacas ao seu defensor nomeado.
   
   Aos 15 de Junho de 2010




Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

Processo n.º 25 / 2010 1