Processo n. 138/2011 (Recurso Laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 09 de Fevereiro de 2012
Descritores:
- Reconvenção
- Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
-Descanso semanal, anual, feriados obrigatórios
SUMÁRIO:
I- Nos termos do art. 17º do CPT, no âmbito de uma acção proposta pelo trabalhador contra a sua entidade patronal para pagamento de créditos laborais devidos por dias de descanso não gozados nem pagos, não é possível deduzir reconvenção por falta dos respectivos requisitos.
II- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
III- Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, n.1,4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).
IV- Se o trabalhador prestar serviço em feriados obrigatórios remunerados na vigência do DL 24/89/M, além do valor do salário recebido efectivamente pela prestação, terá direito a uma indemnização equivalente a mais dois de salário (salário médio diário x3).
V- Na vigência do DL 24/89/M, terá o trabalhador a auferir, durante os dias de descanso anual, o triplo da retribuição, mas apenas se tiver sido impedido de os gozar pela entidade patronal. À falta de prova do impedimento desse gozo de descanso, tal como sucedeu com o DL n. 101/84/M, que continha disposição igual (art. 24º, n2), também aqui, ao abrigo do art.21º, n.2 e 22º, n.2, deverá receber também um dia de salário (salário médio diário x1).
Proc. Nº 138/2011
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I- Relatório
A, com os demais sinais dos autos, com o patrocínio oficioso do Ministério Público, moveu contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento de Mop$ 376.952,46, como compensação pelos descansos semanais, feriados obrigatórios e descansos anuais não gozados desde o início ao termo da relação laboral entre ambos.
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Na sua contestação, a ré STDM suscitou a excepção de prescrição e, além da matéria impugnativa, deduziu igualmente reconvenção, que, neste caso, manifestou através do pedido de devolução das gorjetas que entregou ao autor ao longo da relação laboral, no pressuposto de que elas não eram devidas nos termos do contrato entre ambos celebrado e no de que elas haviam sido oferecidas livre e espontaneamente pelos jogadores sem que fizessem, portanto, parte do salário. A ser assim, considera estar perante um enriquecimento indevido por parte do trabalhador, circunstância que a leva a pedir a sua devolução.
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No despacho saneador, o tribunal “a quo” não admitiu o pedido reconvencional e, sobre a prescrição, julgou prescritos todos os créditos anteriores a 9/02/1990.
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Desse despacho saneador, na parte referente à decisão sobre a reconvenção, foi interposto recurso jurisdicional pela STDM, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. Sem prejuízo de melhor entendimento e Juízo, deve proceder a Reconvenção deduzida pela Ré e Recorrente,
2. Conhecendo-se dos dois pedidos ínsitos na mesma Reconvenção, nos artigos 198º e seguintes da Contestação e Reconvenção.
3. Pelo que, salvo melhor entendimento, improcede o douto Despacho Saneador que, a fls. 114 a 116v, considerou impeditivo o conhecimento da Reconvenção, “uma vez que não obedece aos requisitos substanciais previstos no artigo 17.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho” quer quanto à existência de falta de compensação, falta de existência de um pedido do réu que emerja do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à acção e falta de acessoriedade ou, falta de complementaridade ou, falta de dependência entre o pedido do réu e o do autor,
4. Assim indeferindo a possibilidade de procedência e mesmo, antes, do conhecimento da mesma Reconvenção por não preenchimento dos requisitos substanciais/objectivos/materiais e os requisitos processuais da mesma,
5. Com as custas a cargo da Ré, Reconvinte e ora Recorrente.
6. Não existe falta de interesse processual nem falta de interesse em agir por parte da Ré e aqui Recorrente,
7. Nem - também - inexiste acessoriedade, ou complementaridade ou dependência entre o pedido principal ou inicial ínsito na douta P. I.,
8. E o pedido reconvencional apresentado nos artigos 245º e seguintes da Contestação e Reconvenção,
9. Pois ambos estão interligados, conexos ou relacionados, senão, vejamos:
10. O pedido deduzido na P. I. ascende a MOP 376.952,46 (trezentas e setenta e seis mil e novecentas e cinquenta e duas patacas e quarenta e seis avos),
11. Quando acontece que, o salário diário do A., Reconvindo e aqui Recorrido foi sempre estável e no valor pecuniário de MOP$ 4,10 (quatro patacas e dez avos) e, depois, um salário diário de HKD$10,00 (dez dólares de Hong Kong), sempre em função do trabalho prestado, do labor efectivamente produzido nos casinos da Recorrente e, também, da sua comparência ao serviço nos mesmos casinos até 31 de Março de 2002.
12. Ora o pedido ascende a quantias altamente superiores ao que o A., ora Recorrido, poderia calcular com base na sua retribuição diária.
13. O pedido e a causa de pedir são os pretensos, hipotéticos e possíveis falta de períodos de descanso ou de repouso semanal, anual e feriados obrigatórios.
14. Com base nesse pedido, deduz um quantum indemnizatório em que engloba quantias alheias à Ré e ora Recorrente,
15. Prestações de terceiros, os clientes dos casinos que, como doações remuneratórias ou liberalidades de terceiros, prestavam gratificações ou gorjetas nos casinos que a Ré e Reconvinte, ora Recorrente, explorou até ao termo da sua concessão em exclusivo por caducidade, em 31 de Março de 2002.
16. A acessoriedade, a complementaridade e a dependência do pedido reconvencional (parágrafo § 3º) do número 1 do artigo 17º do CPT está encontrado:
17. Primeiro, a Ré, Reconvinte e aqui Recorrente procurou a validade do seu contrato e das suas cláusulas de trabalho contínuo, mesmo em dias de repouso, o que foi sempre aceite pelo ora Recorrido (vide, os artigos 122º a 165º da Contestação e, depois, ainda, os artigos 219º a 225º da Reconvenção);
18. Segundo, mesmo que, porventura, tal contrato não fosse nem seja legal, o que não se considera mas equaciona por mera hipótese académica e à cautela,
19. Então, nesse caso, deve o A. e ora Recorrido devolver o montante altíssimo de gratificações, luvas ou gorjetas recebidas pela Ré e provenientes dos clientes dos casinos,
20. Quantias pecuniárias estas, que o Reconvindo e Recorrido só auferiu em troco do trabalho contínuo nos casinos da Ré e Recorrente,
21. Nos termos, designadamente, dos artigos 9º do RJRT de 1984 e 12º do RJRT de 1989 (diplomas laborais que, hoje, estão já revogados).
22. Apenas se aplicava o RJRT de 1984 e o RJRT de 1989 à relação jurídica e material controvertida, bem como os Usos e Costumes do Sector do Jogo e Aposta em Casino e outros jogos de azar, em vigor à data dos factos.
23. Portanto, a conexão e acessoriedade entre o pedido da P. I. e o pedido da reconvenção existe: o valor das luvas, prémios irregulares, gorjetas ou gratificações, não sendo curial nem possível a Ré e Recorrente ser condenada a prestar ou a repetir uma prestação pela qual não pode ser responsabilizada: as tais gratificações ou as gorjetas dos clientes.
24. Pelo que o pedido indemnizatório da presente acção laboral constitui um locupletamento sem causa do ora Recorrido à custa da Recorrente.
25. Tendo em vista o peticionado nos artigos acima referidos e tendo em vista o valor da Reconvenção (que ascende a MOP 1.669.109,50).
26. Existe também, dependência entre o pedido principal e o pedido reconvencional: a ser condenada a Ré pela falta de repouso ou de descanso, deverá tal indemnização desconsiderar ou subtrair as referidas gratificações ou gorjetas dos clientes e,
27. Sem conceder, deverá a contra-acção que é a Reconvenção proceder, condenando-se o A./Recorrido a devolver a quantia ilegitimamente obtida à custa das liberalidades prestadas pelos clientes e redistribuídas pela Ré a todos os seus ex-colaboradores, ex-prestadores de serviço, ex-empregados ou ex-trabalhadores, até 31 de Março de 2002.
28. Ou seja, a quantia de MOP 1.669.109,50 é o montante pecuniário que deve ser devolvido pelo A./Recorrido à aqui Reconvinte e Recorrente, a título das referidas gratificações, luvas ou gorjetas que injusta e sem causa o primeiro vem agora, a Juízo, novamente reclamar e peticionar,
29. Bem como, fica provado esse nexo entre as duas acções, com o prejuízo objectivo e grave que sobre a Recorrente impende com a presente acção judicial laboral em que são exigidos pelo Autor e aqui Recorrido a quantia de MOP 376.952,46 (trezentas e setenta e seis mil e novecentas e cinquenta e duas patacas e quarenta e seis avos) acrescida de juros de mora legais vencidos e vincendos a contar da data da data do termo da relação contratual e laboral.
30. Tendo sido deduzida a presente Reconvenção no presente litígio justamente, em ordem à celeridade, oportunidade e rapidez processuais do processo laboral,
31. Escusando a Ré e Recorrente de instaurar novo pleito judicial para reaver o montante das gratificações ou gorjetas recebidas pelo Autor e Recorrido dos clientes dos casinos que a Ré explorou até final de Março de 2002,
32. Levando em linha de conta o expendido na Contestação / Reconvenção, para requerer a V. Exas do douto Tribunal ad quem que revoguem o douto Despacho Recorrido posto aqui em crise pelo recurso, desde logo, na parte em que absolveu a Recorrido da instância por alegada falta de qualquer dos 3 (três) requisitos previstos nos 3 (três) §§ parágrafos do número 1 do artigo 17º do CPT, como ficou expresso no referido e douto Despacho Saneador que aqui se recorre interlocutoriamente.
33. Sobre o pedido Reconvencional, o locupletamento sem causa do A. e ora Reconvindo à custa da Ré e Recorrente, em MOP 1.669.109,50, tal quantia monetária traduz o valor das luvas, gratificações, prémios irregulares ou gorjetas que o A. e aqui Recorrido recebeu e que,
34. De uma forma repetida e excessiva, procura agora no presente pleito, enriquecer-se novamente à custa da Ré e aqui Recorrente, ao peticionar uma quantia pecuniária por pretensa falta de descansos semanais, anuais e feriados obrigatórios,
35. Descurando-se o facto essencial de ter auferido um elevadíssimo rendimento ao longo dos anos em que prestou serviço e foi funcionário ou empregado da Ré e Recorrente,
36. Desde logo, por mor das luvas, gratificações ou gorjetas prestadas pelos clientes e distribuídas pela Ré e aqui a Recorrente.
37. O douto Tribunal a quo considerou não estarem preenchidos os fundamentos do instituto enriquecimento sem causa,
38. Por falta de requisitos materiais-objectivos e requisitos processuais.
39. A causa para o enriquecimento do ora Recorrido e o consequente empobrecimento da Recorrente assentava na renúncia expressa daquela primeira à remuneração em dias de descanso (semanal, anual e feriados obrigatórios).
40. Apenas por ter aceite não ser remunerado durante a relação laboral, a R., ora Recorrente, permitiu ao A., ora Recorrido, participar no esquema das gorjetas entregues pelos Clientes da Recorrente.
41. Isto é, a causa deixou de existir no momento em que a acção foi intentada, passando, no entendimento da Recorrente, o A./Reconvindo/Recorrido a estar obrigado a restituir o indevidamente recebido a título de gorjetas.
42. Ao receber parte das gorjetas, cuja causa para o seu recebimento era o não ser remunerada nos seus dias de descanso, parece forçoso concluir que o ora Recorrido enriqueceu à custa do empobrecimento da Ré, ora Recorrente, quando intentou a presente acção.
43. Não é só quando não há nenhuma causa para as deslocações pecuniárias que o instituto do enriquecimento sem causa poderá ser invocado, mas, e também, quando a causa para essa deslocação deixa de existir.
44. Em conclusão, requer-se a V. Exas o conhecimento da Reconvenção e dois (2) pedidos nela ínsitos, seguindo-se os demais termos do processo e, assim, fazendo sempre a costumada e habitual Justiça.
Termos em que se requer a procedência da Reconvenção deduzida na Contestação e o seu conhecimento pelo douto Tribunal a quo, revogando-se o douto Despacho Saneador que indeferiu a mesma Reconvenção, prosseguindo-se deste modo os autos com o conhecimento do mérito da mesma, fazendo V. Exas, assim, a habitual e costumada JUSTIÇA!
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Prosseguiram os autos os seus normais trâmites, vindo a seu tempo a ser proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou a STDM a pagar ao autor a indemnização de Mop$ 3.615,00, acrescida de juros legais.
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É dessa sentença que, inconformado, ora recorre jurisdicionalmente o autor, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
A - Ao abrigo do disposto no art. 25º do RJRT, as gorjetas são parte integrante do salário do recorrente, sob pena de, não o sendo, o salário não ser justo;
B - A Sentença recorrida viola o Princípio da Igualdade, pois os direitos dos trabalhadores nas mesmas circunstâncias do recorrente têm vindo a ser acauteladas pelos Tribunais da RA.E.M., existindo sobre a questão Jurisprudência Assente e que considera serem as gorjetas parte integrante dos salário dos trabalhadores da recorrida.
C - Ao não considerar as gorjetas parte integrante do salário do recorrente, a Sentença proferida viola o constante do art. 25º do RJRT, o art. 23º, nº 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o art. 7º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, entre outros, com a consequente abertura de portas à violação do direito a uma existência decente e minimamente digna, sujeitando os trabalhadores a uma subsistência miserável, indigna, semelhante a uma possível” escravatura moderna”.
D - Tendo considerado provado, da factualidade em discussão, que o recorrente recebia quantia fixa e quantia variável, que constitui o seu salário, donde se inclui as gorjetas recebidas e distribuídas aos trabalhadores pela recorrida, não pode vir a MMª Juiz ad quo, a posteriori e em sede de Sentença, decidir que, afinal, tais montantes não integram o seu salário.
E - Inexiste qualquer identidade ou paralelismo entre a situação dos trabalhadores dos casinos em Portugal e os de Macau, porque aqueles recebem, desde logo, da entidade patronal um salário justo, i.e., que permite a sua normal subsistência, nunca inferior ao salário mínimo Nacional, sendo que caso as gorjetas não fizessem parte integrante do salário dos trabalhadores de Macau, seria o seu salário miserável e incapaz de prover à sua alimentação, quanto mais às restantes necessidades do ser humano.
F - Também, em Portugal, as gorjetas não são recebidas e distribuídas ao belo prazer da entidade patronal, segundo regras e critérios desconhecidos dos trabalhadores, sendo a questão clara e transparentemente regulada por Lei.
G - A Lei 7/2008 veio, e bem, regular estas situações em que se integra o recorrente, prevendo claramente que o sistema de recebimento de “ gorjetas” criado pela R. e a que A. esteve sujeita, não foge do que se vem alegando, sendo certo que as gorjetas são parte integrante do salário dos trabalhadores.
H - De acordo com o disposto no art. 17º, nºs 1, 3 e 6 do D.L. nº 24/89/M, a fórmula correcta de cálculo da indemnização do recorrente por trabalho efectivo prestado em dias de descanso semanal é 2 x valor da remuneração média diária x número de dias de descanso semanal vencidos e não gozados e não a constante da Douta Sentença proferida.
I - De acordo com o disposto nos arts. 20º, nº 1 e 19º, nºs 2 e 3 do D.L. nº 24/89/M, a fórmula de cálculo da indemnização do recorrente por trabalho efectivamente prestado em dias de feriado obrigatório é 3 x valor da remuneração média diária x os feriados obrigatórios vencidos e não gozados e não qualquer outra fórmula.
J - De acordo com o disposto nos arts. 21º e 24º do D.L. nº 24/89/M, a fórmula de cálculo da indemnização do recorrente por trabalho efectivo prestado em dias de descanso anual é 2 x valor da remuneração média diária x os dias de descanso anual vencidos e não gozados e não qualquer outra fórmula.
L - A Douta Sentença proferida padece da nulidade prevista no art. 571º, nº1 alínea c) do Código de Processo Civil.
M - Atento o inderrogável Princípio do Favor Laboratoris, elaborado atentas as especificidades do Direito de Trabalho e a necessidade de proteger o trabalhador, encontrando-se a solução jurídica que lhe seja mais favorável, uma vez que é a parte débil em qualquer relação laboral, deve sempre encontra-se a solução que mais favorável seja ao ora recorrente.
Termos em que, nos melhores de Direito, sempre com o mui Douto suprimento de V.Exas, Venerando Juízes, deverá ser declarada nula a Sentença proferida quanto à não integração das gorjetas no salário do recorrente, devendo ainda computar-se correctamente as indemnizações devidas pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios, assim se fazendo a esperada e mais sã JUSTIÇA!
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Respondeu ao recurso a STDM, apresentando nas suas alegações a seguinte síntese conclusiva:
1 - Com o devido respeito por entendimento diverso, as gratificações ou gorjetas recebidas dos clientes pelos empregados de casino não fazem parte do salário.
2 - A retribuição ou salário, em sentido jurídico (laboral), encerra quatro elementos essenciais e cumulativos:
i. É uma prestação regular e periódica;
ii. Em dinheiro ou em espécie;
iii. A que o trabalhador tem direito por título contratual e normativo e que corresponde a um dever jurídico da entidade patronal;
iv. Como contrapartida pelo seu trabalho.
3 - No caso dos autos, estando em causa gorjetas comprovadamente oferecidas por clientes de casino, dependendo o seu recebimento do animus donandi de terceiros, estranhos à relação jurídico-laboral, nunca poderia o(a) trabalhador(a) ter exigido à sua entidade empregadora o seu pagamento inexistindo aquela oferta por parte dos clientes.
4 - Se, por hipótese, em determinado mês, não existissem quaisquer gorjetas entregues pelos clientes da Recorrida a distribuir pelo(a) A., ora Recorrente, e restantes trabalhadores, nenhum dever jurídico impendia sobre a Recorrida no sentido de suprir aquela falta e nenhum direito de crédito podiam os seus trabalhadores exigir a este respeito.
5 - Com efeito, é sabido que em anos em que o montante das gorjetas era inferior ao do ano anterior (variação que se constata pela análise dos rendimentos do(a) A., ora Recorrente), nunca o(a) Recorrente reclamou da ora Recorrida o seu pagamento.
6 - O(a) Recorrente sabia que a parte do rendimento respeitante às gorjetas dependia exclusivamente das liberalidades dos clientes de casino, nada podendo exigir à ora Recorrida a esse título caso essa parte do seu rendimento fosse zero.
7 - Dispõe o artigo 25º, n.º 1 do RJRT que “Pela prestação dos seus serviços ou actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo.”.
8 - Salvo o devido respeito por opinião contrária, analisando a certidão de' rendimentos do(a) Recorrente, não se pode dizer que ao(à) A. não foi proporcionado um rendimento justo, maxime porque os rendimentos globais auferidos eram claramente superiores à média do rendimento / remuneração auferida por cidadãos de Macau com formação académica e profissional equivalente às suas que não trabalhassem em casino, os quais eram mais que bastantes para prover a uma vida digna e decente do(a) Recorrente e sua família.
9 - Deste modo, na esteira do entendimento do mais Alto Tribunal da RAEM, do douto tribunal Recorrido e, bem assim, da doutrina maioritária, é entendimento da R. que “As gratificações ou gorjetas recebidas pelos empregados de casino dos clientes não fazem parte do salário.”
10- Admitindo a Recorrida, apenas por cautela e por hipótese, que de forma alguma se concede, a obrigação de indemnizar o(a) Recorrente tendo em conta o valor das gorjetas oferecidas pelos clientes de casino, devem ser as seguintes as fórmulas aplicáveis para aferir das compensações adicionais devidas:
i. Trabalho prestado em dias de descanso semanal:
a. Decreto-Lei n.º 101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. Decreto-Lei n.º 24/89/M: salário diário x1 (e não x2, porque uma parcela já foi paga);
c. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x0 (e não x l , porque uma parcela já foi paga).
ii. Trabalho prestado em dias de descanso anual:
a. Decreto-Lei n.º 101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. Decreto-Lei n.º 24/89/M: salário diário x1 (e não x3, porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu o(a) A. de gozar quaisquer dias de descanso);
c. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x1 (e não x3, porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu o(a) A. de gozar quaisquer dias de descanso).
iii. Trabalho prestado em dia feriado obrigatório:
a. Decreto-Lei n.º 101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. Decreto-Lei n.º 24/89/M: salário diário x1 (e não x2, porque uma parcela já foi paga);
c. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x1 (e não x2 porque uma parcela já foi paga).
11- Caso se entenda que as fórmulas supra expostas não são adequadas para o cálculo de uma indemnização eventualmente devida à Recorrente, remete-se para as fórmulas adoptadas nos já referidos acórdãos do Tribunal de Última Instância, proferidos no âmbito dos Processos n.º 28/2007,29/2007 e 58/2007, datados de 21 de Setembro de 2007, 22 de Novembro de 2007 e 27 de Fevereiro de 2008, respectivamente.
Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis que V. Exas. douta mente suprirão, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida,
Caso assim não se entenda, o que não se concede e admite por mera cautela de patrocínio, devem os cálculos da indemnização do(a) Recorrente ser efectuados em conformidade com as fórmulas supra referidas, Fazendo V. Exas., mais uma vez, a devida e costumada JUSTIÇA.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
O A. foi admitido como empregado de casino (樓面, 庄荷), recebendo de dez em dez dias da R., desde o início da relação contratual até à data da sua cessação, duas quantias, uma fixa, e outra parte variável, em função do dinheiro recebido dos clientes de casinos vulgarmente designado por gorjetas. (A)
As gorjetas eram distribuídas pela entidade patronal segundo critério por esta fixado. (B)
As gorjetas eram distribuídas por todos os empregados de casino da R., e não apenas aos que têm “contacto directo” com clientes nas salas de jogo. (C)
Os empregados que não trabalhavam directamente nas mesas ou os que não lidavam com clientes tinham também direito a receber a distribuição das gorjetas. (D)
Os trabalhadores (incluindo o A.) recebiam quantitativo diferente de gorjetas, consoante a respectiva categoria profissional e tempo de serviço fixados previamente pela R. (E)
Na verdade, a remanescente parte do montante recebido a título de gorjetas não era disponível pelos trabalhadores, nem muito menos dele são beneficiários, uma vez esta parte de quantia tinha outras finalidades por determinação unilateral da R. (F)
As gorjetas eram provenientes do dinheiro recebido dos clientes de casinos. (G)
Dependentes, pois, do espírito de generosidade desses mesmos clientes. (H)
Pelo que a contrapartida da actividade dos trabalhadores da R. tinha uma componente quantitativamente incerta. (I)
O A. como empregado de casino, foi expressamente avisado pela R. que era proibido guardar com quaisquer gorjetas entregues pelos clientes de casinos. (J)
As gorjetas oferecidas a cada um dos seus trabalhadores pelos seus clientes eram reunidas e contabilizadas diariamente pelos seguintes indivíduos: um funcionário do Departamento de Inspecção de Jogos de Fortuna ou Azar, um membro do departamento de tesouraria da R., um “floor manager” (gerente do andar) e trabalhadores das mesas de jogo, e depois distribuídas, de dez em dez dias, por todos os trabalhadores dos casinos da R. (K)
O A. prestou serviços em turnos, conforme os horários fixados pela R. (L)
A ordem e o horário dos turnos são os seguintes:
1) 1 º e 6º turnos: das 07h00 até 11h00, e das 03h00 até 07h00;
2) 3º e 5º turnos: das 15h00 até 19h00, e das 23h00 até 03h00 (dia seguinte);
3) 2º e 4º turnos: das 11h00 até 15h00, e das 19h00 até 23h00. (M)
O A. tinha direito a pedir licenças, mas na duração da licença era sem remuneração, quer o rendimento diário fixo, quer as gorjetas correspondentes. (N)
O A. trabalhou para a R. entre 3 de Abril de 1970 e 28 de Outubro de 1994. (1º)
Durante o período em que prestava serviço à R., o A. recebeu nos anos de 1984 a 1994 (doe. n.º 1 junto com a p.i.), os seguintes rendimentos:
a) 1984 = 125.642,00;
b) 1985 = 142.563,00;
c) 1986 = 122.496,00;
d) 1987 =131.301,00;
e) 1988 = 138.781,00;
f) 1989 = 166.492,00;
g) 1990 = 182.853,00;
h) 1991 =181.196,00;
i) 1992= 177.864,00.
j) 1993 = 194.012,00;
k) 1994 = 132.540,00; (2º)
E foi considerado, do ponto de vista do A., o recebimento das gorjetas uma das suas expectativas da remuneração do próprio trabalhador. (6º)
E tal modo de pagamento (do rendimento variável) foi sempre regular e periodicamente cumprido pela R., o que se evidencia que, de ponto de vista da R., nunca deixou de considerar, quer a parte fixa quer a parte variável da remuneração do A., como contrapartida do serviço por este prestado. (7º)
O A. sempre prestou serviço e nunca gozou os seus descansos semanais. (9º)
No entanto, a R. não pagou ao A. qualquer compensação pecuniária adicional pelo serviço prestado nesses dias. (10º)
Nem a R. lhe concedeu outro dia de descanso. (11º)
Factos conclusivos decorrentes da lei. (12º e 13º)
O A. prestou serviço à ora R. nos seus descansos anuais. (14º)
Nem a R. pagou ao A. qualquer compensação pecuniária adicional pelo serviço prestado nesses dias. (15º)
Durante a vigência da relação contratual, o A. prestou serviços nos feriados obrigatórios de 1 de Maio e 1 de Outubro de ano 1989, de 1 de Janeiro, 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro dos anos 1990, 1991, 1992, 1993 e 1994. (16º)
Nem a R. lhe pagou ao A. qualquer compensação pecuniária adicional pelo serviço prestado nesses dias. (17º)
Até ao momento, a R. ainda não procedeu ao pagamento das quantias em dívida ao A. referentes aos dias de descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios não gozados. (18º)
Durante a vigência da relação contratual, o A. recebeu da R., na parte fixa, no valor de MOP$ 4,10/dia, desde do início da relação contratual até 30 de Junho de 1989 e MOP$ 10,00/dia desde 1 de Julho de 1989 até à data da cessação contratual. (19º)
O A. era livre de pedir o gozo de dias de descanso sempre que assim o entendesse, desde que tal gozo não pusesse em causa o funcionamento da empresa da R. (22º)
O A. gozou 17 dias de descansos em 1993 e 20 dias de descanso em 1994. (24º)
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III- O Direito
1- Recurso do despacho saneador interposto pela STDM
A STDM insurge-se contra o saneador na parte em que nele foi decidido não admitir a reconvenção nos termos do art. 17º do CPT.
Ora, este artigo estabelece os requisitos substantivos e adjectivos de admissibilidade da reconvenção no âmbito dos processos laborais. Vejamos os substantivos.
Será admissível quando:
1- O pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção;
2- O réu se propõe obter a compensação;
3- Entre o pedido do réu e a relação material subjacente à acção exista subsidiariedade, complementaridade ou dependência.
Todavia, e tal como o despacho sob censura asseverou, não estamos perante nenhum dos requisitos ali previstos. Em primeiro lugar, o pedido da ré reconvinte não emerge do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à acção. Efectivamente, a acção decorre alegadamente da omissão de obrigações legais aplicáveis a uma relação contratual, enquanto o pedido reconvencional assenta num alegado enriquecimento ilícito por parte da autora. Planos jurídicos distintos e diferentes bases fundamentativas, portanto.
Claramente também não podemos dizer que a ré pretende obter a compensação, uma vez que esta figura tem por pressuposto um cruzamento/reciprocidade de créditos ou uma oposição de direitos creditícios com um saldo favorável a uma das partes. Ora, o que a ré pede não é o reconhecimento e a consequente satisfação de nenhum crédito contra a autora-credora, mas sim a devolução de importâncias que a esta havia entregue. Mas os argumentos utilizados pela ré para a pretensão que formula, que se limitam a entrar em rota de colisão com a pretensão da autora, só acentuam a vertente exceptiva de que tais importâncias não devem fazer parte do salário; e nesse sentido é questão que pode ser, e é conhecida, enquanto parte integrante do núcleo do mérito substantivo da acção.
O que acaba de dizer-se conflui para a apreciação do último dos requisitos (nº3). Vistas as coisas pelo prisma acabado de referir, não se pode dizer que seja acessória, complementar ou dependente a relação material subjacente relativamente ao pedido da causa principal. Se tomarmos como referência a doutrina que emerge do Ac. do STJ de 22/11/2006, Proc. nº 06S1822, logo se torna patente que o caso não se assemelha à hipótese da norma. Na verdade, nenhuma daquelas características (acessoriedade, complementaridade e dependência) se verifica nas hipóteses em que a um pedido do autor é contraposto um pedido conflituante do réu assente numa questão autónoma. No caso, o que moveu a autora foi o não gozo de dias de descanso contemplados na lei com uma especial remuneração (portanto, violação da legislação laboral), em cujo cálculo a impetrante inclui as gorjetas; o que move a ré reconvinte é a devolução de somas de dinheiro de gorjetas que havia, admitamos por facilidade de raciocínio e exposição, “dado” (a título de liberalidade) ou “pago” (a título de remuneração). Mas a verdade é que, fosse a que título fosse, essa questão - se até poderia relevar em sede de abuso de direito, na medida em que a reconvinte age agora por causa de atitude que livremente tomou (o que pode configurar venire contra factum proprium: Ac. STJ de 17/04/2008, Proc. nº 07S4747) – é estudada na perspectiva do mérito da acção. E quando os fundamentos em que os pedidos da acção e da reconvenção são completamente diferentes, como é o caso, a jurisprudência é unânime em não admitir a segunda (a título de exemplo Ac. do STJ de 19/01/2011, 557/06.2TTPRT.P1.S1).
Razão para não se fazer qualquer censura ao saneador, e concluir pela improcedência do recurso (neste mesmo sentido, v.g., Ac. deste TSI de 28/07/2011, Proc. nº 537/2010).
*
2- Recurso da sentença
Discute-se em 1º lugar se as gorjetas devem ou não fazer parte do salário. A sentença recorrida considerou que não; vejamos se acertadamente.
O recorrente começou a trabalhar para a recorrida como empregado do casino, recebendo como contrapartida diária uma quantia fixa, desde o início até á cessação da relação laboral. Para além disso, recebia uma quantia variável em função de gorjetas recebidas dos clientes do casino, que a recorrida reunia, contabilizava e posteriormente distribuía por todos os seus empregados. E tanto a parte fixa, como a variável, haviam sido acordadas verbalmente entre recorrente e recorrido.
Ora, tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.
Socorramo-nos do aresto proferido neste TSI de 19/03/2009, Proc. n. 690/2007:
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
No que se refere ao valor do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
É para nós, portanto, questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebia uma quantia fixa diária. Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração. Todavia, a ausência de remuneração nesses dias não advém de qualquer acordo prévio.
Aliás, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
“…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 03h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como feito nos autos.
Neste sentido, por recentes, vejam-se os acórdãos proferidos nos Processos nºs 780/2007, de 31/03/2011, 423/2008, de 23/06/2011, 924/2010, de 20/10/2011, por exemplo.
Significa isto que a sentença não pode manter-se e deverá ser revogada.
*
Dito isto, avancemos para a atribuição da indemnização, cientes agora de que o valor médio remuneratório não é aquele que a sentença considerou (limitando-o à parte fixa do salário), mas o que resulta da soma das componentes fixa (salário base) e variável (gorjetas) que o autor da acção recebia mensalmente, e tendo presente, por outro lado, que os créditos anteriores a 9/02/1990 foram declarados prescritos (sem que tivesse havido recurso da decisão tomada no despacho saneador), o que significa que somente haveremos de considerar aqueles que se desenvolveram sob o domínio do DL nº 24/89/M.
*
a) Descanso semanal
Na vigência do DL n. 24/89/M
A sentença entendeu que o factor multiplicador era o 1 na fórmula AxBx1 (em que A é o número de dias vencidos e não gozados e B o valor do salário diário), enquanto o autor entende que deve ser o factor 2.
E tem razão o recorrente.
Com efeito, vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda:
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2, e não x1, como concluiu a sentença recorrida.
Assim sendo, atendendo ao rendimento anual consignado na resposta ao quesito 2º da Base Instrutória, temos que os valores do salário médio diário são de MOP$ 507,95,503,32,494,06,538,92 e 440,33, nos anos de 1990, 1991, 1992, 1993 e 1994, respectivamente.
De modo que, a este título, a indemnização a atribuir, face ao quadro de fls. 18 da sentença recorrida (que aqui fazemos nosso, excepto no valor diário) ascende a MOP$ 245.390,88, conforme mapa que segue:
Ano
Nº de dias de descanso semanal
Salário médio diário
Factor:
X2
Valor da indemnização
1990 (9/12-31/12)
47
507,95
“
47.747,30
1991
52
503,32
“
52.345,28
1992
52
494,06
“
51.382,24
1993
52
538,92
“
56.047,68
1994 (até 28/10)
43
440,33
“
37.868,38
Total 245.390,88
*
b) Descanso anual
- Na vigência do DL n. 24/89/M
São seis os dias a que o trabalhador tem direito em cada ano civil e, tal como na legislação anterior, sem perda de salário (art.21º, n.1). Se a duração da relação for inferior a um ano, o período de descanso será proporcional segundo a regra do n.2.
No que respeita à violação do direito ao descanso anual, dispõe o art. 24º que “O empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar” (bold nosso).
O triplo, diz a norma. Contudo, o pressuposto nela estabelecido é o de que o trabalhador tenha sido impedido de exercer o seu direito! Ora, este impedimento deveria ter sido provado e o facto que mais se aproximava desse desiderato era o do art. 20º da base instrutória, que mereceu resposta negativa.
Como compensar o trabalhador que prestou serviço nos dias de descanso anual sob o império deste diploma?
A nosso ver, o legislador nenhuma alteração introduziu em relação ao que havia plasmado no corpo de normas do diploma de 1984. Na verdade, em tudo são iguais os textos legais quanto a este aspecto. Por isso, se concluímos que o trabalhador tem direito a mais um dia de valor remuneratório ao abrigo do DL n. 101/84/M, não se vê motivo para, com base em preceitos precisamente iguais no DL n. 24/89/M (arts. 21º, n.1 e 22º, n. 2), se entender que neste último o legislador não ponderou a hipótese, que não previu o caso e que não lhe deu estatuição.
Claro que o art. 24º deste último preceitua uma fórmula de cálculo de compensação para as situações em que o empregador impedir o seu empregado de gozar o dia de descanso anual. É verdade. Mas será legítimo pensar que, ao estatuir dessa maneira para esse caso, omitiu o legislador a solução para os casos ali não incluídos? Não, a nosso ver. A forma como o preceito está redigido reforça ainda mais a ideia de que, fora esta situação excepcional (que o legislador quis expressamente introduzir, numa clara opção pela defesa da parte contratual mais desfavorecida), em todos os restantes casos a solução é aquela que já vinha do articulado de 1984 e ao qual nenhuma alteração quis introduzir. E temos que pensar, não esqueçamos, que o legislador se exprimiu da maneira mais correcta e adequada ao seu pensamento (art. 8º, n.3, do Cod. Civil).
Portanto, em nossa opinião não existe qualquer lacuna que deva ser suprida pela técnica analógica.
Assim, valem aqui mutatis mutandis, as considerações tecidas atrás, quando nos referimos ao modo de compensar o trabalhador que prestou trabalho nos dias de descanso anual ao abrigo do diploma de 1984. Sendo elas também prestáveis à interpretação do DL 24/89/M, somos a concluir como além: Ou o empregador pagou o devido ou o prestado. No primeiro caso, falta pagar o prestado; no segundo, falta pagar o devido. A fórmula não pode deixar de ser sempre esta: salário médio diário x 1.
Ora, acontece que a sentença aplicou o factor 3.,mas o trabalhador pediu o factor 2. Assim sendo, não tendo a STDM recorrido da sentença e tendo o trabalhador reduzido a indemnização ao valor resultante do factor 2, será este aplicável, pelo que, neste específico e excepcional caso, a indemnização é a que resulta do mapa que segue:
Ano
Nº de dias de descanso anual
Salário médio diário
Factor:
X2
Valor da indemnização
1990 (9/12-31/12)
5,5
507,95
“
5.587,45
1991
6
503,32
“
6.039,84
1992
6
494,06
“
5.928,72
1993
6
538,92
“
6.467,04
1994 (até 28/10)
5
440,33
“
4.403,30
Total 28.426,35
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c) Feriados obrigatórios
- Na vigência do DL n. 24/89/M
Esta lei trouxe inovações: introduziu uma indemnização especial, chamemos-lhe assim, que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.
Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, diz o diploma, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao
dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer não inferior?
Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser
superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.
Aqui chegados, de novo pensemos nas duas perspectivas acima avançadas: a de o trabalhador ter sido pago pelo valor do devido e a de ter sido remunerado pelo valor do serviço prestado. É bom que se equacionem estas duas acepções para se ver até que ponto a solução pode diferir.
1ª Perspectiva (pagamento do devido)
O empregador pagou ao trabalhador o valor remuneratório que, pela lei, sempre lhe seria devido (ou seja, pagou a “remuneração correspondente aos feriados…”: art. 19º, n.3, até porque não lhos podia descontar: art.26º, n.1).
Sendo assim, falta pagar ao trabalhador o seguinte: a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro, nos termos do art. 20º, n. 1(mais dois dias). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado)
Nesta óptica, o empregador o que fez foi pagar ao trabalhador em singelo o valor do serviço prestado.
Todavia, falta pagar o acréscimo em dobro (2 x salário) e ainda o valor do devido (um dia). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário, e não 1, como o defende a recorrente, nem 2 como o decidiu a 1ªinstância.
Como se vê, qualquer que seja o prisma por que se encare a situação, o resultado é o mesmo. A fórmula é, em ambas, salário diário x 3.
Acontece que a trabalhadora/autora não apresentou recurso jurisdicional e a STDM defende que o factor é o 1. Assim sendo, está o tribunal de recurso impedido de ultrapassar o limite decisório da sentença recorrida, nos termos do art. 589º, nº4, do CPC, pelo que a confirmará nesta parte. O que equivale a dizer que a indemnização a atribuir será de Mop$38.627,04, conforme mapa que segue:
Ano
Nº de dias de feriados obrigatórios remunerados não gozados
Salário médio diário
Factor:
X3
Valor da indemnização
1990 (9/12-31/12)
2
507,95
“
3.047,70
1991
6
503,32
“
9.059,76
1992
6
494,06
“
8.893,08
1993
6
538,92
“
9.700,56
1994 (até 28/10)
6
440,33
“
7.925,94
Total 38.627,04
Face ao que vem de ser dito, o montante indemnizatório global é de Mop$312.444, 27.
***
IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em:
1- Negar provimento ao recurso interposto pela STDM do despacho saneador na parte relativa ao pedido da reconvenção por si deduzida;
Custas nesta parte pela recorrente STDM.
2- Conceder provimento ao recurso interposto por A, em consequência do que se revoga a sentença e se julga parcialmente procedente a acção e se condena a STDM a pagar-lhe a indemnização de Mop$ 312.444,27.
Custas em ambas as instâncias por ambas as partes na proporção de vencimento.
TSI, 09 / 02 / 2012
José Cândido de Pinho
Choi Mou Pan
Lai Kin Hong (com declaração de voto)
Processo nº 138/2011
Declaração de voto de vencido
Vencido pois não vejo razão para alterar a minha posição já assumida na declaração de voto que juntei aos vários Acórdão do TSI, nomeadamente os Acórdãos tirados nos processos nºs 210/2010, 216/2011, 223/2010 e 252/2008, isto é, dada a natureza imperativa da norma do artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M, um contrato mediante o qual se convencionaram as condições de trabalho aquém do mínimo da protecção dos trabalhadores não pode deixar de ser julgado nulo, por força do disposto no artº 287º do Código Civil, nos termos do qual, salvo excepção expressa em contrário resultante da lei, são nulos os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo.
RAEM, 09FEV2012
Lai Kin Hong