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Processo nº 318/2011
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 23 de Fevereiro de 2012

ASSUNTO:
- Renúncia do direito da queixa

SUMÁRIO:
- A renúncia é um negócio jurídico unilateral que produz os seus efeitos desde que seja exprimida de livre vontade, independentemente de qualquer homologação.
O Relator,
Ho Wai Neng

Processo nº 318/2011
(Recurso civil e laboral)

Data: 23 de Fevereiro de 2012
Recorrentes: A (Réu)
B(Autora)
Recorridos: Os mesmos

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

   I – Relatório
Pela presente acção, pretende a Autora exercer o direito de regresso previsto no artº 16º, al. c) do DL nº 57/94/M.
O Réu, na contestação, alega que a Autora não utilizou todos os meios de defesa ao seu alcance para evitar a sua condenação no Proc. nº CV2-05-0035-CAO, uma vez que não invocou a prescrição do direito de indemnização da ofendida C.
Não tendo a Autora requerido a sua intervenção acessória nos termos do artº 272º do CPCM, a sentença proferida naquela acção não constitui caso julgado em relação a si.
Em consequência, suscitou, em sede da presente acção, a referida prescrição do direito da ofendida para afastar o direito de regresso da ora Autora.
Por decisão de 29/05/2009, o tribunal a quo julgou improcedente a alegada excepção da prescrição do direito de indemnização por entender que o procedimento criminal só se extinguiu em 19/11/2004 - data da sentença que declarou extinto o procedimento criminal – daí que nos termos do nº 3 do artº 493º do CC, o direito de indemnização apenas prescreve em 19/11/2005.
Inconformada com a dita decisão, vem recorrer o Réu, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. 上訴人之所以認為本上訴理應成立,是因為受害人C的損害賠償請求權其實早已消滅時效。
2. 因受害人C於發生交通意外當日,其已經知道或應該知道有權向本案上訴人(即駕駛者)追討該日因交通意外所產生賠償的權利,在正常的情況下,其應該在3年的期間內行使其請求損害賠償之權利;
3. 然而,受害人C卻是在2005年6月7日才針對B(即被上訴人)和A(即上訴人)提起有關的損害賠償之訴 - 即行使其損害賠償之權利,由此可見,受害人C並非在法定的時效期間內行使訴權,因為3年的時效期間顯然而過。(見澳門《民法典》第491條第1款之規定)
4. 雖然,從上述的論證可知,受害人C行使訴權之3年時效期間已過,然而,我們不應忘記分析《民法典》第491條第3款的規定。
5. 如不法事實構成犯罪,而法律對該犯罪所規定之追訴時效期間較長,則以該期間為適用期間;然而,如刑事責任基於有別於追訴時效完成之原因而被排除,則損害賠償請求權自發生該原因時起經過一年時效完成,但在第一款第一部分所指之期間屆滿前不完成。(《民法典》第491條第3款)
6. 其實上述之規定是給予受害人C一種優惠的時效期間,即有關的時效期間有可能比三年長。
7. 但我們必須要注意以下事實:受害人C在發生交通意外當日 - 即2000年9月19日已聲明不追究上訴人的刑事責任,而該聲明等同於明示放棄告訴權,且告訴權一旦放棄,即不得行使。(見澳門《刑法典》第105條和108條之規定。)
8. 事實上,相關的刑事程序亦因欠缺受害人之告訴而不得進行,因為法院在卷宗編號CR3-04-011-PCS(舊編號:PCS-016-04-6)內已宣告相關的刑事程序無效,其效力使得該程序自2000年9月19日起作出的訴訟行為成為非有效行為。(見《刑事訴訟法典》第106條b項及第109條之規定)
9. 但我們亦知道告訴權之放棄與告訴權之撤回是不同的,因告訴權之放棄可以明示或默示的方式作出,且不取決於嫌犯的同意及檢察院的認可,因此,絕對不能得出被上訴批示所指的內容 - 尤其是“被害人所享有的民事損害賠償請求權的時效應當自刑事程序被宣告消滅後一年完成,即是於2005年11月19日方視為完成時效"
10. 由此可以得知,上訴人的刑事責任基於有別於追訴時效完成之原因而被排除,即上訴人之刑事責任是因受害人明示放棄告訴權而被排除,故受害人的損害賠償請求權也是自2000年9月19日起計經過3年時效期間而完成;法律依據在於《民法典》第491條第3款之規定。
11. 基於以上所述,被上訴的批示是違反了《民法典》第491條規定。
12. 根據《民法典》第296條第1款之規定:“法院不得依職權代為主張時效;-時效必須由其受益人或受益人之代理人透過司法或非司法途徑主張後,方生效力。"
13. 然而,被上訴人並沒有以消滅時效為理由作出答辯,導致其被法院判處需向受害人C作出精神及財產賠償合共澳門幣貳拾萬零陸仟三佰玖拾伍圓伍角整(MOP$206,395.50),附加由判決轉為確定之日起計、按法定利率計算之利息,直至全數支付。
14. 這樣,被上訴人是在向受害人C支付上條提到的費用是在履行一個消滅時效的債務,履行一個消滅時效的債務和涉及的交通意外之間沒有適當的因果關係(o nexo de causalidade adequada),這會導致求償權之不存在。
15. 因此,被上訴人沒有用盡所有防禦方法去避免卷宗編號CV2-05-0035-CAO敗訴之出現,以致其須要支付相關訴訟程序的訴訟費用。
16. 據此,我們可以得出如下結論:被上訴人向受害人C承擔的非合同民事責任早已被消滅時效所排除,因此,被上訴人所提出的求債權之訴並沒有滿足當中所規定的全部法定要件。
Por sentença de 17/12/2010, foi julgada improcedente a acção e consequentemente se absolveu o Réu do pedido.
Inconformada com a dita decisão, vem recorrer a Autora, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. O artigo 16° do DL nº 57/94/M de 28 de Novembro estipula que a seguradora tem direito de regresso contra o condutor se este tiver agido sob a influência do álcool;
2. Não exige a necessidade de prova do nexo de causalidade entre a ocorrência do acidente e a condução com excesso de álcool;
3. Não se deverá aplicar em Macau o Acordão Uniformizador de Jurisprudência proferido pelo STJ de Portugal com o nº 6/2002, que exige para a procedência do direito de regresso da seguradora contra o condutor o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente;
4. Na verdade, a realidade de Portugal difere substancialmente em relação a Macau, no que diz respeito ao consumo de álcool seguido de condução de eículos automóveis;
5. Seria leonino o contrato de seguro que garantisse ao segurado a transmissão da responsabilidade civil para a seguradora em toda e qualquer circunstância independentemente do grau de ilicitude do comportamento do segurado (ou do condutor do veículo) sem que a seguradora pudesse ter qualquer contrapartida;
6. O seguro de responsabilidade civil existe para protecção dos direitos de terceiros, das vitimas dos acidentes de viação e não para proteger condutores delinquentes ou grosseiramente negligentes;
7. Aliás, atendendo a que o comportamento perigoso foi do infractor, a colocar-se a situação de limitar o direito de regresso da seguradora à prova do nexo de causalidade, sempre se dirá que o ónus desta prova deverá incumbir ao condutor do veículo e nunca à seguradora a qual é por definição uma terceira entidade totalmente alheia à conduta do infractor;
8. Todavia, e sem conceder, mesmo que se entenda, como o fez a Meritissima Juiza "a quo" que é necessária a existência do nexo de causalidade entre o consumo excessivo do álcool e a ocorrência do acidente de viação, sempre se dirá que existiu matéria provada suficiente para concluir pelo nexo de causalidade entre o excesso de álcool no sangue do R., condutor do veículo, e a ocorrência do acidente em discussão nos autos.
9. É logico e correcto considerar, atendendo ainda mais ao facto de não ter havido qualquer outro veículo interveniente neste acidente, que a ingestão de álcool pelo R. acusando uma taxa de 1,22 g/l, foi a causa natural, directa e naturalística da diminuição das capacidades de percepção do espaço físico, da avaliação das distâncias, da velocidade e da lentidão na capacidade de reacção, perturbando-lhe os reflexos e a coordenação motora e resultando no seu veículo ter ido embater num dos candeeiros existente naquela Avenida.
10. A presença de álcool no sangue do condutor em tão elevada quantidade e na falta de razão justificativa da manobra de que resultou o acidente leva a concluir, sem margem para dúvidas, que a alcoolémia teve influência na forma corno foi efectuada essa manobra sendo, consequentemente, causa efectiva e adequada da produção do acidente, demonstrando-se, assim, o nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente de viação concretamente verificado.
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   II – Factos
1. A Autora exerce devidamente autorizada a indústria de seguros (alínea A) dos factos assentes).
2. No exercício da sua actividade, a Autora celebrou com A ora Réu, um contrato de seguro do ramo automóvel, referente ao motociclo da marca Yamaha YG50Z de matrícula CM-27xxx, através do qual este, transferiu para a Autora a responsabilidade civil perante terceiros emergente da circulação daquele veículo até ao limite de MOP$l.000.000, contrato que foi titulado pela apólice n.º 00840916 (cfr. doc. n.º l junto com p.i.) (alínea B) dos factos assentes).
3. No passado dia 19 de Setembro de 2000, o Réu conduzia o seu ciclomotor de matrícula CM-27xxx, na Avenida do Conselheiro Borja, transportando como passageira C (alínea C) dos factos assentes).
4. Quando chegou junto do candeeiro n.º 069B02, existente na referida Avenida o Réu, devido à sua imprevidência, desatenção e inabilidade não conseguiu evitar o ambate neste candeeiro (alínea D) dos factos assentes).
5. O embate provocou na passageira C danos fisicos graves, nomeadamente, lesões no seu olho esquerdo (alínea E) dos factos assentes).
6. Após o acidente o Réu foi submetido a exame de álcool no sangue, tendo-se verificado que era portador de uma taxa de alcoolémia de 1.22 gramas, quantidade superior ao limite permitido por lei (alínea F) dos factos assentes).
7. Por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base da R.A.E.M. em 11 de Janeiro de 2008, a Autora foi condenada a pagar à ofendida C, a título de danos pessoais directos e de danos morais, emergentes do acidente de viação, a quantia total de MOP$206.369,50, acrescida de juros à taxa legal a contar da data da sentença (alínea G) dos factos assentes).
8. A Autora pagou ao Tribunal a título de preparo para a contestação e de preparo para julgamento o montante de MOP$4.960,00 (cfr. docs. n.ºs 3 e 4 juntos com p.i.)
9. Foi a Autora quem suportou, inteiramente, todos os prejuízos sofridos com o acidente, tendo gasto, a titulo de indemnização à ofendida C, pelos danos materiais e morais sofridos com o acidente, o montante de MOP$206.369,50 (resposta ao quesito da 1º da base instrutória) .
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   III – Fundamentos
A) Do recurso intercalar:
A primeira questão que se coloca é justamente a de saber se é lícito ao Réu suscitar, em sede da presente acção de regresso, a excepção da prescrição do direito de indemnização da ofendida (autora do Proc. nº CV2-05-0035-CAO) para afastar a pretensão da ora Autora (ré no processo identificado).
A resposta, para nós, não deixa de ser afirmativa.
Pois, nos termos do nº 1 do artº 272º do CPCM, “o réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir com auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal”.
Por sua vez, o nº 4 do artº 274º do CPCM estabelece que “a sentença proferida constitui caso julgado em relação ao chamado, nos termos previstos no artigo 282º , quanto às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, por este invocável em ulterior acção de indemnização”.
No caso em apreço, como a ora Autora não requereu a intervenção acessória do ora Réu no Processo nº CV2-05-0035-CAO, a sentença nele proferida não constitui caso julgado em relação a si.
Ou seja, é lícito para o ora Réu suscitar, em sede da presente acção de regresso, a excepção da prescrição do direito de indemnização para improceder a acção.
Vamos agora para a questão de fundo do recurso.
A decisão recorrida julgou não verificada a prescrição do direito de indemnização por entender que o procedimento criminal só se extinguiu em 19/11/2004.
Não se nos afigura ser um entendimento correcto.
Vejamos.
O acidente de viação ocorreu no dia 19/09/2000.
No mesmo dia, a ofendida declarou não desejar procedimento criminal contra o ora Réu.
Esta declaração da ofendida não deve ser qualificada como uma desistência da queixa, que carece da homologação judiciária, mas sim uma renúncia do direito da queixa.
Só há lugar a desistência da queixa quando esta já foi apresentada.
No caso sub justice, a ofendida, antes de apresentar a queixa, renunciou ao respectivo direito de forma expressa.
Como é sabido, a renúncia é um negócio jurídico unilateral que produz os seus efeitos desde que seja exprimida de livre vontade, independentemente de qualquer homologação.
E uma vez renunciado o direito, jamais pode exercê-lo de novo (artº 108º, nº 1 do CPM).
Assim, estando em causa somente um crime de ofensa à integridade física por negligência, que tem a natureza semi-pública, não pode iniciar o respectivo procedimento criminal sem a queixa da ofendida (cfr. artº 38º do CPPM e artº 142º, nº 4 do CPM).
Isto quer dizer que a responsabilidade criminal do ora Réu pelos danos causados na integridade física da ofendida cessou no dia 19/09/2000, e não no dia 19/11/2004.
Nesta conformidade e tendo em conta o disposto dos nºs 1 e 3 do artº 491º do CCM, se conclui que o direito de indemnização da ofendida já prescreveu no dia 19/09/2003.
O processo em que a Autora foi condenada a pagar indemnização (CV2-05-0035-CAO) foi instaurado no dia 07/06/2005.
Caso a Autora suscitasse a prescrição do direito de indemnização naquela acção, não seria condenada.
Pelo exposto e sem mais delongas, é de julgar procedente o recurso intercalar do Réu.
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B) Do Recurso final:
Com a procedência do recurso intercalar do Réu, fica prejudicado o conhecimento do recurso final da Autora.
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   IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em :
- conceder provimento ao recurso intercalar do Réu, julgando procedente a invocada excepção da prescrição do direito de indemnização e consequentemente absolvem o Réu dos pedidos.
- considerar prejudicado o conhecimento do recurso final da Autora.

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Custas pela Autora em ambas as instâncias.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 23 de Fevereiro de 2012

Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong



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