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Processo n.º 27/2011
(Recurso Jurisdicional Administrativo)

Data : 23/Fevereiro/2012

ASSUNTOS:
- Fundo de Pensões
- Execução para prestação de acto devido
- Caso julgado


SUMÁRIO:
    
    1. O caso julgado torna certos os factos ou direitos verificados no processo, conferindo-lhes força de verdade legal, recaindo sobre a Administração o dever de executar as sentenças dos tribunais, procedendo à reintegração efectiva da ordem jurídica violada.
    
    2. As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades
    
    3. Em processos de impugnação de actos administrativos o caso julgado abrange a qualificação como vícios, positiva ou negativa, pelo que o âmbito do dever de execução se determina em função das razões que motivaram a anulação.
    4. Se o recorrente interpôs recurso com fundamento em incompetência ou vício de forma e foi estes vícios que o tribunal conheceu e nada fica dito pelo tribunal acerca de eventual existência de erro de facto, violação de lei ou desvio de poder, estes novos fundamentos podem ser invocados pela entidade recorrida e discutidos em novo processo.
    
    5. No processo de execução o tribunal só aprecia a actuação administrativa posterior à sentença exequenda quanto aos aspectos referentes à execução, isto é, quanto à observância do caso julgado; outros eventuais vícios dos novos actos com os quais a Administração pretenda ter dado execução ao julgado só poderão ser apreciados em recurso autónomo
    
    6. Se vier a ser praticado um acto renovador eivado de novas causas de invalidade que não faziam parte do anulado, então a sua sindicância já só poderá ser feita em recurso contencioso autónomo.
    
    7. No caso concreto, se o Fundo de Pensões, não obstante em processo anterior se ter anulado acto que não admitiu a inscrição no Fundo a uma certa interessada, os argumentos novos invocados para lhe continuar a ser negada a inscrição devem ser apreciados em sede de novo recurso contencioso.
    É aqui que reside - ou pode residir - a pecha do regime do recurso contencioso de anulação!
O Relator,
                 
                 (João Gil de Oliveira)

Processo n.º 27/2011
(Recurso Jurisdicional Administrativo)

Data : 23 de Fevereiro de 2012

Recorrente: A

Recorrido: Fundo de Pensões
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A, com melhores sinais nos autos, exequente de prestação de acto devido, nos autos à margem referenciados, vem, perante a sentença proferida no Tribunal Administrativo e que julgou improcedente o seu pedido, apresentar as suas ALEGAÇÕES DE RECURSO, dizendo em sede de conclusões:
    I. A decisão judicial exequenda foi proferida em contencioso de anulação e não em contencioso de plena jurisdição, ou seja, o tribunal na mesma não se substituiu à administração, fixando desde logo o conteúdo das prestações a satisfazer pela administração, por tal colidir com o princípio da separação dos poderes (jurisdicional/executivo)
    II. Na execução feita pela Administração há que atender à dimensão da ordem jurídica que o acto anulado violou; se a mesma respeitar ao conteúdo ou objecto jurídico do acto, estamos perante uma ilegalidade material ou substancial do acto, perante uma ilegalidade do conteúdo estatutório definido ou constituído pela administração, ou seja, perante uma ilegalidade "ad negotium".
    III. A decisão anulatória de acto de indeferimento da administração com fundamento em vício de violação de lei faz um acertamento do seu conteúdo face às leis aplicáveis em vigor que regulam a situação concreta.
    IV. Quando a causa da anulação seja de natureza material, quando o fundamento da anulação é justamente a ilegalidade do conteúdo do acto - do negotium - é impossível renovar o acto anulado, com idêntico objecto ou conteúdo, sem que se volte a reincidir no mesmo vício que provocou a anulação.
    V. Os actos executórios da administração são legais, quando são os necessários e próprios para se poder efectuar aquela restitutio in integrum que a decisão judicial demanda.
    Nestes termos,
    Deve a sentença recorrida ser anulada, e o tribunal de execução considerar procedente o pedido formulado pela recorrente, de prolação de decisão de execução da decisão transitada em julgado, a consistir nos seguintes actos e operações:
    - Deve o Fundo de Pensões proceder às necessárias operações de cálculo para fixar os débitos devidos ao Fundo de Pensões, quer por parte da recorrente, quer por parte da entidade processadora dos seus vencimentos, relativamente ao período de 26.12.1990 a 16.12.1990, e, na sequência, emitir acto de deferimento do pedido da recorrente, nele incluindo o montante de tais débitos, a forma e tempo do seu pagamento,
    - Dar conhecimento desse acto à entidade processadora do vencimentos da recorrente, quer para efeitos de a mesma entidade processar os necessários descontos no seu vencimento, quer para proceder ao pagamento dos seus débitos junto do mesmo Fundo de Pensões,
    - E por fim, fazer constar dos seus registos que tal tempo é tempo de inscrição no Fundo de Pensões para efeitos de aposentação e sobrevivência,
    E ainda todos e quaisquer outros actos que sejam necessários à reposição da situação actual hipotética, qual seja, a de que a esta altura devia estar inscrita no Fundo de Pensões, para efeitos de aposentação e sobrevivência, desde 26.12.1990 até ao presente.

    Contra alega o Fundo de Pensões (FP), sustentando, em suma:
    A) O caso julgado corresponde ao chamado efeito conformativo ou preclusivo da sentença, que proíbe a Administração de praticar novo acto que incorra exactamente nos mesmos vícios em que o acto anulado incorreu - há, assim, uma proibição de "reincidência nos vícios" - sendo que o alcance do caso julgado "e a delimitação não só do efeito conformativo, mas também do próprio efeito reconstitutivo, depende dos fundamentos da decisão de anular, isto é, da concreta ilegalidade demonstrada [na sentença]";
    B) Para os efeitos de caso julgado, como invocado pela Recorrente, interessa apenas analisar o referido Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, que se debruçou em concreto sobre a sentença do Tribunal Administrativo, e não sobre o acto administrativo de 20 de Março de 2008;
    C) O Acórdão não partilhou da opinião do Tribunal a quo, pois decidiu que a lei nova (artigo 259.° do ETAPM, com a redacção dada pela Lei n.o 11/92/M) não se aplicava à Recorrente, pelo que esta não precisava de formalizar expressamente a declaração de intenção de inscrição no Fundo de Pensões no prazo de 60 dias, tendo concluído que à luz da lei antiga, a Recorrente tinha o direito de estar inscrita - este é o alcance do caso julgado;
    D) O acto que se coloca agora em causa indefere (novamente) a pretensão da Recorrente, com base em factos, efectivamente, novos e ainda não apreciados judicialmente, ou seja:
    (i) O Fundo, embora seja parte da Administração Pública em geral, é uma pessoa colectiva autónoma que não pode ser responsabilizado por uma omissão de um outro Serviço da Administração Pública, pelo qual aquele não responde;
    (ii) O Fundo não pode proceder à pretensão da Recorrente de contabilização dos anos de serviço não descontados, sob pena de violar o princípio da legalidade, por não existir norma legal que actualmente o permita fazer.
    
    E) Daqui resulta que nenhum dos fundamentos invocados no acto recorrido foi, efectivamente, abordado, debatido ou decidido pelo Tribunal de Segunda Instância, pelo que nenhum deles se encontra abrangido pelo caso julgado, não havendo, assim, "reincidência" nos mesmos vícios - ou seja, o acto recorrido não é nulo, pois não ofende o caso julgado;
    F) A Recorrente tinha, efectivamente direito a estar inscrita desde 26.12.1990 no Fundo de Pensões, mas no acto recorrido entendeu-se que a não materialização de tal direito não poderia ser da responsabilidade da entidade recorrida, por não ter sido esta a responsável pela situação em que a Recorrente se encontra nem, como tal, pela violação do seu direito;
    G) Pelo que, o Fundo de Pensões refere na deliberação que o comportamento do respectivo Serviço onde se integrava a Recorrente, ao não proceder à inscrição da mesma junto do Fundo de Pensões e aos respectivos descontos de acordo com a obrigação que lhe era imposta pela inexistência de declaração em que aquela referisse não desejar proceder a descontos para efeitos de aposentação e sobrevivência, consubstancia uma omissão ilícita de um acto devido por lei, o que obriga o Serviço - in casu, os Serviços de Saúde - a reparar os danos causados à Recorrente por tal omissão, os quais se traduzem na não contabilização dos anos em que não procedeu aos descontos, como anos susceptíveis de ser contabilizados para efeitos de aposentação e sobrevivência, em plena conformidade com a decisão do Tribunal de Segunda Instância.
    H) Tal entendimento não viola o artigo 259.° do ETAPM - antes pelo contrário, é nele baseado, já que era este artigo (na sua versão original) que determinava que "A inscrição dos funcionários e agentes no Fundo de Pensões, e o pagamento das compensações para aposentação, são processadas oficiosamente pelos serviços que paguem os vencimentos";
    I) Contrariamente ao que a Recorrente parece entender, não é indiferente qual o órgão da Administração que cometeu o erro ou a omissão no caso em apreço, na medida em que o Fundo de Pensões é uma pessoa colectiva com autonomia administrativa e financeira e, como tal, não pode ser responsabilizado pelas falhas e omissões de terceiros, neste caso, pela falha dos Serviços responsáveis pelo processamento da inscrição dos funcionários;
    J) O ordenamento jurídico de Macau, através do Decreto-Lei n.º 28/91/M, de 22 de Abril, define o tipo de responsabilidade por actos (ou omissões) ilícitos no domínio da gestão pública, de molde a proteger os legítimos interesses e direitos dos particulares e clarificar o âmbito do dever de indemnizar por parte dos sujeitos lesantes, remetendo directamente para o direito civil.
    K) Nestes termos, o acto recorrido está de acordo com a lei e com os princípios gerais de direito, devendo ser os Serviços em causa, e não o Fundo de Pensões, a entidade responsável por ressarcir o dano causado pela violação do direito da Recorrente!
    L) Assim, não havendo motivos para imputar qualquer tipo de culpa ao Fundo de Pensões, a pretensão da Recorrente formulada contra este viola as mais básicas regras da responsabilidade civil, bem como "o princípio geral de direito de que ninguém deve ser prejudicado por falta ou irregularidade que lhe não seja imputável" - princípio esse que foi invocado pelo Tribunal de Segunda Instância para fundamentar o acórdão anulatório;
    M) Ainda que se entendesse que o Fundo de Pensões devia ser responsabilizado por actos e omissões alheias, o que não se pode aceitar, sempre se diria que tal reparação não poderia passar pela contabilização do tempo de serviço passado sem descontos, sob pena de se violar o princípio geral da legalidade a que a Administração Pública está adstrita;
    N) Isto porque, não tendo, como vimos, a Recorrida sido inscrito junto do Fundo de Pensões quando adquiriu o direito a essa inscrição por uma falha dos Serviços de Saúde, está-se perante duas situações distintas em face de determinação da lei aplicável, que não devem ser confundidas:
    1. para verificar se, à data em que a Recorrida começou a trabalhar para a Administração, em regime além quadro - 26.12.1990 -, esta tinha direito a ser inscrita no Fundo de Pensões, aplica-se a lei vigente aquela data;
    2. para verificar se, o pedido de inscrição (ainda que com eficácia retroactiva) deduzido em 28.12.2006 junto do Fundo de Pensões, deve ser ou não deferido, deverá aplicar-se a lei vigente nesta referida data.
    O) Isto porque o pedido deduzido pela Recorrente em 26 de Dezembro de 2006 marca a data em que se inicia uma relação entre a Recorrente e o Fundo de Pensões quanto à questão da contabilização dos anos de serviço em que não se procedeu a descontos, já que até àquela data o Fundo de Pensões desconhecia a situação da Recorrente, pelo que este tem necessariamente que aplicar a lei em vigor à data desse pedido na resposta a dar à Recorrente, ou seja, a lei actual.
    P) Com a entrada em vigor da referida Lei n.º 11/92/M, o legislador optou intencionalmente por revogar a norma que previa a possibilidade de contagem retroactiva do tempo de serviço relativamente ao qual o trabalhador não procedeu aos descontos, pelo que a materialização do direito à inscrição no Fundo de Pensões desde 26.12.1990 não pode ser satisfeita pois consubstancia uma pretensão que não tem qualquer base legal;
    Q) Em suma, o acto recorrido, na sua fundamentação, não viola a versão original do artigo 259.° do ETAPM, não viola o acórdão anulatório proferido pelo Tribunal de Segunda Instância nos autos principais, e não viola ainda os princípios gerais de direito - antes pelo contrário, foi tomado tendo expressamente em conta tal normativo e princípios legais;
    No caso de o Tribunal ad quem entender de modo diverso e, ao contrário do que se espera, determinar que a nova deliberação do Fundo de Pensões não veio executar o acórdão anulatório proferido pelo Tribunal de Segunda Instância nos autos principais dentro da legalidade, o que, sem conceder, apenas se admite a benefício do raciocínio, o Recorrido ora requer, a título subsidiário e ao abrigo do artigo 590.° do Código de Processo Civil, a ampliação do âmbito do recurso, nos termos e com os fundamentos seguintes:
    R) A Recorrente deveria ter impugnado a sua folha de vencimento por dela não constarem os descontos efectuados para o Fundo de Pensões e ao não o fazer no prazo de 30 dias a contar da data em que recebeu cada folha de vencimento, estas passaram a ser um caso decidido ou resolvido, e, como tal, insusceptíveis de serem impugnadas precludiu assim o direito da Recorrente para o efeito, conforme entendimento recente do Tribunal de Última Instância.
    S) Ainda que assim não se entendesse, afigura-se que as prestações em causa - os descontos que deveriam ter sido efectuados e não foram - são enquadráveis na previsão da alínea f) do artigo 303.° do CC (equivalente ao artigo 310.º do Código Civil de 1966) e, como tal, o direito às mesmas (o chamado direito unitário, por via do artigo 300.º do mesmo Código), encontra-se prescrito, na medida em que o pedido da Recorrente junto do Fundo de Pensões com vista à contabilização dos anos de serviço em que estes não foram efectuados mediante a entrega dos mesmos, foi deduzido não dentro dos 5 anos prescritos por lei, mas volvidos que estavam mais de 16 anos sobre a data em que o primeiro desconto deveria ter sido realizado.
    T) Acresce que, a Recorrente, por só Dezembro de 2006 vir tentar "regularizar" uma situação ilegal de que tinha conhecimento, está de má, quer na vertente de supressio, quer na vertente de “venire contra factum proprium”, do instituto do Abuso de Direito, na medida em que, o seu comportamento, a sua inércia não poderá deixar de merecer censura à luz do instituto do Abuso de Direito, pelo que sim, assistia-lhe o direito a estar inscrito, mas o exercício desse direito actualmente é ilegítimo, nos termos do artigo 326.º do Código Civil.
    Nestes termos,
    deverá considerar-se que o acórdão anulatório do Tribunal de Segunda Instância foi devida e legalmente executado, julgando-se improcedente o presente recurso e, em consequência, ser declarada a extinção da instância, com as consequências legais.
    
    A recorrente nos autos à margem referenciados, vem, apresentar RESPOSTA À AMPLIAÇÃO DO RECURSO, feita pela entidade recorrida, Fundo de Pensões, nos termos e com os fundamentos seguintes:
    I. O acto involuntário da Administração, como o decorrente de lapso ou omissão, que constitui um facto ilícito, nos termos da doutrina e jurisprudência dominantes, não é considerado acto administrativo.
    II. O credor FPM não tem legitimidade para invocar a prescrição das contribuições a que tem direito, pois quem tem legitimidade para o fazer são os devedores, aqueles a quem a mesma aproveita, ou os credores destes e outros terceiros com legítimo interesse na sua declaração, nos termos do art. 296.° e 298.° do CC,
    III. Inexiste má fé por parte da recorrente ao impugnar graciosa e contenciosamente o acto de indeferimento do pedido por si formulado ao Fundo de Pensões, porque seja correcta ou incorrecta a interpretação que defenda relativamente aos normativos legais aplicáveis tal nunca foi entendido como litigância de má fé, sendo que no caso, a interpretação do normativo legal que pretende aplicada é a que tem sido uniformemente sancionada pelos diversos acórdãos proferidos sobre situações semelhantes pelo Tribunal de Segunda Instância de Macau.
    IV. Se a entidade recorrida não reconhece à recorrente o direito a estar inscrita no Fundo de Pensões e a impede de exercer tal direito, não "formalizando a sua inscrição", não procedendo à liquidação dos descontos devidos, não contabilizando um determinado período de tempo para efeitos de aposentação e sobrevivência, faculdades em que se traduz o efectivo exercício de tal direito, a recorrente não pode estar a utilizar um poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido.
    Mais requer, a rectificação do pedido de recurso que regista lapso de escrita, na data que abaixo consta sublinhada, nos seguintes termos:
    Deve a sentença recorrida ser anulada, e o tribunal de execução considerar procedente o pedido formulado pela recorrente, de prolação de decisão de execução da decisão transitada em julgado, a consistir nos seguintes actos e operações:
    - Deve o Fundo de Pensões proceder às necessárias operações de cálculo para fixar os débitos devidos ao Fundo de Pensões, quer por parte da recorrente, quer por parte da entidade processadora dos seus vencimentos, relativamente ao período de 26.12.1990 a 16.12.1999. e, na sequência, emitir acto de deferimento do pedido da recorrente, nele incluindo o montante de tais débitos, a forma e tempo do seu pagamento,
    - Dar conhecimento desse acto à entidade processadora do vencimentos da recorrente, quer para efeitos de a mesma entidade processar os necessários descontos no seu vencimento, quer para proceder ao pagamento dos seus débitos junto do mesmo Fundo de Pensões,
    - E por fim, fazer constar dos seus registos que tal tempo é tempo de inscrição no Fundo de Pensões para efeitos de aposentação e sobrevivência,
    E ainda todos e quaisquer outros actos que sejam necessários à reposição da situação actual hipotética, qual seja, a de que a esta altura devia estar inscrita no Fundo de Pensões, para efeitos de aposentação e sobrevivência, desde 26.12.1990 até ao presente.
O Exmo Senhor Procurador Adjunto oferece o seguinte douto parecer:
    No âmbito do recurso jurisdicional que, com o n° 146/2009, correu termos por este tribunal (emergente do proc. 488/08 do T.A.), foi, com data de 2/7/09, proferido acórdão em que se decidiu anular a sentença recorrida e o acto aí objecto de recurso (deliberação do C.A. do Fundo de Pensões de 20/3/08 que indeferiu pedido de efectivação de descontos para aposentação e sobrevivência deduzido pela recorrente), expressando-se claramente que "à recorrente assiste o direito de proceder aos descontos nos termos peticionados".
    Perante tal decisão e, pretensamente, como "execução" desse douto aresto, a entidade recorrida, ou seja, o mesmo C.A. do Fundo de Pensões, em 16/3/10 deliberou, novamente, no sentido de indeferir o pedido em questão da recorrente, "conforme os fundamentos constantes da Parte III" de parecer a que anuiu, este com cópia a fls. 17 e v e 18 dos autos.
    Inconformada com essa deliberação, interpôs a recorrente junto do T.A. pedido de "Execução para Prestação de um Facto", pretensão que viria ali a sucumbir por, em síntese, se entender que aquela deliberação de 16/3/10 " ... não infringiu o teor do acórdão com trânsito em julgado, nem repetiu o vício anulatório, bem como não violou a lei"
    Diga-se, desde já, que se nos afigura assistir inteira razão à recorrente.
    Na decisão deste Tribunal de 2/7/09 expressa-se, clara e taxativamente, que à recorrente assiste o direito de proceder aos descontos nos termos peticionados, tomando certo esse direito, o que impedia o Fundo de Pensões de renovar o acto, reincidindo no vício que determinara a anulação.
    Tendo-o feito, com ofensa do caso julgado, a invalidade respectiva não poderá deixar de ser a nulidade, a declarar nos termos do n° 2 do art. 184°, CPAC.
    Perante a situação, tanto quanto apreendemos, terá a recorrente lançado mão do presente meio processual, ao mesmo tempo que terá interposto recurso contencioso da deliberação do F.P. junto do tribunal Administrativo.
    Não se nos afigura, contudo, que o conhecimento daquele recurso se apresente como inibidor ou prejudicial do presente recurso jurisdicional, (sucedendo o inverso), já que, por um lado, a procedência ou não daquele em nada afecta os fundamentos da presente pretensão, fundada em falta de cumprimento espontâneo, no prazo legal, de decisão judicial transitada, sendo certo que, para o efeito, sempre se manterá o prazo de 365 dias a que e reporta o n.° 2 do art. 180°, CPAC.
    Posto isto, os termos da douta sentença em análise merecem-nos as mais sérias reservas.
    Não pretendendo realçar alguma "deselegância" naquele douto aresto, ao arrogar-se a entendimento diverso sobre matéria já escrutinada no acórdão deste tribunal, transitado em julgado, como é o caso do valor da declaração da recorrente no sentido de não pretender efectuar o desconto de contribuições ou da sua inscrição no Fundo de Segurança Social e implicações respectivas, dir-se-à que, tendo a decisão judicial exequenda sido proferida em contencioso de anulação e não de plena jurisdição, o tribunal não se pode substituir à Administração, fixando, desde logo, o conteúdo das prestações a satisfazer por esta, já que tal colidiria com a separação de poderes, razão por que bem se acentua na sentença em crise que " ... o tribunal não pode estabelecer directrizes para orientar os órgãos executivos a agir".
    Porém, quando, como é o caso, o fundamento da anulação é justamente o conteúdo ou objecto jurídico do acto, encontramo-nos perante ilegalidade material ou substancial do mesmo, pelo que se revela impossível que a entidade administrativa renove o acto com idêntico objecto ou conteúdo, sem que reincida no mesmo vício que determinou a anulação.
    Ou seja, no específico, ao consignar-se que à recorrente assiste o direito de proceder aos descontos nos termos peticionados, efectuou-se um "acertamento" do conteúdo do acto anulado, não sendo, pois, exacto que "a entidade requerida pode voltar a indeferir o pedido da requerente por outros fundamentos que ainda não foram apreciados pelo tribunal", como se sustenta na sentença em crise.
    Esses "novos" fundamentos utilizados pelo C.A. do F.P. na deliberação de 16/3/10, em nada relevam, nem podem relevar, face ao escrupuloso cumprimento da decisão deste tribunal de 2/7/09, transitada em julgado, revelando-se inócua a esgrima com o facto de não ser directamente imputável à entidade recorrida a omissão da efectivação dos descontos e de esta ser uma pessoa colectiva com autonomia administrativa e financeira, de o "saudável funcionamento" do F.P. decorrer do recebimento das prestações pecuniárias entregues pelos respectivos subscritores, da pretensa inexistência de norma legal que permita ao F.P. dar provimento à pretensão da recorrente, ou o propalado respeito pela legalidade, o qual, bem vistas as coisas, no caso passaria pelo escrupuloso respeito e devida execução de decisão judicial transitada.
    Tudo razões por que, constatando-se não ter a recorrida cumprido, no prazo legal, aquela decisão, não invocando, para o efeito, qualquer causa legítima de inexecução ou ocorrência de grave prejuízo para o interesse público, entendemos ser de conceder provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, determinando-se e especificando-se os actos e operações em que a execução deve consistir e respectivos prazos (afigurando-se-nos, a tal propósito, suficiente, para execução devida, os actos referidos pela recorrente no 10 item do seu pedido, a cumprir no prazo de 30 dias), declarando-se nula a deliberação do F.P. de 16/3/10, porque em desconformidade com a decisão transitada, tudo nos termos conjugados dos artigos 174°, 180° e 184°, todos do CPAC.
    Este, o nosso entendimento.
    Foram colhidos os vistos legais.
    
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
    
    III - FACTOS
    Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
“Em 2 de Julho de 2009, o Tribunal de Segunda Instância proferiu acórdão no processo do recurso n.º 146/2009, no qual, foram anuladas a sentença recorrida do tribunal de primeira instância e a deliberação tomada em 28 de Março de 2008 pelo Conselho de Administração do Fundo de Pensões de Macau (vide fls. 234 a 246 dos autos n.º 488/08-ADM do Tribunal Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 12 de Novembro de 2009, o T.S.I. procedeu à rectificação do erro de escrita encontrado no referido acórdão (vide fls. 260 a 265v. dos referidos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 21 de Janeiro de 2010, o T.S.I. rejeitou o pedido de declaração de nulidade do aludido acórdão deduzido pelo Conselho de Administração do Fundo de Pensões de Macau (vide fls. 283 a 289v. dos referidos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
O referido acórdão foi transitado em julgado em 25 de Fevereiro de 2010 (vide fls. 294 dos referidos autos).
Em 16 de Março de 2010, o Conselho de Administração do Fundo de Pensões de Macau tomou a deliberação, na qual, voltou a indeferir o pedido de descontos retroactivos para efeitos de aposentação e sobrevivência relativo ao período de 26 de Dezembro de 1990 a 16 de Dezembro de 1999 por aquele requerente deduzido (vide fls. 15v. a 18 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 24 de Março de 2010, o mandatário judicial do requerente tomou conhecimento da aludida deliberação.
Em 23 de Abril de 2010, o mandatário judicial do requerente interpôs recurso contencioso contra a deliberação em apreço (vide processo n.º 693/10-ADM deste Tribunal).
Em 26 de Abril de 2010, o mandatário judicial do requerente intentou a acção executiva perante o presente Tribunal.”
    IV - FUNDAMENTOS
1. DO OBJECTO DO RECURSO:
    Nas alegações de recurso, a recorrente A invoca que a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo nos presentes autos, que negou o pedido de execução por si formulado, viola o estatuído no Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância nos autos principais a que estes estão apensos, i.e. os autos de Recurso de Decisões Jurisdicionais em Matéria Administrativa, Fiscal e Aduaneira n.o 146/2009, por interpretar incorrectamente o que aí foi decidido.
    E isto porque, a seu ver, nesta última decisão "não se reconhece só que a recorrente tem direito a ser inscrita no FPM, considera-se que a relação de inscrição com o FPM se iniciou na data propugnada pela recorrente, e que desde aí até à data de prolação do referido acórdão inexiste facto extintivo de tal relação de inscrição no FPM".
     Concluindo por isso que, "os factos que servem de fundamento ao novo indeferimento de pedido feito pela recorrente, [ ... ] já foram considerados e apreciados em tal acórdão".
    Ou seja, a recorrente entende que os novos fundamentos utilizados pelo Fundo de Pensões para indeferir o seu pedido, violam o caso julgado formado por aquela decisão.
    E que, consequentemente, o Fundo de Pensões, deve "proceder às necessárias operações de cálculo para fixar os débitos devidos ao Fundo de Pensões, quer por parte da recorrente, quer por parte da entidade processadora dos seus vencimentos, relativamente ao período de 26.12.1990 a 16.12.1999 e, na sequência emitir acto de deferimento do pedido da recorrente, nele incluindo o montante de tais débitos, a forma e tempo de seu pagamento,
    - Dar conhecimento desse acto à entidade processadora dos vencimentos da recorrente, quer para efeitos de a mesma entidade processar os necessários descontos no seu vencimento, quer para proceder ao pagamento dos débitos junto do mesmo Fundo de Pensões,
    - E, por fim, fazer constar dos seus registos que tal tempo é tempo de inscrição no Fundo de Pensões para efeitos de aposentação e sobrevivência,
    E ainda todos e quaisquer outros actos que sejam necessários à reposição da situação actual hipotética, qual seja, a de que a esta altura devia estar inscrita no Fundo de Pensões, para efeitos de aposentação e sobrevivência, desde 26.12.1990 até ao presente".

2. Refira-se que o acórdão de 2/7/2009, tirado no processo 146/2009, por unanimidade, reconheceu expressamente o direito à recorrente de proceder aos descontos nos termos peticionados, e, por isso, tratando-se, como se tratava, de um recurso de anulação, revogou-se a sentença recorrida e anulou-se o acto administrativo aí objecto de recurso.
    Considerou-se então que a relação de inscrição com o FPM se iniciou na data propugnada pela recorrente, que desde aí e até à data de prolação do referido acórdão inexistia facto extintivo de tal relação de inscrição no FP.
    Agora, os factos que servem de fundamento ao novo indeferimento do pedido feito pela recorrente, acrescentam que a falta da sua oportuna inscrição no FP resulta de omissão de terceiro (os serviços processadores do seu vencimento), que inexiste provisão legal que permita os descontos retroactivos, aventa-se com uma eventual prescrição do direito à inscrição, sendo que os argumentos repisados da falta de declaração e da falta de descontos, fundamentos já usados pela recorrente em primeira instância, em ambas as voltas, já foram considerados e apreciados em tal acórdão.
    Temos bem presente a questão que se colocava e se colocou, foi ponderada no acórdão ora dado à execução, tendo-se decidido que a lei nova que obrigava à declaração não podia modificar uma situação anterior em que se considerava relevante o silêncio do interessado como vontade presumida de inscrição no Fundo de Pensões, sob o domínio da lei antiga e em face da qual era havido como facto virtualmente constitutivo daquela situação (cfr. pág. 23 do citado proc. 146/2009).
    Mais se considerou ser irrelevante o requerimento da recorrente A no sentido da sua inscrição no FSS, o mesmo sucedendo com a sua declaração de não pretender proceder a descontos.
    
    3. DO CASO JULGADO
    3.1. Ora bem. Vamos ser muito claros. Querer discutir o que já foi discutido afigura-se ser muito grave, é mais do que desrespeito pelo caso julgado, pode configurar censuras mais graves.
    A segurança jurídica é um valor a defender nos estados de direito.
    Como já afirmava Marcello Caetano, o caso julgado torna certos os factos ou direitos verificados no processo, conferindo-lhes força de verdade legal, recaindo sobre a Administração o dever de executar as sentenças dos tribunais, procedendo à reintegração efectiva da ordem jurídica violada.1
    Que fique bem claro que as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades - art.8º, n.º 2 da LBOJ - e não se deixa de estranhar até que na sentença recorrida se fossem reapreciar fundamentos que já tinham sido abordados e tratados no acórdão anterior do TSI que anulara a 1ª sentença.
    Abstemo-nos, por isso, de comentar a censura ínsita ou implícita ao que julgado foi no acórdão proferido pelo TSI, questionando-se o acerto da decisão de considerar a mesma inscrita no FPM de 26/12/1990 a 16/12/1999, por se discordar desse entendimento, antes contrapondo que pelo facto de a mesma se ter inscrito no FSS, pedindo efeitos retroactivos até 01/01/1990, demonstra a sua vontade real de não querer ser inscrita no FPM.
    Na sentença recorrida exara-se que o fim do recurso contencioso, se encontra estabelecido no art. 20.º do CPAC, que o referido recurso é em regra de mera legalidade (devido ao princípio de separação entre os poderes administrativo e judicial) e tem por finalidade a anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica, mas importa não esquecer que tal decisão anulatória pressupõe o conhecimento de diversos fundamentos e de uma dada conformação jurídica que não pode voltar a ser questionada.
    E em processos de impugnação de actos administrativos o caso julgado abrange a qualificação como vícios, positiva ou negativa, pelo que o âmbito do dever de execução se determina em função das razões que motivaram a anulação.2
    Se é certo que o que constitui caso julgado é a decisão e não os motivos ou fundamentos dela3, não é menos certo que a imutabilidade da decisão só abrange a causa de pedir invocada e conhecida pelo tribunal. Isto é, se o recorrente interpôs recurso com fundamento em incompetência ou vício de forma e foi estes vícios que o tribunal conheceu e nada fica dito pelo tribunal acerca de eventual existência de erro de facto, violação de lei ou desvio de poder, estes novos fundamentos podem ser invocados e discutidos em novo processo.
    A eficácia do caso julgado incide não apenas sobre o conteúdo anulatório da decisão, mas também sobre os motivos (vícios que conduziram a tal decisão). Assim, o efeito conformativo (preclusivo ou inibitório) da sentença anulatória de acto administrativo impede que a Administração Pública, em sede de execução, renove o acto anulado com reiteração dos vícios que motivaram a decisão de anulação, sob pena de nulidade, por ofensa do caso julgado.4
    
    3.2. Daqui resulta que não é correcta a afirmação de que, em caso de negação de provimento do recurso, o tribunal confirma a legalidade ou a validade do acto recorrido. Esta confirmação é parcial: o tribunal não declara que o acto seja plenamente legal ou válido, mas apenas que os fundamentos alegados no recurso não se verificam e, portanto, que, sob o aspecto desses fundamentos, o acto não é ilegal ou inválido. Nada fica dito, porém, quanto a outros fundamentos que pudessem ser alegados mas que o não tenham sido.5
    Isto que se vem dizendo é particularmente importante no caso presente. Vejamos:
    Primeiro passo: indefere-se a inscrição no Fundo a A (a ora recorrente), a.a. (acto administrativo) esse que não é anulado face ao recurso interposto para o TA e em sede de recurso jurisdicional o a.a. vem a ser anulado com os fundamentos A e B .
    Segundo: na sequência do decidido, A requereu a retroacção dos descontos para efeitos de recuperação do tempo de serviço e pensão, pedido este que foi indeferido pela prática de novo a.a. com os velhos fundamentos A, B e os novos fundamentos C, e D.
    Terceiro: A, enquanto recorre do novo indeferimento, requereu execução para prestação de facto junto do TA e este julgou improcedente esse pedido, reanalisando, indevidamente, regista-se e assinala-se, os fundamentos A e B sobre os quais houvera pronúncia anterior. Ficaram por analisar os fundamentos C e D, levados à justificação do novo a.a. praticado.
    
    3.3. As questões que se colocam são, no fundo:
    - Podia o CA (Conselho de Administração do FP) proferir o segundo a.a., indeferindo o pedido, obstaculizando assim a inscrição no FP por parte de A?
     - Se sim, os fundamentos avançados devem ser discutidos em sede de recurso contencioso desse novo a.a. ou podem-no ser em sede de execução para prestação de facto?
    
    4. Da possibilidade da prática de novo acto
    4.1. Não é verdade que se admita tão somente a possibilidade de renovação do a.a. , de actos anulados com fundamento em abuso de poder (falta de competência para a prática do acto administrativo) e vício de forma (omissão de audiência do particular) e já não nos casos em que o novo a.a. tenha o mesmo conteúdo de indeferimento do anterior - quando o vício que determinou a anulação foi um vício de violação da lei substantiva.
“Tendo havido a destruição de um acto administrativo, pode acontecer que a Administração seja obrigada a emanar um outro acto administrativo, desta vez com respeito pela lei, ou a desenvolver outros tipos de operações para repor retroactivamente a legalidade (dever de reconstituição).
    Mas também pode acontecer que, independentemente da obrigação de reconstituição resultante da sentença, a Administração seja obrigada por lei ou entenda justificado, no uso dos seus poderes próprios, actuar em relação àquela situação de facto, tendo então de agir em conformidade com a lei e com o julgado (dever de conformação).”6

    4.2. O ponto reside em saber se a actuação do FP se cingiu a este dever de reconstituição ou se não se tratando de uma conformação, o Fundo podia praticar novo acto invocando outros fundamentos de forma a justificar a não admissão da requerente no FP.
    
    4.3. Na abordagem desta questão vamos seguir aqui o caminho traçado em sede de Jurisprudência Comparada, usando a lanterna do ac. do Pleno da secção do CA do STA 028779A7, de 18/9/2007, tirado por unanimidade:
«A eficácia do caso julgado limita-se aos vícios determinantes da anulação, ou seja, a observância do caso julgado não impede a substituição do acto recorrido por um acto de idêntico conteúdo regulador da situação jurídica, se a substituição se fizer sem a repetição dos vícios determinantes da anulação8. Aliás, o limite objectivo do caso julgado das decisões anulatórias de actos administrativos “seja no que respeita ao efeito preclusivo, seja no que respeita ao efeito conformador do futuro exercício do poder administrativo, determina-se pelo vício que fundamenta a decisão”9
No processo de execução o tribunal só aprecia a actuação administrativa posterior à sentença exequenda quanto aos aspectos referentes à execução, isto é, quanto à observância do caso julgado; outros eventuais vícios dos novos actos com os quais a Administração pretenda ter dado execução ao julgado só poderão ser apreciados em recurso autónomo10:

E no Ac. STA, de 27/05/2004. Proc. nº 33942-A, escreveu-se:
“Como se disse, o critério a seguir na execução não é necessariamente o da reposição ou restabelecimento da situação anterior à prática do acto ilegal, mas o da reconstituição da situação actual hipotética através da qual a ordem jurídica violada é reintegrada, tudo se passando como nada ilegal tivesse acontecido e, portanto, realizando-se agora o que entretanto se teria realizado se não fosse a ilegalidade cometida (...). Ou seja, as coisas não se passarão exactamente como se encontravam antes da prática do acto anulado, antes poderão ocorrer tal como se presume viessem a estar no momento presente, independentemente da verificação da anulação.
Ora, se a eficácia do caso julgado se confina aos vícios determinantes da anulação, nada impede que a Administração venha a praticar um novo acto de conteúdo igual ou diferente, consoante o caso em presença. O que não pode é reiterar a prática de um acto com um conteúdo igual ao anulado, desde que baseado expressamente nos mesmos fundamentos do anterior, porque, nessa hipótese, o novo acto ofenderá o caso julgado.
Assim temos:
a) Se em execução de sentença vierem a ser praticados novos actos em ofensa do caso julgado, a sua nulidade poderá ser declarada, tanto em sede de “execução de julgado” (...), como em sede de “recurso contencioso” autónomo (...). 11
b) Se vier a ser praticado acto renovador, porém, eivado de novas causas de invalidade que não faziam parte do anulado, então a sua sindicância já só poderá ser efectuada em recurso contencioso autónomo.12”».
Face ao exposto também aqui somos a concluir que se vier a ser praticado um acto renovador eivado de novas causas de invalidade que não faziam parte do anulado, então a sua sindicância já só poderá ser feita em recurso contencioso autónomo.
    5. Fazendo luz sobre o caso sub judice ...
    O Tribunal Administrativo assumiu que, por a recorrente não se encontrar inscrita no Fundo de Pensões à data da entrada em vigor da Lei n.º 11/92/M, de 17 de Agosto, esta seria de aplicar ao caso sub judice, motivo pelo qual, concluiu que a recorrente, para ver a sua pretensão deferida, teria que ter declarado, expressamente, que queria proceder aos descontos no prazo de 60 dias.
    Não tem a razão o FP enquanto diz que, não existindo no processo qualquer declaração da recorrente manifestando a sua vontade de querer proceder aos descontos, o Tribunal Administrativo considerou que a recorrente não tinha direito a estar inscrita durante aquele período, não tendo, assim, direito à contabilização desse tempo de serviço - ficando, deste modo, prejudicada a apreciação dos fundamentos invocados pela entidade recorrida na sua contestação.
    A decisão acima referida veio a ser revogada pelo referido Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, importando não esquecer que no acórdão da Segunda Instância foi analisado esse argumento relativo ao silêncio da interessada. Essa questão, repete-se não deixou de ser ali analisada.
6. DA NOVA DECISÃO DE INDEFERIMENTO
    O acto administrativo de indeferimento do pedido da recorrente proferido pelo Fundo de Pensões em 20 de Março de 2008, foi anulado por violação do disposto do artigo 259.° do ETAPM, na sua redacção original.
    Por esta razão, o Fundo de Pensões, obrigado que estava a executar a decisão do Tribunal de Segunda Instância, isto é, a proferir uma nova decisão que definisse a situação jurídica da Recorrente, e ciente de que lhe assistia o direito a ter sido inscrita no Fundo de Pensões à data em que adquiriu a condição de agente da Administração Pública, reavaliou a situação da recorrente e concluiu que o pedido que esta efectuou em 29 de Dezembro de 2006, seria de indeferir novamente, uma vez que considerou existirem factos impeditivos e extintivos do exercício do seu direito.
    E aí, sim, alguns dos factos invocados na nova decisão que impedem e extinguem o direito da recorrente, consubstanciam novos fundamentos que nunca foram sindicados no processo que antecedeu o presente, na medida em que, como acima se viu, o que ali se discutiu foi a questão de saber se à recorrente assistia ou não o direito a ser inscrita no Fundo de Pensões desde a data em que assinou o primeiro contrato além quadro com os Serviços de Saúde, tendo-se invocado dois novos argumentos, bons ou não, não interessa apurar: O FP não pode ser responsabilizado por acto ou omissões de diferentes organismos da AP; a recorrente devia ter-se insurgido e impugnado a liquidação dos descontos, sempre que mensalmente se lhe abonava a sua remuneração, donde configurar uma prescrição do direito da interessada.
    Desenvolvendo de uma forma exaustiva a bondade destes novos argumentos, invoca ainda um grande prejuízo para o FP com a admissão de alguém que não efectuou os descontos.
    Como dissemos já, não vamos aqui analisar da justeza desses fundamentos, pois que somos a entender que essas questões novas, inseridos no novo acto de indeferimento, devem ser escrutinadas no recurso contencioso que dele foi interposto.
    
    7. E também como está bem de ver não se vislumbra qualquer má-fé seja da recorrente em que legitimamente pugna pelo seu direito, já uma vez reconhecido dentro de um quadro que foi discutido e conduziu à anulação do acto que lho negou, tendo de continuar o seu calvário para agora rebater novas objecções que lhe são levantadas pela entidade recorrida, objecções estas que, independentemente da sua valia, não são ainda de molde a considerar que há má-fé e intenção de desacatamento e desrespeito pelas decisões dos tribunais.
    Tudo visto, o que se nos afigura relevante e devia ter sido analisado, resta decidir.
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
Custas pela recorrente, com 5 UC de taxa de justiça
Macau, 23 de Fevereiro de 2012,
João A. G. Gil de Oliveira
Presente Ho Wai Neng
Vitor Coelho José Cândido de Pinho
1 - Manual De Dto Adm., II, 1972,1371 e 1774
2 - Ac. do STA, proc. n.º 0993A/02, de 24/5/11
3 - cfr. Marcello Caetano, ob. cit, 1373
4 - Ac. STA, proc. n. 048079, de 14/2/2002
5 - cfr. Freitas do Amaral, DA, IV, 1988, 223 e 224
6 - Vieira da Andrade, Justiça Administrativa, 3ª ed., 294
7 - Relatado pelo Cons. Cândido Pinho, integrando ainda o presente Colectivo
8 - Ac. do STA, de 02/10/2001, Rec. nº 34 44-A
9 - Ac. do Pleno/STA de 08/05/2003, Rec. nº 40 821-A
10 - v.g., Ac. do STA de 22/01/2004, Proc. nº 28957-A) – neste sentido, o Ac. STA/Pleno, de 5/05/2005, Processo nº 029726/91-20(A)
11 - Neste sentido, v.g.: o Ac. do STA de 13/07/95, Rec. nº 031129; 24/10/96, Rec. nº 40013; de 30/01/97, Rec. nº 2560; 20/01/99, Rec. nº 38470, entre outros.

12 - Neste sentido: Ac. do STA de 17/12/93, Rec. nº 31723; 29/01/97, Rec. nº 027517; de 29/01/98, Rec. nº 042342; de 4/11/99, Rec. nº 31110-A; Ac. do STA de 18/01/2001, Rec. nº 45381-A
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27/2011 1/33