Proc. nº 239/2011
(recurso cível e laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 01 de Março de 2012
Descritores:
-Danos não patrimoniais
-Dores
SUMÁRIO:
I- A dor, que apresenta manifestações físicas e orgânicas, numa escala que oscila entre a dor aguda e crónica, também se desdobra em variantes emocionais e psíquicas, sendo que todas fazem parte do mesmo processo de reacção a um estímulo.
II- A dor, neste sentido, implica uma presença e uma ausência. Nela está presente o sofrimento, a tristeza, o abatimento, a incapacidade de gozar a vida e de ser activo, e está ausente o bem-estar, a alegria, a capacidade de gozo da vida segundo padrões de normalidade.
III- As dores - físicas e morais, geralmente associadas - representam danos não patrimoniais que, quando graves e merecedores da tutela do direito, são indemnizáveis segundo juízos de equidade e pelos critérios previstos no art. 489º do Código Civil, devendo evitar-se compensações simbólicas ou miserabilistas.
Proc. nº 239/2011
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
B, com os demais sinais dos autos, moveu acção de condenação sob a forma de processo ordinário contra C, pedindo a condenação deste no pagamento da indemnização de Mop$ 53.860,00, em razão de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em virtude de agressão física por este a si infligida.
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Prosseguiu o processo até ao final, vindo a ser proferida sentença no TJB que condenou o réu a pagar à autora a indemnização no valor de Mop$ 1.784,20.
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É dessa sentença que ora vem interposto pela autora o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações foram formuladas as seguintes conclusões:
“1a
A Recorrente não se conforma com a quantia indemnizatória de MOP$1. 000, 00 (mil patacas) fixada pelo Tribunal “a quo” pelos danos não patrimoniais, ao abrigo de objectividade e razoabilidade impostos pelo critério de equidade, em face da factual idade dada como provada.
2a
A fixação da indemnização a título de danos não patrimoniais teria que ser operada com base na factual idade dada como provada e em termos equitativo e equilibrados, nos termos do artigo 487º e 489º do Código Civil, tomando em conta os valores correntes adoptados pela Jurisprudência, o que manifestamente não se verificou no caso subjudice.
3a
A propósito da factual idade dada como provada, lê-se, na douta sentença recorrida (paginas 9 e 10) que “Deu-se como provado que por causa da ofensa corporal, a Autora sofreu dores, e sendo essas dores merecedoras da tutela do direito, acha-se justo e proporcional fixar-se um montante de MOP$1.000,00 (mil patacas), para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pela Autora”
4a
Considerando a factual idade dada como provada, justo e proporcional seria fixar a importância de MOP$45.000,00 (quarenta e cinco mil patacas) para ressarcimento dos danos patrimoniais causados a Recorrente.
5a
Ao arbitrar a quantia de MOP$1.000,00 (mil patacas) à ora Recorrente pelos danos não patrimoniais sofridos, o Tribunal recorrido, salvo devido respeito, não fez a devida ponderação dos factos provados.
6a
Com efeito, violou os critérios de objectividade e razoabilidade impostos pelos artigos 487º e 489º do Código Civil na fixação de compensação pelos danos não patrimoniais.
7a
O Tribunal a quo não levou em consideração o sistema económico poder aquisitivo da moeda, característica e condições gerais da economia em que a compensação vai operar.
8a
Mostrando-se provado que por causa das referidas ofensas corporais, resultantes de murros e do arremesso de um banco de madeira a Recorrente sofreu dores, e sendo essas dores merecedoras da tutela de direito e considerando ainda a natureza do dano e o grau intenso de culpa, é ajustado e proporcional fixar uma compensação no montante de MOP$45.000,00 (quarenta e cinco mil patacas) para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pela Recorrente.
9a
Devendo em conformidade o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência ser revogada a decisão recorrida na parte respeitante a quantia indemnizatória de MOP$1.000,00 (mil patacas) arbitrada à Recorrente a titulo de danos não patrimoniais, e consequentemente condenar o Réu a pagar a ora Recorrente a quantia de MOP$45.000,00 (quarenta e cinco mil patacas) pelos danos não patrimoniais.
Nestes termos e nos mais de direito, requer a ora recorrente a V. Exas. que seja revogada a decisão judicial posta agora em crise, na parte respeitante a quantia de MOP$1.000,00 (mil patacas) fixada a título de danos não patrimoniais e, consequentemente condenar o Réu a pagar MOP$45.000,00 (quarenta e cinco mil patacas) para ressarcimento dos dano patrimoniais sofridos pela Recorrente, fazendo-se assim a habitual JUSTIÇA!”.
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Não houve contra-alegações.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A sentença fixou a seguinte matéria de facto:
No dia 1 de Junho de 2006, cerca das 15H30, a A. e F, por razões pessoais, entraram em discussão, enquanto trabalhavam na Fábrica G, instalada na Rua ……, Edifício Industrial ……, …º andar, Macau.
O R., filho da referida F, também trabalhador na mesma fábrica intrometeu-se naquela discussão em favor da sua mãe, dando-lhe empurrões.
Seguidamente, o R. agrediu a A. com murros.
E logo de seguida pegou num banco de madeira com o qual desferiu golpes sobre o corpo da A.
A agressão do R. só terminou quando outros colegas do serviço vieram separar os dois.
A A. foi despedida da fábrica.
A agressão do R. causou lesões corporais à A. (Doc. n.o 1 e 2).
As referidas lesões determinaram para a A., directa e necessariamente, 6 (seis) dias de repouso médico aconselhado (Doc. n.o 1 a 4).
Por causa das lesões supra descritas, a A. recebeu assistência médica e medicamentosa em Macau, nas quais gastou a quantia total de MOP$784.20 (setecentas e oitenta e quatro patacas e vinte avos) (Doc. n.º 5 a 11).
A A. efectuou deslocações de táxi e gastou cerca de MOP$30.00 (trinta patacas) (Doc. nº 13).
Em virtude da acima descrita agressão, a A. sofreu dores.
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III- O Direito
Tinha a autora ilustrado a existência de danos patrimoniais e não patrimoniais, dos quais pretendia ver-se ressarcida, na sequência de uma agressão de que dizia ter sido vítima por parte do réu.
E do julgamento da matéria de facto resultou provada a invocada agressão e o modo como ela se verificou. Resultaram ainda demonstrados parte dos danos patrimoniais sofridos e as lesões sofridas pela autora.
Na petição inicial da acção, a autora invocava que, por causa da agressão em que se viu envolvida, viria a ser despedida da fábrica onde trabalhava (visto que a briga ocorreu no local de serviço), facto que lhe causou enorme descrédito junto da família e amigos. Todavia, a matéria de facto provada não deixou clara a ligação do nexo causal entre facto e consequência, entre a agressão e o despedimento. Provado ficou apenas o despedimento. De resto, nem tão pouco o alegado descrédito veio dado por provado. Por tal motivo, obvio se torna que nada há que indemnizar a esse respeito.
Mas, a autora tinha também invocado que esse mesmo despedimento a fez sentir-se triste, envergonhada e angustiada, e temer pelo seu futuro.
Ora, também esta matéria não passou à factualidade provada, pelo que igualmente não pode aqui ser debatida, tanto mais que não foi objecto do recurso na perspectiva do erro de julgamento da matéria de facto.
Resta, então, a matéria do art. 22º da petição inicial, que parcialmente transitou para a factualidade assente. Temos, assim, que a autora/recorrente, em virtude da agressão, sofreu dores. Foi isto o que simplesmente apurou a 1ª instância.
E, em face disso, tendo a sentença concluído estar em presença de um facto ilícito gerador de responsabilidade civil nos termos do art. 477º, nº1, do Código Civil (também dos arts. 556º e 560º do mesmo Código), e considerado que as dores eram merecedoras da tutela do direito, tendo por base a natureza do dano e o grau de culpa, achou justo e proporcional fixar, a esse título, o montante de Mop$ 1.000,00 para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pela A.
Entende a recorrente que essas dores não devem ser compensadas em montante não inferior a Mop$ 45.000,00.
Exposta deste modo a vexata quaestio, o que nos cabe é, simplesmente, saber se este valor se mostra ajustado, se violou os critérios de objectividade e razoabilidade, enfim, se a equidade imporia diferente montante.
Em nossa opinião, a solução passa pela análise do que seja a dor.
A dor é uma sensação desagradável, que varia entre desconforto leve e excruciante, manifestada através de uma reacção orgânica e/ou emocional. É uma experiência sensorial e emocional desagradável associada a uma lesão. A dor é, portanto, um sintoma que acompanha, de forma transversal, a generalidade das situações patológicas que requerem cuidados de saúde1
A dor, que apresenta manifestações físicas e orgânicas, numa escala que oscila entre a dor aguda e crónica, também se desdobra em variantes emocionais e psíquicas, sendo que todas fazem parte do mesmo processo de reacção a um estímulo.
A dor, neste sentido, implica uma presença e uma ausência. Nela está presente o sofrimento, o abatimento, a tristeza, a incapacidade de gozar a vida e de ser activo, e está ausente o bem-estar, a alegria, a capacidade de gozo da vida segundo padrões de normalidade.
A dor, portanto, é um complexo variável. E não se pode olhar para ela apenas pelo seu lado mais imediato e físico. Se a autora sofreu dores, não bastaria interpretá-las pelo aspecto simplesmente orgânico, sendo até certo que, em nalguns casos, a medicina tem já meios de as anular por métodos farmacológicos2. Ou seja, se fosse de entender a dor apenas como fenómeno que acompanha uma sensação real de desagrado e desconforto físico, bastaria o recurso a um analgésico para se negar o direito a uma compensação indemnizatória. Isto é, a partir do momento em que a pessoa pudesse aceder a um medicamento contra a dor, deixaria de ter a partir desse instante direito a indemnização por parte do agente agressor. Ora, isto não pode ser equacionado desse modo.
A dor, ao surgir, arrasta um mar de sensações e emoções que o analgésico simplesmente não pode eliminar. Por isso, a dor física nem sempre pode ser o único critério aferidor da compensação.
Se a autora sofreu dores com a agressão, sem se dizer quais foram, parece claro que ao lado físico se lhe associaram vertentes de tipo emocional e psicológico, que igualmente devam ser tidas em consideração. E mesmo que olhássemos só para a vertente física da dor por causa da agressão (agressão que, recordemos, provocou lesões corporais que determinaram 6 dias de repouso médico e demandaram tratamento médico e medicamentoso), parece-nos ser lógico, objectivo e das regras da experiência comum e do bom senso inferir que murros e golpes desferidos com um banco de madeira sobre o corpo de uma mulher por um homem haverão de ter provocado certamente dores intensas que ninguém desejará experimentar.
Para dizer, enfim, que as dores desta agressão não podem ser negligenciáveis, face ao sofrimento físico e moral provocado na ofendida. Razão que nos leva a evitar a atribuição de compensação simbólica ou miserabilista, como aconteceria se se mantivesse a indemnização de apenas mil patacas3.
Cremos, pois, que, por serem graves e merecerem a tutela do direito, os danos não patrimoniais aqui presentes devem ser compensados devidamente.
Em nossa opinião, em termos equitativos, para ser justa e proporcional, e atendendo ao grau de culpa do ofensor, à circunstância da agressão, ao bom senso e sentido de prudência e de criteriosa ponderação da realidade da vida4, nos termos dos arts. 489º, nº3 e 487º do Código Civil, a compensação não deve ser inferior a Mop$ 10.000,00 (e não os Mop$ 45.000,00 peticionados pela autora/recorrente), a que acrescerá o valor arbitrado na sentença recorrida a propósito dos danos patrimoniais (Mop$ 784,20).
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IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, revogam a sentença na parte referente ao valor da indemnização pelos danos não patrimoniais, indo, por isso, o réu condenado a pagar a B a quantia de Mop$ 10.784,20.
Custas:
- Na 1ª instância, pelas partes em função do vencimento/decaimento;
- No TSI, pela recorrente, na proporção do decaimento, por o recorrido não ter contra-alegado.
Num e noutro caso, em relação à autora/recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza.
-Honorários ao Ex.mo patrono oficioso: Mop$1.750,00.
TSI, 01 / 03 / 2012
(Relator) José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto) Choi Mou Pan
1 http://pt.shvoong.com/humanities/1785057-que-%C3%A9-dor/#ixzz1kdmGL45J
2 Lembremos os doentes em estado terminal e os métodos paliativos que lhes eliminam as dores. Tenhamos ainda presente o uso da morfina que tem uma função semelhante quando usada no tratamento médico, por exemplo.
3 Em sentido semelhante, no TSI, ac. de 20/03/2003, Proc. nº 240/2002; no direito comparado, o ac. do STJ de 28/06/2007, Proc. nº 07b1543.dgsi.Net ou de 29/01/2008, in Proc. nº 07ª4492.dgsi.Net.
4 P. Lima e A. Varela, Cod. Civil ANot., vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, pag. 489 e sgs.
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