ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
Na acção declarativa movida por A contra B, o Relator do processo neste Tribunal proferiu o seguinte despacho:
“I) Convidei a autora1, recorrente a pronunciar-se sobre o seguinte parecer que proferi:
1. A ré interpôs recurso da totalidade do Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância (TSI) e assim foi admitido a subir.
A sentença de primeira instância condenou a ré a pagar ao autor a quantia de MOP$576,004.00 (e juros legais).
Interposto recurso apenas pela ré, o TSI deu-lhe parcial provimento, apenas na parte atinente à quantia devida pelo trabalho prestado pelo autor nos dias de descanso anual - MOP$77,536.00 - quando a condenação da sentença de primeira instância havia sido de MOP$100,124.00 - ficando a ré condenada a pagar ao autor a quantia de MOP$553,416.00 (e juros legais).
O Acórdão do TSI foi proferido por unanimidade.
2. De acordo com o n.º 2 do art. 638.º do Código de Processo Civil não é admissível recurso do acórdão do TSI que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diverso fundamento, a decisão proferida na primeira instância, salvo se o acórdão for contrário a jurisprudência obrigatória.
Já noutro local (Manual de Direito Processual Civil, Macau, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2005, p. 652) escrevi que se o acórdão recorrido contiver várias decisões, cada uma delas está sujeita ao regime imposto pela norma atrás mencionada. E que, se parte da sentença de primeira instância é confirmada e outra parte é revogada, esta última parte será recorrível, mas não já aquela parte que foi confirmada.
Expendi, também, no mesmo local, que “a razão deste entendimento está na ratio da norma. O legislador não pretendeu admitir um segundo grau de recurso nos casos de dupla decisão conforme, isto é, de duas decisões no mesmo sentido, por unanimidade de votos”.
O Tribunal de Última Instância já teve oportunidade de se pronunciar neste sentido no Acórdão de 13 de Junho de 2001, no Processo n.º 3/20012 e eu próprio já decidi nesse sentido no Processo n.º 18/2005.
Estas razões valem sempre que o acórdão recorrido contenha várias decisões, ainda que não haja cumulação de pedidos, ainda que o pedido seja único.
Assim, afigura-se-me não caber recurso da parte da decisão recorrida que confirmou a sentença de primeira instância, que é toda a decisão, com excepção da parte atinente à quantia devida pelo trabalho prestado pelo autor nos dias de descanso anual.
3. O disposto no n.º 2 do art. 638.º do Código de Processo Civil não impede o recurso da parte da decisão recorrida que não confirmou a sentença de primeira instância.
Só que quanto a tal segmento da decisão o recurso é impedido pelo disposto na segunda parte do n.º 1 do art. 583.º do Código de Processo Civil: a decisão impugnada não é desfavorável à pretensão do recorrente em valor superior a metade da alçada do Tribunal de Segunda Instância, que é de MOP$1,000,000.00 (art. 18.º, n.º 1 da Lei de Bases da Organização Judiciária).
Na verdade, esta parte da decisão foi desfavorável à recorrente em MOP$77,536.00, claramente inferior a MOP$500,000.00, pelo que também desta parte não parece haver recurso.
...
II) Ouvida a recorrente, discordou apenas do texto de que fora notificada, na parte em que este entendeu que o acórdão recorrido confirmou a decisão de primeira instância, com excepção de uma parte.
Mas não se vê como negar a afirmação feita. Desde que o acórdão recorrido só alterou parte da decisão, é manifesto que confirmou a parte restante.
Quanto ao mais, dou por reproduzido o parecer emitido.
Não sendo recorrível a decisão recorrida, não se pode conhecer do recurso.
III) Face ao expendido, decido não se conhecer do objecto do recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça reduzida a metade [art. 18.º, n.º 1, alínea a) do Regime das Custas nos Tribunais]”.
A recorrente reclamou para a conferência deste despacho, repetindo os fundamentos expostos no mencionado despacho que antecede.
II - Apreciação
Cumpre conhecer.
A decisão recorrida confirmou quase integralmente a decisão da primeira instância. Ambas as decisões são a soma de várias componentes monetárias referentes à prestação de trabalho. Por isso, a decisão do TSI confirmou várias verbas a que o tribunal de primeira instância condenou a ré a pagar.
Ora, de acordo com o n.º 2 do art. 638.º do Código de Processo Civil não é admissível recurso do acórdão do TSI que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diverso fundamento, a decisão proferida na primeira instância, salvo se o acórdão for contrário a jurisprudência obrigatória.
Se o acórdão recorrido contiver várias decisões, cada uma delas está sujeita ao regime imposto pela norma atrás mencionada. E, se parte da sentença de primeira instância é confirmada e outra parte é revogada, esta última parte será recorrível, mas não já aquela parte que foi confirmada.
Isto porque a ratio da norma é impedir o recurso quando há duas decisões conformes, sem voto de vencido. O que se verifica no caso em apreço, na parte da decisão confirmada, que, em valor, é a quase totalidade.
Foi neste sentido o Acórdão deste Tribunal de 13 de Junho de 2001, no Processo n.º 3/20013.
Não se vêm motivos para alterar esta jurisprudência.
Quanto ao restante em causa (condenação da recorrente a pagar ao autor a quantia de MOP$77,536.00), a decisão do Relator foi a não admitir, igualmente, o recurso nesta parte por ser inferior a MOP$500,000.00, pois que, nos termos da segunda parte do n.º 1 do art. 583.º do Código de Processo Civil, não é admissível o recurso quando a decisão impugnada não é desfavorável à pretensão do recorrente em valor superior a metade da alçada do Tribunal de Segunda Instância, que é de MOP$1,000,000.00 (art. 18.º, n.º 1 da Lei de Bases da Organização Judiciária).
A conferência subscreve este entendimento, com o que se indefere o requerido na totalidade.
III - Decisão
Face ao expendido, indefere-se o requerido.
Custas pela recorrente (art. 17.º, n.º 5 do Regime das Custas nos Tribunais) a acrescer à fixada na decisão reclamada.
Macau, 21 de Junho de 2006.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
1 Trata-se de lapso manifesto pois trata-se da ré e não da autora.
2 Acórdãos do Tribunal de Última Instância da Região Administrativa Especial de Macau, 2001, p. 608.
3 Acórdãos do Tribunal de Última Instância da Região Administrativa Especial de Macau, 2001, p. 608.
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Processo n.º 15/2006