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Processo n.º 98/2011
(Recurso cível)

Data : 8/Março/2012

ASSUNTOS:
    - Nome e marca
    - Excepção de ilegitimidade; alegação de desconhecimento da actividade do A.
    - Marca; necessidade do registo por parte do interessado na anulação de marca anteriormente registada
    - Má-fé no registo de marcas
    - Marca notória
   - Concorrência desleal

   
   SUMÁRIO:
    
    1. Se se entendesse que estamos perante uma excepção de ilegitimidade quando o R. impugna ou alega desconhecer a actividade desenvolvida pelo A., aí fundando este a sua causa de pedir na acção, estaria aberta a porta para que em todas as acções se configurasse uma excepção de ilegitimidade e, consequentemente, se admitisse o terceiro articulado, a denominada réplica a fim de lhe dar resposta.
    2. A legitimidade afere-se - agora sem conflito doutrinário - pela configuração da relação material controvertida, tal como apresentada pelo autor.
    3. Se se pode compreender que uma dada empresa, detentora de determinada marca, dotada de uma certa reputação e notoriedade, malgré tout não tenha capacidade de proceder ao registo em todos os ordenamentos do Mundo, já não se compreende facilmente que o deixe de fazer a partir do momento em que invoca um determinado interesse de protecção comercial num dado ordenamento, vista até a própria natureza e finalidade do registo.
    4. O instituto do registo da marca e a protecção daí derivada faz pressupor uma protecção que deriva da prioridade registral e aí é a própria lei, o próprio direito convencional, que dita as regras e faz presumir um direito que neste particular domínio assume até natureza constitutiva.
    5. Registar uma marca já existente e com consciência de que essa marca já existe não pode configurar por si só má-fé.
    6. Marca notória é a marca que adquiriu um tal renome que se tornou geralmente conhecida por todos aqueles, produtores, comerciantes ou eventuais consumidores, que estão mais em contacto com o produto, e como tal reconhecida. Por vezes, a notoriedade assume tal dimensão que o produto que, por via da marca, se procura distinguir passa, genericamente, a ser designado por referência à marca, independentemente da sua origem ou produtor.
    7. Se o recorrente, A, é uma pessoa célebre, reputada, notoriamente conhecida no mundo da alta finança, reputado no mundo dos negócios, tendo escrito vários livros e desenvolvido programas televisivos e empreendimentos vários e famosos, em particular no sector imobiliário, daí não decorre necessariamente que a marca “B” seja reputada como notória, sendo necessário associar a marca aos produtos e serviços e não à pessoa.
    8. Para se estar em face de reprodução ou imitação de marca, é necessário que os sinais distintivos em causa se reportem aos mesmos produtos ou serviços, ou a produtos ou serviços afins; é o chamado princípio da especialidade das marcas.
    9. Um acto de concorrência será aquele que possa influenciar a clientela, influir sobre as opções no mercado. Há acto de concorrência sempre que uma empresa procura obter uma posição favorável na concorrência, embora tal se faça em detrimento das restantes. E a existência de concorrência não deixa de ser saudável no mundo dos negócios, dela beneficiando os empreendimentos, por via dela se melhorando a qualidade e a competitividade, bem como o consumidor.
    10. Embora as normas do próprio Código Comercial não condicionem a aplicação do regime de concorrência desleal à exploração de qualquer actividade comercial em Macau, essa concorrência não pode deixar de ser materializada através de uma actividade concreta numa relação com outra que procura ocupar o mesmo espaço.


O Relator,
  

João Gil de Oliveira

Processo n.º 98/2011
(Recurso Cível)
Data: 8/Março/2012

Recorrente: A

Recorrida: C

Recorrente (Do Recurso Interlocutório): A

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. A, com os melhores sinais dos autos, veio intentar a presente acção ordinária contra
    C, em chinês XX 有限公司 e em inglês XX Company Limited, também mais bem identificada no processo,
    pedindo que fosse julgada procedente por provada a presente acção, em consequência, anulada a marca "B", pedida pela ré, a que foi atribuído o n.º N/18592, na classe 42, com todas as consequências legais, ordenando-se –lhe que destrua todo e qualquer placar, material, ou documentos que contenham a menção da marca anulanda.
    Veio, a final, a ser proferida decisão nos seguintes termos:
    “Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga improcedente a acção por não provada e, em consequência, decide:
1. Não admitir a ampliação do pedido formulado pelo Autor A; e
    2. Absolver a Ré, C, do pedido formulado pelo Autor.
    Custas pelo Autor. “

    2. A, A. nos autos à margem identificados, veio recorrer interlocutoriamente relativamente ao despacho a fls. 125 e verso dos autos, (que ordenou o desentranhamento da Réplica), interpor recurso, alegando, fundamentalmente:
    A. A Recorrida apresentou Contestação em que invocou a excepção de ilegitimidade;
    B. Tal não foi o entendimento do Meritíssimo Juiz a quo que decidiu não existir lugar à apresentação de Réplica pelo Recorrente, condenando-o ainda em 3 U.C.;
    C. A contestação da Ré contem a dedução de uma excepção, nomeadamente, nos artigos 24° e 25° da Contestação onde se afirma que "desconhecia à data da sua constituição, bem como na presente, quais são as actividades do Autor." (24°) e "como também desconhece a reputação mundial do Autor." (25°);
    D. A Recorrida ao alegar desconhecer o Recorrente, quais são as actividades que o mesmo prossegue e quais os seus direitos à marca "B" invoca a falta de legitimidade do Recorrente para interpor a presente acção;
    E. A ilegitimidade classificada na alínea e) do artigo 413º do C.P.C. como excepção dilatória, é descrita como "as excepções que obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar, consoante os caos, à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal.". Em causa está o conceito de legitimidade do artigo 58° do C.P.C., que prescreve que "possuem legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo Autor";
    F. A Recorrida, na sua Contestação, pôs em causa a legitimidade do Recorrente para se arrogar a titularidade do direito à marca "B" que é por este alegada por ser detentor dos direitos exclusivos sobre essa expressão uma vez que é não só o seu nome pessoal, mas também a sua marca e o seu nome de negócio, que goza de uma notoriedade mundial sendo automaticamente associada ao Recorrente;
    G. Nos termos do art. 420°, n.º 1, alínea a) do C.P.C., se na contestação for deduzida alguma excepção, o A. pode responder quanto à matéria desta, entendendo o Recorrente que a Recorrida, no seu articulado de Contestação, deduziu uma excepção dilatória de ilegitimidade do Autor;
    H. O direito processual civil de Macau prevê que, após a contestação apresentada pela Ré, o Autor tem o direito de, nomeadamente, "Responder à contestação, se for deduzida alguma excepção" de acordo com a alínea a), número 1, do artigo 42º, por forma a possibilitar às partes em litígio articular os factos e o direito que julguem serem titulares por forma a melhor se defenderem e ajudarem a esclarecerem de forma cabal o Tribunal sobre os interesses em litígio;
    I. Para além deste direito de defesa do Autor, o C.P.C. no seu artigo 424° estabelece ainda que "A falta de algum dos articulados de que trata a presente secção ou a falta de impugnação dos novos factos alegados pela parte contrária no articulado anterior tem o efeito previsto no artigo 410º”. O número 2 do artigo 410° do C.P.C. prescreve que "Consideram-se reconhecidos os factos que não forem impugnados (...)" que na fase da réplica implica que "O autor e o réu estão, na réplica e na tréplica, sujeitos ao ónus da impugnação, quanto aos factos alegados no articulado anterior, em sede, respectivamente, de excepção, reconvenção ou alegação dos factos constitutivos do direito ou facto negado pelo autor (réplica) ou de excepção à reconvenção ou modificação do pedido ou da causa de pedir (tréplica). Por isso, a não apresentação do articulado, quando este é admissível, ou a falta de impugnação, nele, dos factos do articulado anterior respeitantes a esses domínios tem, em regra, o mesmo efeito de admissão que a não impugnação em contestação apresentada, com as mesmas excepções que para esta vigoram";
    J. Estas disposições legais visam não só ajudar as partes a esclarecerem todos os factos e o correspondente direito que se julgam arrogar, mas também a evitar que sejam dados como assentes, factos controvertidos pelas partes, não se entendendo a decisão presentemente em litígio;
    L. Concluindo-se que a não admissão do direito à apresentação da réplica por parte do Autor, ora Recorrente, e o consequente privar do acesso a todas as fases de articulados a que legalmente tem direito para se defender dos argumentos apresentados pela Ré, ora Recorrida, prejudicou os direitos do Autor, ora Recorrente nos presentes autos, colocando-o numa situação de manifesta desvantagem e prejudicando os direitos por si arrogados, sendo cerceado de exercer o seu direito de resposta, e consequentemente influenciando a normal tramitação dos autos, o desenrolar da fase de audiência e julgamento da causa e, necessariamente, a decisão final tomada nos presentes autos.
    Nestes termos, deverá o recurso ser considerado como procedente nos termos expostos e em consequência ser revogado o despacho recorrido que rejeitou a réplica do A.
    
    3. A, A. inconformado com a sentença proferida, dela vem recorrer, alegando em sede conclusiva
    A. De todos os aspectos que merecem censura na sentença recorrida e que, na opinião do Recorrente, devem ser corrigidos em sede de recurso sobressai a questão da má fé da Ré e dos seus sócios.
    B. Esta má-fé foi repetidamente alegada em todo o processo e objecto de prova na audiência de discussão e julgamento, nomeadamente na sequência das Respostas aos quesitos 1, 2, 3, 4, 5 e 7 da Base Instrutória:
    - O A. é um empresário, um executivo no mundo dos negócios. uma personalidade televisiva e um autor [Resposta Q. 1]
    - O nome de "A" é conhecido nos Estados Unidos da América e em vários países [Resposta Q. 2].
    C. A esses quesitos devemos ainda acrescentar prova documental que se encontra nos autos em particular relativa à:
    a) constituição da Sociedade Ré denominada C tendo do constituída em 7 de Setembro de 2005 (cfr. Doc.1, junto com a p.i.);
    b) constituição a 23 de Janeiro de 2007 entre D e E, actuais sócios de Ré, da sociedade "C" (cit. o doc. 26 junto com o requerimento probatório de 14 de Julho de 2008).
    c) ao pedido, a 7 de Março de 2007, da marca "B" para a Classe 43, à qual foi atribuída o número N/27361; (cfr os docs. 7, 8 e 9 juntos nos autos com o requerimento probatório de 14 de Julho de 2008);
    d) cartas do A. sem resposta da Ré para propor uma solução negociada (cfr. doc.1 junto com a Contestação);
    e) falta de empregados ou rendimentos declarados da Ré (cfr. docs. 2 e 3, juntos a 15 de Fevereiro de 2008 e docs. 3, 4 e 18 de 14 de Julho de 2008);
    f) reclamações deduzidas pela Ré aos pedidos de marca do A. com os números N/25220 e N/25217 (cfr. docs. 4 e 5 juntos a 15 de Fevereiro de 2008 e 5 e 6 de 14 de Julho de 2008).
    D. Nos autos não restavam qualquer dúvida sobre a intenção malévola da Ré e dos sócios, do seu propósito de atingir o A. e de lhe sequestrar o seu nome, impedindo-o de o usar como marca na Classe 43 ou como firma de empresário comercial.
    E. Que conclusões se extraíram na sentença recorrida quanto a um problema que tem mais de dois séculos e sobre o qual se debruçava a Convenção de Paris nos idos de 1883? Nenhumas.
    F. A posição da sentença é claramente insustentável, e está em desconformidade com os compromissos internacionais assumidos por Macau - com uma dimensão completamente diferente a partir do momento em que a economia de Macau, por via da liberalização do sector do jogo, entrou em acelerada internacionalização.
    G. O artigo 6° bis da Convenção de Paris, afirmou que a mesma tem, essencialmente, um fundamento ético, "(...) inspirando-se no propósito de reprimir certas práticas contrária à honestidade e à correcção comerciais, sendo certo que à lealdade comercial repugna sempre o facto de alguém pretender benefícios do renome avançado por uma marca já existente, devido aos esforços e merecimentos alheios, muito embora o comerciante industrial que a criou e acreditou não haja alcançado ainda em relação a ela, no seu país, a plenitude da protecção legar (cit. Prof. Pinto Coelho).
    H. À sentença recorrida, nada repugnou a conduta da Ré e dos seus sócios de se aproveitarem do renome avançado por uma marca já existente, de se aproveitarem dos "esforços e merecimentos alheios" do Sr. A, no activo há mais de 40 anos.
    I. A protecção legal devida não está sujeita ao A. ter porta aberta em Macau ou a ser aqui célebre. O que releva, face à lei e à doutrina, é que a sua "marca seja conhecida como pertencente a certa entidade apenas no círculo formado pelos produtores ou comerciantes da especialidade ou no meio dos consumidores normais do produto".
    J. Ou como salientado pela jurisprudência (...) o não [a falta] registo não obsta à reclamação de protecção, porque há algumas excepções a este princípio" geral da eficácia constitutiva ou atributiva do registo nomeadamente em caso de notoriedade da marca no Acórdão do Tribunal Judicial de Base proferido no âmbito do processo judicial número CV2-08-0004-CAO.
    K. «A opinião dominante é no sentido de que a marca pode assim ser qualificada [como notória] desde que alcançou notoriedade ou conhecimento geral no círculo dos produtores ou dos comerciantes ou no meio dos consumidores mais em contacto com o produto a que respeita a marca; basta que a marca se tenha divulgado de modo particular no círculo de pessoas que é uso designar por «meios interessados»" (ainda no mesmo Acórdão).
    L. O artigo 6.°, bis, 1) Convenção da União de Paris dispõe que "os países da União comprometem-se a recusar ou invalidar, quer oficiosamente, se a lei do país o permitir, quer a pedido de quem nisso tiver interesse, o registo e a proibir o uso de marca de fábrica ou de comércio que constitua reprodução, imitação ou tradução, susceptíveis de estabelecer confusão, de uma marca que autoridade competente do país do registo ou do uso considere que nele é notoriamente conhecida como sendo já marca de uma pessoa a quem a presente Convenção aproveita e utiliza para produtos idênticos ou semelhantes. O mesmo sucederá quando a parte essencial da marca constituir em reprodução de marca notoriamente conhecida ou imitação susceptível de estabelecer confusão com esta" (sublinhado nosso).
    M. Quanto à notoriedade da marca do A., ficaram provados, entre outros, os factos constantes das respostas aos Quesitos da Base Instrutória com os números 1, 2, 3, 4, 5, 7, 9, 14, 16 e 18. Deverão ainda ser especificados, por este Tribunal de Recurso, nas respostas aos Quesitos 2, 5, 7 e 14, a referência expressa em Macau, dado que a documentação nos autos, o depoimento da parte da Ré e das testemunhas do A. residentes em Macau o permitem assim concluir (art. 577° do C.P. Civil).
    N. O A. demonstrou, por via documental, a existência de acordos com entidades locais de destaque na indústria do jogo e da hotelaria (a saber, a Melco Hotels and Resorts (Macau) Limited) para a efectivação de um projecto referente à construção de um empreendimento em Macau, o qual ostentaria a marca "B".
    O. A documentação referida é absolutamente cristalina quanto à notoriedade do A. em Hong Kong, China e Macau, com artigos de jornal que remontam a 1993 sobre a possibilidade do A. ter um empreendimento imobiliário em Hong Kong sob a denominação "B Tower". E com várias notícias na China sobre as cópias do programa "The Apprentice" no continente chinês e sobre a possibilidade de o mesmo ser licenciado localmente para ser produzido em língua chinesa. E com tribunais arbitrais internacionais (da WIPO) a atestarem e darem como provada a notoriedade do A. e ordenando a restituição dos direitos que lhe tinham sido usurpados por terceiros.
    P. Contudo, por razões que não se alcançam, a sentença recorrida não se pronunciou sequer sobre a notoriedade da marca do A. alegando que não conseguia identificar os serviços para os quais o A. reclamava notoriedade.
    Q. A verdade é o Tribunal a quo acabara de concluir pela legitimidade do A., com base nos pedidos apresentados com registo pendente para estes serviços, que o A. requereu o cancelamento da marca N/18592 na Classe 42 com fundamento de ter notoriedade nesta classe e quando ficou provado nos autos que o A. ganhou notoriedade para estes serviços.
    R. A própria Ré sempre soube quais eram esses serviços (vide o respectivo depoimento, como prestado nos autos (art. 577º nos. 1 e 2 CPC).
    S. Os serviços relevantes, os serviços para os quais o A. obteve notoriedade, são os especificados pelo próprio Tribunal na matéria provada: hotelaria, restauração, imobiliário e casinos. Ao se afirmar que "(...) nada dos factos provados nos indica quais são os produtos ou serviços a que a marca se destina (...)" [do A.] a sentença recorrida incorreu no vício de nulidade, por manifesta contradição entre os fundamentos da sentença e as conclusões da mesma.
    T. Resultando com clareza dos autos os serviços para os quais o A. demonstrou a sua notoriedade este o Tribunal de recurso deverá concluir que existe identidade entre os serviços para os quais o A. atingiu notoriedade e os serviços especificados para a marca N/18592 que é objecto do presente pleito. E proceder à análise dos restantes requisitos do art. 214 RJPI (art. 577º do CPC).
    U. Quanto à identidade de serviços, entre os que foram objecto de marca apresentada pela Ré e os serviços em que o A. obteve notoriedade, a mesma foi cabalmente explanada nos parágrafos antecedentes.
    V. Os factos provados de que ''As várias áreas de negócio em que o A. actua são fora da RAEM e não tem qualquer expressão perante a comunidade local" e "o A. é um empresário registado nos Estados Unidos e não tem qualquer expressão perante a comunidade local" não contendem com a notoriedade da marca do A.. pois nem a Convenção de Paris nem o RJPI contem como requisito de protecção que o titular da marca notória tenha que ter actividade em Macau.
    W. O Tribunal a quo refere também que "em Macau, o A. é pouco conhecido em Macau" e "(...) não tem qualquer expressão perante a comunidade local". Mas ficou provado em que áreas granjeou reputação (Respostas aos Quesitos 1, 2, 3, 5, 7, 9, 10, 14, 17 e 18) e que a mesma se iniciou nos Estados Unidos, extrapolou-se para muitos outros países em virtude do uso comercial da sua reputação num programa de televisão ("The Apprentice") e dos seus livros de negócios.
    X. Devendo ser reiterado que:
    i) ficou provado que os livros do A. são vendidos em Macau e o respectivo programa é aqui retransmitido desde 2004;
    ii) estes dois factos são uma consequência da notoriedade do A. e não a sua causa, devendo ser apreciados a essa luz por este Tribunal.
    Y. Ficou provado apenas que "O A. é pouco conhecido em Macau, como autor, sendo os seus trabalhos dirigidos a alguns empresários e homens de negócios" (cfr. Resposta ao Q.16), mas ao contrário do que parece resultar da sentença recorrida, o A. não instituiu a presente acção com base na sua reputação como autor de livros (lavrando assim a sentença proferida em erro sobre a matéria de facto).
    Z. O Prof. Pinto Coelho ensina precisamente que "(...) a marca pode assim ser qualificada [como notória] desde que alcançou notoriedade ou conhecimento geral no círculo de consumidores mais em contacto com o produto a que respeita a marca; basta que a marca se tenha divulgado de modo particular no círculo de pessoas que é uso designar por meios interessados".
    AA. A marca notória do A., não tem que ser conhecida do público em geral, mas sim do círculo de comerciantes (i.e., dos empresários de jogo, da construção civil e de hospitalidade) ou no meio dos consumidores mais em contacto com o produto [os serviços] a que respeita a marca (i.e., os consumidores que frequentam hotéis e casinos ou que podem adquirir uma fracção num empreendimento imobiliário).
    BB. Foram os próprios sócios da Ré a reconhecer essa notoriedade, ao escolheram a marca da R.:
    A R. e os seus sócios, ao registarem a marca "B", estavam evidentemente cientes de que estavam a fazer uma cópia do nome e da marca do A. (Resposta ao Quesito 4). Este Tribunal poderá também confirmar essa notoriedade face à matéria de facto nos autos (art. 577° CP Civil),
    CC. Estes sócios foram ainda mais longe ao registarem, posteriormente, uma outra marca "A" e ao constituírem uma outra sociedade com a firma "A Companhia Limitada". O que demonstra, de forma inequívoca, qual a sua intenção e a notoriedade da marca do A.
    DD. A tutela jurídica da questão não se limita apenas às regras do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, sendo também aplicável, num plano superior (face ao disposto no artigo 3° n.º 3 do Código Civil) a Convenção de Paris, de que Macau é parte.
    EE. A protecção devida nos termos desta Convenção é devida (i) sem requisito de registo prévio e (ii) mesmo que o seu titular não esteja presente comercialmente na jurisdição onde procura protecção - ora, está provado que:
    (i) o nome do A. é uma marca notória
    (ii) a marca notória do A. foi usada em Macau, onde licenciou o seu programa televisivo, vendeu os seus livros e foi contactado por empresários para licenciar o seu nome para um empreendimento imobiliário no COTAI
    iii) a Ré e os seus sócios conheciam estes factos e decidiram imitar a marca notória do A.
    FF. Os serviços estavam claramente descriminados e constam da matéria provada - serviços de hotelaria, restauração, imobiliário e jogos em casino. Os dois primeiros porque a marca impugnada está registada na Classe 42 (que corresponde actualmente à Classe 43, em virtude de em Macau se ter substituído a 7ª Convenção de Nice sobre Classificação de Produtos e Serviços pela 8ª Convenção). Nos termos desta mesma Convenção, os serviços da Classe 43 são:
    "Serviços de restauração (alimentação); alojamento temporário"
    GG. "concorrência desleal, como refere a Convenção da União de Paris, é «o acto de concorrência contrário aos usos honestos em matéria industrial ou comercial», desregulador do bom funcionamento do mercado, permitindo que terceiros se aproveitem dos investimentos e do trabalho efectuado" - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal relativamente ao processo judicial número 07A4618.
    HH. O artigo 158º C. Com. Consagra que "constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência que objectivamente se revele contrário às normas e aos usos honestos da actividade económica. "
    II. No seu artigo 1.°, o Regime Jurídico da Propriedade Industrial ("RJPI") estatui que tal diploma visa regular a "atribuição de direitos de propriedade industrial (...), tendo em vista, designadamente, assegurar a protecção (…) da lealdade da concorrência e dos interesses dos consumidores" .
    JJ. O instituto da concorrência desleal tem uma função complementar, reforçando a tutela que é conferida ao nome comercial e à marca notória pela Convenção de Paris, pelo Código Comercial e pelo Regime Jurídico de Propriedade Industrial.
    KK. À presença comercial do A. ou à sua intervenção no mercado de Macau, a mesma ficou assente na matéria provada - não se pode exigir ao A. que abra um balcão em Macau a vender "cachorros-quentes" para ser digno de tutela jurídica. Considerando a actividade desenvolvida pelo A. e os inúmeros campos em a mesma se desenvolve, temos que concluir que a sua participação na actividade económica pode revestir diversas formas.
    LL. O A. prossegue uma actividade empresarial muito ampla e variada, tendo constituído várias sociedades comerciais para a exploração dos seus negócios, incorporando todas essas sociedades nas suas respectivas firmas o nome/marca "B" [Resposta Q. 3]. Facto esse do conhecimento da R. e dos seus sócios [Resposta Q. 4]. De entre as actividades empresarias prosseguidas pelo A., refira-se a autoria de vários livros dirigidos a empresários e homens de negócios [Resposta Q. 16] e a participação no programa televisivo The Apprentice [Resposta Q. 6 e 18]
    MM. Não obstante o A. não ter nenhum estabelecimento de portas abertas ao público, não deixa de oferecer em Macau os seus bens e serviços (em particular, os livros, o programa televisivo e os contratos de licenciamento em negociação) que demonstram uma actividade real, legítima e digna de tutela ...
    NN. O artigo 156º do Código Comercial regula o âmbito objectivo da concorrência desleal e sobre esse ponto de vista, os actos do A. e de R. estão num plano de absoluta igualdade:
    - nenhuma das partes tem estabelecimento aberto em Macau;
    - o A. vende os seus livros, distribui o seu programa e negociou o licenciamento do seu nome a empresários locais;
    - a R teve um estabelecimento aberto na Taipa;
    - a R. registou a sua denominação social e a marca;
    - o A. registou inúmeras marcas nas mais variadas classes.
    Deste ponto de vista, ambas as partes A. e R praticam actos objectivos de concorrência.
    SS. O regime de concorrência desleal não se limita à confusão, centrando-se na proibição do art. 158º do Código Comercial que, sob a epígrafe "Cláusula Geral" dispõe que" Constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência que objectivamente se revele contrário às normas e aos usos honestos da actividade económica".
    TT. O art. 165º ("Exploração de reputação alheia") é uma das manifestações do princípio geral que dispõe que "Considera-se desleal o aproveitamento indevido em benefício próprio ou alheio de reputação empresarial de outrem". Ora, ao usarem, consciente e deliberadamente, o nome e marca (notória) do A. para a marca da Ré [Resposta Q. 4] a R e os seus sócios praticaram um acto de concorrência que objectivamente se revela contrário às normas e aos usos honestos da actividade económica.
    UU. Tal comportamento é manifestamente contrário à lealdade comercial e às boas e aceitáveis práticas concorrenciais, explorando a reputação do A. que se tem por provada nestes - a mesma intenção dolosa que esteve subjacente à apresentação do pedido da marca "A" (N/27361) pelo sócio maioritário da R, José Luís Pedruco Achiam e à constituição, por este último com o outro sócio E, da sociedade "A Companhia Limitada".
    VV. Outra das disposições legais violadas pela R. e seus sócios respeita ao artigo 82.º Código Civil, nos termos do qual se determina que "toda a pessoa tem direito a ter um nome, a usar esse nome, completo ou abreviado, e a opor-se a que outrem o use ilicitamente para sua identificação ou outros fins" (o sublinhado é nosso).
    WW. Conforme determinado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 12 de Fevereiro de 2008, "toda a ofensa ao bom nome comercial acaba por se projectar num dano patrimonial revelado pelo afastamento da clientela e na consequente frustração de vendas (e perda de lucros) por força da repercussão negativa no mercado que (...) advém por causa da má imagem que se propaga".
    XX. Entende o A. que no caso em apreço e no pressuposto que algum dos pedidos principais ou subsidiários, formulados pelo A. seja procedente, se justifica que a R. seja condenada a pagar à A. uma indemnização a título de danos não patrimoniais sofridos, por cada ano completo ou fracção decorrida desde a citação da R. até efectiva cessação da lesão dos direitos do A., no valor que se vier a liquidar em sede própria.
    Nestes termos, deverá o presente recurso ser considerado como procedente face à matéria de facto constantes nos autos (incluindo o depoimento da parte, das testemunhas da Ré e das testemunhas da A. residentes em Macau - art. 599 al. b) do CP Civil) cuja ponderação por este Tribunal é essencial, dado que o juiz que proferiu a decisão não estava presente na audiência de discussão de julgamento.
    Deverá assim o presente recurso ser considerado procedente nos termos expostos.
    
    4. "C", ré na acção, contra-alega, na parte útil:
    Começa o Recorrente por sustentar que a Recorrida procedeu de má fé, o que constituiria motivo suficiente para que fosse negada protecção ao pedido de registo de marca B, a que foi atribuído o n.° N/18592. Como base legal, invoca o Autor o artigo 6°-bis da Convenção da União de Paris (CUP) e os artigos 214° e 230° do Regime Jurídico da Propriedade Industrial (RJPI).
    Começando pelo artigo 6°-bis da CUP, é necessário que a protecção que, nessa disposição, se confere à marca notória, pressupõe, obviamente, que a notoriedade da marca se encontre estabelecida. Essa notoriedade deverá ser estabelecida no local onde se solicita a sua protecção neste caso, na RAE de Macau - e não em qualquer outro, conforme é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência. Ora, o Recorrente não pode ignorar que a prova da notoriedade de uma sua qualquer marca, na ERA de Macau, não foi feita.
    Quanto à referência feita, pelo Recorrente, aos artigos 214º e 230º do RJPI, desconhece a R. a que se refere o Recorrente, em concreto. Trata-se, aquelas, de disposições que abarcam todos os fundamentos de recusa do registo de marca (artigo 214º) e todos os fundamentos de anulabilidade do registo (artigo 230º) , sem que o Recorrente especifique a qual se refere, o que impossibilita o exercício do contraditório.
    Se a notoriedade não foi estabelecida, é absolutamente ocioso continuar a argumentar no sentido da protecção de "direitos" não registados, como o Recorrente faz.
    Como ficou demonstrado nos autos, a marca do Autor não é uma marca notória na REA de Macau.
    O princípio geral contido no Regime Jurídico da Propriedade Industrial - Decreto - Lei na 97/99/M de 13 de Dezembro (adiante designado "RJPI") determina que "aquele que adoptar certa marca para distinguir os produtos da sua actividade económica gozará de propriedade e do exclusivo dela, desde que satisfaça as prescrições legais, designadamente as relativas ao registo.
    O princípio geral da eficácia constitutiva ou atributiva do registo comporta poucas excepções, sendo uma delas o da notoriedade da marca, notoriedade que o Autor alega ter a marca "B".
    Não basta que essa marca seja conhecida notoriamente noutros países, é necessário que seja notoriamente conhecida em Macau.
    Era ao Autor que incumbia a prova da notoriedade da marca "B" em Macau, prova que não conseguiu produzir.
    O critério para determinação da notoriedade de uma marca é particularmente exigente, não se bastando com afirmações e elementos vagos, como aqueles que o Recorrente traz aos autos.
    O Recorrente não carreou para os autos a informação mínima necessária para que o tribunal se possa pronunciar pela notoriedade da marca B.
    Acresce que a marca notória subordina-se também ao princípio da especialidade e ficamos sem saber em que área ou para que produtos e/ou serviços o Recorrente entende ser a sua marca notória.
    A notoriedade da marca do Recorrente apenas poderá relevar, no que a estes autos interessa, quando possa ser estabelecida em relação a serviços de alojamento e restauração, que são as áreas nucleares protegidas pelo registo de marca da R ..
    A marca "B" poderá ser notoriamente conhecida nos EUA - sem se saber sequer em relação a que produtos ou serviços essa notoriedade existirá -, e talvez em alguns outros países do mundo, mas não o é em Macau.
    O Recorrente não conseguiu demonstrar igualmente que a sua marca (destinada a que produtos e/ou serviços? Imóveis? Casinos? Hotéis?) seria, sequer, bem conhecida do tal círculo de comerciantes e consumidores mais em contacto com o produto ou os serviços em causa.
    De nenhuma nulidade enferma a sentença recorrida neste aspecto, por alegada contradição entre os fundamentos e a decisão, já que, em passagem alguma da sua petição inicial, afirma o Recorrente ser a sua marca B notória, na RAE de Macau, para determinados produtos e/ou serviços.
    A CUP, conforme refere o Recorrente, tal como o RJPI, não exige que a marca seja usada no local onde se pretende a sua protecção para que possa obter notoriedade, o que não significa que não tenham de se ver preenchidos todos os requisitos do reconhecimento da notoriedade nesta RAE de Macau, já referidos, o que, conforme se disse já, o Recorrente não conseguiu demonstrar.
    Conforme consta do processo, a única actividade desenvolvida pela Recorrida foi a abertura de um snack-bar de kebabs, designado "B KEBAB", pelo que não há qualquer concorrência com os produtos e/ou serviços do Recorrente, sejam eles quais forem, por duas ordens de razões:
    a) primeiro, porque, conforme ficou provado, o Recorrente nunca desenvolveu qualquer actividade comercial no mercado de Macau (apesar de, contra as evidências, o Recorrente sustentar que a sua presença comercial ficou assente na matéria provada ...); e
    b) segundo, porque os produtos/serviços que o Recorrente alega fornecer - que não certamente em Macau são produtos/serviços "de luxo" destinados a uma clientela e público-alvo diferentes dos visados pela Recorrida, conforme é salientado repetidas vezes pelo Recorrente, na sua p. i e alegações de direito (chegando este até a falar de um "paradigma de luxo"), pelo que não há disputa de clientela.
    Dadas as diferenças claramente perceptíveis entre os produtos das duas marcas, o consumidor medianamente atento conseguirá distinguir o serviço fornecido pelo "B KEBAB" do produto fornecido pelo Recorrente, que é um produto "de luxo", pelo que não há risco de associação entre um e outro nem se atinge o grau de intolerabilidade exigido.
    E não havendo possibilidade de erro ou de confusão não faz sentido falar numa conduta violadora dos usos honestos que devem presidir a determinado ramo de actividade económica, o que equivale por dizer que não se pode falar em concorrência desleal.
    O registo da marca "B" por parte da Recorrida não constitui, por si mesmo, um acto de concorrência.
     O apelido do Recorrente é um apelido comum, não podendo este exigir prévia autorização para registo de uma marca de onde conste a palavra "B".
    Por outro lado, mesmo que se admitisse que o Recorrente é um indivíduo muito conhecido e com créditos firmados em todo o mundo, o que não ficou provado, o que se encontra registado em diversos países é a marca "B".
     A marca "B", embora seja igual ao apelido do Recorrente, não a faz associar à pessoa "A" uma vez que a pessoa com esta identidade pessoal é conhecida apenas por ser um executivo e personalidade televisiva.
    De resto, a tutela do nome apenas surge como fundamento de recusa de registo de marcas e de anulação de registos quando o nome identifique, para a generalidade do público, o titular do nome de maneira espontânea, directa ou imediata. A autorização do titular do nome só deverá ser exigível quando o nome seja notoriamente conhecido pelo público ou de grande prestígio.
    O Recorrente veio, nas alegações subsequentes à fixação da matéria de facto, requerer uma indemnização a liquidar em execução de sentença por violação do nome, honra e marca notória.
Estamos perante uma situação de ampliação do pedido que a lei não admite.
    Termos em que, finaliza, deverá ser confirmada a douta sentença recorrida.
    5. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:
    
    “Da Matéria de Facto Assente:
    - A R. é uma sociedade comercial registada na Conservatória do Registo Comercial e de Bens Móveis sob o n° XXX (SO), sendo a sua denominação de fmna "C", em chinês "XXX", em inglês "XXX" (alínea A) dos factos assentes).
    - A 7 de Setembro de 2005, a R. apresentou, para os serviços compreendidos na classe 42, nomeadamente, para serviços de hotéis e motéis; fornecimento de acomodações temporárias, fornecimento de serviços de hospedagem e quartos,; serviços de reservas de pensões; fornecimento de serviços de sala de beleza, banhos de sauna e salões de massagem; serviços de limpeza e higiene quotidianos; serviços de empregadas, cabeleireiros, barbearia, fornecimento de equipamentos para conferências, serviços de refeitórios, cafés, bares e cafés, casas de chá, refeitórios pequenos, restaurantes temporários, cantinas de auto-serviço, "Snack-bar" e refeitórios pequenos de sanduíches, restaurante auto-serviços e restaurantes de refeições rápidas, casas de mercearias finas, padarias e serviços de "catering" para banquetes, um pedido de. registo de marca que recebeu o número N/18592, consistindo a marca no seguinte: B (alínea B) dos factos assentes).
    - Por despacho datado de 5 de Janeiro de 2006 aquela marca foi concedida à R. (alínea C) dos factos assentes).
    - Não existe nenhuma relação comercial entre o A. e a R. (alínea D) dos factos assentes).
    
    Da Base Instrutória:
    - O A. é um empresário, um executivo no mundo dos negócios, uma personalidade televisiva e um autor (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
    - O nome de "A" é conhecido nos Estados Unidos da América e em vários países (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).
    - O A. adoptou como sua marca e imagem o seu apelido B, que é a denominação das suas sociedades nas várias áreas de negócios em que actua (resposta ao quesito da 3° da base instrutória).
    - A R. e os seus sócios, ao registarem a marca "B", estavam evidentemente cientes de que estavam a fazer uma cópia do nome e da marca do A. (resposta ao quesito da 4° da base instrutória).
    - O A. tem também reputação na indústria do jogo, estando envolvido na exploração de alguns casinos (resposta ao quesito da 5° da base instrutória).
    - A R. não tem actividade, nem porta aberta ao público nem oferece por qualquer forma os serviços enumerados na alínea B) da matéria de facto assente até Agosto de 2008 e depois de Março de 2009 (resposta ao quesito da 6° da base instrutória).
    - O A. actua nas áreas da construção, hotéis e restaurantes, nos casinos, opera sob o nome "B Entertainment Resorts" (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).
    - O A. é presidente da "B Organization" e foi o presidente do Conselho de Administração da "B Entertainment Resorts", tendo aquela a sua sede na "B Tower" em Manhattan, Nova Iorque (resposta ao quesito da 8° da base instrutória).
    - O A. tornou-se uma personalidade célebre em virtude do seu estilo de vida, mas, especialmente, quando iniciou a construção de vários arranha-céus reconhecidos como projectos do próprio, edifícios com uma arquitectura muito especial associada ao seu nome A (resposta ao quesito da 9° da base instrutoria),
    - O bom nome do A. aumentou ainda com a renovação do "Hotel Commodore" pertencente ao grupo "Grand Hyatt", e continuou com a construção da "B Tower" em Nova Iorque, seguindo-se a construção de inúmeros projectos residenciais, incluindo condomínios de luxo (resposta ao quesito da 10° da base instrutária),
    - Após estes empreendimentos na área imobiliária, o A. expandiu a sua actividade e constituiu a empresa de viagens XX.com (resposta ao quesito da 11 ° da base instrutória),
    - A "B Entertainment" (o nome completo é B Entertainment Resorts, Inc.) é uma sociedade de investimento que presta serviços de operações e gestão casinos/ hotéis nos Estados Unidos, fundada em 2005 em sequência da sua restruturação sendo o A. novamente Presidente do Conselho de Administração (resposta ao quesito da 12º da base instrutória),
    - A sociedade é proprietária e gere três casinos em Atlantic City (resposta ao quesito da 13º da base instrutória),
    - O nome B adquiriu tal nível de proeminência entre os empreendimentos imobiliários, que os promotores pagam ao A. pelo privilégio de usar a denominação "B" os seus projectos (resposta ao quesito da 14° da base instrutória),
    - A associação de B com empreendimentos imobiliários, também se estende ao campo universitário com a "B University", empresa fundada pelo A. em 2005, vocacionada para a formação em gestão de empresas (resposta ao quesito da 15° da base instrutória) .
    - O A. é pouco conhecido em Macau como autor, sendo os seus livros dirigidos apenas a alguns empresários e homens de negócios (resposta ao quesito da 16° da base instrutória),
    - Ainda, o A. é co-proprietário da "Miss Universe Organization", entidade organizadora dos concursos de "Miss Universe", "Miss USA" e "Miss Teen USA" (resposta ao quesito da 17º da base instrutória),
    - O A. é O anfitrião do programa real televisivo "The Apprentice" (o qual foi retransmitido em Macau), em que um grupo de concorrentes batalham por um emprego do topo do quadro numa das empresas do Sr. A, levando a denominação A a lares familiares dos Estados Unidos da América e de alguns países do mundo (resposta ao quesito da 18° da base instrutória).
    - As várias áreas de negócio que o A. actua são fora da RAEM e não tem qualquer expressão perante a comunidade local (resposta ao quesito da 19° da base instrutória),
    - O A. é um empresário registado nos Estados Unidos e não tem qualquer actividade comercial na RAEM (resposta ao quesito da 20° da base instrutória),
    - O A. nunca promoveu ou divulgou a sua marca "B" em causa nas línguas oficiais da Região Administrativa de Macau até o ano 2007 (resposta ao quesito da 21º da base instrutória).”
    
    III - FUNDAMENTOS
    A - Recurso Interlocutório
    1. O objecto do presente recurso traduz-se, no fundo, em saber, se a defesa da ré passou pela invocação de alguma excepção, em particular, de uma ilegitimidade, havendo lugar à apresentação de réplica.
    
    2. Nestes autos o A., ora recorrente, apresentou em 9 de Novembro de 2007 uma Acção Declarativa com Processo Ordinário contra a Ré, ora Recorrida, em que requereu que fosse declarada anulada a marca "B", pedida pela recorrida, por entender que tal pedido de marca foi feito por forma a usurpar o nome do recorrente visando apropriar-se ilegitimamente da reputação mundial deste.
    Alega o recorrente que nos artigos 24º e 25º da contestação apresentada pela recorrida, esta afirma que "desconhecia à data da sua constituição, bem como na presente, quais são as actividades do Autor." (24°) e "como também desconhece a reputação mundial do Autor." (25°).
    Assim, a Ré, ora recorrida, ao alegar desconhecer o recorrente, quais são as actividades que o mesmo prossegue e quais os seus direitos à marca "B" invoca a falta de legitimidade do recorrente para interpor a presente acção, entendendo que este não é detentor de quaisquer direitos exclusivos sobre a expressão "B" que tinham sido invocados com causa de pedir no pleito.
    3. Manifestamente não tem razão o recorrente.
    Não estamos perante qualquer invocação da excepção de ilegitimidade do recorrente, ainda que não nominada, não se estando perante uma situação prevista na alínea e) do artigo 413° do CPC, onde se prevê que "as excepções que obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar, consoante os caos, à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal."
    Se se entendesse que estamos perante uma excepção de ilegitimidade quando o R. impugna ou alega desconhecer a actividade desenvolvida pelo A., aí fundando este a sua causa de pedir na acção, estaria aberta a porta para que em todas as acções se configurasse uma excepção de ilegitimidade e, consequentemente, se admitisse o terceiro articulado, a denominada réplica a fim de lhe dar resposta.
    Não. Nem sequer estamos perante uma tese, porventura mais difícil de integração como configurando matéria de excepção peremptória quando o réu ao contestar impugna os factos invocando matéria conflituante com aquela que foi articulada pelo A., sem que se trate de matéria completamente nova.
    A legitimidade afere-se - agora sem conflito doutrinário - pela configuração da relação material controvertida, tal como apresentada pelo autor – cfr. art. 58º do CPC (Código de Processo Civil).
     Se o réu diz que desconhece os factos ou a actividade desenvolvida pelo autor, muito bem, caberá a este provar o que alegou. Não é aqui posta em causa a sua legitimidade, não foi ela colocada nos autos nem sequer se coloca.
    Bem andou o Mmo Juiz na posição que tomou em não admitir o articulado pretendido. Aliás, a prova aí está, pois que a referida matéria não deixou de ser objecto de prova, tendo sido oportunamente levada à base instrutória. A posição da ré, nessa particular questão, em nada buliu com a posição processual do A., como comprovado se mostra.
    O recurso não deixará, por isso, sem necessidade de mais desenvolvimento, de soçobrar.

B - Recurso final
    1. Basicamente a questão que se coloca neste recurso, em termos simples, é a seguinte: o Senhor A, dizendo-se uma pessoa muito célebre, famosa e mundialmente conhecida, reclama para a sua marca - presume-se que B - a mesma notoriedade, quiçá, fama, prestígio e celebridade e, por isso, dizendo proteger a sua marca e a sua propriedade intelectual, imputando ainda má-fé, usurpação e concorrência desleal, pretende ver anulada a marca “B” que a ré fez registar primeiro em Macau.
    Quid juris?
2. Do pressuposto relativo à necessidade do registo por banda do A.
    2.1. No caso em apreço, o A. tardou em registar a marca "B", em várias classes, em Macau, deparando-se aquando da apresentação desses pedidos de registo com a existência de uma marca igual registada em nome da R., na classe 42 (N/18592).
     Contudo, importa esclarecer que se encontram registadas em Macau em nome do A. as seguintes marcas:
    - Marca N/23869 "B", para a classe 36;
    - Marca N/23870 "B", para a classe 37;
    - Marca N/23871 "B", para a classe 41;
    - Marca N/25215 "B Tower", para a classe 36;
    - Marca N/25216 "B Tower", para a classe 37;
    - Marca N/25218 "B International Hotel and Tower", para a classe 36;
    - Marca N/25219 "B International Hotel and Tower", para a classe 37;
    - Marca N/34126 "A", para a classe 36;
    - Marca N/34127 "A", para a classe 37; e
    - Marca N/34128 "A", para a classe 41.
    Estando ainda suspensos (previamente em virtude da existência de marca da Ré, cujo propósito óbvio é bloquear quaisquer tentativas de registo na Classe 43) os pedidos de registo das seguintes marcas em nome do A.:
    
    - Marca N/23872 "B";
    - Marca N/25217 "B Tower":
    - Marca N/25220 "B International Hotel and Tower":
    - Marca N/30440 "A"; e
    - Marca N/34129 "A", todos na Classe 43.

2.2. Se a questão da protecção do consumidor, do respeito pela propriedade industrial e da protecção concedida através da notoriedade da marca é um valor em si, importa não esquecer que o registo é a forma adequada a garantir tal protecção.
Donde, vista a dimensão e o interesse alargado de protecção e eventual comercialização dos produtos do recorrente na RAEM, se tal é motivo suficiente para requerer a anulação de um registo de terceiro, com toda a eficácia e protecção que dele resulta, não há razão para dispensar o interessada de aqui fazer esse registo.
Se se pode compreender que uma dada empresa, detentora de determinada marca, dotada de uma certa reputação e notoriedade, malgré tout não tenha capacidade de proceder ao registo em todos os ordenamentos do Mundo, já não se compreende facilmente que o deixe de fazer a partir do momento em que invoca um determinado interesse de protecção comercial num dado ordenamento, vista até a própria natureza e finalidade do registo.
É assim que se compreende e plasma a disposição normativa contida no artigo 230º, n.º 3 do RJPI, DL 97/99/M, de 13 de Dez. (Regime Jurídico da Propriedade Industrial), aí se estabelecendo que “o interessado na anulação da marca com fundamento na protecção de marcas de grande prestígio só pode intervir no processo quando prove já ter requerido em Macau o registo para os produtos ou serviços que lhe deram grande prestígio ou o faça simultaneamente com o pedido de anulação”.
Pelas razões acima aduzida facilmente se compreende a necessidade deste requisito. Sob pena até, de a julgar procedente o pedido, a A. beneficiar de uma protecção sem registo da sua marca na RAEM, contrariando as finalidades do próprio Registo.
2.3. Assim a falta deste pressuposto de ordem adjectiva impediria que se conhecessem das outras razões e fundamentos, constituindo um pressuposto prévio ou simultâneo da acção, mas o certo é que esta questão foi analisada na sentença de uma forma expressa, concluindo-se que o A. pedira para serviços afins os registos da marca, registos que se encontram pendentes e por essa razão considerou-se verificado este requisito de ordem adjectiva.
Não merecendo discordância, nem impugnado vindo o entendimento aí vertido quanto à verificação de tal pressuposto, passaremos adiante.
    
    3. Da má fé da ré e dos seus sócios
    3.1. A partir da matéria de facto acima transcrita, diz o recorrente, de todos os aspectos que merecem censura na sentença recorrida e que em sua opinião devem ser corrigidos em sede de recurso, sobressai a questão da má fé da ré e dos seus sócios. A mesma foi repetidamente alegada em todo o processo e objecto de prova na audiência de discussão e julgamento, não restando qualquer dúvida sobre a intenção malévola da ré e dos sócios, do seu propósito de sequestrar o nome do A., impedindo-o de o usar como marca na Classe 43 ou como firma de empresário comercial.
    
    3.2. Repare-se que embora o recorrente dedique um capítulo à má-fé da ré não concretiza em que é que ela se traduz, embora se adivinhe que se insurge contra uma apropriação indevida do nome do A., nome que este usa em muitos dos seus serviços e marcas, tanto mais que resulta da factualidade apurada que a R. e os seus sócios, ao registarem a marca "B", estavam evidentemente cientes de que estavam a fazer uma cópia do nome e da marca do A.
    Mas será isso o suficiente para proibir que alguém registe a marca de outrem?
    Parece que o instituto do registo da marca e a protecção daí derivada faz pressupor uma protecção que deriva da prioridade registral e aí é a própria lei, o próprio direito convencional, que dita as regras e faz presumir um direito que neste particular domínio assume até natureza constitutiva.
    Isto é, por palavras mais simples, se a lei diz que quem regista primeiro adquire o direito, só devem ser salvaguardadas as excepções a esse princípio, ditadas pela própria lei.
    No fundo, analisando bem, dir-se-á que é e própria lei que, perdoe-se o exagero, espevita a avidez dos “espertalhaços” que vão registar primeiro uma determinada marca com um certo fito, retirando margem a quem, por uma razão ou por outra, ainda que a usando num determinado local, não a tenham feito registar no ordenamento onde se gera um potencial conflito decorrente do registo prévio por outrem.
    Ora, se se pretendesse proteger o detentor de qualquer marca em qualquer lugar, não se ditava a lei da protecção decorrente da prioridade do registo.
    Isto é muito linear, mas é a realidade que decorre da lei.
    3.3. Tem de ser por via de outros institutos que se há-de obter a protecção de terceiros interessados e prejudicados pelo registo, sendo a lei a prever essas situações, tais como as decorrentes da protecção de certas marcas, as notórias, a desincentivar a concorrência desleal e a não pactuar com as situações de abuso de direito.
    Registar uma marca já existente e com consciência de que essa marca já existe não pode configurar por si só má-fé.
    Talvez, por isso mesmo, compenetrado desse condicionalismo, o recorrente partiu então para a análise da questão sob a perspectiva da notoriedade da marca.
    E reconduzindo a questão à notoriedade da marca, acaba por afirmar que se só se protege uma marca que seja conhecida pela generalidade do público e não já pelo núcleo das pessoas ligadas às actividades ou serviços para que ela se destina, então, essa protecção cai por terra e assim fica sem sentido a protecção que a Convenção de Paris confere.
    
4. Da Notoriedade da Marca
   
   4.1. Marca notória é a marca que adquiriu um tal renome que se tornou geralmente conhecida por todos aqueles, produtores, comerciantes ou eventuais consumidores, que estão mais em contacto com o produto, e como tal reconhecida.1 Por vezes, a notoriedade assume tal dimensão que o produto que, por via da marca, se procura distinguir passa, genericamente, a ser designado por referência à marca, independentemente da sua origem ou produtor.
    
    Embora perfeitamente delimitado o conceito, a sua concretização torna-se vaga e indefinida. Não é fácil afirmar em que circunstâncias se está perante uma marca notória, na certeza de que essa notoriedade variará de acordo com a publicidade, a latitude, a implantação no mercado, o próprio universo dos destinatários. Importa proceder ao necessário preenchimento, não bastando a mera alegação da parte interessada de que se trata de uma marca notória, internacionalmente reconhecida.

    A tutela da marca notória assenta em duas vertentes: uma, de ordem interna e a outra, da ordem internacional. Aqui a notoriedade a tutelar deve provir do registo efectuado anteriormente em país estrangeiro.
    Importando ainda referir que notoriedade não significa prestígio.
A marca de prestígio deve obedecer a dois requisitos: gozar de excepcional notoriedade e gozar de excepcional atracção e/ou satisfação junto dos consumidores.

    4.2. No tecido normativo vigente na R.A.E.M. encontramos referência tutelar à marca notória no artigo 214º, nº 1, al. b) do RJPI que prescreve: “O registo de marca é recusado quando: (...) b) A marca constitua, no todo em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória;”
Depois, o artigo 6º, bis, 1), da CUP, com a redacção que lhe foi dada em Estocolmo (Dec. nº 22/75, de 22/1), dispõe: “Os países da União comprometem-se a recusar ou invalidar, quer oficiosamente, se a lei do país o permitir, quer a pedido de quem nisso tiver interesse, o registo e a proibir o uso de marca de fábrica ou de comércio que constitua reprodução, imitação ou tradução, susceptíveis de estabelecer confusão, de uma marca que autoridade competente do país do registo ou do uso considere que nele é notoriamente conhecida como sendo já marca de uma pessoa a quem a presente Convenção aproveita e utiliza para produtos idênticos ou semelhantes. O mesmo sucederá quando a parte essencial da marca constituir reprodução de marca notoriamente conhecida ou imitação susceptível de estabelecer confusão com esta.”
4.3. Estes preceitos têm sido interpretados como concedendo certa protecção às marcas notoriamente conhecidas como pertencentes a cidadãos de outros países da União e não registadas em Macau.
Daqui resulta que a marca, quando notória, constitui fundamento de oposição ao registo, formulado em nome da violação do direito da sã concorrência. Saber se a marca, apenas porque notória, - no caso, quoad est demonstrandum - pode ser registada, é questão diversa e, sendo a liberdade da composição a regra, importa indagar se as restrições da lei lhe são ou não oponíveis.

    4.4. A notoriedade seria então aquilo que faria distinguir a protecção de uma marca, por via já não de uma mera oposição a outro registo e tal como aconteceria se se tratasse de uma mera marca de facto2, a proteger apenas em nome de uma concorrência desleal, mas por via directa, constituindo, por si, fundamento próprio do registo.

Nada se vislumbra nada na lei que aponte para esse sentido, devendo ser em função dos critérios gerais de admissibilidade e restrições impostas que se apreciará da validade da composição que foi requerida e registada em Macau.

4.5. A questão da notoriedade não se confunde com o direito de prioridade por registo feito por terceiro em país da União. A Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial de 20 de Março de 1883 (CUP) 3 harmoniza as diversas leis nacionais que regulam e protegem a propriedade industrial e institui um direito de prioridade, conferido ao seu titular, de forma a que este possa projectar o seu direito de propriedade industrial num país terceiro. Tal prioridade funda-se no artigo 4º da Convenção. Pressupõe-se o registo da marca noutro país da União, correndo, a partir dele, um prazo de 6 meses em que é reconhecida prioridade ao requerente em qualquer país da União, prioridade esta reconhecida no artigo 16º, n.º 1 do RJPI que prevê: “Aquele que tiver apresentado regularmente pedido de concessão de direito de propriedade industrial previsto no presente diploma, ou direito análogo, em qualquer dos países ou territórios membros da OMC ou da União, ou em qualquer organismo intergovernamental com competência para conceder direitos que produzam efeitos extensivos a Macau, ou o seu sucessor, goza, para apresentar o pedido em Macau, do direito de prioridade estabelecido na Convenção da União de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial.”

    4.6. O registo da marca no país de origem tem relevância para a protecção outorgada pelo artigo 6º - quinquies, sendo então a marca protegida tal qual nos outros países da União.4 Prevê-se expressamente que a marca, nessas circunstâncias seja admitida a registo, apenas com as restrições previstas naquele preceito da Convenção.

4.7. Esta realidade difere ainda do registo internacional da marca, instituto regulado pelo Acordo de Madrid de 18915 que , contrariamente ao que acontece em Macau, se encontra previsto e regulado nos artigos 196º e segs do Código da Propriedade Industrial, em Portugal. Pelo que, não vindo invocado o registo internacional, nem sequer os registos da marca feitos em países da União (Convenção de Paris), a questão não se deixará de reconduzir à tutela da marca pretensamente notória.
    4.8. Nesta matéria, servindo-nos da lição do Prof. Pinto Coelho6, para que a marca se qualifique como notoriamente conhecida não é necessário que o conhecimento da marca e de que ela pertence a certa entidade constitua facto público e notório, com as características que a esta fórmula se atribui na nossa legislação processual. A opinião dominante é no sentido de que a marca pode assim ser qualificada desde que alcançou notoriedade ou conhecimento geral no círculo dos produtores ou dos comerciantes ou no meio dos consumidores mais em contacto com o produto a que respeita a marca; basta que a marca se tenha divulgado de modo particular no círculo de pessoas que é uso designar por «meios interessados».
Como escreve o Prof. Ferrer Correia,7 “Se perante a Repartição da Propriedade Industrial for apresentado um pedido de registo de certa marca, esse pedido pode ser indeferido, a requerimento do interessado, com fundamento de que a marca registanda se confunde com outra notoriamente conhecida como pertencente a um cidadão de outro país da União...”. E mais adiante “A protecção concedida aos titulares de marcas usadas e notoriamente conhecidas como pertencentes a cidadãos de outros países da União acima referida, significa, portanto, o abandono do sistema da eficácia constitutiva do registo, que é o sistema geral da nossa lei”.
    Neste sentido, de que a aplicação das normas apontadas pressupõe que a marca seja notoriamente conhecida como pertencendo a cidadão de outro país da União, a doutrina uniforme.8.
4.9. Mas isto não quer significar que se tenha de postergar o princípio do registo constitutivo ou atributivo que é característico do nosso direito, colocando na mesma situação o proprietário da marca registada e o da marca de facto notoriamente reconhecida, quando ambos sejam residentes de Macau.
    É pacífico na doutrina e na jurisprudência que “A marca notoriamente conhecida deve ser notória no país onde se solicita a especial protecção - pois é nele que, obviamente, se haverá de dirimir o conflito entre a marca a registar e a marca notoriamente conhecida - embora não careça de nele ser usada de modo efectivo." 9
   Ora, dos textos legais já transcritos, quer das interpretações doutrinais a que se aludiu, parece resultar claro que a protecção da marca (de facto) notoriamente conhecida é estabelecida a favor de um cidadão de um país da União, seu proprietário, num outro país da mesma União, onde se pretenda registar (ou onde já esteja registada) marca que, no todo ou em parte essencial, seja uma imitação, tradução ou reprodução daquela.
   Não briga com esse princípio a circunstância de um cidadão estrangeiro poder reclamar em Macau, por exemplo, a protecção de uma marca (de facto) notoriamente reconhecida quando o residente não o poderá fazer no seu próprio país (atento o princípio do registo constitutivo ou atributivo); o que já brigaria é que o residente de Macau, proprietário de uma marca (de facto) notoriamente reconhecida, não pudesse reclamar idêntica protecção nesse país estrangeiro.
   E essa desigualdade de tratamento que o artigo 6.º, bis, da CUP, na redacção, acima transcrita, pretende evitar.

    5. É tempo de projectar as reflexões acima expendidas no caso sub judice.
    
    5.1. Quanto à notoriedade da marca do A., em favor da sua tese alega o recorrente invoca:
    
    “- O A. é um empresário, um executivo no mundo dos negócios, uma personalidade televisiva e um autor [Resposta Q.1].
    - O nome de "A" é conhecido nos Estados Unidos da América e em vários países [Resposta Q. 2].
    - O A. adoptou como sua marca e imagem o seu apelido B. que é a denominação das suas sociedades nas várias áreas de negócios em que actua [Resposta Q. 3].
    - A R. e os seus sócios. ao registarem a marca "B". estavam EVIDENTEMENTE CIENTES DE QUE ESTAVAM A FAZER UMA CÓPIA DO NOME E DA MARCA DO A. [Resposta Q. 4].
    - O A. tem também reputação na indústria do jogo. estando envolvido na exploração de alguns-casinos [Resposta Q. 5].
    - O A. actua nas áreas da construção. hotéis e restaurantes. nos casinos. opera sob o nome "B Entertainment Resorts" [Resposta Q. 7].
    - O A. tornou-se uma personalidade célebre em virtude do seu estilo de vida, mas, especialmente, quando iniciou a construção de vários arranha-céus reconhecidos como projectos do próprio, edifícios com uma arquitectura muito especial associada ao seu nome - A [Resposta Q. 9].
    - O nome B adquiriu tal nível de proeminência entre os empreendimentos imobiliários. que os promotores pagam ao A. pelo privilégio de usar a denominação "B" os seus projectos. [Resposta Q.14].
    - O A. é pouco conhecido em Macau como autor, sendo os seus livros dirigidos apenas a alguns empresários e homens de negócios [Resposta Q.16].
    - O A. é O anfitrião do programa real televisivo "The Apprentice" (o qual foi retransmitido em Macau). em que um grupo de concorrentes batalham por um emprego do topo do quadro numa das empresas do Sr. A, levando a denominação B a lares familiares dos Estados Unidos da América e de alguns países do mundo [Resposta Q. 18].
     Tendo ainda ficado demonstrado que a marca "B" se encontra registada em nome do A. em vários países e regiões, incluindo a República Popular da China, Região Administrativa Especial de Hong Kong e Região Administrativa Especial de Macau, nos termos indicados nos parágrafos 22 e 23 (conforme a lista junta como doe. 8 em 2 de Junho de 2009 – fls. 2071 a 2083 dos autos).
     Mais, o A. demonstrou, por via documental, a existência de um acordo com uma operadora local na indústria do jogo e da hotelaria (a saber, a Melco Hotels and Resorts (Macau) Limited) para a negociação de um projecto referente à construção de um empreendimento em Macau, o qual ostentaria a marca "B", sem mais.
     O A. juntou ainda aos autos os seguintes documentos:
    i) declaração de Estação TVB, Television Broadcasts Limited, atestando que o "The Apprentice" é retransmitido semanalmente em Macau desde 2004 (junto aos autos em 18 de Março de 2009);
    ii) convites para participar, como palestrante, em seminários a realizar na China (docs. 16 a 19 do requerimento probatório de 2 de Junho);
    iii) contrato celebrado com a Melco Hotels and Resorts (Macau) Limited a 11 de Janeiro de 2006 (doc.1 junto aos autos em 11 de Junho de 2009) visando negociar o licenciamento do nome do A. para a denominação de uma torre no Cotai;
    iv) versões em língua chinesa dos livros "B - How to Get Rich", "Entrepreneurship", "B 101º the Way to Success", "B Style Negotiation -: Powerful Strategies and tactics for Mastering Every Deal” e "Think Big and Kick Ass in Business and Life" (respectivamente docs. 3 a 7 juntos com o requerimento de 6 de Junho, a fls. 2054 e seguintes dos autos); v) artigo no jornal "South China Morning Post" de 24 de Janeiro de 2005 de Hong Kong em que o terceiro casamento do A. aparece na primeira página (doc. 27 a fls. 581 dos autos do requerimento probatório de 06-02-2009);
    vi) artigo no jornal "China Daily" de 23 de Agosto de 2005 noticiando as negociações do A. com parceiros na República Popular da China para a introdução do "The Apprentice" na China e em língua chinesa (doc. 55 a fls 907 e 908 dos autos);
    vii) artigo no South China Morning Post de 2 de Junho de 1999 noticiando o interesse do A. no mercado imobiliário coreano, a propósito da apresentação da XX World em parceria com a XX Corporation (doc. 71 a fls. 1083 dos autos);
    viii) Certificado da editora que promove o A., comprovando a distribuição dos respectivos livros na China, Japão, Coreia e Tailândia, em edições impressas nos idiomas destes países (doc. 101, a fls. 1400 dos autos);
    ix) artigo no jornal de Hong Kong "South China Morning Post", edição de 20 de Agosto de 1993, noticiando a propósito das discussões do A. com empresários de Hong Kong para a construção de um empreendimento imobiliário em Hong Kong sob o nome de "B Tower" (doc. 129, a fls. 1719 e 1720 dos autos);
    x) decisão arbitral proferida em 22 de Outubro de 2007 pela WIPO Arbitration and Mediation Center (o centro de arbitragem da Organização Mundial da Propriedade Industrial) decidindo uma questão semelhante mas relativa a domínios e atestando sem quaisquer reticências a notoriedade da marca do A. e a falta de interesse legítimo da entidade usurpadora na referida marca notória (doc. 148 a fls. 1927 a 1929 dos autos);
    xi) outra decisão arbitral da WIPO Arbitration Center atestando novamente a notoriedade da marca do A. e condenando a parte contrária a restituir os domínios de internet de que se tinha ilicitamente apropriado (doc.149, a fls. 1949 a 1953);
    xii) artigo de imprensa publicado no "Thebeijingnews.com" a 18 de Janeiro de 2007 e novamente atestando a notoriedade do A. e da respectiva marca na China.
    A documentação referida é absolutamente cristalina quanto à notoriedade do A. em Hong Kong, China e Macau, com artigos de jornal que remontam a 1993 sobre a possibilidade do A. ter um empreendimento imobiliário em Hong Kong sob a denominação "B Tower". E com várias notícias na China sobre as cópias do programa "The Apprentice" no continente chinês e sobre a possibilidade de o mesmo ser licenciado localmente para ser produzido em língua chinesa.
    E com tribunais arbitrais internacionais (da WIPO) a atestarem e darem como provada a notoriedade do A. e ordenando a restituição dos direitos que lhe tinham sido usurpados por terceiros. Toda esta prova documental foi cabal e não foi objecto de qualquer impugnação, tendo antes sido corroborada pelas testemunhas que comparecerem em juízo.”
    
    5.2. Em sentido contrário, pugna a recorrida, avançando com os seguintes argumentos:
     “De facto, não ficou provado que o Autor é um executivo de topo; que o nome "A" é célebre internacionalmente; que o Autor tem uma extensa reputação na indústria do jogo; que o Autor é internacionalmente célebre como escritor; que o programa "The Apprentice" é célebre internacionalmente e que levou o nome "B" a lares por todo o mundo; nem que a marca "B" pertencente ao Autor é generalizadamente conhecida do grande público consumidor da RAEM.
    E ficou, ao invés, provado que as áreas de negócio que o Autor actua são fora da RAEM e não têm qualquer expressão perante a comunidade local; que o Autor é um empresário registado nos EUA e não tem qualquer actividade comercial na RAEM; e que o Autor nunca promoveu ou divulgou a sua marca "B" em causa nas línguas oficiais da Região Administrativa de Macau até ao ano de 2007.
    (...)
    A notoriedade da marca do Recorrente apenas poderá relevar, no que a estes autos interessa, quando possa ser estabelecida em relação a serviços de alojamento e restauração, que são as áreas nucleares protegidas pelo registo de marca da R ..
    A prova produzida pelo Recorrente é absolutamente insuficiente para que se possa estabelecer a notoriedade nessas áreas, pois que apenas se sabe que o Recorrente "actua nas áreas da construção, hotéis e restaurantes, nos casinos" - resposta ao quesito 7°.
    O que permite concluir que a marca "B" poderá ser notoriamente conhecida nos EUA - sem se saber sequer em relação a que produtos ou serviços essa notoriedade existirá -, e talvez em alguns outros países do mundo, mas não o é em Macau.
    Por outro lado, também é verdade que o Recorrente não conseguiu demonstrar igualmente que a sua marca (destinada a que produtos e/ou serviços? Imóveis? Casinos? Hotéis?) seria, sequer, bem conhecida do tal círculo de comerciantes e consumidores mais em contacto com o produto ou os serviços em causa.”
    
    5.3. O que daqui resulta é que o recorrente é uma pessoa célebre, reputada, notoriamente conhecida no mundo da alta finança, reputado no mundo dos negócios, tendo escrito vários livros e desenvolvido empreendimentos vários e famosos, em particular no sector imobiliário.
    Alguns desses feitos e empreendimentos, notáveis, notórios até, porventura.
    Mas marca, marca, enquanto tal, isso não.
    Uma marca que se ligue como um ícone a um dado produto ou serviço, como tal reconhecida pela generalidade das pessoas na RAEM, ou mesmo a um grupo específico conhecedor dos produtos ou serviços em causa, isso não vem provado.
    É, mutatis mutandis, como agarrar em nomes dos homens mais ricos do mundo (servindo aqui apenas para facilidade de exposição a referência da Forbes) e dizer que uma marca que eventualmente corresponda a Carlos Slim Helu, Bill Gates ou Warren Buffett é famosa porque pertence a tais personalidades; ou agarrar em nomes de pessoas famosas, pelas obras ou pelos feitos e ter como notória qualquer marca associada a serviço ou produto por eles promovida.
    
    5.4. O interesse de empresários nesse nome não se mostra suficiente. A venda de livros também não basta. A passagem de programas de televisão também não. Muito menos os contactos havidos e o interesse ou manifestação do interesse em estabelecer-se em Macau. Tudo isso celebriza o homem, mas não evidencia a marca.
    A questão do nome da celebridade, da pessoa, do Sr. A não erige à mesma categoria a marca dos seus serviços. Donde a eventual utilização, porventura e se ilícita do nome de outrem, tem ser vista e analisada noutra sede, mas não se podem confundir as duas realidades.
    
    5.5. E perante a profusão de celebridade reclamada uma dúvida e interrogação logo nos assalta: qual o produto, a área, o serviço em que a marca B é notória?
    A explicitação fáctica não o esclarece.
    Assim se responde à crítica feita à sentença, crítica que passa por o recorrente entender que não se apreciou ali da notoriedade da sua marca.
    
    5.6. Mas admitamos até, por mera abstracção de raciocínio, que se reconhece tal qualidade no sector dos empreendimentos imobiliários do recorrente. Ainda aí, esse produto não respeita ou conflitua com o que está em causa neste processo.
    Debruçando-nos então sobre o requisito da identidade ou afinidade dos produtos ou serviços a assinalar, constata-se que para se estar em face de reprodução ou imitação de marca, é necessário que os sinais distintivos em causa se reportem aos mesmos produtos ou serviços, ou a produtos ou serviços afins; é o chamado princípio da especialidade das marcas.10
    Assim, há que comparar os serviços a que a marca da ré se destina e os serviços ou produtos onde a marca do autor é aposta.
    
    5.7. Tal como se consignou na douta sentença, está assente que a marca n° N/18592 da ré é registada para assinalar serviços compreendidos na classe 42, nomeadamente os elencados no alínea B) dos factos assentes. No que diz respeito à marca do autor, apenas ficou provado que o autor adopta como sua marca e imagem o seu apelido B.
    Não se individualizando, como já se assinalou, os produtos ou serviços para os quais o recorrente reclama protecção, torna-se impossível concluir pelo preenchimento ou não do requisito da identidade ou afinidade dos produtos a assinalar, por nos faltar um dos objectos da comparação. E a considerar-se que é para o sector dos empreendimentos imobiliários mostra-se patente a diferença entre os serviços abrangidos pelo registo anulando e a marca da actividade que o recorrente pretende defender.
    
    5.8. Sendo de concluir, como concluiu a Mmo Juíza a quo, enquanto disse:
    “Assim, há que comparar os serviços a que a marca da Ré se destina e os serviços ou produtos onde a marca do Autor é aposta.
    Está assente que a marca n° N/18592 da Ré é registada para assinalar serviços compreendidos na classe 42, nomeadamente os elencados no alínea B) dos factos assentes. No que diz respeito à marca do Autor, apenas ficou provado que o Autor adopta como sua marca e imagem o seu apelido B. Nada dos factos provados nos indica quais são os produtos ou serviços a que a marca se destina, como muito bem salienta a Ré. Ora, isto torna impossível concluir pelo preenchimento ou não do requisito da identidade ou afinidade dos produtos a assinalar, por nos faltar um dos objectos da comparação.
    É, então, destituído de interesse debruçar-se sobre os demais requisitos. É que, mesmo que se venha a concluir que a marca do Autor é notoriamente conhecida em Macau e que há semelhança entre as marcas que induza o consumidor em erro ou confusão (o que não é fácil face ao desconhecimento quanto a que produtos ou serviços se destina a marca do Autor), nunca a pretensão do Autor poderá proceder com fundamento na imitação ou reprodução da sua marca por parte da Ré.
    Assim, não pode proceder o pedido de anulação da marca da Ré com fundamento na violação da marca alegadamente notória do Autor.”
    
    6. Há, depois, um outro aspecto que parece impressionar à primeira vista.
    Trata-se do facto enfatizado em maiúsculas, na transcrição acima feita, e se prende com o facto de a recorrente saber que estava a copiar o nome e a marca do A.
    Não nos esquecemos que, ainda há bem pouco tempo, um facto dessa natureza, mas não só ele, foi fundamento de anulação no processo n.º 714/2010, de 19 de Janeiro, deste Tribunal, aí se relevando o facto de actuação da empresa que registou a marca, para além da cópia, ter pretendido com tal conduta enganar a clientela.
    Já acima, a propósito da má-fé, nos pronunciámos sobre este assunto e não deixaremos de o fazer quando nos ocuparmos da pretensa concorrência desleal.
    Não se deixa, contudo, de anotar que o facto de ter ficado provado que a recorrida estava ciente de que estava a fazer uma cópia da marca do recorrente, não obsta ao entendimento supra referido, pois que os fundamentos de anulação dos registos de marcas estão indicados taxativamente no artigo 230º do Código de Propriedade Industrial e deles não consta a má fé, não se devendo ter esta como fundamento autónomo de anulação do registo de marca.11
    
    7. Da Convenção de Paris
    7.1. A questão relativa à eventual violação da Convenção de Paris também já foi abordada a propósito da notoriedade da marca.
    Diz o recorrente que no tratamento jurídico da questão da marca da R., de conteúdo manifesto ilícito e usurpador, convém ainda referir que a tutela jurídica da questão não se limita apenas às regras do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, merecendo ainda a sua marca a protecção concedida pelo Direito Internacional.
    
    7.2. Ainda aqui nada de novo em termos de algum pressuposto que se autonomize em relação aos requisitos acima tratados
    Continua o recorrente a confundir o seu nome com a marca, dando como assente que detém uma marca notória. É esse o ponto de divergência quanto à integração desse pressuposto.
    Reitera que os serviços estavam claramente descriminados e constam da matéria provada - serviços de hotelaria, restauração, imobiliário e jogos em casino. Sendo apenas relevantes, nos presentes autos, os dois primeiros porque a marca impugnada está registada na Classe 42 (que corresponde actualmente à Classe 43, em virtude de em Macau se ter substituído a 7ª Convenção de Nice sobre Classificação de Produtos e Serviços pela 8ª Convenção).
    
    7.3. Perante esta alegação, lendo e relendo a matéria de facto acima transcrita não conseguimos identificar quais as marcas que se individualizam e se distinguem sob a denominação “B” em relação a concretos e específicos produtos e serviços. Em particular aos de restauração, hotelaria e serviços com estas relacionados.
    A única aproximação - pois que não pode ser a actividade literária, produção de programas televisivos, construção imobiliária, exploração de casinos, empresa de viagens - a única que pode ter alguma conexão é a de serviços de operações e gestão de casinos/hotéis, ficando-se mesmo assim sem saber se essa gestão se traduz na prestação de serviços de restauração e hotelaria.
    
    7.4. Mas sob que marca registada? B, A, B Entertainment, B Entertainment Resorts? Não se deixa de ter presente a resposta ao quesito 3º da Base Instrutória, evidenciando-se que o A. adoptou como sua marca e imagem o seu apelido “B”, mas da matéria da facto assente esse registo, qua tale, não se mostra comprovado.
    Ao contrário do que o recorrente afirma, as dúvidas da Mma juíza afigura-se legítimas e não deixam também de ser as nossas.
    
    8. Da concorrência desleal
    8.1. Vamos então tratar agora da questão relativa à concorrência desleal.
    Sobre isto, basicamente diz o recorrente que o bem jurídico que aqui se procura acautelar é o nome do A. que constitui simultaneamente uma marca notória registada em vários países e regiões, incluindo Macau. Não releva apenas este interesse distintivo ou identificador da marca, mas igualmente o facto de sob a sua cópia se ter deliberadamente organizado por parte da R. e dos seus sócios um comércio. Daí relevar também a protecção de concorrência desleal em relação à actividade prosseguida pela R..
    Deixando de lado a questão relativa à notoriedade da marca, pois que se ela se verificasse o dissídio estaria já resolvido, importa analisar se ocorre uma concorrência desleal por parte da recorrida.
    
    8.2. O Regime Jurídico da Propriedade Industrial da RAEM consagrou como fundamento de recusa o reconhecimento de que deve ser vedado ao requerente do registo de uma marca o exercício de concorrência desleal e que esta é possível independentemente da sua intenção - cfr. art.º 9.º, n.º 1, alínea c), do RJPI.
    E nos termos do artigo 158º do Código Comercial, constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência que objectivamente se revele contrário às normas e aos usos honestos da actividade económica.
    Presume-se que o acto é praticado com fins concorrenciais quando, pelas circunstâncias em que se realize, se revele objectivamente idóneo para promover ou assegurar a distribuição no mercado dos produtos ou serviços do próprio ou do terceiro - artigo 156º, n.º 2 do Código Comercial.
    
    8.3. A lei não descreve as situações que podem configurar concorrência desleal - ao contrário do que acontece em termos de Direito Comparado com o art. 317º do CPI de Portugal -, destacando-se na doutrina, exemplificativamente, situações integrantes dessa figura.
    
    Assim, são indicadas, a título de exemplo, na Doutrina e na Lei comparadas, as seguintes: situação objectiva de concorrência desleal por confusão de produtos (mas já não confusão de marcas que é uma situação que remete para outro fundamento de recusa com pressupostos próprios); pedido de registo de uma marca de facto usada há mais de seis meses por um outro concorrente (tendo em conta que dentro do prazo de seis meses o titular da marca de facto goza do direito de prioridade para efectuar o registo); pedido de registo de uma marca cujo registo haja sido pedido num dos países da Convenção da União de Paris por um outro concorrente que tenha cumprido o prazo de prioridade de seis meses para o pedido do registo na RAEM previsto no art.º 4º C-1 da Convenção de Paris; pedido de registo de marca que contenha o nome ou insígnia, não registados, de um estabelecimento comercial muito conhecido; pedido de registo de uma marca feito com intenção malévola de evitar o pedido iminente (e não ignorado) do registo da mesma marca por parte de um concorrente; pedido de registo de uma marca que, de modo ardiloso como é apresentada, é susceptível de induzir em erro o consumidor; falsas afirmações ou indicações de qualidade, de crédito ou reputação próprios, com o fim de beneficiar do crédito e reputação alheios.12
    
    8.4. Um acto de concorrência desleal pressupõe um acto de concorrência, que seja contrário às normas e usos honestos, que respeite a qualquer ramo de actividade económica.
    Um acto de concorrência será aquele que possa influenciar a clientela, influir sobre as opções no mercado. Há acto de concorrência sempre que uma empresa procura obter uma posição favorável na concorrência, embora tal se faça em detrimento das restantes. E a existência de concorrência não deixa de ser saudável no mundo dos negócios, dela beneficiando os empreendimentos, por via dela se melhorando a qualidade e a competitividade, bem como o consumidor.
    Mas a concorrência tem de ser leal e honesta.
    8.5. Flui da norma, como se realça também na sentença recorrida, do artigo 9°, n° 1, c), do RJPI que o que se reprime é a distorção ou susceptibilidade de distorção do mercado e não intenções subjectivas dos operadores económicos sem qualquer projecção no mercado onde operam. A concorrência desleal não tem por objecto impor certo padrão de moralidade empresarial abstracta sem relevância e projecção no mercado em presença.
    
    O facto de a ora recorrida poder vir a beneficiar do investimento feito pelo A., facto não provado, poderia consubstanciar, efectivamente, o fundamento previsto na alínea c) do n.º 1 do art.º 214.º, qual seja, o de pretender tirar partido indevido do prestígio do prestígio da marca pertencente a outrem e do investimento por este feito.
    
    8.6. No caso em apreço não pode o recorrente invocar a violação dos referidos princípios, nem sequer em nome de eventual concorrência desleal, não se tendo comprovado, por um lado, que a ré tenha comercializado o que quer que fosse em Macau com a intenção de, através do registo em Macau, induzir em erro os consumidores, obtendo proveito desse erro e prejudicando propositadamente o recorrente, ou se tenha provado que o recorrente vendeu os seus produtos em Macau, era titular de qualquer quota de mercado em Macau e realizou em Macau qualquer campanha publicitária ou actividade de promoção das suas marcas e dos produtos que elas visam proteger.
    8.7. Está este Tribunal em crer que não há qualquer concorrência desleal, desde logo por se afigurar uma impossibilidade objectiva de concorrência.
    Como salienta a recorrida, limitou-se esta a abrir um snack-bar de kebabs, não viu o público afluir em massa à procura de um nome com especial capacidade de atracção de clientela - na verdade, não sabemos se é como afirma.
     Por outro lado, o universo de clientela entre uma e outra parte é qualitativamente diferente, sendo que a clientela dos produtos e serviços do A., aqui recorrente, atira para uma elite ligada ao serviços de luxo e alta qualidade.
    Ainda aqui podemos estar a partir de um pressuposto que não seja real, mas, então, sempre devia o A. alegar, concretizar e provar a actividade concorrencial.
    Não basta dizer que a ré por usar a marca “B” está a retirar negócio, a aproveitar-se do negócio ou do investimento de outrem, a enganar clientela depois de a atrair sob uma falsa expectativa, enfim, a dizer que ela é desonesta; tudo isso tem de ser concretizado. E não deixa de perder sentido quando - e isto é um facto provado - o A. não exerce actividade na RAEM.
    
    9. 1. A propósito da sua presença comercial em Macau, recorre o A., com brilhantismo, reconhece-se, a uma construção de globalização da actividade económica, no fundo, para dizer que as actividades por si desenvolvidas acabam por se projectar em Macau.
    De entre as actividades empresarias prosseguidas pelo A., refere a autoria de vários livros dirigidos a empresários e homens de negócios [Resposta Q. 16] e a participação no programa televisivo The Apprentice foi retransmitido em Macau [Resposta Q. 18], O A. é pouco conhecido em Macau como autor, sendo os seus livros dirigidos apenas a alguns empresários e homens de negócios [Resposta Q. 16], sendo os seus livros igualmente comercializados nesta região do globo.
    Para mais o A. terá juntado aos autos prova documental de que negociou com empresários de Macau o licenciamento do seu nome para ser utilizado em empreendimentos locais (Contrato com a Melco Hotels and Resorts (Macau) Limited assinado em 11 de Janeiro de 2006 (doc.1 do requerimento de 11 de Junho).
    Pelo que se deve necessariamente concluir que, não obstante o A. não ter nenhum estabelecimento de portas abertas ao público, não deixa de oferecer em Macau os seus bens e serviços (em particular, os livros, o programa televisivo e os contratos de licenciamento em negociação) que demonstram uma actividade real, legítima e digna de tutela.
    
    9.2. Com todo o respeito, mas não assiste razão ao recorrente.
    Continua aqui o recorrente a ignorar a diferenciação entre a marca e o nome, este enquanto elemento da personalidade.
    
    E se a defesa dessa marca que é também o seu nome era assim tão importante, devia o A. tê-la registado para a classe em presença: tanto mais que procedeu a inúmeros registos na RAEM, tal como acima visto, não sendo de afastar o entendimento de que se deixou esta actividade de fora é porque não configurou aí a possibilidade de concorrência.
    E, interrogamo-nos, onde é que pode haver concorrência entre os livros, o programa televisivo e os alegados contratos de licenciamento para um empreendimento imobiliário em negociação e a actividade desenvolvida pela ré?
    Embora as normas do próprio Código Comercial não condicionem a aplicação do regime de concorrência desleal à exploração de qualquer actividade comercial em Macau, essa concorrência não pode deixar de ser materializada através de uma actividade concreta numa relação com outra que procura ocupar o mesmo espaço.
    
    10. Invoca ainda o recorrente o pedido de registo de A por parte da recorrida, desistindo dele entretanto, para elucidar sobre as más intenções comerciais da recorrida. E não somos ingénuos para não dizer que há aqui uma intenção de cópia e de utilização de uma marca, matéria, aliás, que vem comprovada. Só que essa prática, como dissemos já, não deixa de ser tolerada pela ordem jurídica e só as situações de engano e prejuízo de terceiros ou as situações de abuso de direito, que não podem deixar de ser comprovadas, são repudiadas pelo ordenamento jurídico interno e internacional.
    E não deixamos de referir que a questão do abuso de direito não vem equacionada.
    11. Da confusão
    11.1. Alega ainda o recorrente que o Tribunal a quo veio rejeitar a tutela de concorrência desleal por entender não existir confusão.
    A R. procurou mediante a adopção da marca impugnanda, aproveitar-se da reputação do A. para conquistar, consequentemente, uma mais abrangente carteira de clientes conhecedores da qualidade dos bens e serviços que habitualmente ostentam aquela marca "B". A R. pretendiam "colar" o nome e a marca do A. à sua actividade, como forma de obter lucro à custa de reputação alheia, com o risco (que não tem de ser efectivo) de ludibriar os consumidores que podem associar os produtos e serviços de R ao A ...
    
    11.2. Bom, sobre esta alegação, diremos tão somente duas coisas:
    Em primeiro lugar, não foi apenas com base nesse fundamento que se decidiu na 1ª Instância.
    Respiga-se da douta sentença recorrida quanto ali se exarou a este propósito, à guisa de conclusão:
    “... não se vislumbra que os consumidores locais ficaram ou poderão ficar afectados nomeadamente porque a produção e a venda foram ou serão artificialmente limitadas e a sua liberdade de escolha foi ou será posta em causa. A produção e a venda não foram nem serão artificialmente limitadas pelas razões já referidas na parte anterior. A liberdade de escolha dos consumidores também não ficou nem ficará em crise visto que o Autor é pouco conhecido em Macau, as várias áreas de negócio em que o Autor actua são fora de Macau e não tem qualquer expressão perante a comunidade local. Ora, isso é o suficiente para concluir que não houve nem pode haver qualquer confusão ou erro nos consumidores locais acerca da proveniência dos serviços fornecidos pela Ré dando-os como provenientes do Autor ou como associados à actividade deste.”
    Depois, quanto à argumentação invocada, dir-se-á que assim seria se o A. houvesse logrado provar quanto afirma.

12. Da violação do direito ao nome do A.
    12.1. Invoca ainda o recorrente a violação pela R. e seus sócios do disposto no artigo 82.° Código Civil, nos termos do qual se determina que "toda a pessoa tem direito a ter um nome, a usar esse nome, completo ou abreviado, e a opor-se a que outrem o use ilicitamente para sua identificação ou outros fins"
    A R. usou ilicitamente o apelido do A. mediante a sua incorporação, sem autorização do A., na composição da marca impugnada, pelo que o A. pode agora opor-se a esse uso.
    Pede, a final, que a R. seja condenada a pagar ao A. uma indemnização a título de danos não patrimoniais sofridos, por cada ano completo ou fracção decorrida desde a citação da R. até efectiva cessação da lesão dos direitos do A., no valor que se vier a liquidar em sede própria.
    
    12.2. A este propósito consignou-se na sentença recorrida que
    “... além de ser seu apelido, a palavra B significa trunfo, naipe que prevalece aos outros, pessoa de confiança, amigo fiel, trompa, trombeta, cometa, conertada, trunfar, tomar com trunfo, superar e ultrapassar - cfr. Novo Michaelis Dicionário Ilustrado, 38ª edição, 1985, Vol. I.
    Assim, não se vislumbra fundamento para o Autor poder pretender o uso exclusivo da palavra B impedindo que os outros a utilizem na sua actividade económica.
    (...)
    nada de ilícito há no registo da marca da Ré. Como a protecção a que se refere o artigo 82° do CC pressupõe a ilicitude do acto, não se pode proibir o uso da palavra B que, aliás, é uma palavra comum quiçá apelativa por força do seu significado para ser usado na actividade económica.”
    Na parte decisória da sentença não foi admitida a ampliação do pedido formulada pelo A., ampliação essa formulada em sede de alegações finais, antes de proferida a sentença.
    
    12.3. E o que resulta das alegações ora produzidas é que, embora o recorrente continue a insistir no pedido indemnizatório, o certo é que não impugna o decidido quanto a essa matéria.
    
    12.4. De qualquer modo, tem-se essa ampliação por extemporânea pela razão simples de que o pedido de indemnização não constitui o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, não sendo aí equacionada essa violação específica (do direito ao nome), não obstante a confusão já acima assinalada entre o uso do nome do A., pessoa famosa, e o uso da sua marca ou marcas - cfr. art. 217º, n.º 2 do CPC.
    Em qualquer caso, somos a entender que o uso da palavra isolada “B” numa determinada marca, por si só, em termos comerciais, no condicionalismo concretamente apurado, não constitui fundamento para por si só para integrar os indispensáveis pressupostos geradores da responsabilidade civil, seja por inverificação da ilicitude, seja por não comprovação do dano (que não a quantificação, visto o pedido de liquidação em execução de sentença).
    
    13. Formula ainda o requerente um pedido de renovação da prova.
    Não observa, contudo, os condicionalismos decorrentes dos artigos 629º, n.º 1, a) e 599º, n.º 1 e 2 do CPC, pelo que não se vê sobre que concretos pontos deva incidir a reapreciação do julgamento.
    Face aos elementos citados e supra analisados, em conformidade com os elemento disponíveis e que serviram de fundamentação fáctica ao que julgado foi, não se mostra que as conclusões a que a Mma Juíza chegou sejam de algum modo infirmadas pelo análise levada a cabo por este Tribunal
    
    Tudo visto e ponderado, o recurso não deixará de improceder.
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento aos recursos, confirmando as decisões recorridas.
    Custas pelo recorrente.
Macau, 8 de Março de 2012,

João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Carlos Olavo, in ob. cit., pág. 55
2 - Ferrer Correia, in ob. cit., pág. 338
3 - Revista pelo Acto de Estocolmo de 14 de Julho de 1967 e alterada em 2 de Outubro de 1979, vigente no ordenamento jurídico da R.A.E.M. , tendo sido notificada a entidade depositária pelo representante da R.P.C. em 30/Nov./1999 (segundo dados fornecidos pelo G.A.D.I, com actualização em 4/6/2002); o que decorre ainda do RJPI e do próprio Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio – TRIPS no âmbito do Acordo que instituiu a OMC publicado no BO de 26/2/96.Os acordos internacionais previamente em vigor em Macau, em que a República Popular da China não é parte, podem continuar a aplicar-se na R.A.E.M (parágrafo 2 do artigo 138º da Lei Básica) pressupondo-se a notificação respectiva por parte da Governo da RPC.
4 - Oliveira Ascensão, ob. cit, pág. 148
5 - Revisto em Bruxelas em 14 de Dezembro de 1900, em Washington em 2 de Junho de 1911, em Haia em 6 de Dezembro de 1925, em Londres em 2 de Junho de 1934 e em Nice em 15 de Junho de 1957. Não obstante a sua extensão a Macau, o Acordo de Madrid relativo ao Registo Internacional das Marcas após parecer favorável da AL (cfr. Resolução 25/98/M da Assembleia Legislativa), o Acordo de Madrid não estará em vigor na RAEM, por falta da respectiva notificação do Governo da R.P.C. à entidade competente.
6 - cfr. RLJ 89/23,
7 - Lições de Direito Comercial (1985), vol. I, pág. 357
8 - Pinto Coelho - RLJ 84, 131
9 - Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, pág. 243

10 - cfr. Carlos Olavo, Propriedade Industrial,. I, 2ª edição, 2005, pg. 96
11 - Ac. STJ, proc. 082929, de 02/01/94
12 - Art. 317º do CPI de Portugal e Couto Gonçalves, Dto de Marcas, 2000, 167
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98/2011 1/53