Processo nº 362/2011
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 01 de Março de 2012
ASSUNTO:
- Marca
- Capacidade distintiva
SUMÁRIO:
- A marca é um sinal distintivo de produtos e serviços de uma empresa dos de outras empresas, cuja constituição, em princípio, é livre, podendo ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais nominativos, fonéticos, figurativos ou emblemáticos, ou por uma e outra coisa conjuntamente, bem como pelo formato de um produto ou da respectiva embalagem (artº 197º do RJPI).
- Todavia, esta liberdade de composição da marca não é ilimitada.
- Não pode ser exclusivamente composta por sinais ou indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, o lugar de origem, a época de produção dos produtos ou que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio (artº 199º do RJPI).
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 362/2011
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 01 de Março de 2012
Recorrente: A
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença de 02/02/2011, decidiu-se julgar improcedente o recurso da ora recorrente, mantendo o despacho proferido pela Chefe de Departamento de Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia que recusou a concessão do registo da marca nº N/42594, para a classe 28ª.
Dessa decisão vem recorrer a Recorrente, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
I. Vem o presente Recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base em 02 de Fevereiro de 2011, que negou provimento ao recurso judicial apresentado pela ora Recorrente relativamente ao Despacho da Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços da Economia que recusou a concessão do registo da marca N/42594 (FORTUNE 3 CARD POKER), para a classe 28ª.
II. Salvo devido respeito por melhor opinião, a sentença ora em recurso é nula por se reputar completamente omissa no que tange à matéria considerada provada ou não provada.
III. Nenhum do factos alegados pela ora Recorrente ou pela entidade recorrida foram objecto de decisão por parte do Douto Acórdão recorrido, não se pronunciando o mesmo sobre os factos que considerasse provados e mesmo aqueles que considerasse como não provados.
IV. Os comandos contidos no art. 562°, nº 3 do CPC não é inócuo: com ele se pretende que o Tribunal através da sentença dê a conhecer às partes aqueles factos em que firmou a sua convicção.
V. Não o tendo feito, a douto Sentença recorrida é nula, por absoluta falta de fundamentação de facto, nos termos previstos nos arts. 108°, nº 1, 562°, nº 2 e 3, e art. 571°, nº 1, al, b) todos do CPC, o que se expressamente aqui se invoca para todos os efeitos legais.
VI. Ainda que assim não se entenda, mal andou o douto tribunal a quo ao concluir pela falta de capacidade ou eficácia distintiva da marca que a ora Recorrente pretende registar e pela falta de eficácia distintiva da marca registanda através de um sentido secundário.
VII. Os direitos de autor do jogo FORTUNE 3 CARD POKER foram adquiridos pela ora Recorrente aos respectivo inventor, sendo que tais direito de autor foram já inclusive registados na Republica Popular da China.
VIII. O jogo FORTUNE 3 CARD POKER é exclusivamente comercializado pela ora Recorrente em todo o Mundo e, particularmente na RAEM e face ao sucesso e boa receptividade que o referido jogo tem por parte do público de todo o Mundo, as concessionárias e subconcessionárias da exploração de jogos de fortuna ou azar na RAEM quiseram importar e passar a explorar o mesmo nos seus casinos, adquirindo o jogo e pagando a respectiva licença à ora Recorrente.
IX. As concessionárias e subconcessionárias de jogo de Macau solicitaram ao Secretário de Economia e Finanças que autorizasse a exploração do jogo FORTUNE 3 CARD POKER e aprovasse o seu regulamento, o que veio a suceder através do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 78/2008, donde expressamente consta que tal autorização/aprovação foi concedida na sequência das solicitacão das concessionárias e subconcessionárias da exploração de jogos de fortuna ou azar da RAEM.
X. A aprovação do jogo FORTUNE 3 CARD POKER através do aludido Despacho não retira à marca que a ora Recorrente pretende registar a virtualidade de ser susceptível de protecção.
XI. O tipo de jogo FORTUNE 3 CARD POKER só foi autorizado e aprovado pelas entidades competentes, por que ele foi inventado e é comercializado em todo o Mundo pela ora Recorrente e porque as concessionárias e subconcessionárias da RAEM o quiseram introduzir nos seus casinos, e não o contrário.
XII. A ora Recorrente não pretende registar a marca ora em questão aproveitando-se do facto da exploração do jogo que a mesma pretende distinguir ser autorizado em Macau.
XIII. Mesmo após a autorização e aprovação do referido jogo, a Recorrente continua e continuará a ser a única entidade a fornecer o referido jogo às concessionárias e subconcessionárias de jogo em Macau, já que é a titular dos direitos de autor desse mesmo jogo.
XIV. Não estamos perante um caso de apropriação de uma expressão ou sinal cujo uso se vulgarizou ou poderá vulgarizar e nem de uma denominação genérica indispensável à identificação de mercadorias ou necessárias para a identificação das suas qualidades e funções.
XV. O FORTUNE 3 CARD POKER é efectivamente um jogo de cartas que constitui uma variante do jogo de cartas de Poker de 3 cartas, que por si só constitui já uma variante do jogo de cartas de Poker, tem regras próprias, foi adquirido pela ora Recorrente ao seu inventor e é comercializado em todo o Mundo unicamente pela ora Recorrente.
XVI. A marca FORTUNE 3 CARD POKER é adequada a distinguir o produto que a ora Recorrente presta dos comercializados por outras empresas, as quais são livre de introduzir no mercado outras variantes do jogo de cartas de poker.
XVII. A marca FORTUNE 3 CARD POKER é nova, uma vez que não é idêntica e nem semelhante a outra anteriormente registada para produtos iguais ou afins.
XVIII. Os vocábulos 3 CARD POKER que fazem parte da marca registanda são passíveis de identificar o produto em causa, ou seja, um tipo de jogo de poker de 3 cartas, e o vocábulo FORTUNE que faz parte da marca registanda constitui o seu elemento distintivo, ou seja, o elemento que diferencia o produto cuja marca a ora Recorrente pretende ver registada de todo e qualquer outro serviço idêntico ou semelhante que possa ser prestado por outras empresas, afastando assim, portal razão, a proibição prevista no artigo 199.º, n.º 1, b) do RJPI.
XIX. A ora Recorrente é titular da marca nominativa N/42595 (648), designada pela expressão 富貴三寶, para produtos da classe 28 - Jogos de fortuna e de azar, designadamente jogos de fortuna e de azar com cartas.
XX. A expressão chinesa富貴三寶tem o mesmo significado da marca ora em discussão, e é a expressão chinesa utilizada para identificar o jogo FORTUNE 3 CARD POKER, pelo que, não se descortina nenhum motivo pelo qual tenha sido admitido o registo da marca na sua versão chinesa e se venha agora negá-lo na sua versão inglesa.
XXI. Reconhecer-se o direito da ora Recorrente ao registo da marca ora em apreço não implica nem uma violação dos direitos dos concorrentes da ora Recorrente e nem induz os consumidores em qualquer tipo de confusão, uma vez que, os concorrentes da ora Recorrente não poderão apropriar-se e comercializar produto igual, com a mesma denominação do ora em apreço, tendo em conta que ora Recorrente é a titular do direito de autor do jogo ora em questão, e os consumidores são conhecedores de que o jogo em apreço é um produto do comércio exclusivo da ora Recorrente.
XXII. Por outro lado, refere a sentença ora em recurso que a ora Recorrente não alegou que a marca registanda adquiriu já eficácia distintiva através de um sentido secundário (secondary meaning), no entanto, dos factos alegados nos artigos 16.°, 22.°, 23.°, 24.°, 31.° da petição inicial, resulta claro que a ora Recorrente também se quis valer do mencionado "secondary meaning" da marca registanda para afastar a legalidade do despacho que recusou o seu registo.
XXIII. O caso vertente deve ser qualificado como um caso denominado pela doutrina como de "Secondary Meaning", conforme previsto nos artigos 199.°, n.º 2 e 214.°, n.º 3 do RJPI, uma vez que, o nome FORTUNE 3 CARD POKER adquiriu já no segmento de mercado do jogo uma visibilidade, reconhecimento e imediata ligação à ora Recorrente.
XXIV. Qualquer operador/agente da indústria do jogo, em qualquer parte do Mundo, liga imediatamente o jogo FORTUNE 3 CARD POKER à ora Recorrente, dendo do conhecimento geral de todo o público que o mesmo é um produto exclusivo do comércio da ora Recorrente.
XXV. Os sinais que constituem a marca registanda estão totalmente associados à Recorrente e o seu direito de registo nasce quer do seu uso exclusivo, quer da capacidade distintiva originária decorrente da sua criação.
XXVI. Foi por o jogo ora em apreço ter sido introduzido na RAEM pela ora Recorrente que o mesmo mereceu ser contemplado em termos legislativos neste território, não sendo necessário o "exercício" de "abandono" do seu significado descritivo primário, que não existe!
XXVII. Não é pelo facto do jogo ora em apreço estar regulamentado em diploma legal, que a expressão/denominação FORTUNE 3 CARD POKER se deve considerar como de uso vulgar e generalizado e passível de ser apropriável por todos os operadores do mesmo sector comercial em prol de uma sã e livre concorrência, uma vez que, tal expressão é imediatamente ligada pelos consumidores do jogo à ora Recorrente, corresponde a um jogo que é uma variante de um jogo já existente, inventado por alguém que posteriormente vendeu a sua invenção à ora Recorrente, e em relação ao qual a ora Recorrente é titular dos direitos de autor.
XXVIII. A decisão ora em recurso incorre, assim, em erro na aplicação do direito, já que, face aos fundamentos supra aduzidos, deveria antes ter sido reconhecido o direito da ora Recorrente em registar a marca ora em apreço nos exactos termos requeridos, uma vez que a marca registada preenche e obedece ao disposto no artigo 197.° do RJPI e não caí no âmbito de nenhuma das exclusões previstas no artigo 199.° do mesmo diploma legal, nomeadamente na prevista na alínea b).
XXIX. A sentença recorrida violou as seguintes disposições legais: artigos arts. 108°, nº 1, 562°, nº 2 e 3, e art. 571°, nº 1, al. b) todos do CPC e 197.°, 199.°, n.º 1 alínea b) e n.º 2, artigo 201.°, e 9.°, n.º 1 alíneas a) e c), todos do Regime Jurídico da Propriedade Industrial.
Pedindo no final que seja revogada a decisão recorrida, e substituída por outra que autorize o registo da marca N/42594.
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A Direcção dos Serviços de Economia respondeu à motivação do recurso da ora recorrente, nos termos constantes a fls. 94 a 99 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso ora interposto.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
- A Recorrente é uma sociedade, constituída em Las Vegas, EUA, que dedica nas actividades de entretenimento e produção de equipamentos para os jogos de fortuna e azar.
- A expressão “FORTUNE 3 CARD POKER” vem dum jogo de fortuna e azar de 3 cartas, jogado nos casino.
- Em 2000, a Recorrente comprou ao Sr. XXX e sua companhia XXX o jogo “FORTUNE 3 CARD POKER”, incluindo o seu direito de autor inerente.
- Em 2004, a Recorrente constituiu em Macau a sua subsidiária denominada “A”, com objecto social de venda, aluguer e distribuição de equipamentos de jogos e produtos para casinos.
- Com a entrada em vigor do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças, DESSEF nº 78/2008, de 20 de Junho, o jogo “FORTUNE 3 CARD POKER” passou a ser explorado nos casinos de Macau, e os operadores dos casinos em Macau onde exploram o mesmo jogo passaram a pagar a respectiva taxa de licença à Recorrente, titular do direito de autor sobre o mesmo.
- Em 15/04/2009, a recorrente requereu o registo da marca N/42594, composta pela expressão “FORTUNE 3 CARD POKER”, junto à Direcção dos Serviços de Economia (DSE).
- Por despacho da Chefe do Departamento de Propriedade Industrial da DSE, de 02/12/2009, foi recusado o pedido do registo.
- Inconformada, a recorrente interpôs, em 08/02/2010, o respectivo recurso judicial.
- Por sentença de 02/02/2011, foi julgado improcedente o recurso judicial, mantendo a decisão recorrida.
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III – Fundamentos
O presente recurso consiste em saber se a marca N/42594 possui capacidade distintiva, susceptível de ser objecto de protecção pelo registo.
Como se sabe, a marca é um sinal distintivo de produtos e serviços de uma empresa dos de outras empresas.
A constituição da marca, em princípio, é livre. Pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais nominativos, fonéticos, figurativos ou emblemáticos, ou por uma e outra coisa conjuntamente. Pode ser ainda composta pelo formato de um produto ou da respectiva embalagem (artº 197º do RJPI)
Todavia, esta liberdade de composição da marca não é ilimitada.
A lei estabelece, a este respeito, várias restrições, uma das quais é justamente a constituição da marca tem de ser dotada de eficácia ou capacidade distintiva.
Assim, a marca não pode ser exclusivamente composta por sinais ou indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, o lugar de origem, a época de produção dos produtos ou que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio (artº 199º do RJPI).
Referem-se aqui, nas palavras do Prof. Ferrer Correia, os chamados sinais descritivos dos produtos.
Para o mesmo autor, os sinais descritivos dos produtos só não poderão preencher, de per si, o conteúdo da marca se forem usados sem modificação. A proibição já não valerá quando, através de alterações gráficas e fonéticas, se lhes atribua um conteúdo original e distintivo.
No caso em apreço, a marca em causa é composta simplesmente por caracteres “FORTUNE 3 CARD POKER”.
Ora, como bem observou o tribunal a quo que “a marca registanda é igual ao nome por que é conhecido um jogo de cartas de fortuna e azar e foi pedida para a classe 28ª, onde se compreendem os jogos. A marca em apreciação é composta por sinais – palavras e número – que designam o referido jogo. Além disso é também parcialmente descritiva do jogo em causa, “dizendo” que é póquer de três cartas. Deste modo, a marca registanda é, toda ela, composta por sinais que designam apenas características de bens: a sua espécie e o seu nome. E acresce que a espécie e nome designados pelos sinais que compõem a marca registanda são de um bem que pertence ao grupo daqueles que a marca se destina a assinalar”.
Aliás, como a própria recorrente confessa que a expressão “FORTUNE 3 CARD POKER” “é exactamente o nome dum jogo de 3 cartas”.
Assim sendo, a referida expressão não possui eficácia ou capacidade distintiva, por apenas conseguir identificar a espécie do jogo, pelo que não pode, só de per si, preencher a composição da marca nos termos dos artºs 197º e 199º do RJPI.
Defende a recorrente que a marca registanda ainda que fosse composta por elementos descritivos do produto, os mesmos já adquiriram um sentido secundário (secondary meaning) que permite distinguir os produtos a que a marca registanda se destina.
Não nos parece que a expressão de “FORTUNE 3 CARD POKER” tenha adquirido a capacidade distintiva, já que a ideia que ressalta desde logo com a referida expressão é justamente o tipo de jogo de cartas em causa, e não os produtos a que a marca registanda se destina.
Alega a recorrente que é titular da marca registada N/42595, composta pela expressão chinesa “富貴三寶”, que é a versão chinesa da marca ora registanda.
Nesta conformidade, entende que “não se descortina nenhum motivo pelo qual tenha sido admitido o registo da marca na sua versão chinesa e se venha agora negá-lo na sua versão inglesa”.
Mas não lhe assiste a razão.
Em primeiro lugar, o jogo de 3 cartas em que a recorrente goza o direito de autor é conhecido por “FORTUNE 3 CARD POKER”, não tendo o seu nome oficial em chinês.
Repare-se, a versão chinesa do Despacho nº 78/2008 do Secretário para Economia e Finanças, de 20/06/2008, que regulamenta o jogo de cartas “FORTUNE 3 CARD POKER”, continua utilizar o seu nome inglês originário, sem qualquer tradução para chinês (fls. 15 do processo do pedido do registo da DSE).
Por outro lado, a marca registada N/42595, composta pela expressão chinesa “富貴三寶” não tem um sentido idêntico como pretendido pela recorrente, já que a tradução literal da referida expressão em inglês, salvo melhor tradução, é “Fortune 3 Treasures”, não tendo portanto qualquer sentido de jogo de 3 cartas, daí que uma pessoa de diligência média não iria associá-la desde logo com o jogo de 3 cartas em causa.
Quanto à questão de saber se existir a eventual concorrência desleal por parte da recorrente, como a sentença recorrida não tratou desta questão, não nos cabe aqui a sua apreciação.
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Tudo ponderado, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao presente recurso, confirmando a sentença recorrida.
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Custas pela Recorrente.
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Notifique e registe.
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RAEM, aos 01 de Março de 2012.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
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362/2011