Processo n.º 492/2011 Data do acórdão: 2012-3-8 (Autos de recurso penal)
Assuntos:
– suspensão da execução da prisão
– art.o 48.o, n.o 1, do Código Penal
– crime de furto
S U M Á R I O
Como a experiência anterior da arguida recorrente no cumprimento de penas de prisão efectiva não lhe conseguiu evitar a prática do crime de furto simples por que vinha condenada nesta vez, não é possível agora concluir, para efeitos eventualmente a relevar do disposto no art.o 48.o, n.o 1, do vigente Código Penal, que a simples censura dos factos e a ameaça da prisão de sete meses imposta na sentença ora recorrida já consigam realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades de punição, sobretudo na vertente de prevenção especial de crime.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 492/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A (XXX)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com a sentença proferida a fls. 329 a 334 dos autos de Processo Comum Singular n.° CR4-10-0419-PCS do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que a condenou como autora material de um crime consumado de furto, p. e p. pelo art.o 197.o, n.o 1, do vigente Código Penal (CP), na pena de sete meses de prisão efectiva, e na obrigação de indemnizar a loja ofendida pela quantia de MOP307,60 (trezentas e sete patacas e sessenta avos), com juros legais, veio a arguida A, aí já melhor identificada, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, para rogar a redução do período da sua pena a cinco meses ou a menos de cinco meses, com simultaneamente almejada suspensão da execução da pena possivelmente pelo período máximo de cinco anos, por entender não ter o Tribunal a quo ponderado todas as circunstâncias que a ela fossem favoráveis em sede da medida da pena (tais como a sua confissão integral e sem reservas dos factos e o valor diminuto da coisa furtada e o facto de ela ter praticado o furto apenas por precisar de dinheiro para comprar droga), nem ter aplicado devidamente o art.o 48.o do CP (cfr. a motivação do recurso de fls. 347 a 350 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Ministério Público (a fls. 354 a 358) no sentido materialmente de improcedência da argumentação da recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fl. 367 a 367v), pugnando pela rejeição do recurso por este se lhe afigurar manifestamente improcedente.
Feito subsequentemente o exame preliminar (em sede do qual se entendeu dever o recurso ser rejeitado em conferência por manifestamente improcedente) e corridos os vistos legais, cumpre agora decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Fluem da matéria de facto já descrita como provada no texto da sentença recorrida (concretamente, nas suas páginas 3 a 7, ora a fls. 330 a 332 dos autos), não impugnada pela própria arguida recorrente, os seguintes elementos fácticos pertinentes à decisão do recurso:
– em 26 de Março de 2010, cerca das 10:40 da manhã, a arguida tirou umas mercadorias colocadas na prateleira da loja de conveniência “7-Eleven”, da Rua do Campo de Macau, com o preço total de MOP$307,60, e escondeu as mesmas na mala de mão que trouxe consigo na altura;
– a arguida saiu da loja sem ter pago tais mercadorias, e apropriou-se das mesmas;
– a arguida agiu livre, consciente e voluntariamente;
– a arguida tem por habilitações literárias a 5.a classe do ensino primário, é desempregada e recebe MOP2.640,00 de pensão de assistência, e vive sozinha;
– de acordo com o certificado de registo criminal então junto aos autos, a arguida não é delinquente primária:
– em 27 de Maio de 1999, foi condenada no Processo n.o 2824/97 (4.a Secção), pela prática de um crime de detenção de droga do art.o 23.o, alínea a), do Decreto-Lei n.o 5/91/M, em MOP1.000,00 de multa, pena essa já cumprida;
– em 22 de Fevereiro de 2000, foi condenada no Processo n.o 126/99 (3.a Secção), pela prática de um crime de detenção de utensilagem do art.o 12.o do Decreto-Lei n.o 5/91/M, em MOP2.000,00 de multa, pena essa que ulteriormente foi objecto de cúmulo jurídico feito no Processo n.o PCS-072-00-3 (actualmente n.o CR1-00-0008-PCS);
– em 28 de Julho de 2000, foi condenada no Processo n.o CR4-00-0005-PCC (inicialmente n.o CR1-00-0005-PCC ou PCC-020-00-1), pela prática de um crime de traficante-consumidor e de um crime de detenção de utensilagem, na pena única de oito meses de prisão efectiva, pena essa que ulteriormente foi objecto de cúmulo jurídico feito no Processo n.o PCS-072-00-3 (actualmente n.o CR1-00-0008-PCS);
– em 17 de Outubro de 2000, foi condenada no Processo n.o PCC-045-00-4, pela prática de um crime de traficante-consumidor e de um crime de detenção de utensilagem, e, em cúmulo jurídico das respectivas penas com o aplicado no Processo n.o PCC-020-00-1, finalmente na pena única de 20 meses de prisão efectiva, pena essa que ulteriormente foi objecto de cúmulo jurídico feito no Processo n.o PCS-072-00-3 (actualmente n.o CR1-00-0008-PCS);
– em 13 de Março de 2001, foi condenada no Processo n.o CR1-00-0008-PCS (inicialmente n.o PCS-072-00-3), pela prática de um crime de detenção de utensilagem e de um crime de detenção de estupefaciente para consumo, na pena única de três meses de prisão efectiva, pena essa que ulteriormente foi objecto de cúmulo jurídico com o aplicado no Processo n.o CR4-00-0005-PCC (inicialmente n.o CR1-00-0005-PCC ou PCC-020-00-1), no Processo n.o PCC-045-00-4 e no Processo n.o 126/99 (3.a Secção), tendo ficado condenada finalmente na pena única de 25 meses de prisão efectiva, que foi cumprida;
– em 24 de Julho de 2004, foi condenada no Processo n.o CR2-04-0117-PSM (inicialmente n.o PSM-066-04-5), pela prática de um crime de detenção de estupefaciente para consumo e de um crime de detenção de utensilagem, na pena única de seis meses de prisão efectiva, que foi cumprida;
– em 27 de Julho de 2005, foi condenada no Processo n.o CR2-05-0133-PSM, pela prática de um crime de consumo, na pena de 80 dias de prisão efectiva, pena essa que ulteriormente foi objecto de cúmulo jurídico com o aplicado no Processo n.o CR3-04-0098-PCC;
– em 29 de Julho de 2005, foi condenada no Processo n.o CR3-04-0098-PCC (inicialmente n.o PCC-092-04-3), pela prática de um crime de tráfico de quantidades diminutas e de um crime de detenção de estupefaciente para consumo pessoal, na pena única de um ano e quatro meses de prisão efectiva com MOP3.000,00 de multa, punição essa que ulteriormente foi objecto de cúmulo jurídico com o aplicado no Processo n.o CR2-05-0133-PSM, tendo ficado finalmente condenada na pena única de um ano e seis meses de prisão efectiva com MOP3.000,00 de multa, punição final essa que posteriormente veio a ser objecto de cúmulo jurídico operado no Processo n.o CR3-05-0387-PCS;
– em 29 de Setembro de 2006, foi condenada no Processo n.o CR3-05-0387-PCS, pela prática de um crime de tráfico de quantidades diminutas e de um crime de detenção de estupefaciente para consumo, e em cúmulo jurídico das respectivas penas com o aplicado no Processo n.o CR3-04-0098-PCC e no Processo n.o CR2-05-0133-PSM, na pena única de dois anos e três meses de prisão efectiva com MOP8.000,00 de multa, punição essa que posteriormente veio a ser objecto de cúmulo jurídico operado no Processo n.o CR4-06-0036-PCS (inicialmente n.o CR1-06-0112-PCS);
– em 16 de Fevereiro de 2007, foi condenada no Processo n.o CR4-06-0036-PCS (inicialmente n.o CR1-06-0112-PCS), pela prática de um crime de detenção de estupefaciente para consumo pessoal e de um crime de detenção de utensilagem, na pena única de sete meses de prisão efectiva, pena essa que ulteriormente foi objecto de cúmulo jurídico com o aplicado no Processo n.o CR3-04-0098-PCC (inicialmente n.o PCC-092-04-3), no Processo n.o CR3-05-0387-PCS e no Processo n.o CR2-05-0133-PSM, tendo ficado finalmente condenada na pena única de dois anos e sete meses de prisão efectiva com MOP8.000,00 de multa, punição essa que foi cumprida;
– em 28 de Março de 2008, foi condenada no Processo n.o CR2-07-0167-PCS, pela prática de um crime de detenção de estupefaciente para consumo pessoal e de um crime de detenção de utensilagem, na pena única de três meses e 15 dias de prisão efectiva, suspensa na sua execução por 18 meses;
– em 5 de Outubro de 2010, foi condenada no Processo n.o CR4-10-0061-PCS, pela prática, em 17 de Novembro de 2009, de um crime de furto simples, na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos, com regime da prova e obrigação de tirar o vício de droga;
– em 21 de Janeiro de 2011, foi condenada no Processo n.o CR3-10-0104-PCS, pela prática, em 26 de Outubro de 2008, de um crime de furto simples, na pena de sete meses de prisão efectiva, processo esse que se encontrava em fase de recurso;
– em 27 de Abril de 2011, foi condenada no Processo n.o CR1-10-0211-PCS, pela prática em co-autoria, em 30 de Janeiro de 2010, de um crime de furto simples, na pena de sete meses de prisão efectiva, processo esse que se encontrava em fase de recurso;
– em 19 de Maio de 2011, foi declarado extinto, por prescrição, o procedimento penal do Processo n.o CR3-09-0384-PCS, em que a arguida tinha sido acusada pela prática de um crime de tráfico de quantidades diminutas e de um crime de detenção de utensilagem para consumo de estupefaciente;
– a arguida confirmou a existência do ainda pendente Processo n.o CR1-11-0005-PCS, nele ficando acusada pela prática, em 11 de Março de 2010, de um crime de furto.
Outrossim, do teor da acta da audiência em julgamento em primeira instância (lavrada a fls. 327 a 328v), resulta que a arguida confessou sem reservas os factos acusados.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
No tocante ao primeiramente assacado exagero na medida da pena de prisão aplicada no processo penal subjacente pela prática de um crime consumado de furto simples, mostra-se patente que ante todos os elementos pertinentes já referidos na parte II do presente acórdão de recurso, e sob a égide sobretudo dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, a pena de sete meses de prisão, imposta à recorrente pelo Tribunal ora recorrido dentro da moldura da pena de prisão de duração de um mês a três anos, prevista legalmente (nas disposições conjugadas dos art.os 197.o, n.o 1, e 41.o, n.o 1, do CP) para o crime por que ela vinha condenada, já não pode admitir mais margem para redução, precisamente porque embora as mercadorias furtadas in casu sejam de valor diminuto, e a própria recorrente tenha confessado sem reservas os factos, o furto desta vez foi praticado depois do cometimento, em 17 de Novembro de 2009, de um outro furto simples, o que denota que o dolo na prática, em 26 de Março de 2010, do furto agora em questão, é de grau mais elevado, com a agravante de que nesta vez também são mais elevadas as exigências de prevenção especial deste crime.
Por fim, quanto à almejada suspensão da execução da pena, também não assiste razão à recorrente, porquanto se a sua experiência anterior no cumprimento de penas de prisão efectiva não lhe conseguiu evitar a prática do furto simples ora em causa, como é possível agora concluir, para efeitos eventualmente a relevar do disposto no art.o 48.o, n.o 1, do CP, que a simples censura dos factos e a ameaça da prisão já consigam realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades de punição, sobretudo na vertente de prevenção especial de crime?
Naufraga, assim evidentemente, o recurso.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em rejeitar o recurso, por manifestamente improcedente.
Custas pela arguida recorrente, com duas UC de taxa de justiça e três UC de sanção pecuniária (referida nomeadamente no art.o 410.o, n.o 4, do Código de Processo Penal), e mil e duzentas patacas de honorários a favor do seu Exm.o Defensor Oficioso, a adiantar, por ora, pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Comunique a presente decisão à loja ofendida, ao Juízo de Instrução Criminal (como resposta ao solicitado no ofício de fl. 399), e ao Processo n.o CR3-10-0104-PCS.
Macau, 8 de Março de 2012.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
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