Processo n.º 339/2011
(Recurso cível)
Data : 16/Fevereiro/2012
ASSUNTOS:
- Acidente de viação
- Concorrência de culpas; concausalidade
- Danos não patrimoniais
- Danos patrimoniais por perda de vencimentos
SUMÁRIO:
1. Há concorrência de culpas (30% para o peão e 70% para o condutor) se um peão atravessa a Av. da Amizade, tendo por perto um túnel bem assinalado, a menos de 50 metros do local do acidente, e é embatido por um taxista quando já se encontrava na parte final da travessia, não tendo este conseguido imobilizar o seu veículo no espaço livre e visível à sua frente, só o conseguindo a mais de vinte metros do local do embate.
2. Se o A. recorrente era uma pessoa saudável e deixou de o ser - caminhando com dificuldade e com a perna esquerda mais curta que a direita em cerca de 4cms; esteve longamente internado em hospitais e sujeito a tratamentos, sofrendo "dores terríveis"; esteve incapacitado totalmente para o trabalho durante 8 meses; foi demitido de funções importantes, não mais pôde exercer as funções de Secretário do Partido Comunista e Vice-Presidente da Comissão Económica de uma dada vila na China Interior e com projecção social e comunitária, que exercia em virtude do acidente, naturalmente um dos esteios da própria auto-estima individual, perdendo, consequentemente o salário que daí lhe advinha e as funções que lhe davam prazer executar; teve e tem dores terríveis; passou a caminhar com dificuldade e não pode permanecer de pé por muito tempo; sofreu de grande angústia ao longo de vários anos, mas também por não poder executar as funções profissionais que executava com "dignidade, brilho e distinção"; deixou de poder praticar qualquer actividade física porque não consegue estar muito tempo de pé e mal consegue correr; era um amante e praticante de desporto, tendo sido distinguido com vários prémios; e sofre física e animicamente por estes factos mas, essencialmente, por sentir que não é mais "a pessoa normal que era",
mostra-se adequada uma indemnização de MOP315.000,00 para o minimizar dos danos não patrimoniais sofridos, vista ainda a sua percentagem de culpa no acidente.
3. Na indemnização dos danos patrimoniais emergentes por lucros cessantes em virtude da perda de rendimentos do seu trabalho deve ponderar-se a incapacidade permanente parcial de que a vítima padece.
O Relator,
(João Gil de Oliveira)
Processo n.º 339/2011
(Recurso Cível)
Data: 16/Fevereiro/2012
Recorrentes: A e B (A 及 B)
Recorrida: Companhia de Seguros de Macau, S.A. (澳門保險股份有限公司)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A (A) e mulher B (B) , com melhores sinais nos autos,
vieram intentar acção ordinária contra
1º C (C),
2° D e F
3° Companhia de Seguros de Macau, S.A. (澳門保險股份有限公司), também com melhor identificação nos autos,
com os fundamentos apresentados constantes da petição inicial de fls. 2 a 13.
Concluíram pedindo que fosse julgada procedente por provada a presente acção e, em consequência, os RR. condenados a pagar aos AA. a quantia de MOP$1.165.277,00, e a quantia a liquidar no C.H.C.S.J. referente ao seu internamento e tratamento e à Autora a quantia de MOP$141.360,00.
Veio a ser proferida sentença, aí se tendo decidido:
“1. Condenar a Ré, Companhia de Seguros de Macau, S.A., a pagar ao Autor, A, a quantia de MOP$217.673,44;
2. Absolver a Ré dos restantes pedidos formulados pelo Autor, A;
3. Absolver a Ré do pedido formulado pela Autora, B.”:
A ( A ) e outra, AA. nos autos à margem referenciados, tendo interposto recurso da sentença de fls. 179 e segs., o qual foi admitido por despacho de fls. 195, vêm, nos termos do art. 613° n° 2 do C.P.C., apresentar as suas ALEGAÇÕES, dizendo em suma:
Não concordam os AA., ora recorrentes, com a decisão de fls. 179 e segs. porquanto, salvo o devido respeito, perante a matéria de facto assente; a decisão do processo-crime em que o 1º R. C ( C ) foi condenado (CR3-05-0317-PCS); e as demais provas constantes dos autos; o valor da condenação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo A. e os danos patrimoniais sofridos pelos AA., mostra-se exíguo.
O acidente teve como causa principal o grande descuido do 1º R ..
Perante este patente grande descuido do 1º R.; o facto de o A. recorrente não ser residente da R.A.E.M. - logo, diremos nós, desconhecedor dos eventuais perigos da avenida onde veio a ser atropelado e da existência da passagem subterrânea para atravessamento da mesma - ; o facto de o 1º R. ter sido condenado no processo-crime supra referido - exactamente porque não conduziu o seu veículo com o devido cuidado e não regulou a velocidade do mesmo às circunstâncias do lugar - vindo a colher o A. já quase na parte final do atravessamento da rua; e, ainda, porque a actividade rodoviária é uma actividade perigosa, exigindo dos condutores um redobrado cuidado porque levam nas suas mãos "uma máquina potencialmente mortífera ou semeadora de perigo"; então, entendem os recorrentes, a sua (do A.) culpa deveria ter sido reduzida a um mínimo e nunca, salvo o devido respeito, numa repartição de culpas na " ... proporção de 70% para o 1º R. e 30% para o Autor ... ".
Entendem os recorrentes, assim, que a repartição de culpas no acidente podê-lo-ia ter sido na proporção de 85% para o 1° R. e de 15% para o A ..
A quantia que a decisão recorrida atribuiu ao A. recorrente, a título de danos não patrimoniais não proporciona a este a compensação que, de certo modo, alivie o sofrimento que a sua lesão permanente lhe provocou;
Perante a matéria assente, a quantia peticionada pelo A. recorrente de MOP$600,000.00 seria aquela que mais perto da realidade se encontraria, aquela que, de algum modo, poderia fazer ao A. esquecer o sofrimento que teve, e tem, consequência directa do acidente dos autos.
A título de lucros cessantes, a decisão recorrida omitiu a quantia de MOP$127,224.00, na parte correspondente à sua culpa no acidente, que seria o bónus, do ano de 2004, que o A. recorrente deveria ter recebido, e não recebeu, das funções de Secretário do Partido da Vila ...... da Cidade ...... da Zona Pun U de Guang Zhou (廣州市番禺......鎮......村黨支部書記) e
Tendo ficado assente que o A. deixou de trabalhar como Vice Presidente da "Comissão Económica da Vila de ......" (......村經濟合作社副總經理), em virtude do acidente, nunca retomou estas suas funções; e foi "recentemente" demitido, então, a sentença recorrida dever-lhe-ia ter proporcionado a indemnização de MOP$409,944.00, na parte correspondente à sua culpa no acidente; ou
Carecendo o advérbio "recentemente" de uma maior explicitação, justificar-se-ia a anulação da decisão, por obscuridade, e a ampliação da matéria de facto quanto a este aspecto.
Perante a matéria de facto assente, no tocante à A. recorrente, existe um manifesto nexo de causalidade entre o dano patrimonial da A. de MOP$35,326.00 (2 meses do seu vencimento) e o acidente dos autos.
Como os valores peticionados estão cobertos pela apólice do contrato de seguro contratado pelos proprietários do veículo M-XX-XX com a Companhia de Seguros de Macau, a 3ª R., ora recorrida, deverão os 1º R. e 2º RR. ser absolvidos do pedido
Termos em que
Deverá ser dado provimento ao presente recurso nos termos supra peticionados.
A COMPANHIA DE SEGUROS DE MACAU, S.A., mais bem identificada nos autos, tendo sido notificada das alegações de recurso que foram apresentadas pelo autor, A, vem, ao abrigo do disposto no artigo 613°, n° 2, do Código de Processo Civil, apresentar as suas ALEGAÇÕES DE RESPOSTA, dizendo em síntese conclusiva:
O recorrente procedeu ao atravessamento da via pública fora do local destinado aos peões, que se encontrava a menos de 50 metros, tendo sido também responsável pelo acidente, pelo que a percentagem de culpa atribuída pelo tribunal a quo não merece qualquer reparo.
O facto de o recorrente não ser residente de Macau não lhe aprovei ta porque a ignorância da lei, ou dos deveres especiais de cuidado, não podem beneficiar ninguém, portanto, este argumento não pode e nem deve ser considerado.
A referida decisão em processo-crime foi tomada em consideração, o que é facilmente verificável pela fundamentação do acórdão recorrido e pela percentagem na repartição de culpas atribuída a ambas as partes, pelo que neste aspecto nada há a dizer.
O argumento de que o embate ocorreu já no final do atravessamento não pode valer para atribuir uma maior percentagem de culpa ao 1° réu, a decisão recorrida teve em consideração todos aspectos discutidos, tendo sido benevolente na atribuição da percentagem de culpa no acidente atribuída ao recorrente, que, diga-se, sem o seu contributo, nunca teria sucedido, ficando bem patente o seu relevante contributo para o acidente.
Os danos morais foram fixados com equilíbrio e atribuídos em função da repartição de culpas apuradas, não se ignorando que o montante fixado jurisprudencialmente pelos tribunais superiores, em consequência do dano morte, varia entre MOP$800,000.00 e MOP$1,200,000.00; a consequência do acidente resultou numa fracturou da perna, não sendo justo atribuir MOP$600.000.00 por este incidente, tendo a decisão recorrida sido bem ponderada, frisando que o invocado encurtamento da perna não se provou que estivesse directamente relacionado com o acidente.
Provou-se, apenas, que desde o acidente, e por via do acidente, o recorrente nunca mais executou as funções de Vice-Presidente da Comissão Económica da Vila de ......; provou-se ainda, que o recorrente deixou de auferir o salário mensal correspondente ao cargo que ocupava, desde a data do acidente, e foi recentemente demitido; neste particular, não se provou que tenha sido por via do acidente que o recorrente nunca mais tenha tido a possibilidade de executar outras tarefas, funções, ou actividades profissionais, não se sabe, não foi provado, se o recorrente mesmo após o acidente estaria totalmente impedido de outras ocupações profissionais.
Os lucros cessantes, reclamados a favor da mulher do recorrente, não se provou que a recorrente tenha sido demitida das suas funções pelo motivo do acidente do marido, bem como não se provou que tenha deixado de auferir o salário relativo a oito meses derivado do mesmo facto, nem se provou que a recorrente tenha sido demitida das suas funções pelo motivo do acidente do marido, bem como não se provou que tenha deixado de auferir o salário relativo a oito meses derivado do mesmo facto.
Com excepção na parte relativa ao bónus que o recorrente tinha direito em 70%, o tribunal a quo analisou muito bem os factos em face do depoimento das testemunhas e da prova documental, pelo que a decisão nada tem a apontar, tendo os factos em discussão sido julgados de forma muito equilibrada, sã e justa, devendo manter-se a percentagem de responsabilidade atribuídas ao recorrente e l° réu.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, com excepção na parte relativa ao bónus, mantendo-se a decisão recorrida que determinou uma proporção de 70% e 30%, para o 1° réu e o recorrente, respectivamente.
Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos:
“Da Matéria de Facto Assente:
- Em 18 de Janeiro de 2004, pelas l7H40, verificou-se um acidente de viação, no qual foram intervenientes um veículo automóvel ligeiro (taxi), com a matrícula M-XX-XX, conduzido pelo 1° R. C (C), e um peão, o ora A., A (A) (alínea A) dos factos assentes).
- Os 2°s RR. D e F eram à data do acidente os proprietários daquele veículo. (cfr. doc. n.º 1 junto com p.i.) (alínea B) dos factos assentes).
- A 3ª R., Companhia de Seguros de Macau, S.A., é a seguradora para quem os 2° RR. haviam transferido a sua responsabilidade civil, por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 41-XXXXXX-0l4 (alínea C) dos factos assentes).
- O A., antes do acidente, atravessava a Av. da Amizade, do lado direito para o lado esquerdo da via, tendo em conta o sentido de marcha do veículo automóvel (alínea D) dos factos assentes).
*
Da Base Instrutória:
- Os AA. são marido e mulher (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
- O veículo conduzido pelo 1º R. seguia na Av. da Amizade, na direcção da Praça de Ferreira do Amaral (resposta ao quesito da 2° da base instrutória).
- Na altura, estava a chover e o pavimento molhado (resposta ao quesito da 3° da base instrutória).
- Quando o A. estava já no final daquela travessia, ao aproximar-se do passeio do lado esquerdo da via e nas imediações do poste de iluminação viária n.º 051C01, foi embatido pelo veículo conduzido pelo 1º R., arremessando-o contra o solo (resposta ao quesito da 4° da base instrutória).
- Na altura do embate, o 1º R. não conseguiu imobilizar o veículo no espaço livre e visível à sua frente (resposta ao quesito da 6° da base instrutória).
- O que só veio a acontecer a mais de 20 metros de local do embate (resposta ao quesito da 7° da base instrutória).
- Após o acidente, o A. foi conduzido ao C.H.C.S.J., onde foi sujeito a uma urgente intervenção cirúrgica, aí tendo estado internado durante 23 dias (resposta ao quesito da 8° da base instrutória).
- Posteriormente, esteve internado em centro hospitalar, do local da sua residência, na R.P.C., 番禺區......人民醫院, entre os dias 9 de Fevereiro de 2004 e 13 de Março de 2004 (resposta ao quesito da 9° da base instrutória).
- De acordo com os relatórios médicos na altura realizados, o A. sofreu uma fractura no osso da coxa esquerda, caminhava com dificuldades e a perna esquerda ficou mais curta do que a direita em cerca de 4 cm (resposta ao quesito da 10° da base instrutória).
- O A. esteve internado no C.H.C.S.J, durante 23 dias, tendo aqui sido sujeito a uma intervenção cirúrgica que foi incapaz de debelar por completo a fractura no fémur da perna esquerda (resposta ao quesito da 11 ° da base instrutória).
- Posteriormente, o A. recebeu mais tratamentos (resposta ao quesito da 13 ° da base instrutória).
- Pelos internamento e tratamentos na RPC, o A. pagou a quantia de RMB$5.226,04 equivalente a MOP6.156,70 (resposta ao quesito da 14° da base instrutória).
- Desde o acidente, o A. esteve totalmente incapacitado para o trabalho, durante 8 meses, período a seguir ao qual passou a trabalhar parcialmente (resposta ao quesito da 15° da base instrutória) .
- O A. era, á data, Secretário do "Partido da Vila ...... da Cidade ...... da Zona Pun U de Guang Zhou (廣州市番禺......鎮......村黨支部書記) (resposta ao quesito da 16° da base instrutória).
- Vice-Presidente da "Comissão Económica da Vila ......" (......村經濟合作社副總經理) (resposta ao quesito da 17° da base instrutória).
- Na qualidade de Secretário daquele "Partido da Vila ...... da Cidade ...... na Zona Pun U de Guang Zhou" (廣州市番禺......鎮......村黨支部書記) o A. auferia mensalmente a quantia de RMB$1.400,00, equivalente a MOP$1.649,00 e tinha direito a um bónus anual (resposta ao quesito da 18° da base instrutória).
- Não executou esta função durante 8 meses consecutivos, deixando de auferir a quantia de RMB$11.200,00, equivalente a MOP$13.l94,00 e também a quantia de RMB$108.000,00, equivalente a MOP$127.224,00 referente ao bónus anual do ano 2004 (resposta ao quesito da 19° da base instrutória).
- Na qualidade de Vice-Presidente da "Comissão Económica da Vila ......" (......村經濟合作社副總經理), o A. auferia mensalmente a quantia de RMB$5.800,00, equivalente a MOP$6.832,00 (resposta ao quesito da 20° da base instrutória).
- Desde e por via do acidente, o A. nunca mais executou as funções de Vice-Presidente da "Comissão Económica de Vila ......", por incapacidade física (resposta ao quesito da 21° da base instrutória).
- O A. deixou de auferir o salário mensal do cargo de Vice-Presidente de Comissão Económica da Vila ......", desde a data do acidente e foi recentemente demitido (resposta aos quesitos das 22° e 23° da base instrutória).
- A A., mulher do A., era Vice-Presidente da 廣州XX藥業有限公司, desde Agosto de 1997, auferindo o salário mensal de RMB$15.000,00, equivalente a MOP$17.663,00 (resposta ao quesito da 24° da base instrutória).
- Em virtude do acidente que o A. sofreu, ela solicitou, numa primeira fase, 60 dias de licença sem vencimento, a fim de lhe prestar todo o apoio necessário (resposta ao quesito da 25° da base instrutória).
- Antes do acidente de que foi vítima, o A. foi pessoa saudável (resposta ao quesito da 28° da base instrutória).
- Após o acidente, esteve internado durante cerca de 2 meses em hospitais e teve dores terríveis, por força das lesões ortopédicas sofridas (resposta ao quesito da 29° da base instrutória).
- Nos últimos 5 anos, o A. com grande angústia sua, verificou, a final, que nunca viria a ser a mesma pessoa normal que antes fora (resposta ao quesito da 30° da base instrutória).
- O A. caminha hoje com dificuldade (resposta ao quesito da 31º da base instrutória).
- Continua a sentir dores e não pode permanecer muito tempo em pé (resposta ao quesito da 32° da base instrutória).
- Deixou, por isso, de poder desempenhar cabalmente as suas funções profissionais que envolvam deslocações, tendo, por isso, sido demitido do cargo de Vice-Presidente da "Comissão Económica da Vila ......" (......村經濟合作社副總經理) (resposta ao quesito da 33° da base instrutória).
- Funções estas que lhe davam mais prazer executar e que, aliás, executava com dignidade, brilho e distinção (resposta ao quesito da 34° da base instrutória).
- Era o A., também, um amante da actividade desportiva, dedicando-se à prática de "basketball" e à dança do dragão (resposta ao quesito da 35° da base instrutória),
- Era praticante desta actividade física diariamente, tendo, aliás, sido distinguido com vários prémios (resposta ao quesito da 36° da base instrutória).
- Desde a data do acidente que o A. anda com dificuldade e mal consegue correr (resposta ao quesito da 37° da base instrutória).
- Foi e é enorme o sofrimento físico do A. pelos factos descritos e é grande a angústia que ele sente de nunca mais poder ser a mesma pessoa normal que era (resposta ao quesito da 38° da base instrutória).
- Existia (e existe ainda presentemente) uma passagem subterrânea para atravessamento de peões (túnel) a menos de 50 metros do local em que o A. iniciou o atravessamento da Avenida da Amizade, e bem assim do alegado local do acidente (ponto de embate) (resposta ao quesito da 40° da base instrutória),
- Existe e existia na altura dos factos ora em discussão, sinalização bem visível da existência do referido túnel em todas as suas entradas (4 sinais no total) (resposta ao quesito da 41° da base instrutória) .
- A Avenida da Amizade, designadamente no local onde ocorreu o acidente, tem muito trânsito de veículos (resposta ao quesito da 42° da base instrutória).”
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
- Distribuição de culpas
- Danos não patrimoniais da vítima, o A. , A
- Danos patrimoniais do A.
- Danos patrimoniais da mulher da vítima, a A., B
2. Repartição de culpas
2.1. A douta sentença atribuiu 70% de culpa pela produção do acidente ao 1º R., motorista de táxi, C e 30% ao peão, A., ora recorrente.
O recorrente pretende 85% para o motorista, restando 15% para si que, com alguma condescendência, não deixa de aceitar.
O dissídio está, pois, entre 70% e 85% de culpa para o condutor.
Na aresto sob escrutínio consignou-se, com muito brilhantismo e objectividade, o que abaixo se transcreve:
“Da matéria dada como provada resulta claro que o acidente ocorreu quando o Autor estava quase a concluir o seu atravessamento da Avenida da Amizade já a aproximar-se do passeio do lado para onde ia e deu-se porque o 1° Réu não conseguiu imobilizar o veículo no espaço livre e visível à sua frente só o conseguindo a mais de 20 metros. Além disso, provou-se que na altura do acidente, estava a chover e o pavimento era molhado.
Em geral, o artigo 12°, n° 6, do Código da Estrada impõe aos condutores o dever de cuidado.
Mais especificamente, o artigo 22°, n° 1, do Código da Estrada estipula que, "O condutor não deve circular com velocidade excessiva, devendo regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições atmosféricas, à intensidade do tráfego e a quaisquer outras circunstâncias especiais, possa fazer parar o veículo no espaço livre visível á sua frente e evitar qualquer obstáculo que lhe surja em condições normalmente previsíveis."
Tendo em conta esses preceitos e os factos assentes acima referidos, é manifesto que o 1° Réu violou a obrigação de regular a velocidade a que seguia por forma a evitar o embate. É que, em abstrato, por força destes preceitos, ao 1° Réu incumbia o dever de estar atento à situação da via pública onde estava a transitar. Em concreto, o facto de estar a chover e o chão estar molhado impunha ao mesmo um acrescido cuidado designadamente reduzindo a velocidade em que ia.
Porém, os restantes factos assentes revelam que isso não aconteceu.
Em primeiro lugar, anote-se que o Autor foi embatido quando já estava a chegar ao outro lado da via pública. Isso significa que o Autor já tinha passado pela frente do veículo conduzido pelo 1° Réu. Pelo que, este tinha o dever de ter visto o Autor antes de ele atravessar pela sua frente. Assim, das duas uma: ou o 1° Réu, pura e simplesmente, não deu conta do Autor antes de este passar pela sua frente e violou o dever previsto no artigo 12°, n.º 6, do Código da Estrada, ou viu o Autor mas não reduziu a sua velocidade ou não reduziu o suficiente para evitar o embate e violou os deveres previstos nos artigos 12°, n.º 6, e 22°, n.º 1, do mesmo Código.
Em segundo lugar, do facto de o 1° Réu conseguir apenas imobilizar o seu veículo a mais de 20 metros do local de embate, indicia que ele ou não ia a baixa velocidade ou suficientemente baixa ou não deu conta do acidente imediatamente depois do embate. Assim, novamente o 1° Réu violou as regras estradais acima referidas.
Há portanto um acto ilícito por parte do 1° Réu o qual, por não haver nada que exclua a sua culpa na produção do mesmo, é também culposo.
Não pode, no entanto, ignorar a existência de uma passagem subterrânea para atravessamento de peões a menos de 50 metros do local onde o Autor iniciou o seu atravessamento com sinalização bem visível.
O artigo 10°, n° 5, do Código da Estrada prevê o seguinte: "Os peões só podem atravessar fora das passagens que lhes estão destinadas se não existir nenhuma devidamente sinalizada a uma distância inferior a 50 metros ... "
Assim, o comportamento do Autor também não era isento de reparos.
Com efeito, devia ter usado a passagem subterrânea o que evitaria o acidente. Há manifestamente culpa do Autor na produção do acidente.
Contudo, essa violação não exclui a responsabilidade do 1° Réu visto que os deveres de cuidado e de regulação da velocidade mantêm-se ainda que os demais utentes das vias públicas violem as regras de uso das mesmas. Ou seja, não obstante a violação das regras respeitantes ao atravessamento da faixa de rodagem por parte do Autor, ainda assim, o 1° Réu continuava adstrito aos deveres acima referidos. Não conseguindo o mesmo evitar o embate porque não cumprira esses deveres, houve violação ilícita e culposa dos direitos do Autor por parte do 1° Réu
*
Uma vez que tanto o Autor como o 1 ° Réu teve culpa, é necessário estabelecer a contribuição de cada um deles na produção do acidente.
Na há nenhuma norma que estabeleça qualquer critério.
Face aos factos apurados, julga-se que a culpa do 1° Réu é superior à do Autor. É que, da certidão de fls. 91 a 95, verifica-se que o 1° Réu estava a conduzir na terceira via de transito a contar do lado da via pública onde o Autor iniciou o atravessamento; que a faixa de rodagem em questão tinha uma largura total de 13,6m com quatro vias de trânsito duas para cada um dos sentidos; e que se trata de uma via recta com boa visibilidade. Uma vez que o embate se deu quando o Autor já estava a aproximar-se do lado da via pública para onde pretendia ir, o Autor foi atropelado quanto tinha atravessado 3/4 da faixa de rodagem, aproximadamente 10,2m, e depois de ter passado pela frente do veículo conduzido pelo 1° Réu. É patente o grande descuido deste. Quanto ao Autor, porque já estava a acabar o seu atravessamento e tinha passado pela frente do 1° Réu, a sua contribuição para o acidente é comparativamente menor.
No que concerne à concreta proporção da culpa dos mesmos e ponderando as circunstâncias acabadas de descrever, crê-se razoável uma proporção de 70% para o 1° Réu e 30% para o Autor devendo a indemnização ser reduzida nessa medida se se vierem a provar os restantes pressupostos da responsabilidade civil.”
2.2. O ponto que se poderia equacionar era o de saber da concausalidade, ou seja, o de saber, se não obstante a violação do dever de atravessamento da via por parte do peão, essa conduta contribuiu também para a produção daquele resultado.
Digamos que há aqui uma concausalidade - entendida esta como o circunstancialismo decorrente de os danos serem causados conjuntamente por vários factos, cada um dos quais não seria bastante para a produção do dano1 - entre a omissão de um regular atravessamento por parte da vítima e a acção traduzida numa irregular e menos cuidadosa e atenta condução por parte do motorista de táxi.
Postas as coisas de uma forma e linguagem simples: o motorista ia a conduzir desastradamente e o peão ia a atravessar irregularmente, tendo o dever de cruzar a via pelo túnel.
Ambos contribuíram com alguma culpa para aquele evento.
Nem se diga que a conduta omissiva do peão se situa a montante, isto é, que ele viola os deveres estradais num momento anterior, de modo que quando se faz à estrada não foi essa violação que desencadeou o embate, o atropelamento, bastando pensar que em vez do peão, ali estivesse um animal a cruzar a via, donde ser indiferente essa sua violação dos deveres que lhe estavam acometidos.
Não. A sua conduta, em violação das regras estradais, perpassa por todo o trajecto que ele percorre e o certo é que no momento em que é embatido ele está em situação irregular e, por isso, também ele contribui para o nefasto evento.
Trata-se, no entanto, a exclusão de culpa, de questão não suscitada, razão por que não interessa desenvolver mais o assunto. O apontamento que ficou serve tão somente para apaziguar a condescendência com que o recorrente esgrime, aceitando com relutância uma percentagem de 15%.
2.3. E dentro da variação de 15% de culpa para o taxista que fica a restar – entre 70% atribuídos na sentença e os 85% condescendidos pelo recorrente -, não vemos razão para fazer desmerecer a análise e argumentação expendida, reforçando-a ainda com a invocação do princípio da confiança.
No domínio da circulação rodoviária, há que referir um princípio fundamental desenvolvido pela jurisprudência, denominado "princípio da confiança", o qual retira o desvalor da acção quando o agente tenha actuado, confiando que os outros tenham cumprido os seus deveres de cuidado. Ou seja, uma pessoa pode legitimamente esperar que as outras pessoas tenham sucessivamente cumprido, os seus deveres de cuidado, que lhes impunham, a eles próprios, um certo comportamento. Se um condutor circular pela sua mão de trânsito, tem o direito de partir do princípio que o condutor que circula em sentido contrário também o faz. O condutor que vai na rua e vê um peão, para quem o sinal está vermelho, tem o direito de presumir que o peão não vai atravessar a rua, etc.
Donde, não obstante ser muito maior a censura da condução desastrada do taxista, a actuação do peão também não é isenta de reparos, não havendo razões para alterar a ponderação efectuada pela Mma Juiz a quo.
Não se concede razão nesta parte ao recorrente.
3. Dos danos não patrimoniais.
3.1. Perante a matéria de facto assente, afirma o recorrente, o valor fixado pelo Tribunal a quo é manifestamente exíguo, para já não dizer misérrimo. A quantia de MOP$ 150,000.00 não proporciona ao A. recorrente a compensação que, de certo modo, alivie o sofrimento que a lesão permanente lhe provocou.
Estamos em crer que o recorrente tem razão quanto à exiguidade da indemnização a este título, vista a gravidade das consequências, dos traumas, das dores, desconforto, das incomodidades, das perdas, enfim, de todas as sequelas psíquicas, sensoriais e anímicas que o acidente provocou na vida daquele homem.
Constitui princípio geral do nosso direito positivo, consagrado no art. 556º do CC, que a obrigação de indemnizar se oriente no sentido da reconstituição da situação que existia na esfera do lesado se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação.
Tal reconstituição visará não só os prejuízos patrimoniais como ainda aqueles que, embora insusceptíveis de expressão pecuniária, mereçam, pela sua gravidade, a tutela do direito - danos morais ou não patrimoniais.
Teremos em linha de conta a orientação jurisprudencial que assenta na ideia de que merecem tutela jurídica aqueles danos que "espelhem uma dor, angústia, desgosto ou sofrimento.
É assim que as vítimas terão direito a uma indemnização, a título de danos não patrimoniais, pelos padecimentos sofridos. Sendo tal lesão ainda passível de reparação pecuniária, a fixação do respectivo montante há-de ser operada equitativamente, atentas as circunstâncias do artigo 487º do CC, ao grau de culpabilidade do agente, situação económica do lesante e do lesado, sendo ainda princípio assente de que a indemnização nestes casos visará proporcionar ao lesado um prazer capaz de neutralizar a angústia, dor ou contrariedade sofridas.
3.2. Não é possível tabelar ou quantificar matematicamente o custo monetário de tais danos.
Temos afirmado neste Tribunal e repetimo-lo aqui que cada caso é um caso.
Não deixaremos de ter presente a mão que tem guiado o juiz de Macau em tantos outros casos. Como mera referência, fica o apanhado não exaustivo.2
Assim, já se decidiu fixar ou não censurar as indemnizações de MOP 60.000,00 pelo dano decorrente do sofrimento do próprio falecido 7 dias antes da sua morte e em igual montante o sofrimento da mãe pela perda do filho de 44 anos com quem vivia3; em MOP 250.000,00 o dano morte, sendo a vítima de idade muito avançada e ausência de actividade produtiva de relevo4; em MOP 200.000,00 as lesões sofridas pela vítima, com sofrimento físico e psicológico, com fracturas e dilaceração de ligamentos com tratamento hospitalar e ambulatório que se prolongou por 18 meses5; em MOP 700.000,00 grave ferimento com incapacidade absoluta permanente, tendo a ofendida 19 anos e sendo professora6; MOP 120.000,00 pelos danos num acidente de viação, com culpa exclusiva do arguido, originando traumatismo craniano à vítima, fractura na tíbia, tendo necessidade de 159 dias para se curar, ficando com uma cicatriz na face7; MOP300.000,00 em acidente causador de ferimentos e fractura óssea, com internamento hospitalar e ambulatório por 6 meses, com incapacidade para o trabalho, com 28 anos, necessitando ainda a vítima de intervenções cirúrgicas posteriores para retirada de parafusos e placas metálicas8; MOP 100.000,00 e MOP 200.000,00 quando as ofendidas, na sequência de acidente de viação, com fracturas e lacerações, precisaram para se curar, respectivamente, de 116 dias e 390, com sequelas na sua qualidade de vida9; MOP 200.000,00 e MOP 150.000,00 para a viúva e filho menor da vítima pela perda do marido e pai10; pelo direito à vida/dano morte, MOP 600.00,00, sendo a vítima motorista, com 48 anos e sofrendo na sua agonia intensas dores11; Em termos do direito à vida e danos morais reflexos nos familiares próximos, em sede de acidente de viação, MOP 500.000,00 para o direito à vida; MOP 100.000,00 para a esposa da vítima e MOP 75.000,00 para cada um dos filhos, pela dor moral de cada um deles12; em sede de acidente de viação, MOP 550.000,00 para o direito à vida13; MOP 200.000,00 para cada um dos pais da vítima, pela dor moral de cada um deles, em sede de crime de homicídio, e MOP 700.000,00 para o direito à vida14; em sede de acidente de viação, MOP 600.000,00 para o direito à vida15; em sede de acidente de viação, MOP 250.000,00 para o marido e cada uma das filhas da vítima, pela dor moral de cada um deles16; em sede de acidente de viação, MOP 600.000,00 para o direito à vida; MOP 200.000,00 para cada um dos pais da vítima, pela dor moral de cada um deles17; MOP 300.000,00 pela perda de um olho em consequência de uma agressão18;MOP 50.000,00 para cada um dos demandantes, marido e 3 filhos pela perda do ente querido19; MOP 320.000,00 pelas lesões e sofrimentos havidos, com 517 dias para a recuperação, incapacidade permanente e desfiguração na sua fisionomia20; MOP 100.000,00 para os ferimentos, dores e inconvenientes, submetendo-se a vítima a 17 consultas durante 130 dias21; MOP1.000,00 para dois ofendidos, casal com 69 e 70 anos de idade, verificando-se o atropelamento numa passadeira de peões, com lesões gravíssimas e que permanecerão para o resto da vida, ficando a vítima sem falar e sem qualquer gesto de reconhecimento dos membros da família, necessitando de serviços de enfermagem permanentes, com sofrimentos indescritíveis22; MOP 250.000,00 pelas lesões decorrentes de acidente de viação, com internamento hospitalar por 2 meses, desgostos, angústias, com parafusos e ligações metálicas no interior do osso e grau de movimentação da perna diminuído23; MOP 150.000,00 e MOP 70.000,00, na sequência de acidente, com fracturas e lesões que demandaram para a cura 333 e 101 dias, respectivamente24; MOP 15.000,00 ao ofendido com 21 anos, na sequência de um acidente em que o arguido conduzia com taxa de álcool significativa e foi embater na viatura daquele que sofreu ferida na testa, incapacidade para o trabalho, desgosto e dores físicas25; MOP 550.000,00 para cada um dos pais da vítima mortal, na sequência de um acidente de viação26; MOP 28.000,00 para o ofendido de 22 anos, vítima de um acidente de viação, com lesões, dores, tratamentos médicos, com alteração dos hábitos de desporto, 155 dias de doença com incapacidade para o trabalho e um sentimento de maior cansaço como sequela do acidente27; MOP 500.000,00 ao ofendido, vítima de um rapto e ofensas provocadas com arma de fogo, com lesões e fracturas que demandaram intervenções cirúrgicas, se prolongou por vários dias, com cicatriz notória, encurtamento da perna, perda de sensibilidade e grande sofrimento28; MOP 250.000,00 à vítima de um acidente de viação, com fractura e hematoma do osso temporal, com duas cirurgias cerebrais, 361 dias para se curar, dores físicas e morais e uma incapacidade permanente parcial de 20%29; pela perda do marido e pai, na sequência de acidente de viação, MOP 100.000,00 para a esposa e MOP 75.000,00, para cada uma das filhas30; MOP 80.000,00 a título de indemnização por difamação cometida por abuso de liberdade de imprensa31; MOP 150.000,00 por indemnização decorrente da prática de um crime de abuso de liberdade de imprensa32.
3.3. Projectando estes princípios e critérios no caso concreto.
Não se pode olvidar, de facto, que o A. recorrente era uma pessoa saudável e deixou de o ser - caminhando com dificuldade e com a perna esquerda mais curta que a direita em cerca de 4cms; esteve longamente internado em hospitais e sujeito a tratamentos, sofrendo "dores terríveis"; esteve incapacitado totalmente para o trabalho durante 8 meses; foi demitido de funções importantes, não mais pôde exercer as funções de Secretário do Partido Comunista e Vice-Presidente da Comissão Económica da Vila ...... e com projecção social e comunitária, que exercia em virtude do acidente, naturalmente um dos esteios da própria auto-estima individual, perdendo, consequentemente o salário que daí lhe advinha e as funções que lhe davam prazer executar; teve e tem dores terríveis; passou a caminhar com dificuldade e não pode permanecer de pé por muito tempo; sofreu de grande angústia ao longo de vários anos, mas também por não poder executar as funções profissionais que executava com "dignidade, brilho e distinção"; deixou de poder praticar qualquer actividade física porque não consegue estar muito tempo de pé e mal consegue correr; era um amante e praticante de desporto, tendo sido distinguido com vários prémios; e sofre física e animicamente por estes factos mas, essencialmente, por sentir que não é mais "a pessoa normal que era".
Tudo isto fluindo sem tibiezas da factualidade que comprovada vem.
3.4. Avança o A. recorrente com a quantia por si peticionada, MOP$600,000.00, como sendo aquela que mais perto da realidade se encontraria, aquela que, de alguma modo, poderia fazer ao A. esquecer o sofrimento que teve, e tem, em consequência directa do acidente dos autos.
Se esta quantia peticionada parece ser um pouco demasiada, a arbitrada configura-se como muito minguada.
Crê-se que um valor de MOP$315.000,00 se mostra mais adequado e mais équo, levando já em linha de conta a sua percentagem de culpa (= 70% de MOP450.000,00).
4. Dos danos patrimoniais do A.
4.1. Não se questionando os danos emergentes, indaguemos dos lucros cessantes dos AA., ora recorrentes.
O A. esteve sem trabalhar, numa primeira fase, durante 8 meses, após o que passou a trabalhar parcialmente.
Era Secretário do Partido da Vila ...... da Cidade ...... da Zona Pun U de Guang Zhou (廣州市番禺......鎮......村黨支部書記) e Vice Presidente da "Comissão Económica da Vila de ......" (......村經濟合作社副總經理).
Se resulta provado, por um lado, que o A., recorrente, retomou as suas funções como "Secretário do Partido", por outro, nunca mais exerceu aquelas funções de "Vice-Presidente", desde o dia do acidente.
Deixou, assim, o A. recorrente de auferir, durante 8 meses o que auferia daquela primeira função (a de "Secretário do Partido "), equivalente a MOP$13,194.00 e "também a quantia de RMB - ¥108,000.00, equivalente a MOP$127,224.00, referente ao bónus anual do ano de 2004".
Ora, na decisão do Tribunal a quo multiplicou-se por 8 o valor do salário mensal desta função (MOP$1,649.00 x 8 = MOP$13,192.00), mas reduziu-se o bónus desta função, do ano de 2004 a MOP$13,194.00 quando, da matéria assente, resulta que este bónus seria de MOP$127,224.00 e expressamente se assinala que deixou de receber.
Isto é, no ano de 2004, o A. recorrente, nesta função, não só deixou de auferir 8 meses do salário, como não auferiu por inteiro aquele bónus, bónus este que a própria Ré recorrida não deixa de reconhecer.
Tal montante não deixa de lhe dever ser pago na proporção de 70%, vista a culpa do motorista de táxi, ou seja MOP$98.291,20.
4.2. E quanto à função de Vice-Presidente da "Comissão Económica da Vila de ......", é verdade que não foi só durante 8 meses que ele, A. recorrente, deixou de aí trabalhar.
Como resulta da matéria de facto assente, "O A. deixou de auferir o salário mensal do cargo de Vice-Presidente da "Comissão Económica da Vila de ......", desde a data do acidente e foi recentemente demitido" (resposta aos quesitos 22° e 23°); e "desde e por via do acidente o A. nunca mais executou as funções de Vice-Presidente da Comissão Económica da Vila de ......, por incapacidade física" (resposta ao quesito 21°).
Isto é, desde o acidente que o A. recorrente nunca mais exerceu estas funções, por incapacidade física, sendo recentemente demitido.
Daqui resulta que, quanto à função de "Secretário do Partido", o A. esteve 8 meses sem trabalhar, após o que retomou funções; mas, quanto à função de "Vice-Presidente", ele nunca mais retomou estas funções.
Isto é verdade. Respectivamente, deixou de auferir o salário durante 8 meses quanto à primeira função, a de Secretário do Partido e deixou de receber a subvenção de Vice-Presidente da Comissão Económiva de .......
Só que aqui, neste ponto, o recorrente incorre em hiato lógico, ao pretender ser ressarcido dos montantes que ele deixou de auferir como Vice-Presidente até ser demitido. Não, ele foi demitido e deixou de receber a subvenção respectiva, mas tal não significa que deva receber, pela totalidade, mais do que os oito meses em que comprovadamente esteve com incapacidade absoluta.
4.2.1. Diz-se, na sentença recorrida, que o recorrente não trabalhou mas poderia ter exercido "outras profissões fisicamente menos exigentes". É certo que assim pode ser, mas não é menos certo que não se comprovou que exerceu outras funções. Perante esta necessidade de balanceamento entre uma perda de estatuto económico decorrente da perda de vencimentos ou subvenções por perda de cargos, em consequência do acidente, e a capacidade para trabalhar, devendo um juízo prudente, o tal do bonus pater familias, não premiar a inércia ou a preguiça, pensa-se que o critério mais razoável para compensar esse dano de natureza material é fazê-lo corresponder à incapacidade permanente parcial sobrevinda depois de uma incapacidade absoluta temporária e que se apurou ter perdurado por oito meses.
O que resultou provado é que o A. recorrente deixou de trabalhar como Vice-Presidente, em virtude do acidente; nunca retomou estas suas funções; e foi "recentemente" demitido. Só que, depois dos oito meses em que esteve incapacitado, não se apurou, nem alegado vinha o grau de incapacidade para o trabalho; daquele ou de qualquer outro.
Não tem razão o recorrente quando dicotomiza: ... então, de duas uma: ou se entende que o pedido formulado pelo A. tem cabimento face à matéria assente (o acidente foi em Janeiro de 2004 e o acórdão da matéria de facto data de Junho de 2010) e, então, a condenação dos RR. pela indemnização de MOP$409,944.00 seria logicamente procedente; ou o advérbio "recentemente" carece de uma maior explicitação e, neste caso, justificar-se-ia a anulação da decisão, por obscuridade, e a ampliação da matéria de facto quanto a este aspecto.
Nem a primeira proposição é verdadeira, porque ele esteve apenas com oito meses de incapacidade absoluta, e se não trabalhou ali ou em qualquer outro sítio ficamos sem saber qual a razão; nem a segunda o é porquanto o facto de ter sido demitido recentemente não significa que não pudesse trabalhar - pelo menos em parte correspondente à parcela não incapacitante -, ficando ainda por estabelecer, numa primeira aparência – pois que adiante dilucidaremos melhor o assunto - o nexo causal entre a sua incapacidade derivada do acidente e a demissão.
4.2.2. O fulcro deve residir, para um melhor esclarecimento desta questão, no apuramento da incapacidade permanente que afectou o recorrente; aqui se entra numa matéria muito sensível e quase mais valia, nesta particular questão, o recorrente estar calado. É que, percorrendo a p.i ele não alega qual a incapacidade permanente sobrevinda.
Mas partamos do princípio - e não choca que se tenha essa alegação por tácita vistos os termos usados em relação às sequelas que ficaram - de que tacitamente alude a uma incapacidade total; só que essa matéria não foi alvo de quesitação.
Não se deixa de registar que o recorrente limitou os danos pelos seus lucros cessantes apenas ao período que mediou entre o evento causal da responsabilidade e a data da petição.
4.3.3. Não obstante, a Mma juiz, ciente da importância deste facto, jogou na sentença com uma incapacidade que foi fixada em exame médico realizado noas autos, correspondendo a 22%, conforme relatório médico de fls 141. Não vamos aqui discutir da bondade técnica desta fundamentação, cientes da justiça almejada, aceitando o facto levado em conta na sentença, não sendo esse ponto objecto de impugnação no recurso por qualquer das partes.
4.4.4. Só que aí deparamos com outro problema; no acórdão da matéria de facto, produzido em 9/6/2010, afirma-se que o recorrente foi demitido de Vice-Presidente da Comissão Económica recentemente, mais se dizendo que o recorrente deixou de auferir até ao presente tais funções; tão recentemente que, em 2/1/2009, já se afirmava o mesmo na p.i.
Poderá haver aqui uma incongruência, mas que não deixaremos de tentar harmonizar, compreendendo alguma falta de rigor na transposição temporal do período por que se estende e demora o processo.
Sabemos que o A. era o Vice-Presidente; deixou de auferir as subvenções respectivas desde a data do acidente; não mais as veio a receber, foi demitido entretanto; o pedido é formulado na data da p.i, pelo que o mesmo facto fixado na sentença não pode ultrapassar esse limite; o A. ficou com uma IPP de 22% não discutida neste recurso.
Este acervo fáctico permite considerar o vencimento auferido de Vice-Presidente como a matriz da base remuneratória que ele deixou de auferir por causa do acidente. A data da demissão perde assim relevância, pois que, vista a delimitação do período em que se pedem os lucros cessantes, era esse o vencimento que ele deixou de receber, não custando admitir que possa balizar os rendimentos auferidos ou auferíveis até à formulação do pedido, descontada, como é óbvio a referida incapacidade de 22%.
Teremos assim, relativamente ao período de IPP (oito meses depois do acidente, desde 18/8/2004 até 2/1/2009, data do pedido) um período de 4 anos, 4 meses e 15 dias) com uma perda certa, por um lado e estimável, por outro, um lucro cessante de MOP$358.680,00, e a esse montante se devendo abater a parte correspondente à incapacidade do A., ou seja 22%, donde MOP$279.770,40, indemnizável em 70%, vista a culpa do 1º R., donde resulta MOP$195.839,28.
4.4.5. Donde, vistos todos os lucros cessantes, dever o A. ser indemnizado:
- 8 meses sem auferir o salário de MOP$1,649.00/mês, acrescido do bónus não recebido do ano de 2004, no valor de MOP$127,224.00 da função de "Secretário do Partido", perfazendo a quantia de MOP$140,776.00 [(8 x MOP$1,694.00) + MOP$127,224.00], o que na proporção da culpa que assiste ao responsável e por via do contrato de seguro à Seguradora (70%), será de MOP$98.291,20; e
- MOP$54.656,00 da subvenção auferida na função de "Vice-Presidente" nunca mais exercida, no período correspondente a 8 meses e a partir daí, tudo visto, ponderado e conjugado, uma compensação a título das perdas efectivas e da capacidade de trabalho, vista ainda a limitação temporal do pedido e vista a proporção da culpa do responsável de MOP$195.839,28.
5. Danos patrimoniais da A.
5.1. Vejamos agora os lucros cessantes da A., também ora recorrente.
Resulta dos autos que a A., mulher do A., "em virtude do acidente que o A. sofreu, solicitou, numa primeira fase, 60 dias de licença sem vencimento, a fim de lhe prestar todo o apoio necessário" (resposta as quesito 25°); e que, "... era Vice-Presidente da “廣州XX藥業有限公司”, desde Agosto de 1997, auferindo o salário mensal de RMB¥15,000.00, equivalente a MOP$17,663.00" (resposta ao quesito 24°).
Existe, de facto, um manifesto nexo de causalidade entre o dano patrimonial da A. de MOP$35,326.00 (2 meses de licença sem de vencimento) e o acidente dos autos.
De facto, foi por causa do acidente e para prestar apoio ao seu marido, o A., que a esposa, também ela A. na acção, ora recorrente, esteve 60 dias sem auferir salário.
5.2. É certo que nada mais se provou, nomeadamente, o lucro cessante peticionado.
Mas o dano sofrido pela A. provou-se, de uma forma inequívoca, e, contrariamente à visão muito estrita vertida na sentença recorrida não é difícil configurar a existência de um nexo causal entre aquele violentíssimo acidente, as sequelas, necessidade de tratamento hospitalar e ambulatório, não sendo difícil imaginar que o recorrente terá estado durante os 8 meses de incapacidade absoluta em casa, sabendo-se até como se sabe que os internamentos hospitalares na China não são facilitados, impossibilitado ali e alguém teria de o acudir e dar apoio. Se não era a esposa alguém seria; ora não é difícil ligar as coisas e aceitar esse nexo causal, não sendo fácil acreditar que alguém com um vencimento muito razoável, como era o que auferia, para a China, abandonasse o emprego e perdesse aquele vencimento se tal não se mostrasse necessário.
5.3. Donde sermos a considerar procedente esse pedido compensatória pelas perdas da A., a que se viu forçada, pelo que terá ela direito a ser ressarcida pelo montante de 70% de MOP$35.328,00 (correspondente a dois meses de vencimento), ou seja, MOP$ 24.729,60.
6. Como os valores peticionados estão cobertos pela apólice do contrato de seguro contratado pelos proprietários do veículo M-XX-XX com a Companhia de Seguros de Macau, a 3ª R., ora recorrida, deverão os 1 ° R. e 2° RR. ser absolvidos do pedido.
Tudo visto e ponderado, resta decidir.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder parcial provimento ao recurso e, revogando a sentença no que respeita às indemnizações arbitradas, condenam a 3ª Ré Companhia de Seguros de Macau, SA a pagar:
- ao A. A, a quantia de MOP $ 609.130,48;
- à A. B a quantia de MOP $ 24.729,60.
2. Absolver a Ré dos restantes pedidos formulados pelo autor, A;
3. Absolver a Ré do restante pedido formulado pela autora, B.
Custas pelos Autores e Ré na proporção dos respectivos decaimentos.
Macau, 16 de Fevereiro de 2012,
(Relator) João Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto) Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto) José Cândido de Pinho
1 - Dario de Almeida, Manual dos Acidentes de Viação, 1ª ed., 193
2 - Referenciado no Ac. deste TSI, n.º 952/09, de 16 de Dez.
3 - Ac. do TSI 197/00, de 1/Nov./01
4 - Ac. do TSI 63/02, de 16/Maio/02
5 - Ac. do TSI 192/05, de 16/2/06
6 - Ac. do TSI 227/05, de 26/1/06
7 - Ac. do TSI 278/04, de 25/11/04
8 - Ac. do TSI 318/04, de 14/4/05
9 - Ac. do TSI 59/05, de 7/4/05
10 - Ac. do TSI 6/05, de 3/2/05
11 - Ac. do TSI 6/05, de 3/2/05
12 - Ac. do TSI. 240/2002, de 20/3/03
13 - Ac. do TSI 114/2003, de 24/7/03
14 - Ac. do TSI 285/2003, TSI, de 11/12/03
15 -Ac. do TSI 63/2004, de 15/04/04
16 - Ac. do TSI 155/2004, de 29/7/04
17 - Ac. do TSI 284/2004, de 14/12/04
18 - Ac. do TSI 293/04, de 19/12/04
19 - Ac- do TSI 240/04, de 21/10/04
20 - Ac. do TSI 171/2004, de 23/9/04
21 - Ac. do TSI 189/04, de 23/9/04
22 - Ac. do TSI 165/04, de 29/7/04
23 - Ac. do TSI 182/04, de 29/7/04
24 - Ac. do TSI 4/2004, de 4/3/04
25 - Ac. do Tso 236/03, de 13/11/03
26 - Ac. do TSI 159/03, de 4/12/03
27 - Ac. do TSI191/2002, de 10/7/03
28 - Ac. do TSI 3/2003-II, de 24/7/03
29 - Ac- do TSI 67/03, de 24/4/03
30 - Ac- do TSI 240/02, de 203/03
31 - Ac. do TSI 226/2001, de 28/2/02
32 - Ac. do TSI 71/2001, de 16/10/01 e 51/2001, de 12/7/01
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
339/2011 1/34