Processo n. 13/2011
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 16 de Fevereiro de 2012
Descritores:
-Revisão de sentença
-Divórcio
SUMÁRIO
1- Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
2- Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.
Proc. nº13/2011
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I- Relatório
A, do sexo feminino, divorciada, de nacionalidade chinesa, possuidora do BIR não permanente de Macau nº XXXXX (X), residente em Macau, na Av. do XX nº XX, edif. XX (bloco 3), andar XX, veio intentar, nos termos dos artigos 1199º e seguintes do Código de Processo Civil, acção especial de revisão e confirmação de decisão proferida por tribunal do exterior de Macau (decisão de divórcio litigioso proferida em 28/12/2009, pelo Tribunal Popular do Distrito de XX da cidade de Guangzhou da Província de Guangdong), contra B, de nacionalidade chinesa, residente em parte incerta no interior da China.
Juntou documentos.
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Procedeu-se a citação edital do requerido e cumpriu-se, na oportunidade disposto no art. 49º e 51º do CPC.
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Não houve contestação.
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O Digno Magistrado do MP opinou no sentido do deferimento do pedido de apoio judiciário e sobre o mérito do pedido não se manifestou contra a sua procedência.
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Cumpre decidir, colhidos os vistos legais.
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II – Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
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III – Os Factos
- Autora moveu acção de divórcio no Tribunal Popular do Distrito de XX da Cidade de Guangzhou da Província de Guangdong contra o réu B.
- Este tribunal decretou o divórcio por sentença de 28/12/2009, nos seguintes termos:
N.º 887 da Série Li Fa Min Yi Chu Zi (2009)
Autora: A, de sexo feminino, de etnia Han, nascida a XX de XX de 19XX, residente permanente da RAEM., residente no XX.º andar XX do Edf. XX da Rua do XX, n.º XX, Macau.
Réu: B, de sexo masculino, de etnia Han, nascido a XX de XX de 19XX, residência registada no bilhete de identidade: 中國廣州市XX區XX路XX號XX (residência do Interior da China).
Em 10 de Junho de 2009, este tribunal admitiu o caso de divórcio intentado pela autora A) contra o réu B, formou portanto o tribunal colectivo e efectuou o julgamento em aberto nos termos legais. A autora A compareceu na audiência, enquanto o réu B, tinha sido legalmente citado por este tribunal, não compareceu na audiência sem qualquer justificação. Este tribunal procedeu legalmente ao julgamento à revelia. O julgamento do caso à margem referenciado já foi concluído.
A autora A disse: a autora e o réu tinham relação matrimonial e casaram-se em 29 de Agosto de 2006, sendo residente de Macau a autora e o réu residente do Interior da China, os dois moraram sempre separadamente. Após o casamento, o réu não cumpriu a responsabilidade de marido, não sustentou a família e o filho, as duas partes encontraram-se menos de 10 vezes dentro de 3 anos, e o réu encontrava-se em parte e certa na altura. Com as razões acima referidas, veio a autora intentar acção para o Tribunal pedindo que declarasse o divórcio entre a autora e o réu.
O réu B não procedeu à contestação.
Foram apurados que: A autora conheceu o réu através de parente em Março de 2006; os dois confirmaram a relação de namoro em Abril de 2006 e trataram-se muito bem durante esse período. Em 29 de Agosto de 2006, a autora e o réu dirigiram-se voluntariamente à Administração de Assuntos Civis de Guangzhou para registar o casamento. As duas partes não tiveram filhos depois do casamento. Posteriormente, como a autora e o réu moraram separadamente durante um longo tempo, o amor deles ficou gradualmente fraco, sendo assim, a autora deduziu a acção de divórcio para o tribunal em Junho de 2009 por causa de ruptura de relação' conjugal. A autora alegou na audiência que o filho C, nascido a XX de XX de 20XX, antes do casamento, e a filha D, nascida a XX de XX de 20XX, cujo pai é o Sr. E, moravam com ela antes e depois do divórcio. A autora e o réu não têm bem comum, nem têm crédito e dívida comum para ser tratados no tribunal.
Os factos acima referidos foram provados pelos bilhetes de identidade, certidão de casamento e as alegações da parte.
Este tribunal entende que: A manutenção de relação matrimonial legal depende de ambas as partes. Por falta de entendimento mútuo, a base conjugal da autora e réu foi muito fraca. Após o casamento, os dois moraram separadamente por longo prazo e portanto não podiam manter o amor, a relação conjugal foi superficial, portanto, a autora pediu firmemente o divórcio com o réu. Considerando a quebra de relação matrimonial da autora e do réu, deve ser autorizado o pedido de divórcio apresentado pela autora. Por outro lado, quanto à questão de alimentos do filho C e da filha D, como os dois viviam com a autora quando esta vivia separadamente com o réu, e a autora também manifestou que queria criar o filho C e a filha D após o divórcio, não necessitaria a efectuação de pensão alimentícia do réu. O réu não compareceu na audiência apesar de ser citado legalmente por este tribunal, conduta essa é considerada como o abandono de acareação, a produção de provas e a excepção.
Pelo exposto, nos termos dos art.º 13.º e art.º 130.º do Direito Processual Civil da República Popular da China, art.º 311.º do «Parecer relativas às várias questões sobre a aplicação ao Direito Processual Civil da República Popular da China, os art.os 32.º e 34.º do Direito Matrimonial da República Popular da China, eis aqui a decisão:
I. Autoriza-se o divórcio da autora A e o réu B.
II. Fiquem em cargo da autora o filho C e a filha D.
Custas em RMB$300 pela autora A.
Sendo inconformados com o presente acórdão e para efeitos de recurso ao Tribunal Popular de Nível Médio da Cidade de Guangzhou da Província de Guangdong da RPC, a autora e o réu podem apresentar, respectivamente, dentro de 30 dias e 15 dias, a petição de recurso junto a este tribunal após a entrega do acórdão, com as cópias legais conforme o número das partes. A parte recorrente deve pagar antecipadamente as custas processuais para o Tribunal Popular de Nível Médio da Cidade de Guangzhou da Província de Guangdong da RPC dentro de 7 dias a contar de dia seguinte após a entrega de petição de recurso, com o valor equivalente às custas processuais da primeira instância fixadas pelo presente acórdão. Caso as custas não forem pagas dentro do prazo, será automaticamente considerado como desistente o recurso.
- Desta sentença não foi interposto recurso, tendo já transitado em julgado conforme certidão de fls. 2 e tradução de fls. 20.
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IV- O Direito
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida; 342/2009 28/34
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verific
ar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Ora, os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação invocada pela autora. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão que decretou o divórcio litigioso com observância dos preceitos legais em vigor aplicáveis à situação.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento com fundamento na cessação dos laços e convivência conjugal, bem como a atribuição dos filhos do casal a um dos cônjuges.
Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos.
Na verdade, resulta do documento de fls. 6 e 20 que a sentença de divórcio já transitou, passando a produzir efeitos a partir do dia 14/04/2010.
Por outro lado, a decisão foi proferida por entidade competente face à lei em vigor na República Popular da China e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cod. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
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V- Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal Popular do Distrito de XX da Cidade de Guangzhou da Província de Guangdong da República Popular da China de 28/12/2009 que decreta o divórcio litigioso entre A e B, nos exactos e precisos termos acima transcritos.
Custas pela requerente.
Honorários à advogada nomeada: Mop$ 1.500,00 (Portaria nº 265/96/M, de 28/10).
TSI, 16 / 02 / 2012
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José Cândido de Pinho
(Relator)
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Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)