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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso Jurisdicional em matéria administrativa
N.° 1 / 2006

Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Segurança






1. Relatório
   A interpôs recurso contencioso perante o Tribunal de Segunda Instância, pedindo a anulação do acto do Secretário para a Segurança de 26 de Novembro de 2004 que manteve a decisão de expulsão e proibição de entrada na RAEM durante três anos.
   O Tribunal de Segunda Instância, por seu acórdão de 15 de Setembro de 2005 proferido no processo n.° 11/2005, negou provimento ao recurso contencioso.
   Vem agora A interpor recurso deste acórdão ao Tribunal de Última Instância, formulando as seguintes conclusões das alegações:
   “1. O acto anulável agora mantido pelo acórdão recorrido violou a lei, o princípio da proporcionalidade que deve nortear a actividade administrativa, na medida em que, por um lado, não esclarece os critérios seguidos para decidir pela interdição por um período de 3 anos, e por outro lado, ainda que assim não fosse, a sanção administrativa sempre seria desmesurada por severidade em demasia em face dos pretensos factos eleitos a título de fundamentação.
   2. Ferindo, assim, o disposto no n.º 2 do art.º 5.º do Código do Procedimento Administrativo em vigor.
   3. No procedimento administrativo prévio que veio a culminar com a prolação do despacho impugnado e mantido, o ora recorrente não foi ouvido, nos termos do disposto no art.º 93.º do citado Código do Procedimento Administrativo.
   4. O art.º 93.º do CPA consagra o direito do interessado a ser previamente auscultado pela Administração com vista a formação de determinada decisão administrativa que o possa vir a afectar.
   5. Mesmo que se entenda que neste tipo de actividade preventiva da Administração o acto em apreço, inserido naquele tipo de actividade, revista carácter urgente, logo, com dispensa a audiência prévia, o carácter de urgência deve ser aferido caso a caso, e em concreto, devendo a urgência ser reconhecida e declarada em termos fundamentados por quem de direito caiba proferir decisão, o que não aconteceu no caso sub judice.
   6. Razão pela qual, nesta parte, quer o acto administrativo impugnado, quer a decisão recorrida, se acham eivados do vício de violação de lei, por violação do direito a audiência prévia do interessado, consagrado no art.º 93.º do Código do Procedimento Administrativo em vigor.
   7. Devendo, pois, o acórdão recorrido ser revogado, e, consequentemente, anulado o acto inicialmente impugnado.”
   Pedindo que seja julgado procedente o recurso, revogado o acórdão recorrido e anulado o acto administrativo impugnado.
   
   O recorrido concluiu, nas suas alegações, de forma seguinte:
   “1. O recorrente impugna o douto acórdão que manteve o acto administrativo recorrido, imputando-lhe a violação do princípio da proporcionalidade e o vício de violação de lei por violação do direito de audiência do interessado.
   2. O recorrente reconhece os ilícitos que lhe foram imputados e aceita as medidas aplicadas, apondo-se apenas ao quantum da medida de interdição de entrada.
   3. A interdição de entrada enquanto medida indissociávelmente ligada à expulsão é de aplicação obrigatória e a determinação do seu quantum contém-se nos poderes discricionários da Administração.
   4. O prazo de 3 anos aplicado ao recorrente mostra-se razoável, equilibrado e adequado, face à prossecução dos fins a que se destina que são de natureza securitária, de repressão e prevenção da entrada e permanência ilegais na RAEM.
   5. A Lei n.º 6/2004 prevê que o procedimento para expulsão deve ser concluído no prazo de 48 horas, conferindo-lhe, assim, a natureza de procedimento urgente.
   6. A mesma Lei n.º 6/2004 determina que o período de interdição de entrada se contenha no despacho de expulsão, e por isso reveste também a natureza de urgente.
   7. Os prazos daqueles procedimentos são totalmente incompatíveis com o prazo mínimo de 10 dias para a realização da audiência.
   8. As decisões urgentes implicam não haver lugar à audiência (art.º 96.º do CPA) e não a dispensa de audiência (art.º 97.º do mesmo Código).
   9. O acto administrativo recorrido caracteriza-se como objectivamente urgente, pelo que se enquadra no art.º 96.º do CPA, nos termos do qual não há lugar à audiência nem qualquer especial procedimento ou declaração justificativa.”
   Pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.
   
   A Procuradora-Adjunta junta ao Tribunal de Última Instância apresentou o parecer que consiste essencialmente em:
   – Ao abrigo da al. a) do art.º 96.º do CPA, não há lugar a audiência dos interessados quando a decisão seja urgente;
   – Num caso análogo, este Tribunal de Última Instância foi já chamado a pronunciar sobre a questão, tendo decidido que o procedimento de expulsão de indivíduo em situação de clandestinidade, regulado pela Lei n.º 2/90/M, não havia lugar à audiência dos interessados prevista nos art.ºs 93.º e seguintes do CPA, por se tratar de decisão urgente (art.º 96.º, al. a) do CPA), em virtude de, entre a detenção e a apresentação da proposta para decisão, não poder decorrer um período superior a 48 horas (art.º 3.º, n.º 2 da Lei n.º 2/90/M).
   – No nosso caso sub judice, as medidas em causa foram tomadas no âmbito da Lei n.º 6/2004, que veio revogar a Lei n.º 2/90/M, vigente à data da prolação do despacho do Sr. Comandante do CPSP.
   – No âmbito da Lei n.º 2/90/M, a decisão sobre expulsão de imigrantes ilegais é considerada como acto urgente, uma vez que, para cumprir aquele prazo de 48 hora, é impossível, na prática, conceder os prazos referidos nos art.ºs 94.º, n.º 1 e 95.º, n.º 1 do CPA para proceder à audiência prévia do visado antes de tomar decisão.
   – E no novo diploma que se define como “Lei da Imigração Ilegal e da Expulsão”, são praticamente seguidos os termos e trâmites previstos na Lei n.º 2/90/M para o processo de expulsão, incluindo a fixação do prazo de 48 horas dentro do qual deve ser apresentada a proposta de expulsão para decisão do Chefe do Executivo (art.º 9.º da Lei n.º 6/2004).
   – Tendo em conta a manutenção do prazo de 48 horas para apresentação da proposta de expulsão e a finalidade visada com prolongamento do período de detenção, que é a execução da medida de expulsão e não a preparação e elaboração da proposta de expulsão nem a tomada da decisão, cremos que, mesmo com a entrada em vigor deste novo diploma, não é prejudicada a natureza urgente da decisão sobre a expulsão do indivíduo que se encontra em situação de clandestinidade.
   – Concluindo que pela natureza urgente da decisão de expulsão tomada pela Administração, não há lugar à prévia audiência do recorrente.
   – No que concerne à violação do princípio da proporcionalidade, limita-se o recorrente a alegar a desproporcionalidade da medida de interdição de entrada por 3 anos que lhe foi aplicada, sem no entanto ter invocado quaisquer elementos que mostrem a sua severidade.
   – No caso ora em apreciação, estamos perante uma situação em que o recorrente, sendo embora residente de Hong Kong que, como se sabe, é autorizado a entrar e permanecer legalmente em Macau durante um determinado período, usou um documento (passaporte francês) falso para entrar em Macau e foi depois condenado pelo Tribunal Judicial de Base.
   – Evidentemente a conduta do ora recorrente pôs em causa os interesses públicos e a segurança de Macau.
   – Colocada perante essa situação, a Administração há que tomar uma decisão de expulsão, por imposição legal.
   – No entanto e quanto à fixação do período durante o qual o recorrente fica interdito de reentrar em Macau, a Administração actuou já no âmbito de poderes discricionários em que, não estando em causa matéria a resolver por decisão vinculada, a decisão tomada pela Administração fica fora de controle jurisdicional, salvo nos casos excepcionais.
   – Com fundamento no princípio da separação de poderes, a intervenção do juiz, o controlo jurisdicional fica apenas reservado aos casos de erro grosseiro, ou seja, àquelas contingências em que se verifica uma notória injustiça ou uma desproporção manifesta entre a sanção infligida e a falta cometida, dado não poderem ser legitimados, em nenhuma circunstância, comportamentos da Administração que se afastem dos princípios da justiça e da proporcionalidade que necessariamente devem presidir à sua actuação.
   – Face aos elementos apurados nos autos, não nos parece que se verifica a referida notória injustiça ou desproporção manifesta entre a sanção encontrada pela Administração e a conduta do recorrente, não sendo manifestamente excessiva a sua proibição de entrar em Macau durante 3 anos.
   – E tendo em consideração os interesses públicos e os fins visados pelo acto da Administração, afigura-se-nos que o sacrifício dos direitos e interesses do recorrente com a proibição de entrada por 3 anos não é nada desproporcional, e muito menos manifestamente.
   – Entende-se que se deve julgar improcedente o recurso.
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 O Tribunal de Segunda Instância considerou provados os seguintes factos:
   “– É seguinte o despacho recorrido:
‘Despacho
   Assunto: Recurso hierárquico necessário apresentado por A
   Atento o teor da informação n.º MIG XXX/2004/SI, que sustenta o despacho do Sr. Cmdt. Do CPSP de 18/05/2004, e acompanhando, parcialmente, a argumentação expendida pelo recorrente, verifico que:
   O referido despacho, que ordena a expulsão e a interdição de entrada, não se encontra fundamentado de direito, conforme preceituam os art.ºs 114.º e 115.º do CPA, o que consubstancia o vício de forma passível de conduzir à sua revogação ou anulação;
   A questão que é tratada no Acórdão do Tribunal de Última Instância, para fixação de jurisprudência, de 22/09/2004, não coincide, em nossa opinião, com a que é levantada no presente acto administrativo, uma vez que neste, e contrariamente àquele, é efectivamente fixado um prazo de interdição de entrada.
   Julgamos também não assistir razão ao recorrente quanto à questão do início e termo do prazo de interdição, dado que este, uma vez fixado, é perfeitamente computável face ao exposto no art.º 12.º, n.º 1 da Lei n.º 6/2004 (que dispõe que a interdição opera depois de a expulsão ser concretizada), sendo que, por outro lado, e conjugadamente com esta norma, o art.º 10.º do mesmo diploma impõe a fixação de um prazo mas não exige, por desnecessário, a referência ao início e termo do mesmo.
   Do ponto de vista substancial, e designadamente em sede da proporcionalidade da medida de interdição, nenhum reparo se me oferece em relação ao prudente critério do Sr. Cmdt do CPSP, porquanto decido manter o acto impugnado.
   Todavia, e tendo em atenção o apontado vício, decido, ao abrigo do art.º 161.º do CPA e no uso das competências que me são conferidas por lei, modificar o acto recorrido, acrescentando-lhe que com os actos praticados violou o cidadão em causa o preceito do art.º 2.º, n.º 1, 2) da Lei n.º 6/2004, sendo-lhe aplicadas as medidas da expulsão e da interdição de entrada (por 3 anos) nos termos dos art.ºs 8.º e 12.º, n.º 1, da mesma Lei, a que correspondia o regime da Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio, aplicável à data da prática dos factos.
   Cumpra e notifique.
   Gabinete do Secretário para a Segurança da Região Administrativa Especial de Macau, aos 26 de Novembro de 2004
O Secretário para a Segurança
Cheong Kuoc Vá’
   – Decisão esta tomou em consideração da informação do CPSP:
   ‘1. Em 17/05/2004, por volta das 16H55, o pessoal do Posto Fronteiriço do Comissariado do Aeroporto Internacional de Macau detectou um cidadão chinês que utilizou um passaporte francês n.º XXKDXXXXX em nome de B no átrio de chegada, vindo da França via Taiwan, tendo sido verificado que o passaporte em causa figurava na Lista de Documentos Furtados conforme ofício n.º XX/C/CAI/2004 enviado a este Corpo de Polícia pelo Consulado Geral dos Estados Unidos de América em Hong Kong em anexo.
   2. O cidadão em causa identificou-se como sendo A, residente de Hong Kong, e admitiu que o passaporte em causa foi comprado por $5000 euros na França.
   3. O mesmo foi presente ao Tribunal Judicial de Base por prática de crime de Uso de Documento Falso, conforme reporta o Auto de Notícia n.º XX/2004/AIM/S.I., e foi punido com 3 (três) meses de prisão com suspensão de execução da pena de prisão por 1 (um) ano conforme Nota de notificação da sentença em anexo.
   4. Foi enviado o ofício n.º MIGXXXX/04/S.I. para o Departamento de Migração de Hong Kong a solicitar a confirmação da identidade do cidadão em causa e posteriormente deu entrada neste Serviço de Migração o ofício n.º (XX)inS1/INT/XXPt.X do referido Departamento a confirmar que o cidadão A é residente de Hong Kong e titular do H.K.I.C. n.º HXXXXXX(X).
   5. O cidadão A foi expulso para Hong Kong em 18/05/2004 e foi-lhe interdita a entrada na RAEM pelo período de 3 (três) anos, por Despacho do Exm.º Comandante Subst.º, exarado na Informação n.º MIGXXX/2004/S.I.
   6. Ao mesmo foi emitida a Ordem de Expulsão n.º XXX/2004/S.I.
   7. Em 03/11/2004, deu entrada neste Serviço de Migração, um requerimento do Sr.º Advogado António Almeida Ferreira, a interpor recurso hierárquico necessário para o Exm.º Senhor Secretário para a Segurança, nos termos constantes do mesmo documento.
   8. Requereu, ainda, que se suspenda a eficácia do acto recorrido enquanto o presente recurso for submetida a apreciação e decisão, sobre o assunto o Exm.º Comandante Substituto exarou despacho em 8 de Novembro de 2004, no sentido de não ser suspensa a eficácia do acto em apreço, face à gravidade dos actos que sustentam a medida aplicada.
   9. O Sr.º Advogado António Almeida Ferreira, foi notificado do referido despacho, enviado através via postal em 11/11/2004, a coberto do N/ofício n.º MIGXXXXX/04/C.I.
   À consideração superior.’
   – É seguinte o acto hierarquicamente impugnado:
   ‘Informação n.º MIGXXX/2004/SI de 18 de Maio de 2004
   Assunto: A situação de um indivíduo de Hong Kong
   1. Conforme o auto de notícia n.º XX/2004/AIM/SI da Secção do PF do AIM do Comissariado de Investigação, datado de 18 de Maio de 2004, um indivíduo foi encaminhado ao Ministério Público, porque o seu passaporte francês (n.º XXKDXXXXX, de nome B) é um documento falsificado. São seguintes os elementos identificativos do referido indivíduo: A, data de nascimento: 03/04/1961, de nacionalidade chinesa, lugar de nascimento: Shao Guan, China, nome do pai: C, nome da mãe: D, profissão: comerciante, morada: [Endereço].
   2. De acordo com o ofício n.º XX/C/CAI/2004 dos Serviços de Polícia Unitários, tal passaporte francês é um documento extraviado.
   3. Conforme o ofício de n.º SI/INT/XX Pt.X de resposta do Departamento de Imigração de Hong Kong, foi confirmado de que o referido indivíduo é cidadão de Hong Kong, de nome A, data de nascimento: 03/04/1961, com o número do documento de identificação HXXXXXX(X).
   4. Após o tratamento do caso pelo Ministério Público, o referido passaporte francês falsificado foi apreendido pelo Ministério Público e o mesmo indivíduo de Hong Kong foi remetido ao Corpo de PSP para efeitos tidos por convenientes.
   5. Por tal indivíduo ter utilizado o documento falsificado, de acordo com a ordem superior, tal indivíduo será expulso e entregue ao Departamento de Imigração de Hong Kong para tratamento subsequente.
   6. À consideração superior.
Chefe de Secção de Investigação
(assinatura)
Sub-Chefe Wong Wai Cheong
   
   Parecer:
   – Proponho que A seja expulso para Hong Kong e interdito a reentrar na Região pelo período de três anos.
   – À consideração superior.
18/MAI/2004
Chefe Interino do Serviço de Migração
(assinatura)
Ass. Subint. Cheang Kam Va
   Despacho:
   Concordo, proceda-se em conformidade.
18 Maio 2004
(assinatura)’
   – Em 18/5/2004, o recorrente foi condenado, no processo sumário-crime n.º PSM-XXX-04-1 do Tribunal Judicial de Base, na pena de 3 meses com suspensão de execução de 1 ano, pela pratica do crime de falsificação de documento.
   – Em 18/5/2004, o recorrente foi expulso.”
   
   
   2.2 Audiência dos interessados
   O recorrente alega que, no procedimento administrativo que culminou com o acto impugnado, não foi ouvido nos termos do art.º 93.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA). Mesmo que se entenda que este tipo de actividade preventiva da Administração revista carácter urgente, e logo com a dispensa da audiência prévia, esta característica deve ser aferida caso a caso e a urgência ser reconhecida e declarada em termos fundamentados na decisão.
   
   No procedimento administrativo, a Administração deve, em princípio, conceder a oportunidade de audiência aos interessados antes da decisão final, nos termos do art.º 93.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA). Segundo o n.º 1 deste artigo, “Salvo o disposto nos artigos 96.º e 97.º, concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”.
   Estão previstos no art.º 96.º os casos de inexistência de audiência dos interessados:
   “Não há lugar a audiência dos interessados:
   a) Quando a decisão seja urgente;
   b) Quando seja razoavelmente de prever que a diligência possa comprometer a execução ou a utilidade da decisão;
   c) Quando o número de interessados a ouvir seja de tal forma elevado que a audiência se torne impraticável, devendo nesse caso proceder-se a consulta pública, quando possível, pela forma mais adequada.”
   Do art.º 97.º constam os casos em que a Administração pode dispensar a audiência dos interessados.
   
   O recorrente foi expulso da RAEM e interdito de reentrar durante três anos por ter utilizado, ao entrar nela, um passaporte francês falsificado com dados identificativos falsos.
   Foi em 17 de Maio de 2004 que o recorrente entrou na RAEM através do Aeroporto Internacional de Macau com apenas o referido passaporte falsificado e logo detectado e detido. No dia seguinte, o Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) proferiu a decisão de expulsão e proibição de reentrada na RAEM durante três anos. O recorrente foi recambiado para RAEHK depois de ser notificado da decisão.
   
   A matéria de imigração clandestina e a respectiva punição eram reguladas pela Lei n.º 2/90/M, pelo que não é de considerar a actual Lei da Imigração Ilegal e da Expulsão, Lei n.º 6/2004 que revogou o anterior diploma legal.
   
   Estava definida a situação de clandestinidade no art.º 1.º da Lei n.º 2/90/M:
   “1. Os indivíduos que não estejam autorizados a permanecer ou residir na RAEM, são considerados em situação de clandestinidade, quando nele tenham entrado em qualquer das seguintes circunstâncias:
   a) Fora dos postos de migração oficialmente qualificados;
   b) Sem serem titulares de qualquer dos documentos legalmente exigidos;
   c) Durante o período de interdição determinado na ordem de expulsão prevista na presente lei.
   2. Consideram-se ainda em situação de clandestinidade os indivíduos que permaneçam na RAEM para além dos prazos legalmente estabelecidos.”
   Segundo o art.º 2.º da mesma Lei, os indivíduos que se encontravam em situação de clandestinidade deviam ser expulsos da RAEM, sem prejuízo das possíveis responsabilidade penal e outras sanções legais.
   O art.º 3.º regulava o procedimento de expulsão:
   “1. Os indivíduos que sejam encontrados em situação de clandestinidade devem ser detidos por qualquer agente de autoridade e entregues à Policia de Segurança Pública.
   2. A Polícia de Segurança Pública elaborará o processo de expulsão e a respectiva proposta, que apresentará a decisão do Chefe do Executivo, no prazo de quarenta e oito horas contado a partir do momento da detenção.”
   De acordo com as referidas normas, os indivíduos que entraram ou permaneceram ilegalmente na RAEM deviam ser expulsos. O procedimento que inclui a apresentação da proposta de expulsão e a preparação das respectivas diligências devia ser concluído no prazo de 48 horas. Tal procedimento tinha o carácter de urgência.
   Nos termos do art.º 93.º, n.º 2 do CPA, a audiência dos interessados reveste as formas escrita e oral. A audiência escrita tem o prazo mínimo de dez dias e a oral deve ser notificada com antecedência de pelo menos oito dias (art.ºs 94.º, n.º 1 e 95.º, n.º 1 do mesmo Código). É manifesto que a formalidade normal de audiência prevista no CPA é inaplicável no procedimento de expulsão que deve ser concluído em 48 horas.
   A existência de indivíduos em situação de clandestinidade implica a potencial ameaça da ordem pública e jurídica da RAEM. Considerando a necessidade de protecção dos interesses públicos, eles devem ser expulsos da RAEM, em princípio no mais curto prazo. Todavia, gozam, mesmo assim, a garantia de certos direitos. Por exemplo, os indivíduos recusados a entrar na RAEM, enquanto permanecem no posto fronteiriço, podem, na medida do possível, contactar com representante diplomático do respectivo país ou pessoa por aqueles indicada, com a assistência de intérprete. Por outro lado, podem obter ainda a assistência de advogado por eles escolhido e contratado (Lei n.º 4/2003 – Princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência – art.º 5.º).
   Aqui mantemos a mesma posição tomada sobre a idêntica questão no acórdão de 10 de Novembro de 2004 proferido no processo n.º 39/2004 do Tribunal de Última Instância, em que considera que o procedimento de expulsão previsto na Lei n.º 2/90/M tem natureza urgente e nele não há lugar à audiência dos interessados regulada nos art.ºs 93.º a 95.º do CPA, ao abrigo da al. a) do art.º 96.º do mesmo Código.
   Relativamente a esta questão improcedem os fundamentos do recorrente.
   
   
   2.3 O princípio da proporcionalidade
   O recorrente sustenta ainda que o acto impugnado violou a princípio da proporcionalidade, na medida em que não esclareceu os critérios seguidos para decidir pela interdição de entrada durante três anos e a sanção seria desmesurada por demasiada severidade perante os factos concretos, ferindo assim o n.º 2 do art.º 5.º do CPA.
   
   Dispunha assim o art.º 4.º da Lei n.º 2/90/M (cujos n.ºs 3 e 4 foram aditados pelo art.º 1.º da Lei n.º 8/97/M):
   “1. Compete ao Chefe do Executivo ordenar a expulsão dos indivíduos em situação de clandestinidade.
   2. A ordem de expulsão deve indicar o prazo para a sua execução, o período durante o qual o indivíduo fica interditado de reentrar na RAEM e o seu local de destino.
   3. Na fixação dos prazos previstos no número anterior devem ser considerados os prazos de procedimento processual, designadamente para os efeitos do artigo 2.º da Lei n.º 8/97/M, de 4 de Agosto.
   4. Compete à Polícia de Segurança Pública executar a ordem de expulsão.”
   
   O legislador não estabelecia os limites do prazo de interdição de entrada, mas antes deixava a Administração escolher um prazo conveniente de acordo com as situações concretas. Por isso, estamos perante o exercício do poder discricionário quando a Administração determina o prazo de interdição de reentrada na RAEM segundo as referidas normas.
   O processo que o recorrente instaurou contra a decisão da Administração é o recurso contencioso. Nos termos do art.º 20.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, o tribunal só pode, em princípio, apreciar a mera legalidade do acto impugnado, numa forma de contencioso administrativo que é o recurso contencioso. Mais ainda, ao exemplificar os fundamentos do recurso contencioso, a al. d) do n.º 1 do art.º 21.º deste Código dispõe que, se o acto impugnado for praticado no âmbito de poderes discricionários, o tribunal só pode sindicar, nesta forma de processo, o mérito deste tipo de acto quando se verifica “o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários”. Fora destas excepções, ao tribunal está vedado o controlo das apreciações valorativas em concreto realizadas no exercício de poderes discricionários.
   O recorrente entrou na RAEM com o passaporte francês falsificado, comprado e com elementos identificativos diferentes dos seus, violou manifesta e dolosamente o regime jurídico de entrada e de documentos identificativos da RAEM. Na realidade, o recorrente foi, logo naquela altura, condenado pelo Tribunal Judicial de Base na pena de prisão pela prática do crime de uso de documento falso.
   No presente recurso jurisdicional, o recorrente não explicou concretamente por que considera demasiado severa a decisão da Administração de o proibir de reentrar na RAEM durante três anos, e muito menos chegou a alegar os aspectos de erro manifesto ou desrazoabilidade total. Assim, os fundamentos sustentados pelo recorrente nesta parte não podem evidentemente proceder.
   
   
   3. Decisão
   Face aos expostos, acordam em julgar improcedente o recurso.
   Custas pelo recorrente com a taxa de justiça em 4UC.
   
   Aos 21 de Junho de 2006.


           Juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
A Procuradora-Adjunta presente na conferência:
Song Man Lei

Processo n.° 1 / 2006 18