打印全文
Proc. nº 108/2011
(Recurso jurisdicional em matéria administrativa)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 19 de Janeiro de 2012
Descritores:
-Pensão ilegal
-Hospedagem habitacional

SUMÁRIO:
Se o locado, originariamente dotado de dois quartos de dormir, cozinha, sala de estar e despensa, foi transformado pela arrendatária, de forma a dispor apenas de 4 suites (quarto e casa de banho individual), para permitir o alojamento diário ou ao mês, a mais de 4 turistas simultaneamente, mediante retribuição e com carácter regular, a situação não se enquadra no conceito de hospedagem habitacional ou domiciliária (art. 1041º, nºs 1, al. b) e 4, do C.C.), mas no de actividade hoteleira, para o que se torna necessário cumprir certos requisitos, nomeadamente a obtenção de licença administrativa prévia.

















Proc. nº 108/2011


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM


I- Relatório

A, com os demais sinais dos autos, interpôs recurso contencioso no Tribunal Administrativo, tendente à anulação do despacho do Ex.mo Director dos Serviços de Turismo de 31/07/2008 que lhe aplicou uma multa no valor de Mop$ 60.000,00 e determinou o encerramento imediato da actividade de estabelecimento hoteleiro em fracção habitacional que, alegadamente, vinha exercendo.

Na oportunidade, foi proferida sentença, a qual “rejeitou o recurso contencioso”.

Dessa decisão recorreu jurisdicionalmente a mesma A, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1.ª Não se conformando com o referido douto acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo, interpôs a ora recorrente recurso daquela decisão judicial na parte em que o Tribunal ora recorrido tendo tido conhecimento dos vícios invocados no recurso contencioso oportunamente interposto, ainda que tacitamente, julgou-os improcedentes, sem especificar, contudo, os respectivos fundamentos de facto e de direito justificativos dessa decisão;
2.a Importa sublinhar, a este respeito, que não constam do texto do acórdão ora recorrido os vícios que foram alegados pela ora recorrente no seu recurso contencioso, nomeadamente no que diz respeito ao erro nos pressupostos de facto e de direito apontados ao acto então recorrido;
3.a Uma análise perfunctória da douta sentença permite-nos concluir que o douto Tribunal Administrativo: a) deixou de pronunciar-se sobre questões que tinha necessariamente que apreciar, designadamente o vício de lei mencionado na petição de recurso e b) ou, na melhor das hipóteses, não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão que adoptou;
4.a Sendo, pois, nulo o acórdão recorrido nos termos do artigo 571º, n.º 1, alíneas b) e d), do Código de Processo Civil;
5.ª Com efeito, o Tribunal Administrativo não especificou qualquer fundamento de facto e de direito justificativo da sua decisão, designadamente ao determinar pela improcedência dos referidos vícios apontados pela recorrente ao acto do Senhor Director dos Serviços de Turismo;
6.a Verifica-se assim a omissão de pronúncia, que a lei expressamente preceitua no artigo 571º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, aplicável aos presentes autos, como causa de nulidade do acórdão, na medida em que o Tribunal Administrativo não se pronunciou sobre questões concretamente postas pela recorrente ao Tribunal recorrido, as quais teriam inevitavelmente que ter sido decididas;
7.a Se assim não for entendido, o que se admite sem conceder, será ainda nulo o acórdão recorrido por carência factual e legal de fundamentação por parte do Tribunal “a quo “ verificando-se assim falta absoluta de motivação - cfr. artigo 571.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil;
8.a Com efeito, era absolutamente necessário que no despacho recorrido houvesse um suporte factual e material da decisão recorrida, que se tivesse alegado e provado factos e que esses factos fossem de facto e de direito subsumíveis nas normas aplicadas;
9.a Ora, não existem quaisquer factos elucidativos ou demonstrativos do elemento subjectivo das infracções que se pretendem imputar à ora recorrente, que é apenas um dos sócios de uma sociedade comercial que se dedica à locação de bens imóveis;
10.a É assim manifesto o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto na decisão então recorrida.
11.a O douto Acórdão recorrido padece, assim, de vício de violação de lei, mais concretamente, por errada aplicação e interpretação da lei no que concerne aos estabelecimentos hoteleiros.
Termos em que deve.
a) o acto ora recorrido ser declarado nulo porque o Tribunal Administrativo não se pronunciou sobre questões concretamente postas pela ora recorrente, as quais teriam inevitavelmente que ter sido decididas, bem como, proferiu uma Sentença inquinada de carência factual e legal de fundamentação, na qual se verifica falta absoluta de motivação, ou
b) quando assim se não entenda, o que se admite sem conceder, o acto recorrido ser anulado, com fundamento em vício de violação de lei, mais concretamente, por errada aplicação e interpretação da lei no que concerne a estabelecimentos hoteleiroso e ao Decreto-Lei n.º 16/96/M, nomeadamente o artigo 30.º deste diploma legislativo.

*
A entidade recorrida respondeu ao recurso, nos seguintes termos conclusivos:
1. A Recorrente alega, sem razão, que o Tribunal a quo não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão e que deixou de se pronunciar sobre questões que tinha necessariamente que apreciar;
2. Na verdade, nas páginas 1 a 3 da douta sentença são relatados, exaustivamente, os factos dados como assentes e nas páginas 4 a 9 da mesma é efectuada a subsunção dos referidos factos às normas jurídicas aplicáveis e justificadas as razõs porque os factos assentes não são subsumíveis ao regime da locação de imóveis regulado pelo Código Civil, mas sim, ao regime da hospedagem regulado pelo Código Comercial.
3. Com efeito, nos termos da senteça recorrida, o “arrendamento diário” proporcionado pelo Recorrente aos hóspedes e o número superior a 3 hóspedes não são subsumíveis ao regime do arrendamento para habitação previsto no Código Civil mas, enquadram-se na classificação de “estabelecimento hoteleiro” previsto no art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 16/95/M, de 1 de Abril, e legislação complementar;
4. Estando, portanto, o estabelecimento do Recorrente, por força do referido diploma legal sujeito ao licenciamento por parte da Entidade Recorrida.
5. Alega, ainda, a Recorrente que o Tribunal a quo violou a lei por erro nos pressupostos de facto, por errada aplicação e interpretação da lei no que concerne aos estabelecimentos hoteleiros.
6. Tal alegação não tem qualquer fundamento porquanto, como supra já se mencionou, em sede de subsunção dos factos ao direito aplicável, a sentença recorrida especifica minuciosamente os fundamentos de facto e de direito que determinaram a aplicação do Decreto-Lei n.º 16/96/M.
7. Ademais, a aplicação e interpretação da lei que são efectuadas pelo Tribunal a quo encontram-se em consonância com a aplicação e interpretação da mesma lei efectuada no Acórdão proferido pelo meritíssimo colectivo de juizes do Tribunal de Segunda Instância, ao 11 de Fevereiro de 2010, no âmbito do processo n.º 886/2009, semelhante ao processo ora recorrido;
8. Com efeito, nos termos do referido douto Acórdão “o alojamento oferecido pelo arrendatário a mais de três hóspedes em troca de retribuição, mesmo que no contrato de arrendamento urbano para habitação não se tenha estipulado a proibição desta conduta, é reconduzível à situação de exploração de estabelecimento hoteleiro, sob a alçada do regime sancionatório do Decreto-Lei n.º 16/96/M”;
9. E, “mesmo que não se ofereçam em concreto o serviço de pequeno-almoço, as pensões que se limitam a oferecer alojamento nem por isso deixam de estar abrangidas pelo regime sancionatório traçado no Decreto-Lei n.º 16/96/M, porquanto por força o seu art. o 3.º, «Para efeitos do presente diploma, consideram-se estabelecimentos hoteleiros os que se destinam a proporcionar ao público alojamento, mediante pagamento, com ou sem fornecimento de refeições e outros serviços complementares» ”.
10. “É ante precisamente a dita definição legal de estabelecimento hoteleiro que qualquer pensão que se limite a fornecer alojamento sem quaisquer serviços complementares nem de pequeno almoço estará, indubitavelmente, também sob a alçada sancionatória deste Decreto-Lei e do seu Regulamento definido na correspondente Portaria.”;
11. Por isso toda a pessoa singular ou colectiva que pretenda explorar em Macau uma pensão deverá requerer o respectivo licenciamento à Direcção dos Serviços de Turismo (art.º 14.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 16/96/M), sob pena de vir a ser punido com 60 000 patacas de multa e encerramento imediato da pensão (art.º 67.º, nºs 1,2, alínea b) e 3, deste Decreto-Lei).”;
12. “E das disposições conjugadas dos art.ºs 14.º e 88.º do Decreto-Lei n.º 16/96/M, resulta evidente que quem deverá ser punido é o titular do estabelecimento hoteleiro em questão, titular esse que pode não ser, ao mesmo tempo, o proprietário do edifício ou da fracção do edifício”;
13. A sentença recorrida não padece, portanto, de nenhum dos vícios que são imputados pela Recorrente nas suas alegações de recurso.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e, em consequência, manter-se a decisão recorrida nos termos em que foi proferida, fazendo V. Exas., mais uma vez, JUSTIÇA!
*
O digno Magistrado do M.P., no seu douto parecer final, manifestou a opinião de que o recurso não merece provimento.
*
Cumpre decidir.
***
II- Os Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade (a numeração dos factos que seguem é da nossa responsabilidade):
1- No dia 6 de Agosto de 2006, o pessoal do CPSP de Macau realizou uma acção de combate à criminalidade junto às Rua de Cantão e Rua de Pequim, onde verificou que a fracção B do 19º andar, do Edifício “XX” sito na Rua de Cantão, foi modificada para quatro suites, entre as quais três foram alugadas aos B, C, D e E, tendo todos declarado que alugavam as supracitadas suites por MOP120 como despesa diária eHK$3.900 como despesa mensal.
2- No mesmo dia, foi elaborado o auto de notícia n.º49/A/2006-Pº.225.48 pela autoridade policial (vd. fls. 12 a 15 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
3- No dia 9 de Agosto de 2006, foi enviado o supracitado auto de notícia para a Direcção dos Serviços de Turismo para o acompanhamento.
4- Não tendo a recorrente requerido junto da Direcção dos Serviços de Turismo, qualquer licença de exploração para a supracitada fracção residencial B do 19º andar do Edifício “XX” sito na Rua de Cantão.
5- No dia 16 de Agosto de 2006, foi feito o relatório n.º16/DI/2006 pelo instrutor dos Serviços de Turismo, tende o mesmo proposto que fosse instaurado procedimento administrativo contra o proprietário da respectiva fracção, bem como fosse feita a notificação através do edital (vd. fls.27 a 31 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
6- O Director dos Serviços de Turismo, em 22 do mesmo mês, proferiu o despacho concordando a supracitada proposta.
7- No dia 28 do mesmo mês, a Subdirectora dos Serviços de Turismo mandou a notificação n.º105/2006 indicando na qual que devido à impossibilidade de notificação pessoal, foi, por via de notificação edital, notificado o proprietário da referida fracção da decisão de instauração de procedimento administrativa contra si (vd. fls.38 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
8- No dia 30 do mesmo mês, a Subdirectora dos Serviços de Turismo mandou a notificação n.º 112/2006 para notificar o proprietário da dita fracção F, sobre a decisão de instauração de procedimento administrativo e podia ele, no prazo de 10 dias contado a partir de 4/9/2006, apresentar audiência escrita (vd. fls. 42 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
9- No dia 11 de Setembro de 2006, a recorrente A apresentou declarações à Direcção dos Serviços de Turismo, tendo declarado que começou, em 15 de Setembro de 2005, a tomar de arrendamento a supracitada fracção; mais tende declarado que dava de arrendamento as suites da fracção por forma mensal e para os efeitos de comprovação, cada cliente tinha que assinar contrato de arrendamento. (vd. fls. 48 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
10- No dia 12 de Setembro de 2006, F apresentou à Direcção dos Serviços de Turismo, uma declaração alegando que deu de arrendamento a fracção a A, a partir de 15 de Setembro de 2005, e que a fracção dispõe originalmente de uma sala de estar, dois quartos, duas casas de banho, uma cozinha, uma varanda e uma despensa (vd. fls.61 a 62 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
11- No dia 4 de Junho de 2007, foi feito o relatório n.º30/DI/2007 pelo instrutor dos Serviços de Turismo, tendo o mesmo proposto que fosse notificada a recorrente de que pode, no prazo de 10 dias contado a partir da publicação da notificação, apresentar audiência escrita, face aos factos indicados no auto de notícia (vd. fls. 130 a 135 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
12- No dia 8 do mesmo mês, a Subdirectora dos Serviços de Turismo ex arou o despacho de concordância sobre o supracitado relatório, bem como mandou a notificação n.º53/2007 (vd. fls. 135, 136 e 141 do apenso).
13- No dia 22 de Junho de 2007, a recorrente apresentou audiência escrita à Direcção dos Serviços de Turismo (vd. fls. 125 do apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)
14- No dia 7 de Julho de 2008, foi feito o relatório n.º72/DI/2008 pelo instrutor dos Serviços de Turismo, tendo o mesmo proposto que fosse autuada a recorrente, e esta pode, no prazo de 5 dias úteis contado a partir do recebimento da notificação, apresentar defesa escrita (vd. fls. 215 a 218 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
15- No dia S de Julho de 2008, o Director dos Serviços de Turismo ex arou o despacho de concordância sobre o supracitado relatório, e mandou no mesmo dia a notificação n.º68.4/2008 (vd. fls. 218 e 221 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
16- Não tendo a recorrente apresentado defesa escrita dentro do prazo fixado.
17- No dia 29 de Julho de 2008, foi feito o relatório n.º387/DI/2008 pelo instrutor dos Serviços de Turismo, tendo o mesmo proposto que fosse aplicada à recorrente a multa de MOP60.000 com encerramento imediato do respectivo estabelecimento (vd. fls. 246 a 249 do apenso, cujo teor aqui se dá foi feito dias úteis contado a partir de recebimento da notificação,
18- No dia 31 de Julho de 2008, o Director dos Serviços de Turismo exarou o despacho seguinte sobre o supracitado relatório:
“Concordo. Proceda-se em conformidade”.
19- No mesmo dia, foi emitida pela Direcção dos Serviços de Turismo a notificação n.º79.1/2008 (vd. fls. 250 do apenso).
20- No dia 1 de Setembro de 2008, a recorrente interpôs recurso contencioso junto deste Tribunal.
***
III- O Direito
1- A recorrente luta contra a sentença da 1ª instância em duas frentes:
- Em primeiro lugar, acha que ela é nula, nos termos do art. 571º, als. b) e d), do CPC, por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia, respectivamente;
- Depois, reputa-a errada na aplicação do direito substantivo.
Comecemos pelo primeiro aspecto.
*
2- Da nulidade da sentença
Defende a recorrente que a sentença julgou improcedentes os vícios imputados ao acto sem qualquer fundamento de facto e de direito e escapando ao dever de pronúncia sobre questões que tinha que necessariamente apreciar (sem dizer, especificamente, quais).
Nada de mais injusto!
Na verdade, se na petição inicial a recorrente esgrimia contra o acto administrativo os vícios de erro sobre os pressupostos de facto/ de direito (neste segundo plano, reconduzível a violação de lei) e de forma, por falta de fundamentação, a cada um o tribunal ”a quo” prestou a devida atenção, debruçando-se sobre eles e fazendo o estudo que o caso merecia.
Assim é que, quanto ao primeiro, deu por assente a factualidade acima transcrita, dividida aliás em 20 factos, enquadrou-os no âmbito das disposições do Código Civil, do DL nº 16/96/M e do DL 52/99/M, e, dedicando ao assunto cerca de 10 páginas, fez uma subsunção que não deixa margem para qualquer dúvida, concluindo pela sua improcedência.
Quanto ao segundo, também a sentença o julgou não verificado, com apelo ao teor do acto em si mesmo e à disciplina que emana do art. 115º, nº1, do CPA, sem esquecer o que resulta da Lei 3/2010, de 2/08, DL nº 16/96/M e do DL nº 52/99/M. Fez o que devia e o que era necessário e bastante (ver fls. 13 da sentença).
Ou seja, tanto cumpriu o dever de fundamentar (art. 562º, nºs 2 e 3, do CPC), como se pronunciou sobre todas as questões que lhe foram colocadas, como lhe ordena o art. 563º do CPC.
O mesmo é dizer que, por conseguinte, que não concordamos com as alegações do recurso nesta parte, que assim vão improcedentes.
*
2- Do mérito do julgado
Vem depois o recurso jurisdicional dirigido contra a sentença do Tribunal Administrativo que julgou improcedente o designado “recurso contencioso” movido por A contra o acto administrativo do Ex.mo Director dos Serviços de Turismo.
Agora, porém, o recurso está circunscrito à parte da sentença em que julgou improcedente o vício do erro sobre os pressupostos de facto/direito.
Estava em apreciação da legalidade da decisão de 29/07/2008 daquela entidade que determinou a aplicação de uma multa no valor de Mop$ 60.000,00 e o encerramento imediato de um estabelecimento hoteleiro em fracção habitacional.
Entendia a recorrente que o acto posto em crise padecia de vício de forma, por insuficiente fundamentação, e de vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, mas a sentença do T.A. não acolheu a tese defendida no recurso contencioso.
Vejamos.
Tudo gira em redor do DL nº 16/96/M, de 1 de Abril, para cujo art. 3º os estabelecimentos hoteleiros são aqueles que “…se destinam a proporcionar ao público alojamento, mediante pagamento, com ou sem fornecimento de refeições e outros serviços complementares”.
O alojamento é, assim, a condição essencial da actividade, muito embora possam ser ainda fornecidas refeições e outros serviços complementares.
Todavia, também no regime do arrendamento para habitação é possível que, para além do arrendatário, vivam no locado três hóspedes no máximo (art. 1041º, nº1, al. b), do Cod. Civ.), que serão os indivíduos a quem o arrendatário proporcione habitação mediante retribuição (art. 1041º, nº4, do CC).
Como no Código Civil da RAEM a hospedagem não carece da prestação de serviços relacionados com a habitação, esta última parece ser o objecto central do negócio. Neste sentido, há paralelismo entre o núcleo da hospedagem habitacional ou domiciliária e a hospedagem hoteleira, sendo certo que entre ambas há outros pontos de contacto, como sejam a provisão de roupa de cama, fornecimento de energia e água na casa de banho, toalhas de limpeza, etc.
Mas há duas coisas fundamentais que as distingue, imediatamente:
- É que, por um lado, a hospedagem habitacional implica que seja o arrendatário a proporcionar o gozo do locado, ou parte dele, ao hóspede;
- E, por outro lado, que também os hóspedes “residiam” no prédio (“…além do arrendatário…”). O que significa que o arrendatário não abandona o prédio locado, nem este perde, por isso, a função inicial que esteve na base do contrato de arrendamento com o seu senhorio.
*
O caso dos autos?
Em nossa opinião, ele apresenta-se com um traço muito peculiar que o afasta da hospedagem domiciliária. Senão, repare-se:
a) Começamos por estar em presença de um contrato de arrendamento inicial com início de vigência em Setembro de 2005 entre senhorio e A (facto 10);
b) A casa dada de arrendamento dispunha inicialmente de uma cozinha, uma sala de estar, dois quartos de dormir, duas casas de banho, uma varanda e uma despensa (facto 10);
c) A referida fracção foi, entretanto, modificada pela inquilina na sua estrutura interna, de modo a dispor apenas de 4 suites (quarto de dormir com casa de banho privativa), perdendo a cozinha e a sala de estar (facto 1);
d) A inquilina, ora recorrente, não residia no locado e desde Setembro de 2005 disponibilizava quartos dessa habitação transformada a turistas mediante retribuição diária ou mensal (facto 9);
e) No dia 6 de Agosto de 2006 uma acção de fiscalização detectou no locado a permanência de 4 turistas em 3 quartos, pagando cada um o valor diário de 120 patacas (dois) e os restantes o preço mensal de HK$ 3.900 (facto 1);
f) Nunca a recorrente pediu licença para a exploração de estabelecimento hoteleiro (facto 4).
Este grupo de factos não nos permite a subsunção à noção de subarrendamento (art. 1007º do C.C.). Na verdade, a fracção em causa não foi transmitida a um terceiro no estado em que a recebeu o locatário. Isto é, a arrendatária não celebrou, por seu turno, um novo contrato de arrendamento da mesma coisa a terceiro, que passasse a ser o sublocatário (Ac. STJ, de 23/05/1995, in C.J., de 1995, 2º vol., pag. 104), mas antes permitiu a utilização autónoma de quartos individuais a outros tantos interessados particulares com carácter não permanente e estável, mas antes por períodos diários ou mensais.
Em vez disso, ele reúne, sem dúvida, todos os ingredientes característicos de uma actividade hoteleira, com carácter regular. Na verdade, desde logo nos impressiona o facto de a recorrente não se ter limitado a não viver no arrendado (não tinha aliás, condições para isso, por lhe faltar cozinha e sala de estar e ter que conviver amiúde com pessoas estranhas), como ainda a circunstância de obter um rendimento a partir do fornecimento de alojamento a mais de três hóspedes diariamente (são significativas, aliás, as fotografias constantes do processo administrativo que nos mostram quatro quartos de dormir, dois deles com duas camas cada um, o que permitiria, em cada noite, pelo menos 6 pernoitas).
Portanto, a situação que os autos nos revelam, aliás confessada pela própria recorrente nas suas declarações no processo administrativo, é a de que ela desenvolve no locado uma actividade de hotelaria e para a qual é exigida uma prévia licença administrativa e uma obediência aos mais diversos requisitos a que se refere a Portaria nº 83/96/M, de 1 de Abril, em plena violação, portanto, do disposto nos arts. 14º e 30º do referido DL nº 16/96/M1 2.
Não abala minimamente esta conclusão a circunstância de a referida fracção estar a ser utilizada para aquele fim, não pelo proprietário, mas pela arrendatária. Com efeito, o DL nº 16/96/M, para efeito de qualificação da infracção, não estabelece qualquer distinção de cariz pessoal ou não prevê o ilícito em função da natureza jurídica da relação que liga o autor do ilícito à coisa. Para o legislador é indiferente que a actividade seja exercida pelo arrendatário ou pelo proprietário do imóvel.
Por outro lado, a ambiência em que a actividade foi desenvolvida mostra-nos um quadro que não afasta a existência do elemento subjectivo do ilícito. Na verdade, a própria recorrente confessou estar desde Setembro de 2005 a explorar a actividade de hospedaria (embora lhe chamasse subarrendamento a fls. 125 do apenso instrutor e fls. 16 do apenso “traduções”), apesar de bem saber que o contrato tinha sido para sua habitação. Disse, aliás, tê-lo feito por razões de dificuldade económica e com o objectivo alegado de obter rendimentos para acorrer à satisfação das despesas familiares.
Quer isto dizer que a sentença andou bem ao não dar por verificado o erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
*
Face ao que vem de ser dito, a sentença não merece qualquer censura.
***
IV- Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

TSI, 19 / 01 / 2012

Presente José Cândido de Pinho
Vitor Coelho Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
1 Este artigo dispõe que “Os estabelecimentos hoteleiros e similares só podem abrir ao público após a emissão da licença respectiva”.
2 Neste sentido, ver o ac. do TSI de 11/02/2010, no Proc. nº 886/2009.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------