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Proc. nº 201/2011
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)

Data: 16 de Fevereiro de 2012

Assunto:
- Insuficiência da matéria de facto
- Dano não patrimonial

SUMÁRIO:
- Não há insuficiência da matéria de facto quando a cronologia dos factos assentes e provados, associada com outros elementos existentes nos autos permitem concluir estar verificados todos os pressupostos da responsabilidade extracontratual.
- Nos termos do nº 3 do artº 489º do CCM, o montante da indemnização do dano não patrimonial é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
- É adequado e equitativo o montante de MOP$200.000,00 fixado pelo tribunal a quo, tendo em consideração que “o erro médico em causa provocou à Autora buracos no útero e no intestino delgado, pelo que, submeteu-se necessariamente à operação cirúrgica para tapar os referidos buracos, causando-lhe dores que foram apuradas nos autos. Felizmente, as lesões corporais da Autora foram completamente reabilitadas, não foi verificada qualquer sequela nem foram averiguadas que as insónias e palpitação tivessem relação directa com o presente erro médico”.
O Relator,
Ho Wai Neng



Proc. nº 201/2011
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)

Data: 16 de Fevereiro de 2012
Recorrentes: Direcção dos Serviços de Saúde (Ré)
A (Autora)
Recorridas: As mesmas

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 26/10/2010, o Tribunal Administrativo da RAEM julgou a acção parcialmente procedente, condenando a Ré, Direcção dos Serviços de Saúde, a pagar à Autora, A, a quantia de MOP$210.549,00, a título de indemnização de danos patrimoniais e morais.
Dessa decisão, vêm, quer a Ré, quer a Autora, interpor recurso jurisdicional, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
A) Do recurso da Ré:
1. A sentença do Tribunal Administrativo de Macau que julgou parcialmente procedentes os pedidos da Autora e condenou a ora R. ao pagamento de determinados montantes, padece de insuficiência da matéria de facto provada para a solução dada à pretensão da Autora, impondo-se a anulação da decisão recorrida para que, após ampliação da base instrutória, se realize novo julgamento a fim de apurar a verdade dos factos.
2. A par do fundamento enunciado, verifica-se que a douta sentença recorrida padece também de erros de direito e, bem assim, de erros de julgamento quanto a alguns pontos da matéria de facto, implicando os primeiros a revogação da sentença recorrida e os segundos a alteração da matéria de facto em conformidade, respectivamente.
3. Finalmente, a título a título subsidiário e meramente cautelar, o montante indemnizatório arbitrado, no que toca ao ressarcimento de danos não patrimoniais, deve ser reduzido, porquanto excessivo, face à gravidade e extensão dos danos provados nos autos.
4. Realizada a audiência de discussão e julgamento, o douto Colectivo do Tribunal a quo proferiu sentença condenatória da ora Recorrente, após considerar provada a factualidade constante de fls. 386 e 387v..
5. Nos termos do artigo 477º do CC, para que nasça a obrigação de indemnizar - principal consequência do instituto da responsabilidade civil - é necessário que se verifiquem quatro pressupostos cumulativos:
a. acto (positivo ou omissivo) ilícito;
b. culpa - dolo ou mera culpa;
c. dano efectivo; e
d. nexo de causalidade entre o acto e o dano.
6. Atendendo ao teor da matéria de facto dada como provada constante de fls. 386 e 387v. dos autos e, salvo melhor opinião, a pretensão da Autora teria necessariamente que naufragar, dado que de todos os pressupostos de que depende a responsabilidade civil, apenas um ficou provado: o dano a que se refere a resposta ao quesito 180 da douta base instrutória.
7. A douta sentença recorrida considerou provado o pressuposto da ntença ilicitude apoiando-se em um relatório do CAQ, elaborado no âmbito de um processo não judicial, cuja falta de dignidade probatória e jurídica não permite dar por provados, acriticamente, os factos que nele são declarados, nomeadamente que a Dra. XX tenha violado ou descurado regras de ordem técnica ou outras aplicáveis ao caso dos autos.
8. Acresce que além de a douta sentença recorrida abstrair-se do teor da restante prova produzida no processo, nomeadamente quanto à prova pericial, prestada por médicos especialistas que depuseram por escrito e oralmente, sob juramento, às questões formuladas pelo Tribunal e cujas conclusões não permitem concluir pela verificação de ilicitude no caso dos autos, o referido relatório do CAQ é incoerente, inconsistente e dúbio, porquanto refere que a Dra. XX violou regras técnicas e ao mesmo tempo refere que a mesma Dra. XX não violou as regras técnicas aplicáveis nas duas intervenções para remoção do DIU.
9. O caso dos autos não está sujeito a regras especiais no que concerne às regras da repartição do ónus da prova, valendo o que consta dos artigos 334º e segs. do CC. Assim, também nesta acção, cabe à Autora fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado e, não o fazendo, a sua pretensão deve improceder em conformidade.
10. No mesmo sentido, estabelece o artigo 437º do Código de Processo Civil (CPC) que a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.
11. Assim, se da única prova referenciada na douta sentença recorrida para demonstração do pressuposto da ilicitude (o relatório do CAQ), constam afirmações que são absolutamente contraditórias entre si, isto é, que a Dra. XX violou regras de ordem técnica e que a Dra. XX não violou regras de ordem técnica, e se essa violação aproveitaria à pretensão da Autora, então, deveria o douto Colectivo do Tribunal a quo ter concluído que não ficou provado o pressuposto da ilicitude com base na violação de regras técnicas.
12. Por outro lado, também não foi feita prova de qualquer facto concreto de demonstre que a Dra. XX tenha violado o direito da Autora ou qualquer disposição legal destinada a proteger os seus interesses, nos termos do n.º 1 do referido artigo 7°, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 28/91/M.
13. Como se deduz da matéria considerada provada, transcrita supra, a Autora apenas logrou provar que sofreu lesões de que não padecia anteriormente (cfr. resposta ao quesito 18° da douta Base Instrutória), nada ficando provado quanto ao autor e responsável pela produção da lesão, quanto ao nexo de causalidade, etc .
14. Neste sentido, a matéria de facto provada é insuficiente para a prova do pressuposto da ilicitude e, consequentemente, para a solução dada à pretensão da Autora, verificando-se ainda erro de direito por violação das regras do ónus da prova, nomeadamente, das regras constantes nos artigos 335°, n.º 1 do CC, e 437° do CPC.
15. Também quanto ao pressuposto da culpa, o douto Tribunal recorrido apoia-se exclusivamente no referido relatório do CAQ.
16. Para além das reservas que se colocaram acerca da questionabilíssima força probatória e validade jurídica do relatório do CAQ, importa interrogar como é que o CAQ pôde concluir que a Dra. XX não utilizou a sua experiência e técnica para evitar a perfuração do útero e do intestino da Autora como se refere na douta sentença recorrida!?
17. Porquanto no referido relatório nada é dito sobre esta questão, surge uma nova pergunta: se uma sentença judicial, que é elaborada por um Tribunal, tem de especificar os fundamentos de facto (e de direito) que justificam a decisão, sob pena de nulidade (cfr. artigo 571º, n.º 1, al. b) do CPC), será que um relatório elaborado por uma entidade não judicial, como é o referido CAQ, que vem a ser utilizado como única prova num processo judicial, dispensa o mesmo rigor e exigência?
18. A resposta não pode deixar de ser negativa e que, por falta de fundamentação do referido relatório, não pode este relatório servir, por si só, de base a este ponto da decisão recorrida, devendo considerar-se, por conseguinte, também quanto a este ponto que a matéria de facto provada é insuficiente para a prova dos factos integradores do direito da Autora e que houve erro de direito por violação das regras do ónus da prova, nomeadamente, das regras constantes nos artigos 335°, n.º1 do CC, e 437° do CPC.
19. Facilmente se deduz que, de todos os pressupostos de aplicação do regime da responsabilidade civil da Administração (cfr. art. 477° do CC e arts. 4°, 5° e 7° do DL 28/91/M, de 22 de Abril), apenas um ficou provado: o dano.
20. Porém e ainda que se considere provado este pressuposto, o qual isoladamente não implica qualquer obrigação de indemnização por parte da Ré, ora Recorrente, importa sublinhar que o dano ou danos provados ficaram muito aquém dos danos alegados.
21. Ainda que as objecções levantadas quanto à verificação (ou não verificação) dos restantes pressupostos exigidos pelo artigo art. 477° do CC fossem consideradas improcedentes, hipótese que apenas se coloca por cautela de patrocínio, a ausência de prova acerca do nexo de causalidade entre a intervenção cirúrgica referida na alínea (D) da douta matéria assente e os alegados danos é, salvo melhor opinião, clara e indiscutível.
22. O douto Colectivo do Tribunal a quo deduz um facto desconhecido ("os buracos do útero e intestino da Autora são lesões feitas pela médica que efectuou a cirurgia de remoção do dispositivo intrauterino") de um facto que assume, erradamente, como conhecido (durante o período desde a cirurgia até à verificação das lesões, a Autora não tinha efectuado qualquer intervenção médica que pudesse causar os buracos do seu útero e intestino).
23. Em ponto algum da factualidade dada como provada ficou assente que "Durante o período desde a cirurgia até à verificação das lesões, a Autora não tinha efectuado qualquer intervenção médica que pudesse causar os buracos do seu útero e intestino".
24. Esta matéria não foi considerada assente, nem quesitada, tampouco provada!
25. A única referência que existe quanto a esta matéria é aquilo que a Autora declarou no âmbito da investigação feita pelo CAQ e, como é bom de ver, se a Autora se tivesse submetido a qualquer intervenção entre a realização da intervenção referida na alínea D) da matéria assente e a consulta no Hospital Kiang Wu, naturalmente que pretenderia omitir esse facto, pelo que a sua declaração, quanto a esta matéria, em termos probatórios de pouco ou nada vale.
26. Esta matéria não foi considerada assente, nem foi quesitada na douta base instrutória, apesar de ser essencial para a solução dada à pretensão da Autora, pelo que fica prejudicada a convicção do Tribunal quanto à verificação do nexo de causalidade entre facto e dano.
27. Em rigor, deveriam ter sido incluídos na douta base instrutória os seguintes quesitos, a fim de a Autora fazer prova do direito que alega:
a Os buracos do útero e intestino da Autora são lesões feitas pela médica que efectuou a cirurgia de remoção do dispositivo intra-uterino?
b Durante o período desde a cirurgia até à verificação das lesões, a Autora não tinha efectuado qualquer intervenção médica que pudesse causar os buracos do seu útero e intestino?
28. Tal não tendo sido feito, verifica-se a insuficiência da matéria de facto provada para a solução dada à pretensão da Autora, impondo-se a anulação da decisão recorrida para que, após ampliação da base instrutória, se realize novo julgamento a fim de se apurar a verdade dos factos.
29. Refira-se, em todo o caso, que a resposta do colégio de peritos ajuramentados à Pergunta 23 do douto Relatório Pericial foi no sentido de que "(...) Não podemos concluir se o trauma do útero foi ou não devido à extracção "
30. Esta resposta, a par da ausência de qualquer prova produzida em sentido contrário, sempre implicará, necessariamente, que se conclua que, até ao momento, não ficou provado o nexo de causalidade entre os buracos do útero e intestino da Autora, correspondentes às lesões dadas como assentes na resposta ao quesito 18°, e a cirurgia de remoção do dispositivo intra-uterino, referida na alínea D) da matéria assente.
31. Porque assim é, deve a douta sentença recorrida ser revogada por V. Exa. substituindo-a por outra que absolva a ora R. dos pedidos da Autora ou, em alternativa, seja anulada a decisão recorrida para que, após ampliação da base instrutória à luz do supra exposto, se realize novo julgamento a fim de se apurar a verdade dos factos, fazendo V. Exas. a habitual justiça.
32. Os quesitos 1º e 2º deviam ter sido considerados NÃO PROVADOS já que, tendo por objecto factos negativos, cuja prova, mesmo em abstracto é muito difícil fazer, é esse o sentido de toda a prova produzida no âmbito dos presentes autos, nomeadamente a constante dos Documentos n.ºs 1 a 4 juntos à Contestação, conforme acima se explanou.
33. Caso se entenda que não há que ampliar a base instrutória nos termos expostos, o que não se concede e apenas admite por mera cautela de patrocínio, há, salvo melhor opinião, que reduzir o montante fixado a título de danos não patrimoniais no montante de MOP$200,000, porquanto manifestamente excessivo face aos danos provados, à jurisprudência dos Tribunais de Macau e ao diminuto grau de culpa que a sentença recorrida atribuiu ( erradamente) à Dra. XX na alegada produção dos danos à Autora (cfr. artigo 487º do CC).
B) Do recurso da Autora:
A) A Dra. XX, médica do Hospital Central Conde de S. Januário, causou, com culpa que entendemos grave e violação dos seus deveres profissionais mais elementares, lesões graves à recorrente;
B) Num procedimento médico simples e rotineiro, para as mulheres como a A., saudáveis e que usam como método contraceptivo o Dispositivo Intra Uterino, i.e., a excisão do mesmo, a médica que o efectuou, tendo consciência de todas as condicionantes da situação e do estado clínico da recorrente, agiu com tal omissão e violência, que perfurou dois órgãos vitais da recorrente: o útero e o intestino.
C) A A., ora recorrente, sofreu atrozmente com dores pelas lesões provocadas, tendo passado do estado de pessoa saudável para o estado de gravemente lesionada e doente até à sua cura, não sem ter que ter sido sujeita a intervenção cirúrgica urgente, sob anestesia geral prolongada, atentas as gravidade das lesões, pois caso assim não fosse não recuperava;
D) Ressalvado o muito respeito devido, ir a um Hospital Público para efectuar um simples procedimento e sair de lá gravemente doente, é sério e grave e contra todos os Interesses Públicos e Particulares a acautelar;
E) Não temos dúvida que a conduta da médica em questão constitui a noção de culpa grave na sua conduta, geradora da necessidade de reparar pecuniariamente a recorrente, pois outro tipo de reparação não é possível, de acordo com o disposto nos arts. 480°, 556°, 557°, 560°, 489º e 487º do Código Civil, por força dos arts. 7° e 4° do Decreto Lei nº 28/91/M;
F) A Indemnização a fixar equitativamente pelo Douto Tribunal, não atendeu à matéria factual assente por provada, não permitindo o juízo equitativo de um bonus pater famílias, face ao caso concreto e a todo o apurado, igual ao juízo equitativo efectuado pelo Douto Tribunal, por que o montante de MOP$200.000,00 não permite, de todo, o ressarcimento mínimo da recorrente para o sofrimento que lhe foi causado.
G) Entendemos que o montante peticionado a título de danos não patrimoniais é o adequado para o caso concreto.
H) O Douto Acórdão recorrido padece dos vícios elencados nas alíneas b) e c) do art. 571° do Código de Processo Civil, com o que é nulo.
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A Ré respondeu à motivação do recurso da Autora nos termos constantes a fls. 452 a 460v dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo
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O Ministério Público é de parecer da improcedência de ambos os recursos.
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Factos
É assente a seguinte factualidade:
1. Em 04 de Maio de 2006, numa consulta ocorrida no Centro Hospitalar Conde S. Januário, e assistida pela Dra. XX, médica do referido hospital, se decidiu a remoção do dispositivo intra-uterino(DIU).
2. De acordo com o Relatório da Intervenção efectuado pela Dra. XX, “uma vez que o cervix está apertado e difícil, a paciente não pode suportar a dor, pelo que resolvi o procedimento de remoção”.
3. A Dra. XX marcou nova intervenção à A. para o dia 30 de Maio de 2006 tendo considerado que usaria anestesista em caso de necessidade.
4. A Autora deu entrada na Urgência Obstétrica/Ginecológica do Centro Hospitalar Conde São Januário às 8.56 horas do dia 30 de Maio de 2006, tendo a intervenção de remoção do DIU terminado por volta das 9.25 horas.
5. Depois da intervenção, a Autora ficou em observações.
6. Durante o período de observações a Autora tinha uma pressão arterial de 114/82mmHg.
7. A Autora acabou por sair do CHCSJ às 10.17h desse mesmo dia.
8. As recomendações da médica, aquando da sua saída do CHCSJ, foram de que se sentisse mal de saúde, adoentada, podia a qualquer altura voltar ao Hospital.
9. A Autora reclamou para o CHCSJ, a quem pediu responsabilidades, e pediu que investigassem toda a situação, tendo intervindo o Centro de Atendimento de Queixas para a análise do caso, cuja conclusão foi notificada à Autora através do expediente que se junta a fls. 14 a 17, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais1.
10. A Autora foi uma mulher saudável e aos 49 anos de idade nunca tinha tido qualquer lesão interior, ou exterior, que lhe provocasse qualquer hemorragia, nunca tinha efectuado qualquer cirurgia à barriga.
11. Desde, pelo menos, 1998 que a Autora usava o dispositivo intra-uterino(DIU) sem ter revelado problemas com o seu uso.
12. Durante o período de observações a Autora queixava-se de pequenas dores na zona abdominal.
13. Depois de deixar o hospital, a Autora constatou que as dores na zona abdominal agravaram tendo vomitado uma vez.
14. Em 31 de Maio de 2006, por causa das dores na zona abdominal, a Autora foi ao Hospital Kiang Wu para consulta.
15. No Hospital Kiang Wu, constataram que a pressão arterial da autora era de 131/84 mmHg e que a temperatura do corpo era de 36.8ºC.
16. E decidiram que a Autora ficaria no Hospital para ser seguida.
17. Em 1 de Junho de 2006, pelas 12.00 horas, o relatório médico do Hospital Kiang Wu refere expressamente que o diafragma da Autora tinha um meniscus gas que, combinado com a manifestação clínica e a informação da imagem, podia que tratar-se de uma perfuração ou uma obstrução nos intestinos da Autora.
18. Em 1 de Junho de 2006, pelas 17.00 horas, a celioscopia mostrava que dentro do estômago da Autora o sangue estava empilhado e o útero tinha um buraco de 2 cm com a forma de uma cruz, enquanto o intestino delgado também tinha um buraco, com muito puz à volta dos buracos.
19. Às 17.45 horas do mesmo dia, no Hospital Kiang Wu, foi efectuada cirurgia à Autora, tendo sido constatado que perto dos intestinos a Autora tinha um buraco de 1.5 cm.
20. A equipa médica verificou através do puz extraído durante a operação que havia infecção e que considerou poder ter sido causado pelo buraco.
21. Em 10 de Junho de 2006, a autora teve alta do Hospital Kiang Wu.
22. A Autora teve dores.
23. Os gastos efectuados no Hospital Kiang Wu ascenderam MOP$10.549,00.
24. A Autora sofreu lesões de que não padecia anteriormente.
25. Desde Maio de 1998 até Setembro de 2000, a Autora vem-se queixando de insónias e palpitações.
Factos provados ao abrigo do disposto do nº 2 do artº 5º do CPCM:
- No âmbito da instrução e discussão da causa, foi realizada a peritagem médica onde foram inquiridos, entre outros, os seguintes quesitos (fls. 207):
14
“Tratando-se de um instrumento redondo como o utilizado, a médica teria de ter continuado a introduzi-lo, mesmo depois de furar o útero, até uma profundidade suficiente para que já não tivesse mais espaço para se mover, e teria que ter continuado a fazer força para romper também a sua parede?”.
15
“Pode este instrumento ter furado o intestino da Autora, sobretudo fazendo um buraco com 1.5cm?”.
- E os peritos responderam unaminamente o seguinte (fls. 331):
14 – 是 (sim)
15 – 取環鈎可以通過穿破子宮再損傷小腸 (o instrumento de remoção do DIU pode perfurar o útero e causar depois lesões no intestino delgado)
*
III – Fundamentos
Na óptica da Ré, “os quesitos 1º e 2º deviam ter sido considerados NÃO PROVADOS já que, tendo por objecto factos negativos, cuja prova, mesmo em abstracto é muito difícil fazer, é esse o sentido de toda a prova produzida no âmbito dos presentes autos, nomeadamente a constante dos Documentos n.ºs 1 a 4 juntos à Contestação”.
Quid iuris?
Os quesitos 1º e 2º tem a seguinte redacção:

“A ora Autora sempre foi uma mulher saudável, sendo certo que aos 49 anos de idade nunca foi tido qualquer lesão interior, ou exterior, que lhe provocasse qualquer hemorragia, nunca tinha efectuado qualquer cirurgia à barriga?”

“Desde 1998 que a ora Autora usava, sem quaisquer problemas, o dispositiva intra-uterino (DIU)?”
E o tribunal a quo deu por provado o seguinte:
Quesito 1º - Provado que “a Autora foi uma mulher saudável e aos 49 anos de idade nunca foi tido qualquer lesão interior, ou exterior, que lhe provocasse qualquer hemorragia, nunca tinha efectuado qualquer cirurgia à barriga.”
Quesito 2º - Provado que “desde, pelos menos, 1988 que a Autora usava o dispositivo intra-uterino (DIU) sem ter revelado problemas com o seu uso.”
Não nos se afigura que a Ré tenha razão.
Foi determinada a realização da peritagem médica com intervenção de 3 peritas médicas na área Obstetrícia e Ginecologia para responder, entre outras, às seguintes perguntas (fls. 206 e 206v dos autos):
1- A ora Autora sempre foi uma mulher saudável, sendo certo que aos 49 anos de idade nunca foi tido qualquer lesão interior, ou exterior, que lhe provocasse qualquer hemorragia, nunca tinha efectuado qualquer cirurgia à barriga?
2- Desde 1998 que a ora Autora usava, sem quaisquer problemas, o dispositiva intra-uterino (DIU)?
3- A ter existido alguma complicação relativa ao uso pela Autora do Dispositivo Intra Uterino, poderiam estas ter causado lesões na sua excisão/remoção?
As peritas médicas responderam, de forma unâmine, pela forma seguinte (fls. 331 dos autos):
1- Sim (“是” ).
2- Foi colocado o dispositivo intra uterino em 1998 e em 1999 houve hemorragia irregular na vagina (“1998年放環,1999年曾出現不規則陰道出血” ).
3- De acordo o registo clínico da Autora, não se verifica qualquer complicação pelo uso do dispositivo intra uterino (“根據病史記載未發現因子宮環而出現的一些併症”).
Face ao exposto, pode concluir-se facilmente que a decisão da matéria de facto em causa do tribunal a quo não merece qualquer censura ou reparação, pois apesar de haver hemorragia irregular na vagina em 1999, as peritas médicas afirmaram que não se verifica qualquer complicação pelo uso do dispositivo intra uterino.
Improcede assim o recurso da Ré nesta parte.
Defende ainda a Ré que a sentença recorrida padece de insuficiência da matéria de facto provada para a solução dada à pretensão da Autora, já que atendendo ao teor da matéria de facto dada como provada, a pretensão da Autora teria necessariamente que naufragar, visto que de todos os pressupostos de que depende a responsabilidade civil extracontratual, apenas um ficou provado: o dano.
Também não lhe assiste a razão.
Quanto ao nexo de causalidade adequada, ficaram provados os seguintes factos:
A. A Autora deu entrada na Urgência Obstétrica/Ginecológica do Centro Hospitalar Conde São Januário às 8.56 horas do dia 30 de Maio de 2006, tendo a intervenção de remoção do DIU terminado por volta das 9.25 horas.
B. Depois da intervenção, a Autora ficou em observações.
C. Durante o período de observação a Autora tinha uma pressão arterial de 114/82mmHg.
D. Durante o período de observação a Autora queixava-se de pequenas dores na zona abdominal.
E. A Autora acabou por sair do CHCSJ às 10.17h desse mesmo dia.
F. Depois de deixar o hospital, a Autora constatou que as dores na zona abdominal agravaram tendo vomitado uma vez.
G. Em 31 de Maio de 2006, por causa das dores na zona abdominal, a Autora foi ao Hospital Kiang Wu para consulta.
H. Em 1 de Junho de 2006, pelas 12.00 horas, o relatório médico do Hospital Kiang Wu refere expressamente que o diafragma da Autora tinha um meniscus gas que, combinado com a manifestação clínica e a informação da imagem, podia tratar-se de uma perfuração ou de uma obstrução nos intestinos da Autora.
I. Em 1 de Junho de 2006, pelas 17.00 horas, a celioscopia mostrava que dentro do estômago da Autora o sangue estava empilhado e o útero tinha um buraco de 2 cm com a forma de uma cruz, enquanto o intestino delgado também tinha um buraco, com muito pus à volta dos buracos.
J. Às 17.45 horas do mesmo dia, no Hospital Kiang Wu, foi efectuada cirurgia à Autora, tendo sido constatado que perto dos intestinos a Autora tinha um buraco de 1.5 cm.
K. A equipa médica verificou através do pus extraído durante a operação que havia infecção e que considerou poder ter sido causado pelo buraco.
Além disso, foi assente que “A Autora reclamou para o CHCSJ, a quem pediu responsabilidades, e pediu que investigassem toda a situação, tendo intervindo o Centro de Atendimento de Queixas para a análise do caso, cuja conclusão foi notificada à Autora através do expediente que se junta a fls. 14 a 17, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais” (cfr. al. I) dos Factos Assentes).
O referido Centro tem a designação oficial de “Centro de Avaliação das Queixas Relativas a Actividade de Prestação de Cuidados de Saúde”, criado por Despacho nº 5/2002 dos Serviços de Saúde, de 19/06/2002, publicado no BO nº 26, II Série, do ano de 2002.
Trata-se de uma comissão técnica e consultiva, composta por 4 membros, sendo dois representantes dos SSM e dois do sector privado, designados por despacho do director dos SSM, mediante proposta do director do Centro Hospitalar C. São Januário.
E tem competência para:
1) Receber as queixas dos cidadãos que se sintam lesados com as condutas de profissionais ligados à prestação de cuidados de saúde;
2) Analisar, do ponto de vista técnico-científico, as condutas referidas nas queixas;
3) Propor ao director dos Serviços de Saúde, de acordo com a legislação em vigor, qual o procedimento administrativo a adoptar e informar os queixosos do procedimento proposto;
4) Relativamente às queixas em que seja evidente a responsabilidade dos Serviços de Saúde, tentar a conciliação extra-judicial das duas partes;
5) Informar os cidadãos dos seus direitos, nomeadamente o direito à informação referido nos artigos 63.º a 67.º do Código do Procedimento Administrativo.
Este Centro, na sequência da queixa apresentada pela Autora, investigou o caso e concluíu de forma inequívoca de que existia o nexo de causalidade entre os buracos verificados e a operação da remoção do DIU, bem como afirmou a culpa da Drª XX, médica que realizou a operação de remoção.
Não se trata de uma conclusão incorrecta, inconsistente e dúbio, como pretendida a Ré.
Bem pelo contrário, a dita conclusão, cujo teor foi considerado como reproduzido pelo tribunal a quo nos factos assentes, foi retirada após várias diligências de investigação, conforme pode resultar do documento de fls. 14 a 17 dos autos.
Mais ainda, foram objecto da peritagem os seguintes quesitos:
“Tratando-se de um instrumento redondo como o utilizado, a médica teria de ter continuado a introduzi-lo, mesmo depois de furar o útero, até uma profundidade suficiente para que já não tivesse mais espaço para se mover, e teria que ter continuado a fazer força para romper também a sua parede?”, tendo os peritos respondido afirmativamente.
“Pode este instrumento ter furado o intestino da Autora, sobretudo fazendo um buraco com 1.5cm?”, tendo os peritos respondido que “o instrumento de remoção do DIU pode perfurar o útero e causar depois lesões no intestino delgado”(取環鈎可以通過穿破子宮再損傷小腸).
Ora, é justamente a cronologia dos factos assentes e provados relativos ao estado físico da Autora antes e depois da operação da remoção, associada com o relatório do Centro de Avaliação em referência e a resposta dos peritos dada a esta matéria, que nos permitem afirmar, com segurança, que os buracos em causa foram causados pela operação da remoção do DIU.
Repare-se, após a intervenção cirúrgica para remoção do dispositivo intra uterino (09H25) e durante o período de observação Hospital Conde S. Januário (09H25-10H17), a Autora já se queixava de pequenas dores na zona abdominal.
Não obstante ter-se queixado de dores, o pessoal do Hospital da Ré deixou-a sair do Hospital por volta das 10H17, tendo-lhe sido apenas recomendado que se se sentisse mal de saúde, adoentada, podia a qualquer altura voltar ao Hospital (o que revela aqui também a negligência por parte do pessoal da Ré, por não ter tomado com a devida consideração a queixa de dores da Autora).
As dores agravaram-se e a Autora acabou por se dirigir, no dia seguinte da operação da remoção do dispositivo intra uterino, ao Hospital Kiang Wu, onde foi constatado que dentro do estômago da Autora o sangue estava empilhado e o útero tinha um buraco de 2 cm com a forma de uma cruz, enquanto que o intestino delgado também tinha um buraco, com muito pus à volta dos buracos.
Entre o curto período do tempo (um dia) da saída do Hospital da Ré e a entrada do Hospital Kiang Wu, não foi alegado, muito menos provado, qualquer facto de que a Autora tenha sido sujeita a qualquer outra intervenção cirúrgica ou actividade que lhe possa ter provocado aqueles danos.
Nesta conformidade, qualquer pessoa de diligência média pode chegar à mesma conclusão que o tribunal chegou, que é justamente a de que os buracos em causa são causados pela intervenção cirúrgica da remoção do dispositivo intra uterino.
Verifica-se assim o nexo de causalidade adequada.
Quanto à ilicitude, dispõe o artº 7º do DL nº 28/91/M que:
“1. Para os efeitos deste diploma, a ilicitude consiste na violação do direito de outrem ou de uma disposição legal destinada a proteger os seus interesses.
    2. Serão também considerados ilícitos os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.”
No caso sub justice, violou-se a integridade física da Autora, na medida em que se causaram dois buracos no seu corpo: um no útero e outro no intestino delgado, o que demonstra, sem qualquer margem de dúvida, a existência da ilicitude.
Vamos analisar agora se se verificou culpa da Ré.
A culpa, nas palavras do Prof. Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, Vol. I, 7ª edição, Editora Almedina Coimbra, pág. 559), “exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo”, e é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (cfr. nº 2 do artº 480º do C.C., ex vi do artº 4º do DL nº 28/91/M).
O tribunal a quo considerou verificada a culpa da Ré por entender que:
“A médica XX (XX) tinha conhecimento das informações clínicas da Autora, tais como o cervix estava apertado e duro; e, o dispositivo intra-uterino foi colocado há cerca de 8 anos. Ela devia atender à complicação que eventualmente podia surgir com a remoção do dispositivo intra-uterino, cumprindo os deveres de cautela e de prudência na operação, bem como fornecer um tratamento adequado à situação concreta da Autora; porém, a referida médica não só não aplicou as suas experiências e técnicas profissionais para adoptar medidas adequadas na cirurgia, a fim de evitar a complicação eventualmente suscitada, tal como perfuração no útero e no intestino delgado, mas também não detectou em tempo os mencionados ferimentos nem marcou o acompanhamento do tratamento à Autora, pois, nos termos do art.º 480°, n.º 2 do Código Civil, existe expressamente mera culpa no acto praticado pela dita médica.”
Será que a afirmação acima transcrita violou as regras da expriência comum de um bom pai de família?
A resposta não deixa de ser negativa para nós.
Pelo contrário, é uma conclusão coerente e lógica, resultante da apreciação global dos factos provados, com observação dos critérios legais da apreciação da culpa, pelo que é de a manter para todos os efeitos legais.
Vejamos.
Ainda que a perfuração do útero pudesse ser uma complicação da operação da remoção do DIU, especialmente nos casos em que o DIU já se encontra colocado há vários anos, a médica que procedeu à remoção, ciente do risco inerente, deveria ter o especial cuidado para evitar a perfuração do útero e no caso da impossibilidade, deveria ter detectado logo a perfuração e tomado imediatamente medidas adequadas para a sua recuperação.
Ao não proceder deste modo, negligenciou no cumprimento das regras de ordem técnica e de prudência comum a que devem ser tidas em consideração, ou seja, agiu com culpa.
Por outro lado, uma vez evidenciada a perfuração do intestino delgado resultante da operação da remoção do DIU, implica desde logo a existência de erro médico, já que segundo foi alegado pela própria Ré, o intestino delgado é um órgão viscoso, espesso e com mobilidade, o que significa que não é normal nele causar buraco com aquela operação.
Para o efeito, a médica em causa teria de ter continuado a introduzir o instrumento da remoção do DIU (fls. 59), “mesmo depois de furar o útero, até uma profundidade suficiente para que já não tivesse mais espaço para se mover, e teria que ter continuado a fazer força para romper também a sua parede” (resposta dos peritos ao quesito 14º da peritagem acima referida).
Pelo exposto, se conclui que estão verificados todos os requisitos da responsabilidade extracontratual, pelo que improcede o argumento da insuficiência da matéria de facto.
Finalmente, a título subsidiário e meramente cautelar, a Ré impugna o montante indemnizatório arbitrado para danos não patrimoniais, por entender ser excessivo, face à gravidade e extensão dos danos provados nos autos, pelo que deve ser reduzido.
Como a Autora também recorreu desta parte, embora em sentido oposto, vamos apreciar os dois recursos em conjunto, por se tratar da mesma questão de direito.
Nos termos do nº 3 do artº 489º do CCM, o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
No caso em apreço, o tribunal a quo fixou o montante de MOP$200.000,00, tendo em consideração que “O erro médico em causa provocou à Autora buracos no útero e no intestino delgado, pelo que, submeteu-se necessariamente à operação cirúrgica para tapar os referidos buracos, causando-lhe dores que foram apuradas nos autos. Felizmente, as lesões corporais da Autora foram completamente reabilitadas, não foi verificada qualquer sequela nem foram averiguadas que as insónias e palpitação tivessem relação directa com o presente erro médico”.
A nosso ver, o quantum indemnizatório encontrado pelo tribunal a quo é adequado e equitativo, atento à situação concreta do caso, pelo que não há qualquer necessidade de modificação.
*
Tudo ponderado, resta decidir.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento aos recursos interpostos, confirmando a sentença recorrida.
*
Sem custas por parte da Ré, por gozar da isenção subjectiva.
Custas em ambas as instâncias pela Autora na parte que lhe diz respeito.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 16 de Fevereiro de 2012.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong (Vencido nos termos de declaração de voto que se junta)
Presente
Victor Manuel Carvalho Coelho



Processo nº 201/2011
Declaração de voto de vencido


Vencido por entender que não constam da matéria de facto provada factos demonstrativos do nexo da causalidade entre acção da médica e as lesões verificadas no corpo da Autora.

RAEM, 16FEV2012

O juiz adjunto,


Lai Kin Hong

1 Transcreve-se aqui o teor do mesmo:
“一、情況摘要
1. 申訴人A,女,49歲。既往體健,無外傷出血、腹部手術或特異體質史;無肝炎、消化道潰瘍或結核病史;平素月經規則。十九年前曾順產一女,子宮避孕環置放(上海某醫院)已近八年。
2. 2006年5月4日,申訴人經衛生中心醫生轉介,在仁伯爵綜合醫院門診接受子宮避孕環取環術(以下簡稱取環術),術程由仁伯爵綜合醫院婦產科XX醫生擔任操作。根據當日門診記錄,由於其子宮頸較緊及硬,在嘗試取環時困申訴人無法忍受操作過程中的不適而終止取環。XX醫生根據其月經週期,安排申訴人於2006 年5月30日上午在婦產科急診部再行取環,並考慮必要時將以麻醉術輔之。
3. 5月30日,申訴人依約於08時56分在婦產科急診掛號,取環術於09時27分在產科急診手術室完成。術後常規觀察的半小時,期間申訴人的血壓為114/82mmHG站,感到少許腹痛。在醫生告知如有不適可隨時覆診後,於10時17分離開醫院,自行回家。返家後約兩小時出現腹部疼痛及下體出血,當日傍晚腹痛呈“錐心樣疼痛"、腹脹伴嘔吐一次,曾自購止痛藥服用,但症狀未見好轉。
4. 5月31日18時17分前往鏡湖醫院急診料,根據鏡湖醫院的急診記錄,當時血壓為131/84mmHG,體溫為36.8°C。腹部壓痛及反跳痛徵陽性,子宮體及雙側附件觸診不清但有壓痛,經檢查後需留院觀察及跟進處理,曾作血常規、生化、尿常規及血澱粉酶等多項檢驗。其中血常規報告白細胞計數為9.2X 109/L,止,嗜中性粒細胞92%。
6月1日零時48分,經過多科會診,申訴人被安排入住婦產料。上午作了婦科超聲波檢查及後穹窿穿刺,抽出不凝血5ml。
6月1日中午12時,腹部平片顯示:膈下見新月形游離氣體。綜合臨床表現及影像學資料,考慮為“腸穿孔”,“腸梗阻?(不全性)”。
5. 6月1日17時腹腔鏡檢查見腹腔內血性積液,子宮後壁穿孔約2cm,呈十字型;是小腸穿孔,穿孔處伴大網膜覆蓋及大量膿苔附著。
於17時45分中轉作開腹修補術,術中見小腸,距回盲部70cm處(迴腸遠端),有一的1.5cm穿孔,並作了小腸穿孔修補及子宮後壁穿孔縫合。
6. 術中取出的腹腔膿液培養報告為大腸桿菌生長。活檢組織病理報告為大網膜組織,可見急性炎症滲出物及壞死,考慮為穿孔後引致的改變。
7. 6月10日,申訴人住院10天後出院,傷口甲級癒合。
二、調查經過
  申訴中心在2006年7月13日第166次會議上進行討論,決定接納本個案作進一步調查。隨之作出以下工作程序:
1. 調閱仁伯爵綜合醫院的門診及急診病歷;
2. 調閱鏡湖醫院的門診、急診及相關的住院病歷;
3. 調查仁伯爵綜合醫院婦產科子宮取環術的常規操作器械並將其拍攝存檔;
4. 申訴人出席第167次會議,全體委員聽取其申訴並作提問;
5. 仁伯爵綜合醫院婦產科XX醫生出席申訴中心第168次會議,全體委員聽取其對本個案的陳述及問題回答;
6. 仁伯爵綜合醫院婦產科護士出席申訴中心第168次會議,全體委員聽取其對本個案的陳述及問題回答;
7. 鏡湖醫院外科醫生出席申訴中心第169次會議,全體委員聽取其參與診療過程的外科情況陳述及問題回答;
8. 鏡湖醫院婦產科醫生出席申訴中心第169次會議,全體委員聽取其參與診療過程的婦科情況陳述及問題回答;
9. 第170次會議對本個案進行了初步分析與討論:
10. 第173次會議繼續分析及討論本個案的評析意見書;
11. 2006年10月5日後分別聽取了: 1.澳門外科學會專業技術諮詢意見;2.澳門婦產科專業人士技術諮詢意見;3. 香港外科顧問醫生專業技術諮詢意見。
12. 第178及179次會議討論本個案覆函。
三、專業分析與評估
1. 申訴中心認為:申訴人在接受取環術前體健,無特殊體質,但在取環術後出現了腹痛等一系列逐漸加重的臨床症狀,期間申訴人否認在其他醫療單位接受過診治或手術;資料顯示子宮穿孔處具有器械性創傷的特點。申訴中心同時亦注意到以下情況:
1. 腹腔鏡及剖腹手術証實子宮後壁及小腸穿孔;
2. 氣腹早於腹腔鏡的介入;
3. 氣腹及其程度均無法以“陰道後穹窿穿刺”來解釋;
4. 小腸穿孔位於迴腸遠段和其病理所見及腹腔內送檢物的炎症程度等。
綜上所述並聯繫到取環術過程的宮腔操作這一事實,說明小腸穿孔、子宮穿孔與 取環過程的宮腔操作之間存在著直接的因果關錄。
2. 申訴中心認為XX醫生在前後兩次為申訴人安排取環的過程中沒有違反醫療工作程序和診療常規。第二次取環術操作時先用超聲波監測的做法亦是的合常規、恰當。
3. 子宮避孕環取環術是一種非直視下的操作,對於置入多年的宮內避孕環,操作者在摘取時不但帶有一定程度的盲目性,而且這種操作的成功與否與置環時間的..長短及操作醫生的經驗與警覺有關。
4. 申訴中心認為:雖然子宮穿孔是取環術其中的一種併發症,但對於一位婦產科專科醫生而言,不但要求其勝取環術,而且要求其對該等手術的術前評估、術中及術後可能產生的併發症應予充分的注意及作出告知,並履行該等注意義務。本個案在取環術過程及術後,XX醫生未意識到取環操作已導致了子宮和小腸穿孔,因此,沒有也無法及時地採取相應措施將這些損害降至最低,顯然存在著過失。
四、結論
本個案經申訴中心調查及對事實的討論分析後認為:個案的取環術與隨後出現的子宮穿孔、小腸穿孔這兩損害之間存在著直接的因果關係;XX醫生在取環術中存在過失。”

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201/2011