Processo n.º 495/2011(I) Data do acórdão: 2012-2-23
(Autos de recurso penal)
Assuntos:
– art.o 391.o, n.o 2, do Código de Processo Penal
– interesse em agir
– arguição de nulidade do acórdão
S U M Á R I O
1. Segundo o art.o 391.o, n.o 2, do Código de Processo Penal, não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.
2. Não se pode aproveitar o mecanismo de arguição de nulidade do acórdão de recurso para sindicar o juízo de valor aí emitido pelo tribunal ad quem no respeitante ao grau de ilicitude dos factos e da culpa na sua prática.
O relator por vencimento,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 495/2011(I)
(Autos de recurso penal)
(Da arguição de nulidade do acórdão de 15 de Dezembro de 2011)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Notificada do acórdão proferido por este Tribunal de Segunda Instância em 15 de Dezembro de 2011 nos presentes autos de recurso penal n.o 495/2011, veio a arguida recorrente A arguir, através da peça de fls. 661 a 665 dos mesmos, a nulidade desse aresto, com fundamento na alegada omissão de pronúncia “sobre questões fundamentais expressamente invocadas no recurso e que dizem directamente respeito à sentença recorrida”.
Notificado dessa pretensão da arguida, não exerceu o Ministério Público o direito de resposta.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II – DOS ELEMENTOS COLIGIDOS DOS AUTOS
Com vista à decisão da arguição de nulidade sub judice, é de atender aos seguintes elementos, coligidos dos autos:
Em 15 de Dezembro de 2011, foi proferido pelo presente Tribunal ad quem, por maioria de votos, o seguinte acórdão a fls. 630 a 658 dos autos, com uma declaração de voto apendiculada pelo Mm.o Juiz Relator, vencido, do processo:
<
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguida): A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida em 19 de Maio de 2011 a fls. 155 a 156 dos autos de Processo Contravencional n.o CR1-10-0806-PCT do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou a arguida A condenada, como autora de uma contravenção p. e p. pelos art.os 31.o, n.o 1, e 98.o, n.o 2, da Lei do Trânsito Rodoviário (Lei n.o 3/2007, de 7 de Maio) (doravante abreviada como sendo LTR), na inibição efectiva de condução pelo período de 8 (oito) meses.
Inconformada, veio a arguida assim condenada recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), tendo concluído, em segunda via (a convite do Mm.o Relator do presente processo recursório), a fls. 587 a 596, a sua motivação inicialmente apresentada a fls. 342 a 513, e peticionado de moldes seguintes:
– <<[...]
A) DA NULIDADE INSANÁVEL DO PROCESSO POR INEXISTÊNCIA DE AUTO DE NOTICIA - RECTIUS ACUSAÇAO PUBLICA
1. Inexiste neste processo contravencional auto de notícia o qual equivale à (acusação pública, termos em que deve concluir-se pela inexistência de acusação.
2. Apenas o auto de notícia faz fé em juízo, equivalendo à acusação, de harmonia com o artigo 383°, n.° 2 do CPP, inversamente, uma notificação não faz fé em juízo.
3. As disposições normativas atinentes a notificações estão reguladas no artigo 130° da LTR e artigo 100 e seguintes do CPP, aplicáveis por força do disposto no artigo 112°, n.° 1 da LTR.
4. In casu, a notificação de fls. 6 corresponde à imposição legal estatuída no artigo 130° da LTR, a qual visa conferir 15 dias para o pagamento voluntário da multa (pelo valor mínimo (cfr. fls, 6), em conformidade com o disposto no artigo 131 ° da LTR.
5. O douto despacho do Meritíssimo Tribunal a quo constante de fls. 69-verso e 70 dos autos, ao sustentar a validação de uma notificação como auto de noticia, é manifestamente ilegal por ter sido proferido contra lei expressa, nomeadamente por violar o artigos 382°, n.°s 1 e 3 do, artigo 383°, n.°s 1 e 2, 42, n.° 3°, 265°, n.° 1, 224°, 225° 226°, todos do CPP.
6. O Meritíssimo Tribunal a quo, ao plasmar no seu despacho em análise (cfr. fls. 69-verso e 70) que «validava» a notificação de fls. 6 como acusação, está, na perspectiva da defesa, a violar a estrutura do acusatório do processo contravencional, já que a competência para proferir despacho de acusação pública pertence unicamente ao Ministério Público, bem como a competência para levantamento de auto noticia - quando presenciada por funcionário apenas a este, in casu à CPSP, competia, justamente por ter sido supostamente verificada por aquele, de harmonia com os artigos 37°, 42°, n.° 1, n.° 2, al. a) e c) e n.° 3, bem como dos artigos 44°, n.° 2,224°,225°,226°,265°, n°s 1,2 e 3, 382° e 383°, todos do CPP, e todos estes dispositivos violados neste douto despacho em exame, pelo Meritíssimo Tribunal a quo.
7. Os presentes autos enfermam de nulidade insanável, nos termos do artigo 105° e seguintes do CPP, aplicáveis por força do artigo 380° do CPP e ex vi artigo 112° da Lei do Trânsito Rodoviário, mais concretamente, a nulidade insanável prevista nos termos do art. 106°, al. b) do CPP, equivalente à falta da acusação e, por conseguinte, falta da promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 37°, sendo que a posição e as atribuições do Ministério Público no processo, reguladas no artigo 42° do CPP, ainda que os actos sejam susceptíveis de delegação, implicam, nos termos do n° 2 do referido artigo 42°, al. c), deduzir a acusação e sustentá-la efectivamente na instrução e no julgamento, nulidade esta que se argui expressamente para todos os seus efeitos legais, e cuja declaração respeitosamente se requer ao Venerando Tribunal ad quem.
8. Em todo o caso, e à cautela, caso venha o Tribunal ad quem a reconhecer a possibilidade legal de um Tribunal de julgamento converter uma notificação de um órgão policial em auto de notícia, sempre padeceria tal notificação/auto de notícia/acusação de nulidade, por violação do artigo 265°, n.° 3, al. d) ex vi artigo° 383°, n,° 3 do CPP, a qual expressamente se argui para todos efeitos legais e cuja declaração se requer a este Venerando Tribunal ad quem.
9. Por último, sempre se diga que a sentença proferida nos presentes autos é nula de harmonia com a alínea b) do artigo 360.° do CPP por condenar por factos não descritos na acusação, desde logo porque não existe acusação, in casu, auto de notícia
B) DA REJEIÇÃO DA CONTESTAÇÃO ESCRITA
10. O douto despacho proferido a fls. 70 e 70 verso dos autos é ilegal por violação de lei expressa, cuja declaração de ilegalidade se requer expressamente ao Venerando Tribunal ad quem, nomeadamente por aplicação errada da norma prevista no artigo 297°, n.° 1 do CPP quando existe norma especial para o processo contravencional que dispõe expressamente que a entrega da defesa é feita na audiência de julgamento, ou seja, esse é o momento processual adequado para a entrega da defesa.
11. Deverá o Tribunal ad quem reconhecer expressamente a ilegalidade do douto despacho proferido a fls. 70 e 70 verso destes autos contravencionais, na parte em que rejeitou a entrega de contestação escrita.
12. Tendo - pelo menos aparentemente - o Meritíssimo Tribunal a quo aceite a contestação da arguida, conforme se constata na douta sentença, não se compreende porque motivo não foram observados os requisitos da sentença, nomeadamente, o previsto no artigo 355°, n.° 1, al. d) do CPP, o qual determina que a sentença começa por um relatório que contém: «a indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada».
13. Nestes termos, caso o Venerando Tribunal ad quem não entenda que a douta sentença sub judice enferma de nulidade nos termos supra e infra expostos, requer-se que, nos termos do n.° 1, al. a) do artigo 361°, conjugado com o n.° 2 do mesmo artigo, se digne a providenciar pela correcção da sentença para cumprimento do artigo 355°, n.° 1, al. d) do CPP, a qual deverá ser efectuada pelo Tribunal competente para conhecer do recurso, nos termos do referenciado comando normativo.
C) DA DOCUMENTAÇÃO DA AUDIÊNCIA POR SÚMULA REQUERIDA PELA DEFESA DA ARGUIDA - DA FALSIDADE PARCIAL DA ACTA DE JULGAMENTO
14. Considerando que as actas da audiência de julgamento não reflectem ou correspondem exactamente àquilo que se passou na audiência de julgamento, - o que aliás não deixa de ser tácita ou implicitamente reconhecido pelo Meritíssimo Tribunal a quo, o qual erroneamente entende que pelo facto de por ter sido determinada gravação magnetofónica oficiosamente que o Tribunal de primeira instância, estaria dispensado de fazer consignar em acta a documentação por súmula, nos termos supra explanados - designadamente por não aludir minimamente ao depoimento da testemunha B e às circunstâncias relativas ao depoimento da testemunha agente policial n.° XXX -, são as mesmas parcialmente falsas, o que se invoca para efeitos dos artigos 89°, n.° 4, 154° e 155° do CPP.
15. Tal falsidade parcial da acta da audiência de julgamento inquina, por um lado, o depoimento da testemunha B e da testemunha agente policial n. ° XXX, bem como todos os actos subsequentes produzidos na audiência de julgamento, nos termos do artigo 109° do CPP, o que resulta na nulidade de todo o julgamento o qual enferma de nulidade por não permitir ao Tribunal ad quem em sede de recurso apreciar a matéria de facto produzida em audiência de julgamento, nomeadamente para julgar o presente recurso na parte a que se reporta ao previsto no artigo 400°, n.° 2 do CPP.
16. A arguição de falsidade parcial da acta de julgamento reporta-se pois a actos judiciais com repercussão na tramitação ou decisão da causa, sendo que foi este assunto suscitado ante o Meritíssimo Tribunal a quo, o qual por diversas vezes, seja pelos seus dois despachos proferidos no sentido de entender que a acta não deve ser rectificada, e que a súmula constante daquela não deveria ser objecto de correcção pelo facto que o Meritíssimo Tribunal a quo ter determinado oficiosamente a gravação da prova, mesmo aduzidas as preocupações por parte da Defesa quanto ao seu direito de recurso.
17. Caso o Tribunal ad quem considere que a falsidade parcial da acta da audiência de julgamento não se reconduz a nulidade, mas antes a irregularidade não deve, pois, a mesma considerar-se sanada, nos termos do 110° do CPP já que a defesa, logo na sessão de audiência de julgamento subsequente, nos 5 dias após a recepção da cópia da acta da primeira sessão do dia 24.3.2011 suscitou em audiência de julgamento, na sessão de 14.4.2011 esta questão atinente às desconformidades da acta, nos termos supra expostos, o que foi suscitado por duas vezes, e por fundamentos distintos nessa audiência de julgamento de 14.4.2011.
18. Por último, peticiona-se, subsidiariamente, nos termos do artigo 415° do CPP, se digne ordenar a renovação da prova, que se indicará posteriormente de harmonia com o disposto no n. ° 3 do artigo 402° do CPP.
D) DA PROIBIÇÃO DE DITAR PARA A ACTA IMPOSTA À DEFENSORA PELO MERITÍSSIMO TRIBUNAL A QUO
19. O entendimento do Meritíssimo Tribunal a quo de não permitir que os requerimentos sejam ditados pela defesa desde logo viola o artigo 13.° do Estatuto do Advogado aprovado pelo Decreto-Lei n.° 42/95/M de 21 de Agosto.
20. E também o disposto no artigo 344.° do CPP que regula o princípio geral da documentação e declarações orais.
21. Destarte, peticiona-se ao Venerando Tribunal ad quem que conheça da ora explanada questão de direito, a qual contende com o regular exercício da defesa no processo contravencional e processo penal.
E) DA ARGUIÇÃO DA NULIDADE PELA DEFESA NO PRÓPRIO ACTO PREVISTA NA ALÍNEA D) DO N.o 2 DO ARTIGO 107° DO CPP
22. A Defesa não se conforma que lhe tenham sido indeferidas as diligências probatórias referidas e explicitadas na motivação de recurso que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
23. Não obstante todos os esforços olvidados pelo tribunal para a descoberta da verdade material, o certo é que não foi possível determinar com exactidão e clareza o modo como os factos ocorreram sub judice, desde logo por não existir certeza quanto à «prova material» na notificação de fls, 6 dos autos.
24. O despacho proferido a fls. 150 dos autos é nulo por ter indeferido as diligências probatórias requeridas pela defesa.
25. A nulidade do artigo 107°, n.? 2, al. d), do CPP, resultante do despacho do Meritíssimo Tribunal a quo, a fls, 150 e 150 verso dos autos, que determinou a omissão das diligencias probatórias requeridas, como é caso da perícia requerida de harmonia com os artigos 139° e seguintes do CPP, cujo objecto se fixou imediatamente na contestação, tratando-se de diligências legalmente admissíveis, possíveis, relevantes e adequadas à justa e adequada decisão da causa, resulta na evidente violação do artigo 321°, n.° 1 do CPP por parte do Meritíssimo Tribunal a quo.
26. Destarte, e não tendo o Meritíssimo Tribunal a quo ordenado a realização de tais diligências probatórias, incorreu na nulidade do art.° 107°, n.° 2, a.l d), do CPP, a qual foi arguida logo em audiência de julgamento, mos termos do a) do numero 3 do artigo 107° do CPP (cfr. fls. 150 e fis.150 verso), a qual não é sanável e inquina todos os actos subsequentes executados no processo, de acordo com o artigo 109°, n." 1 do CPP.
27. A Defesa arguiu em audiência de julgamento a nulidade dependente de arguição, nos termos do disposto no artigo 107°, n. ° 3, al. a), conforme resulta de fls. 150 e 150 verso, reiterando a oportunidade legal do Meritíssimo Tribunal a quo, para, querendo, se dignar a reparar a decisão geradora de nulidade nos termos do disposto no artigo 107°, n.° 2, al. d) do CPP.
28. Ante a ora referenciada arguição de nulidade, o Meritíssimo Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho proferido a fls. 150 verso no qual se decidiu que: «( ... ), este tribunal considera que esta não pertence manifestamente à nulidade prevista na al. d) do n° 2 do art. l07° do CPP, pelo que indefere o respectivo requerimento. Quanto a esta questão, a arguida tem de pagar uma taxa de justiça de 2 UC».
29. Por todo o exposto, e sobretudo considerado que até ao presente momento não existem sequer elementos que permitam a nenhum Tribunal, como não permitem, aliás, ao Tribunal a quo definir qual foi então o concreto aparelho de fiscalização utilizado na concreta operação da CPSP no dia 13 de Setembro de 2010, nos factos que são pretensamente imputados á arguida, uma vez que nem auto de noticia existe, não podia este Tribunal de primeira instancia ter indeferido as diligências probatórias essenciais à descoberta da verdade material, e muito menos, pelos fundamentos invocados no despacho proferido a fls. 150 verso dos autos, termos em que se requer ao Tribunal ad quem a declaração expressa da nulidade do julgamento, a qual por seu turno, inquina a douta sentença proferida nos presentes autos.
F) DA PROIBIÇÃO DE EFECTUAR PERGUNTAS À TESTEMUNHA AGENTE POLICIAL DA CPSP COM IDENTIFICAÇÃO NÚMERO I 85991 RELATIVAS AO _ PRETENSO - OBJECTO DO PROCESSO
30. A audiência de julgamento fere de nulidade, nos termos do artigo 107°, n.° 2, al. d), nomeadamente por se terem omitido diligências - in casu as instâncias à testemunha referenciada na motivação - que poderiam ser relevantes para a descoberta da verdade material, não tendo assim qualquer cabimento legal a alínea f) do artigo 304° do CPP, requerendo-se ao Venerando Tribunal ad quem que expressamente declare, também por este motivo a invocada nulidade já suscitada na audiência de julgamento (cfr. fls. 150 e 150 verso).
G) DA ILEGAL APLICAÇÃO DE TAXA DE JUSTIÇA NAS DUAS ARGUIÇÕES DE NULIDADE
31. Os dois despachos de fls.70, 150 e 150 verso dos autos incorrem, logo à partida, no erro de configurar a intervenção da defensora da arguida nos termos do artigo 70° do Regime de Custas dos Tribunais, já que as arguições de invalidade suscitadas pela arguida não configuram uma qualquer ocorrência estranha ao desenvolvimento do processo, antes sim o legítimo exercício do seu direito de defesa da legalidade processual.
32. Termos em que se afigura ilegal e injusta as condenações em taxa de justiça aplicadas à arguida, sanções estas que além de indevidas são exageradas no seu quantum.
33. No caso concreto, é certo que a arguida, ora recorrente, ao suscitar - em substância - duas nulidades processuais, não deduziu qualquer incidente, como tal considerado pela lei.
34. As identificadas arguições de nulidade processuais não podem ser configuradas como de acto estranho ao normal desenvolvimento da lide, constituindo, antes o manifestar da discordância perante o que se entende estar a violar a lei e os interesses legalmente protegidos inerentes à posição e estatuto processual de arguido.
35. Nos termos e com os fundamentos ora indicados, requer-se que o Venerando Tribunal ad quem revogue o segmento das duas condenações em taxa de justiça (2 UCs respectivamente), constante dos despachos de fls. fls.70, 150 e 150 verso dos autos proferidos na sequência das referenciadas arguições de nulidade, nomeadamente por não ser aplicável o artigo 70° do Regime de Custas Judiciais à arguição de nulidades no processo penal e logo por remissão no processo contravencional.
H - DOS VÍCIOS DA DOUTA SENTENÇA RECORRIDA
DA CONTESTAÇÃO APRESENTADA E IGNORADA NA DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, DA INSUFICIÊNCIA PARA A DECISAO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA, DO ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA, DA VIOLAÇÃO DO IN DUBIO PRO REO, DA NULIDADE DA SENTENÇA, DA FALTA DE ANÁLISE CRÍTICA DOS ELEMENTOS DA PROVA, DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CULPA E DA DESPROPORCIONALIDADE DA CONCRETA MEDIDA DA PENA ACESSÓRIA APLICADA EM CONCRETO À ARGUIDA
36. O Meritíssimo Tribunal a quo tinha que ter concluído, pelo menos, da diminuta gravidade da conduta arguida, a qual contende com a questão da culpabilidade.
37. Não existe nenhum dispositivo legal que determine o agravamento da pena caso o arguido não tenha actos de contrição ante o Meritíssimo Tribunal a quo, como fez aliás, o Meritíssimo Tribunal a quo ao decretar na sua douta sentença uma sanção acessória de inibição de condução pelo período de 8 meses.
38. A arguida é primária.
39. É pois absolutamente desproporcionada esta medida da pena concretamente aplicada, a qual, apenas se compreende como forma de retaliação à Defensora da arguida, que mais não fez senão exercer a sua profissão em escrupuloso cumprimento das regras do processo e deontológicas que sobre ela impendem.
40. O Meritíssimo Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 60° e 65.° do Código Penal, já que aquele Tribunal não cuidou sequer de aferir da culpa da arguida.
41. Os depoimentos testemunhais prestados pelas duas testemunhas comprovam exactamente da diminuta gravidade das suas consequências, que para o caso concreto não houve dano para coisa nenhuma, nem para ninguém.
42. Acresce, que as condições pessoais da arguida foram completamente desconsideradas pelo Meritíssimo Tribunal a quo, sendo que ficou absolutamente provado os artigos 34°, 35°, 36°, 37°, 38°, 39°, da contestação, mediante prova documental junta a contestação, declarações da arguida, e pelo depoimento da testemunha B que a arguida faz uso indispensável do seu automóvel, já que reside em Coloane, zona de Macau sem rede de transportes adequada e regular, tem 4 filhos menores, um deles ainda nem concluiu um ano de idade, trabalha por conta de outrem, tendo de utilizar o seu veiculo nas suas mais diversas funções e actividades profissionais, termos em que estariam comprovadamente reunidos as condições para a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir nos termos do artigo 480, n.° 1 do Código penal, aplicável artigo 123°, n.° 3 do Código Penal, de harmonia com o artigo 109°, n. ° 1 da LTR.
43. O Meritíssimo Tribunal a quo ao ter determinada a sanção de acessória de não conduzir durante um período de 8 meses, violou o artigo 40° do Código Penal, período excessivamente gravoso, consideradas outras contravenções estradais puníveis na RAEM as quais, não têm nem de perto tão elevado período mínimo de pena na aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir.
44. O Merítissimo Tribunal a quo não dispõe de matéria ou elementos probatórios suficientes para condenação da arguida nos termos em que o fez, termos em que a douta sentença recorrida enferma de vício, nos termos 400°, n." 2 do CPP.
45. A douta sentença recorrida é ilegal mormente por violar o princípio do in dubio pro reo, o qual consubstancia decorrência directa do princípio da presunção da inocência, aplicável ao processo contravencional em apreço.
46. A douta sentença recorrida viola de modo grosseiro o artigo 25.°, 28°, 33° e 350 da Lei Básica da RAEM, na parte em que se plasmou «Embora a execução da inibição de conduzir certamente vá causar um certo grau de inconveniência à arguida no seu quotidiano, esta é o resultado que deve ser assumido pelo infractor, bem como que, tendo em conta da natureza do trabalho da arguida, que não sobrevive por meio de conduzir (v.g. condutor profissional), também não é a único sustento económico na família, pelo que, o tribunal considera que neste caso não há motivo aceitável de suspensão da execução da pena acessória de inibição de conduzir».
47. É que, «Os residentes de Macau gozam da liberdade de escolha de profissão e de emprego», segundo o artigo 33° dá Lei Básica da RAEM.
48. Ademais, o artigo 60°, n.° 2 do Código Penal, que em sede de sanções acessórias, estabelece que: Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos.
49. O Meritíssimo Tribunal a quo talvez invoca que a arguida por ser casada, deve conformar-se com o facto de poder vir a arguida a perder o seu emprego, e mesmo de impedir de executar todas as tarefas inerentes à sua profissão e às exigências da maternidade de 4 filhos, um deles sem sequer um ano de idade. É pois de lamentar tal asserção plasmada na douta sentença recorrida.
50. Quanto à fundamentação da sentença a qual é para mais inexistente desde um ponto de vista prático, atentemos na seguinte passagem do dispositivo recorrido «O tribunal, de acordo com as declarações da arguida, os depoimentos das testemunhas e as provas documentais consignadas nos autos (em particular a fotografia que manifesta o excesso de velocidade do veículo em causa, bem como os dados da laser gun em causa relevantes à marca, ao modelo, ao bom funcionamento, à inclusão do margem de erros de +/- 2 km no registo de excesso de velocidade), formulou a sua convicção e juízo de facto. », impõe-se a pergunta: Mas afinal qual é que foi o aparelho de fiscalização utilizado na operação de fiscalização contravencional em causa nestes autos?
51. A douta sentença não responde, como aliás nem podia, não obstante os ofícios expedidos por duas vezes ao DTCPSP no sentido de se apurar tal meio de prova essencial para apuramento da velocidade, como aliás, a própria contradição insanável dos documentos constantes dos autos e do depoimento da testemunha, agente policial, cujas partes relevantes foram já transcritas neste recurso não permitiam a resposta cabal a esta questão.
52. O Meritíssimo Tribunal a quo não efectuou a mínima das mínimas análises críticas dos elementos probatórios dos autos, conforme se demonstrou supra e conforme lhe era imposto por lei, nos termos do artigo 355°, n.° 2 do CPP, dispositivo este violado na douta sentença recorrida: «Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”.
53. Ora, o Meritíssimo Tribunal a quo não indica quais os exactos meios de prova, exactamente por que dos mesmos resulta dúvida insanável, uma contradição evidente, num processo que nem acusação tem.
54. Tal vício implica a nulidade da sentença nos termos do disposto no artigo 360°, n.° a) do CPP.
55. Acresce que a sentença sempre seria nula, nos termos da alínea b) do artigo 360° do CPP, nomeadamente por condenar por factos que não constam da acusação, a qual in casu inexiste.
56. A douta sentença recorrida não podia ter condenado a arguida nos termos em que o fez desde logo põe não dispor de matéria de facto provada para o fazer, termos em, apenas se concebe que tal sentença tenha sido proferida por erro notório na apreciação concatenada da prova.
I - DO CUMPRIMENTO DO DISPOSTO NO ARTIGO 402°, N.° 3 DO CPP
57. Na eventualidade do Venerando Tribunal ad quem não concluir pela nulidade do processo, e bem assim reputar conveniente proceder à renovação da prova, nos termos previstos no artigo 415° do CPP, requer, a título subsidiário, no presente recurso:
- Inquirição da funcionaria judicial que procedeu à redacção da acta da audiência de julgamento ocorrida ante o Tribunal a quo, nos presentes autos contravencionais cuja identificação se desconhece;
- Inquirição da testemunha B, Advogado, com domicílio profissional na Avenida de XX, n. ° XX “Edifício XX”, X° “X”, Macau, nomeadamente por não constar da documentação da audiência por súmula, requerida nos termos legais, nenhuma referência, ainda que sumária do seu depoimento ;
- Inquirição da testemunha Senhor Agente Policial n. ° XXX, a notificar no respectivo Comando, por não lhe terem sido permitidas perguntas essenciais à descoberta da verdade material e atinentes ao objecto do processo;
- No caso de o Venerando Tribunal ad quem entender que, não obstante a omissão da douta sentença recorrida de qual terá sido, afinal, o meio de prova material utilizado nestes autos de contravenção, ou seja o concreto aparelho medidor de velocidade utilizado pelo CPSP, mas que existem já no processo elementos suficientes para identificar concretamente qual terá sido o aparelho de fiscalização utilizado pelo agente policial n.° XXX, na concreta operação de fiscalização sub judice, requer-se ainda que:
a) O mesmo seja verificado por técnicos idóneos, não pertencentes à Direcção dos Serviços para Assuntos de Tráfico, que foi concretamente usado naquele instante nem à Polícia de Segurança Pública (entidades não imparciais neste caso), o bom estado de funcionamento do aparelho de Radar, supostamente aprovado pela Direcção dos Serviços dos Assuntos de Tráfico, que concretamente mediu a velocidade do veículo conduzido pela arguida, na Av. XX na Taipa, poste de iluminação n° 925D06, na direcção do “XX Hotel” na Taipa, no dia 13 de Setembro de 2010, pelas 16 horas e 38 minutos;
b) Nesse mesmo pressuposto, requer-se que se oficie a entidade administrativa competente para calibração do aparelho de radar utilizados na RAEM, ou seja, Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT), com morada na Alameda XXX, n°s 249 a 255, Edf. China Civil Plaza, 12° andar, para que informe os autos sobre se existe margem de erro nas medições efectuadas pelos aparelhos de radar de marca desconhecida, em caso afirmativo, qual é essa margem. Caso não exista informação disponível para os aparelhos da marca utilizada na constatação dos factos sub judice, desde já se requer a realização de perícia, de forma a determinar se existe ou não tal margem de erro, para prova do alegado nos artigos 14° a 16° da contestação apresentada pela arguida, perícia essa a realizar por entidade independente, com o objecto que se passa a indicar: as medições feitas pelos aparelhos de radar da marca utilizada para detecção dos factos objecto dos presentes autos apresentam uma margem de erro? Em caso afirmativo qual é a margem de erro existente?
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, bem como por tudo quanto foi exposto, deverão V. Exas., Venerandos Juízes do Tribunal de Segunda Instância:
- Declarar as nulidades do processo arguidas;
- Declarar a nulidade da sentença;
- Conhecer das questões de direito suscitadas;
- Subsidiariamente, revogar a decisão recorrida, corrigindo a douta sentença recorrida nos termos do artigo 361° do CPP e substituí-la por outra que absolva a ora recorrente, ou, a não se entender assim, deverão V. Exas., Venerandos Juízes do Tribunal ad quem, revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que ordene ao tribunal recorrido que leve mais longe a indagação em sede de matéria de facto sobre esses elementos atinentes à determinação da medida da pena, declarando reaberta a audiência, e proceda à produção da prova necessária;
- Caso assim não se entenda, deverão V. Exas., Venerandos Juízes do Tribunal de Segunda Instância, revogar, a decisão recorrida e substitui-la por outra que determine a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir, ou, por último, caso assim não se entenda reduzindo a medida da pena concretamente aplicável na douta sentença recorrida assim fazendo
JUSTIÇA!>>
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal a quo a fls. 516 a 518, no sentido de manutenção de julgado, por entendida improcedência da argumentação da recorrente.
Subidos os autos, foi emitido parecer em sede de vista pelo Ministério Público a fl. 581, pugnando também pela confirmação do julgado.
Feito e concluído o exame preliminar e corridos os vistos legais, realizou-se a audiência de julgamento com acta lavrada a fls. 617 a 618, em sede da qual foi colocada pelo Mm.o Relator do processo a seguinte questão: “Uma vez que a arguida efectuou o pagamento da multa, de forma voluntária, logo que notificada pela P.S.P., poder-se-á questionar, se ainda terá legitimidade para vir ainda colocar questões relacionadas com a verificação da infracção, cuja multa pagou”.
A propósito dessa questão, a Digna Procuradora-Adjunta presente na audiência opinou aí logo verbalmente no sentido nuclear de que o pagamento da multa pode ser visto como uma maneira de a arguida admitir a prática da infracção, pelo que a arguida já não tem legitimidade para suscitar a questão de inexistência do auto de notícia.
Por outra banda, a arguida não deixou de solicitar, na audiência, prazo para fundamentar, por escrito, o seu entendimento de que a primeira parte do processo, relativa à notificação para pagamento, pelo mínimo, da multa, não obsta a que na parte restante do processo, respeitante à sanção acessória, possa a própria arguida suscitar várias questões acerca do auto de notícia como base para o julgamento.
Em exposição subsequentemente a fls. 622 a 626, pediu a arguida que se julgue <>.
Entrementes, para efeitos de decisão da presente lide recursória, foi apresentado pelo Mm.o Relator o seguinte douto Projecto de Acórdão, à apreciação e votação do presente Tribunal Colectivo ad quem:
<<[…]
Relatório
1. A, com os sinais dos autos, respondeu, no T.J.B., vindo a ser condenada como autora da prática de uma contravenção ao art. 31°, n.° 1 da Lei do Trânsito Rodoviário.
Dado que já tinha pago a multa por tal contravenção, decretou o Mmo Juiz a inibição de condução pelo período de 8 meses; (cfr., fls. 155-v a 156 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
Inconformada, a arguida recorreu.
Na sua extensa motivação de recurso, formulou as conclusões seguintes:
“A) DA NULIDADE INSANÁVEL DO PROCESSO POR INEXISTÊNCIA DE AUTO DE NOTICIA - RECTIUS ACUSAÇAO PUBLICA
1. Inexiste neste processo contravencional auto de notícia o qual equivale à (acusação pública, termos em que deve concluir-se pela inexistência de acusação.
2. Apenas o auto de notícia faz fé em juízo, equivalendo à acusação, de harmonia com o artigo 383°, n.° 2 do CPP, inversamente, uma notificação não faz fé em juízo.
3. As disposições normativas atinentes a notificações estão reguladas no artigo 130° da LTR e artigo 100 e seguintes do CPP, aplicáveis por força do disposto no artigo 112°, n.° 1 da LTR.
4. In casu, a notificação de fls. 6 corresponde à imposição legal estatuída no artigo 130° da LTR, a qual visa conferir 15 dias para o pagamento voluntário da multa (pelo valor mínimo (cfr. fls, 6), em conformidade com o disposto no artigo 131 ° da LTR.
5. O douto despacho do Meritíssimo Tribunal a quo constante de fls. 69-verso e 70 dos autos, ao sustentar a validação de uma notificação como auto de noticia, é manifestamente ilegal por ter sido proferido contra lei expressa, nomeadamente por violar o artigos 382°, n.°s 1 e 3 do, artigo 383°, n.°s 1 e 2, 42, n.° 3°, 265°, n.° 1, 224°, 225° 226°, todos do CPP.
6. O Meritíssimo Tribunal a quo, ao plasmar no seu despacho em análise (cfr. fls. 69-verso e 70) que «validava» a notificação de fls. 6 como acusação, está, na perspectiva da defesa, a violar a estrutura do acusatório do processo contravencional, já que a competência para proferir despacho de acusação pública pertence unicamente ao Ministério Público, bem como a competência para levantamento de auto noticia - quando presenciada por funcionário apenas a este, in casu à CPSP, competia, justamente por ter sido supostamente verificada por aquele, de harmonia com os artigos 37°, 42°, n.° 1, n.° 2, al. a) e c) e n.° 3, bem como dos artigos 44°, n.° 2,224°,225°,226°,265°, n°s 1,2 e 3, 382° e 383°, todos do CPP, e todos estes dispositivos violados neste douto despacho em exame, pelo Meritíssimo Tribunal a quo.
7. Os presentes autos enfermam de nulidade insanável, nos termos do artigo 105° e seguintes do CPP, aplicáveis por força do artigo 380° do CPP e ex vi artigo 112° da Lei do Trânsito Rodoviário, mais concretamente, a nulidade insanável prevista nos termos do art. 106°, al. b) do CPP, equivalente à falta da acusação e, por conseguinte, falta da promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 37°, sendo que a posição e as atribuições do Ministério Público no processo, reguladas no artigo 42° do CPP, ainda que os actos sejam susceptíveis de delegação, implicam, nos termos do n° 2 do referido artigo 42°, al. c), deduzir a acusação e sustentá-la efectivamente na instrução e no julgamento, nulidade esta que se argui expressamente para todos os seus efeitos legais, e cuja declaração respeitosamente se requer ao Venerando Tribunal ad quem.
8. Em todo o caso, e à cautela, caso venha o Tribunal ad quem a reconhecer a possibilidade legal de um Tribunal de julgamento converter uma notificação de um órgão policial em auto de notícia, sempre padeceria tal notificação/auto de notícia/acusação de nulidade, por violação do artigo 265°, n.° 3, al. d) ex vi artigo° 383°, n,° 3 do CPP, a qual expressamente se argui para todos efeitos legais e cuja declaração se requer a este Venerando Tribunal ad quem.
9. Por último, sempre se diga que a sentença proferida nos presentes autos é nula de harmonia com a alínea b) do artigo 360.° do CPP por condenar por factos não descritos na acusação, desde logo porque não existe acusação, in casu, auto de notícia
B) DA REJEIÇÃO DA CONTESTAÇÃO ESCRITA
10. O douto despacho proferido a fls. 70 e 70 verso dos autos é ilegal por violação de lei expressa, cuja declaração de ilegalidade se requer expressamente ao Venerando Tribunal ad quem, nomeadamente por aplicação errada da norma prevista no artigo 297°, n.° 1 do CPP quando existe norma especial para o processo contravencional que dispõe expressamente que a entrega da defesa é feita na audiência de julgamento, ou seja, esse é o momento processual adequado para a entrega da defesa.
11. Deverá o Tribunal ad quem reconhecer expressamente a ilegalidade do douto despacho proferido a fls. 70 e 70 verso destes autos contravencionais, na parte em que rejeitou a entrega de contestação escrita.
12. Tendo - pelo menos aparentemente - o Meritíssimo Tribunal a quo aceite a contestação da arguida, conforme se constata na douta sentença, não se compreende porque motivo não foram observados os requisitos da sentença, nomeadamente, o previsto no artigo 355°, n.° 1, al. d) do CPP, o qual determina que a sentença começa por um relatório que contém: «a indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada».
13. Nestes termos, caso o Venerando Tribunal ad quem não entenda que a douta sentença sub judice enferma de nulidade nos termos supra e infra expostos, requer-se que, nos termos do n.° 1, al. a) do artigo 361°, conjugado com o n.° 2 do mesmo artigo, se digne a providenciar pela correcção da sentença para cumprimento do artigo 355°, n.° 1, al. d) do CPP, a qual deverá ser efectuada pelo Tribunal competente para conhecer do recurso, nos termos do referenciado comando normativo.
C) DA DOCUMENTAÇÃO DA AUDIÊNCIA POR SÚMULA REQUERIDA PELA DEFESA DA ARGUIDA - DA FALSIDADE PARCIAL DA ACTA DE JULGAMENTO
14. Considerando que as actas da audiência de julgamento não reflectem ou correspondem exactamente àquilo que se passou na audiência de julgamento, - o que aliás não deixa de ser tácita ou implicitamente reconhecido pelo Meritíssimo Tribunal a quo, o qual erroneamente entende que pelo facto de por ter sido determinada gravação magnetofónica oficiosamente que o Tribunal de primeira instância, estaria dispensado de fazer consignar em acta a documentação por súmula, nos termos supra explanados - designadamente por não aludir minimamente ao depoimento da testemunha B e às circunstâncias relativas ao depoimento da testemunha agente policial n.° XXX -, são as mesmas parcialmente falsas, o que se invoca para efeitos dos artigos 89°, n.° 4, 154° e 155° do CPP.
15. Tal falsidade parcial da acta da audiência de julgamento inquina, por um lado, o depoimento da testemunha B e da testemunha agente policial n. ° XXX, bem como todos os actos subsequentes produzidos na audiência de julgamento, nos termos do artigo 109° do CPP, o que resulta na nulidade de todo o julgamento o qual enferma de nulidade por não permitir ao Tribunal ad quem em sede de recurso apreciar a matéria de facto produzida em audiência de julgamento, nomeadamente para julgar o presente recurso na parte a que se reporta ao previsto no artigo 400°, n.° 2 do CPP.
16. A arguição de falsidade parcial da acta de julgamento reporta-se pois a actos judiciais com repercussão na tramitação ou decisão da causa, sendo que foi este assunto suscitado ante o Meritíssimo Tribunal a quo, o qual por diversas vezes, seja pelos seus dois despachos proferidos no sentido de entender que a acta não deve ser rectificada, e que a súmula constante daquela não deveria ser objecto de correcção pelo facto que o Meritíssimo Tribunal a quo ter determinado oficiosamente a gravação da prova, mesmo aduzidas as preocupações por parte da Defesa quanto ao seu direito de recurso.
17. Caso o Tribunal ad quem considere que a falsidade parcial da acta da audiência de julgamento não se reconduz a nulidade, mas antes a irregularidade não deve, pois, a mesma considerar-se sanada, nos termos do 110° do CPP já que a defesa, logo na sessão de audiência de julgamento subsequente, nos 5 dias após a recepção da cópia da acta da primeira sessão do dia 24.3.2011 suscitou em audiência de julgamento, na sessão de 14.4.2011 esta questão atinente às desconformidades da acta, nos termos supra expostos, o que foi suscitado por duas vezes, e por fundamentos distintos nessa audiência de julgamento de 14.4.2011.
18. Por último, peticiona-se, subsidiariamente, nos termos do artigo 415° do CPP, se digne ordenar a renovação da prova, que se indicará posteriormente de harmonia com o disposto no n. ° 3 do artigo 402° do CPP.
D) DA PROIBIÇÃO DE DITAR PARA A ACTA IMPOSTA À DEFENSORA PELO MERITÍSSIMO TRIBUNAL A QUO
19. O entendimento do Meritíssimo Tribunal a quo de não permitir que os requerimentos sejam ditados pela defesa desde logo viola o artigo 13.° do Estatuto do Advogado aprovado pelo Decreto-Lei n.° 42/95/M de 21 de Agosto.
20. E também o disposto no artigo 344.° do CPP que regula o princípio geral da documentação e declarações orais.
21. Destarte, peticiona-se ao Venerando Tribunal ad quem que conheça da ora explanada questão de direito, a qual contende com o regular exercício da defesa no processo contravencional e processo penal.
E) DA ARGUIÇÃO DA NULIDADE PELA DEFESA NO PRÓPRIO ACTO PREVISTA NA ALÍNEA D) DO N.o 2 DO ARTIGO 107° DO CPP
22. A Defesa não se conforma que lhe tenham sido indeferidas as diligências probatórias referidas e explicitadas na motivação de recurso que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
23. Não obstante todos os esforços olvidados pelo tribunal para a descoberta da verdade material, o certo é que não foi possível determinar com exactidão e clareza o modo como os factos ocorreram sub judice, desde logo por não existir certeza quanto à «prova material» na notificação de fls, 6 dos autos.
24. O despacho proferido a fls. 150 dos autos é nulo por ter indeferido as diligências probatórias requeridas pela defesa.
25. A nulidade do artigo 107°, n.? 2, al. d), do CPP, resultante do despacho do Meritíssimo Tribunal a quo, a fls, 150 e 150 verso dos autos, que determinou a omissão das diligencias probatórias requeridas, como é caso da perícia requerida de harmonia com os artigos 139° e seguintes do CPP, cujo objecto se fixou imediatamente na contestação, tratando-se de diligências legalmente admissíveis, possíveis, relevantes e adequadas à justa e adequada decisão da causa, resulta na evidente violação do artigo 321°, n.° 1 do CPP por parte do Meritíssimo Tribunal a quo.
26. Destarte, e não tendo o Meritíssimo Tribunal a quo ordenado a realização de tais diligências probatórias, incorreu na nulidade do art.° 107°, n.° 2, a.l d), do CPP, a qual foi arguida logo em audiência de julgamento, mos termos do a) do numero 3 do artigo 107° do CPP (cfr. fls. 150 e fis.150 verso), a qual não é sanável e inquina todos os actos subsequentes executados no processo, de acordo com o artigo 109°, n." 1 do CPP.
27. A Defesa arguiu em audiência de julgamento a nulidade dependente de arguição, nos termos do disposto no artigo 107°, n. ° 3, al. a), conforme resulta de fls. 150 e 150 verso, reiterando a oportunidade legal do Meritíssimo Tribunal a quo, para, querendo, se dignar a reparar a decisão geradora de nulidade nos termos do disposto no artigo 107°, n.° 2, al. d) do CPP.
28. Ante a ora referenciada arguição de nulidade, o Meritíssimo Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho proferido a fls. 150 verso no qual se decidiu que: «( ... ), este tribunal considera que esta não pertence manifestamente à nulidade prevista na al. d) do n° 2 do art. l07° do CPP, pelo que indefere o respectivo requerimento. Quanto a esta questão, a arguida tem de pagar uma taxa de justiça de 2 UC».
29. Por todo o exposto, e sobretudo considerado que até ao presente momento não existem sequer elementos que permitam a nenhum Tribunal, como não permitem, aliás, ao Tribunal a quo definir qual foi então o concreto aparelho de fiscalização utilizado na concreta operação da CPSP no dia 13 de Setembro de 2010, nos factos que são pretensamente imputados á arguida, uma vez que nem auto de noticia existe, não podia este Tribunal de primeira instancia ter indeferido as diligências probatórias essenciais à descoberta da verdade material, e muito menos, pelos fundamentos invocados no despacho proferido a fls. 150 verso dos autos, termos em que se requer ao Tribunal ad quem a declaração expressa da nulidade do julgamento, a qual por seu turno, inquina a douta sentença proferida nos presentes autos.
F) DA PROIBIÇÃO DE EFECTUAR PERGUNTAS À TESTEMUNHA AGENTE POLICIAL DA CPSP COM IDENTIFICAÇÃO NÚMERO I 85991 RELATIVAS AO _ PRETENSO - OBJECTO DO PROCESSO
30. A audiência de julgamento fere de nulidade, nos termos do artigo 107°, n.° 2, al. d), nomeadamente por se terem omitido diligências - in casu as instâncias à testemunha referenciada na motivação - que poderiam ser relevantes para a descoberta da verdade material, não tendo assim qualquer cabimento legal a alínea f) do artigo 304° do CPP, requerendo-se ao Venerando Tribunal ad quem que expressamente declare, também por este motivo a invocada nulidade já suscitada na audiência de julgamento (cfr. fls. 150 e 150 verso).
G) DA ILEGAL APLICAÇÃO DE TAXA DE JUSTIÇA NAS DUAS ARGUIÇÕES DE NULIDADE
31. Os dois despachos de fls.70, 150 e 150 verso dos autos incorrem, logo à partida, no erro de configurar a intervenção da defensora da arguida nos termos do artigo 70° do Regime de Custas dos Tribunais, já que as arguições de invalidade suscitadas pela arguida não configuram uma qualquer ocorrência estranha ao desenvolvimento do processo, antes sim o legítimo exercício do seu direito de defesa da legalidade processual.
32. Termos em que se afigura ilegal e injusta as condenações em taxa de justiça aplicadas à arguida, sanções estas que além de indevidas são exageradas no seu quantum.
33. No caso concreto, é certo que a arguida, ora recorrente, ao suscitar - em substância - duas nulidades processuais, não deduziu qualquer incidente, como tal considerado pela lei.
34. As identificadas arguições de nulidade processuais não podem ser configuradas como de acto estranho ao normal desenvolvimento da lide, constituindo, antes o manifestar da discordância perante o que se entende estar a violar a lei e os interesses legalmente protegidos inerentes à posição e estatuto processual de arguido.
35. Nos termos e com os fundamentos ora indicados, requer-se que o Venerando Tribunal ad quem revogue o segmento das duas condenações em taxa de justiça (2 UCs respectivamente), constante dos despachos de fls. fls.70, 150 e 150 verso dos autos proferidos na sequência das referenciadas arguições de nulidade, nomeadamente por não ser aplicável o artigo 70° do Regime de Custas Judiciais à arguição de nulidades no processo penal e logo por remissão no processo contravencional.
H - DOS VÍCIOS DA DOUTA SENTENÇA RECORRIDA
DA CONTESTAÇÃO APRESENTADA E IGNORADA NA DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, DA INSUFICIÊNCIA PARA A DECISAO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA, DO ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA, DA VIOLAÇÃO DO IN DUBIO PRO REO, DA NULIDADE DA SENTENÇA, DA FALTA DE ANÁLISE CRÍTICA DOS ELEMENTOS DA PROVA, DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CULPA E DA DESPROPORCIONALIDADE DA CONCRETA MEDIDA DA PENA ACESSÓRIA APLICADA EM CONCRETO À ARGUIDA
36. O Meritíssimo Tribunal a quo tinha que ter concluído, pelo menos, da diminuta gravidade da conduta arguida, a qual contende com a questão da culpabilidade.
37. Não existe nenhum dispositivo legal que determine o agravamento da pena caso o arguido não tenha actos de contrição ante o Meritíssimo Tribunal a quo, como fez aliás, o Meritíssimo Tribunal a quo ao decretar na sua douta sentença uma sanção acessória de inibição de condução pelo período de 8 meses.
38. A arguida é primária.
39. É pois absolutamente desproporcionada esta medida da pena concretamente aplicada, a qual, apenas se compreende como forma de retaliação à Defensora da arguida, que mais não fez senão exercer a sua profissão em escrupuloso cumprimento das regras do processo e deontológicas que sobre ela impendem.
40. O Meritíssimo Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 60° e 65.° do Código Penal, já que aquele Tribunal não cuidou sequer de aferir da culpa da arguida.
41. Os depoimentos testemunhais prestados pelas duas testemunhas comprovam exactamente da diminuta gravidade das suas consequências, que para o caso concreto não houve dano para coisa nenhuma, nem para ninguém.
42. Acresce, que as condições pessoais da arguida foram completamente desconsideradas pelo Meritíssimo Tribunal a quo, sendo que ficou absolutamente provado os artigos 34°, 35°, 36°, 37°, 38°, 39°, da contestação, mediante prova documental junta a contestação, declarações da arguida, e pelo depoimento da testemunha B que a arguida faz uso indispensável do seu automóvel, já que reside em Coloane, zona de Macau sem rede de transportes adequada e regular, tem 4 filhos menores, um deles ainda nem concluiu um ano de idade, trabalha por conta de outrem, tendo de utilizar o seu veiculo nas suas mais diversas funções e actividades profissionais, termos em que estariam comprovadamente reunidos as condições para a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir nos termos do artigo 480, n.° 1 do Código penal, aplicável artigo 123°, n.° 3 do Código Penal, de harmonia com o artigo 109°, n. ° 1 da LTR.
43. O Meritíssimo Tribunal a quo ao ter determinada a sanção de acessória de não conduzir durante um período de 8 meses, violou o artigo 40° do Código Penal, período excessivamente gravoso, consideradas outras contravenções estradais puníveis na RAEM as quais, não têm nem de perto tão elevado período mínimo de pena na aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir.
44. O Merítissimo Tribunal a quo não dispõe de matéria ou elementos probatórios suficientes para condenação da arguida nos termos em que o fez, termos em que a douta sentença recorrida enferma de vício, nos termos 400°, n." 2 do CPP.
45. A douta sentença recorrida é ilegal mormente por violar o princípio do in dubio pro reo, o qual consubstancia decorrência directa do princípio da presunção da inocência, aplicável ao processo contravencional em apreço.
46. A douta sentença recorrida viola de modo grosseiro o artigo 25.°, 28°, 33° e 350 da Lei Básica da RAEM, na parte em que se plasmou «Embora a execução da inibição de conduzir certamente vá causar um certo grau de inconveniência à arguida no seu quotidiano, esta é o resultado que deve ser assumido pelo infractor, bem como que, tendo em conta da natureza do trabalho da arguida, que não sobrevive por meio de conduzir (v.g. condutor profissional), também não é a único sustento económico na família, pelo que, o tribunal considera que neste caso não há motivo aceitável de suspensão da execução da pena acessória de inibição de conduzir».
47. É que, «Os residentes de Macau gozam da liberdade de escolha de profissão e de emprego», segundo o artigo 33° dá Lei Básica da RAEM.
48. Ademais, o artigo 60°, n.° 2 do Código Penal, que em sede de sanções acessórias, estabelece que: Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos.
49. O Meritíssimo Tribunal a quo talvez invoca que a arguida por ser casada, deve conformar-se com o facto de poder vir a arguida a perder o seu emprego, e mesmo de impedir de executar todas as tarefas inerentes à sua profissão e às exigências da maternidade de 4 filhos, um deles sem sequer um ano de idade. É pois de lamentar tal asserção plasmada na douta sentença recorrida.
50. Quanto à fundamentação da sentença a qual é para mais inexistente desde um ponto de vista prático, atentemos na seguinte passagem do dispositivo recorrido «O tribunal, de acordo com as declarações da arguida, os depoimentos das testemunhas e as provas documentais consignadas nos autos (em particular a fotografia que manifesta o excesso de velocidade do veículo em causa, bem como os dados da laser gun em causa relevantes à marca, ao modelo, ao bom funcionamento, à inclusão do margem de erros de +/- 2 km no registo de excesso de velocidade), formulou a sua convicção e juízo de facto. », impõe-se a pergunta: Mas afinal qual é que foi o aparelho de fiscalização utilizado na operação de fiscalização contravencional em causa nestes autos?
51. A douta sentença não responde, como aliás nem podia, não obstante os ofícios expedidos por duas vezes ao DTCPSP no sentido de se apurar tal meio de prova essencial para apuramento da velocidade, como aliás, a própria contradição insanável dos documentos constantes dos autos e do depoimento da testemunha, agente policial, cujas partes relevantes foram já transcritas neste recurso não permitiam a resposta cabal a esta questão.
52. O Meritíssimo Tribunal a quo não efectuou a mínima das mínimas análises críticas dos elementos probatórios dos autos, conforme se demonstrou supra e conforme lhe era imposto por lei, nos termos do artigo 355°, n.° 2 do CPP, dispositivo este violado na douta sentença recorrida: «Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”.
53. Ora, o Meritíssimo Tribunal a quo não indica quais os exactos meios de prova, exactamente por que dos mesmos resulta dúvida insanável, uma contradição evidente, num processo que nem acusação tem.
54. Tal vício implica a nulidade da sentença nos termos do disposto no artigo 360°, n.° a) do CPP.
55. Acresce que a sentença sempre seria nula, nos termos da alínea b) do artigo 360° do CPP, nomeadamente por condenar por factos que não constam da acusação, a qual in casu inexiste.
56. A douta sentença recorrida não podia ter condenado a arguida nos termos em que o fez desde logo põe não dispor de matéria de facto provada para o fazer, termos em, apenas se concebe que tal sentença tenha sido proferida por erro notório na apreciação concatenada da prova.
I - DO CUMPRIMENTO DO DISPOSTO NO ARTIGO 402°, N.° 3 DO CPP
57. Na eventualidade do Venerando Tribunal ad quem não concluir pela nulidade do processo, e bem assim reputar conveniente proceder à renovação da prova, nos termos previstos no artigo 415° do CPP, requer, a título subsidiário, no presente recurso:
- Inquirição da funcionaria judicial que procedeu à redacção da acta da audiência de julgamento ocorrida ante o Tribunal a quo, nos presentes autos contravencionais cuja identificação se desconhece;
- Inquirição da testemunha B, Advogado, com domicílio profissional na Avenida de XX, n. ° XX “Edifício XX”, X° “X”, Macau, nomeadamente por não constar da documentação da audiência por súmula, requerida nos termos legais, nenhuma referência, ainda que sumária do seu depoimento;
- Inquirição da testemunha Senhor Agente Policial n. ° XXX, a notificar no respectivo Comando, por não lhe terem sido permitidas perguntas essenciais à descoberta da verdade material e atinentes ao objecto do processo;
- No caso de o Venerando Tribunal ad quem entender que, não obstante a omissão da douta sentença recorrida de qual terá sido, afinal, o meio de prova material utilizado nestes autos de contravenção, ou seja o concreto aparelho medidor de velocidade utilizado pelo CPSP, mas que existem já no processo elementos suficientes para identificar concretamente qual terá sido o aparelho de fiscalização utilizado pelo agente policial n.° XXX, na concreta operação de fiscalização sub judice, requer-se ainda que:
a) O mesmo seja verificado por técnicos idóneos, não pertencentes à Direcção dos Serviços para Assuntos de Tráfico, que foi concretamente usado naquele instante nem à Polícia de Segurança Pública (entidades não imparciais neste caso), o bom estado de funcionamento do aparelho de Radar, supostamente aprovado pela Direcção dos Serviços dos Assuntos de Tráfico, que concretamente mediu a velocidade do veículo conduzido pela arguida, na Av. XX na Taipa, poste de iluminação n° 925D06, na direcção do “XX Hotel” na Taipa, no dia 13 de Setembro de 2010, pelas 16 horas e 38 minutos;
b) Nesse mesmo pressuposto, requer-se que se oficie a entidade administrativa competente para calibração do aparelho de radar utilizados na RAEM, ou seja, Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT), com morada na Alameda XX, n°s XX a XX, Edf. XX, XX° andar, para que informe os autos sobre se existe margem de erro nas medições efectuadas pelos aparelhos de radar de marca desconhecida, em caso afirmativo, qual é essa margem. Caso não exista informação disponível para os aparelhos da marca utilizada na constatação dos factos sub judice, desde já se requer a realização de perícia, de forma a determinar se existe ou não tal margem de erro, para prova do alegado nos artigos 14° a 16° da contestação apresentada pela arguida, perícia essa a realizar por entidade independente, com o objecto que se passa a indicar: as medições feitas pelos aparelhos de radar da marca utilizada para detecção dos factos objecto dos presentes autos apresentam uma margem de erro? Em caso afirmativo qual é a margem de erro existente?
A final pede que se:
“- Declare as nulidades do processo arguidas;
- Declare a nulidade da sentença;
- Conheça das questões de direito suscitadas;
- Subsidiariamente, revogue a decisão recorrida, corrigindo a douta sentença recorrida nos termos do artigo 361° do CPP e substituí-la por outra que absolva a ora recorrente, ou, a não se entender por assim, deverão V. Exas., Venerandos Juízes do Tribunal ad quem, revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que ordene ao tribunal recorrido que leve mais longe a indagação em sede de matéria de facto sobre esses elementos atinentes à determinação da medida da pena, declarando reaberta a audiência, e proceda à produção da prova necessária; e, também, subsidiariamente, que se “determine a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir (…)”; (cfr., fls. 342 a 512-v e 586 a 596).
*
Em resposta, entende o Exmo. Magistrado do Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 516 a 518).
*
Admitido o recurso, e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista, opina também o Exmo. Representante do Ministério Público no sentido da confirmação do decidido; (cfr., fls. 581 a 581-v).
*
Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Está dado como provado que:
“No dia 31 de Setembro de 2010, cerca das 16H38, a arguida A conduzia um automóvel ligeiro (matrícula ML-XX-XX) circulando na Taipa, pela Avenida XX (sic) em direcção para a Hotel XX, à velocidade de 98km/hr, ultrapassando o limite máximo de velocidade fixado por lei.
A via em causa é de três faixas de sentido único, na altura, o chão era bom e seco e a estrada bem iluminada.
A arguida agiu deliberada e livremente, não conduzindo com atenção necessária.
A arguida sabia bem que a sua conduta era proibida e punida por lei.
A arguida efectuou voluntariamente o pagamento da multa.
***
Ao mesmo tempo foram provados os seguintes:
A arguida A tem vivido em Macau há 14 anos (vive em Coloane há quatro anos), é designer, auferindo um rendimento mensal de MOP15.000, tendo a seu cargo dois filhos menores e duas filhas menores.
Possui curso de bacharelado”.
Do direito
3. Vem A recorrer da sentença pelo Mmo Juiz a quo proferida que a condenou como autora de uma infracção ao art. 31° da Lei n.° 3/2007, e que, por já ter pago a multa, fixou em 8 meses o período de inibição de condução.
Merecendo o recurso conhecimento, vejamos se merece provimento.
–– Começa a recorrente por afirmar que “inexiste auto de notícia”, alegando, essencialmente, que:
- “In casu, a notificação de fls. 6 corresponde à imposição legal estatuída no artigo 130° da LTR, a qual visa conferir 15 dias para o pagamento voluntário da multa pelo valor mínimo (cfr., fls. 6), em conformidade com o disposto no artigo 131° da LTR”.
- “O douto despacho do Meritíssimo Tribunal a quo constante de fls. 69-verso e 70 dos autos, ao sustentar a validação de uma notificação como auto de notícia, é manifestamente ilegal por ter sido proferido contra lei expressa, nomeadamente por violar os artigos 382°, n.°s 1 e 3 do, artigo 383°, n.°s 1 e 2, 42, n.°3°, 265°, n.° 1, 224°, 225°, 226°, todos do CPP”.
- “Os presentes autos enfermam de nulidade insanável, nos termos do artigo 105° e seguintes do CPP, aplicáveis por força do artigo 380° do CPP e ex vi artigo 112° da Lei do Trânsito Rodoviário, mais concretamente, a nulidade insanável prevista nos termos do art. 106°, al. b) do CPP, equivalente à falta da acusação e, por conseguinte, falta da promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 37°, sendo que a posição e as atribuições do Ministério Público no processo, reguladas no artigo 42° do CPP, ainda que os actos sejam susceptíveis de delegação, implicam, nos termos do n°2 do referido artigo 42°, al. c), deduzir a acusação e sustentá-la efectivamente na instrução e no julgamento, nulidade esta que se argui expressamente para todos os seus efeitos legais, e cuja declaração respeitosamente se requer ao Venerando Tribunal ad quem”.
- “Em todo o caso, e à cautela, caso venha o Tribunal ad quem a reconhecer a possibilidade legal de um Tribunal de julgamento converter uma notificação de um órgão policial em auto de notícia, sempre padeceria tal notificação/auto de notícia/acusação de nulidade, por violação do artigo 265°, n.° 3, al. d) ex vi artigo 383°, n.° 3, do CPP, a qual expressamente se argui para todos os efeitos legais e cuja declaração se requer a este Venerando Tribunal ad quem”, e que,
- “Por último, sempre se diga que a sentença proferida nos presentes autos é nula de harmonia com a alínea b) do artigo 360° do CPP por condenar por factos não descritos na acusação, desde logo porque não existe acusação, in casu, auto de notícia”.
Pois bem, como se vê, a questão tinha já sido pela Exma. Defensora da ora recorrente suscitada em sede de audiência de julgamento no T.J.B., e como se deixou também referido, não foi acolhida pelo Mmo Juiz a quo.
Em tal decisão assim, ponderou o Mmo Juiz do T.J.B.:
“In casu, a arguida foi acusada da prática de uma contravenção (condução em velocidade excessiva) depois de entrar em vigor a Lei do Trânsito Rodoviário e tal infracção é p.p. pelos artigo 31°, n°1, e artigo 98°, n°2 da mesma lei. Segundo o artigo 112° do Lei do Trânsito Rodoviário, os processos para efectivação da responsabilidade contravencional regem-se pelas normas processuais respectivas, com as especialidades constantes do Capítulo VII da mesma lei. Conforme as disposições dos artigos 113° e 130°, n°4, o guarda do CPSP, que levantou o auto nesta causa, já comunicou, nos termos da lei, à arguida da contravenção praticada através da notificação a fl. 6. Conjugado com o artigo 133° da Lei do Trânsito Rodoviário, o CPSP tem direito remeter o auto de notícia da contravenção e o processo a este Tribunal para julgamento. Como disse a Digna Magistrada do M.P., da notificação a fl. 6 do processo remetido a este Tribunal pelo CPSP já constam as informações tais como os dados pessoais da infractora, o género e o número de matrícula da viatura, o dia, hora e local onde foi praticada a infracção, o acto infractor, as normas e as respectivas provas. Com efeito, tal notificação contém o teor necessário como o de um auto de notícia/auto, por isso, deve ser considerada como o auto de notícia/auto no processo contravencional, equivalendo à acusação no Tribunal.
Nesta conformidade, este Tribunal entende não existir o vício de nulidade insanável neste processo por falta de auto de notícia, tal como foi invocado pela Sr. Defensora, rejeitando-se o requerimento da declaração de nulidade insanável formulado”; (cfr., fls. 546 a 547).
Perante isto, que dizer?
Desde já, consigna-se que, no caso, o Ministério Público não deduziu acusação.
Com efeito, e tal como da acta de julgamento consta, serviu-se da faculdade prevista no art. 370°, n.° 3, do C.P.P.M. que invocou e que preceitua que:
“3. O Ministério Público pode substituir a apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia da autoridade que tiver procedido à detenção”.
E, assim, da reflexão que sobre a dita questão nos foi possível efectuar, cremos que tem a recorrente razão, não sendo de confirmar a transcrita decisão.
De facto, e como bem diz a recorrente, inexiste, nos presentes autos, o aludido “auto de notícia”.
O que existe é um “expediente” que comprova que foi a ora recorrente notificada para no prazo de 15 dias efectuar o pagamento voluntário da multa pela infracção ao art. 31°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007 que lhe era imputada.
Alias, tal é o que, em nossa opinião, e de forma clara, resulta do “documento” em questão, (cfr., fls. 6), e a que se refere o despacho do Mmo Juiz a quo.
Na verdade, nele, para além de (no cabecário) constar a expressão “Notificação”, à qual foi atribuído o número “N002691/2010”, consta também que “o infractor foi notificado no prazo de 15 dias para o pagamento da referida multa, a partir da presente notificação, caso negativo, será remetido ao Tribunal competente para os devidos efeitos. No caso de pagamento voluntário. É pago no montante mínimo”.
Aqui chegados, cabe explicitar dos motivos que nos levam a não considerar tal “notificação” um “auto de notícia”.
Ora, como estatui o art. 175°, n.° 2 do C.P.P.M., a notificação serve para “chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto”, e, a referida notificação (de fls. 6) foi elaborada e efectuada em obediência ao art. 130° da Lei n.° 3/2007, onde se prescreve que:
“Sempre que haja indícios suficientes da prática de qualquer contravenção à presente lei e demais legislação reguladora do trânsito não punível com pena de prisão, a entidade autuante notifica o infractor para efectuar o pagamento voluntário da multa no prazo de 15 dias, no local indicado na notificação”, sendo este um comando legal incluído na “Secção” referente à “Tramitação especial das contravenções”, e que, em essência, reproduz o que já constava nos n.°s 1 e 2 do art. 80° do anterior Código da Estrada.
E, como sabido é, preceitua o art. 226° do C.P.P.M. que:
“1. Sempre que uma autoridade judiciária, um órgão de polícia criminal ou outra entidade policial presenciarem qualquer crime de denúncia obrigatória, levantam ou mandam levantar auto de notícia, onde se mencionem:
a) Os factos que constituem o crime;
b) O dia, hora, local e circunstâncias em que o crime foi cometido;
c) Tudo o que puderem averiguar acerca da identificação dos agentes e dos ofendidos, bem como os meios de prova conhecidos, nomeadamente as testemunhas que puderem depor sobre os factos.
2. O auto de notícia é assinado pela entidade que o levantou e pela que o mandou levantar.
3. O auto de notícia é obrigatoriamente remetido ao Ministério Público no mais curto prazo e vale como denúncia.
4. Nos casos de conexão pode levantar-se um único auto de notícia”.
Ora, não se nega que a dita “notificação” contém os “factos que constituem a infracção”, o “dia, hora e local” onde a mesma ocorreu, a “identificação do infractor”, e os “meios de prova”.
Todavia, (e aqui é que está a “busílis”), nada é dito sobre a “entidade que presenciou” a infracção; (cfr., n.° 1, do art. 226°).
Daí, e sabido que também é que o “especial valor probatório do auto de notícia” advém de tal particularidade, à vista está a solução.
Com efeito, não se pode olvidar que o “valor probatório” atribuído ao “auto de notícia” tem exactamente como pressuposto uma constatação imediata do facto e do seu agente pela autoridade – agente de autoridade ou funcionário público – no exercício das suas funções, dispensando, portanto, qualquer investigação prévia; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Évora de 02.11.2011, Proc. n.° 1202/04-1, podendo-se ver também o da Rel. de Lisboa de 12.06.1996, Proc. n.° 0007303, onde se consignou, nomeadamente que “a dispensa de inquérito, no processo sumário penal, tem a ver com o especial valor probatório que a lei atribui ao auto de notícia, lavrado “sempre que uma autoridade judiciária, um órgão de polícia criminal ou outra entidade policial presenciarem qualquer crime ou denúncia obrigatória””).
Não se deixa de referir também que não é por a Lei n.° 3/2007 não fazer referência ao “auto de notícia” que o mesmo deixou de ser necessário.
De facto, no aludido art. 80°, n.° 3, do anterior Código da Estrada, preceituava-se, expressamente, que “o auto é remetido ao Tribunal…se havendo pagamento voluntário, a contravenção for também punida com suspensão de validade de licença de condução”, e o art. 133° da Lei n.° 3/2007, estatui que “o processo é remetido ao tribunal competente … se … a contravenção for também punível com inibição de condução”, não nos parecendo que tal “alteração” se deva a tal intenção legislativa.
Assim, e em nossa opinião, importa atentar no seguinte: não sendo a “notificação”, (de fls. 6) um “auto de notícia”, invocável não era o art. 370°, n.° 3 do C.P.P.M., o que não pode de deixar de acarretar a invocada nulidade.
Aliás, tal é também o que resulta do preceituado nos art°s 382° e segs. do C.P.P.M. inseridos no “Título III” referente ao “Processo Contravencional”, como é o presente, e por isso, aplicável.
No n.° 1 deste mesmo art. 382° estatui-se que:
“1. Quando qualquer funcionário, no exercício das suas funções, presenciar ou verificar contravenção, levanta ou manda levantar auto de notícia”, dispondo o seguinte art. 383°, n.° 1 e 2 que:
“1. O auto de notícia aguarda, por prazo não superior a 15 dias, na secretaria ou repartição pública onde possa fazer-se o pagamento voluntário, findo o qual, se este se não tiver efectuado, o auto de notícia é enviado a tribunal no prazo de 5 dias.
2. O auto de notícia faz fé em juízo, equivalendo à acusação”.
Ora, no caso dos autos, nada havendo sobre a “forma de conhecimento da infracção”, e, assim, inexistindo “auto de notícia”, aplicável seria então o estatuído no art. 384°, nos termos do qual:
“1. O funcionário que tiver notícia, por denúncia ou conhecimento próprio, de contravenção de que lhe cumpra conhecer mas que não tenha presenciado ou verificado nos termos do n.º 1 do artigo 382.º, procede a inquérito, findo o qual, se disso for caso, notifica o infractor para o pagamento voluntário da multa.
2. Decorridos 15 dias sobre a notificação sem que o pagamento da multa tenha sido efectuado, o processo é remetido ao Ministério Público, no prazo de 5 dias, o qual, conforme os casos, deduz acusação, determina o arquivamento ou devolve o processo para diligências complementares”.
Não sendo o que sucedeu, razão tem a ora recorrente, prejudicado ficando o conhecimento das restantes questões suscitadas.
Decisão
4. Em face do exposto, acordam conceder provimento ao recurso, devendo os autos ser devolvidos ao Ministério Público para os efeitos tidos por convenientes.
Sem tributação.
[...]>>.
Como da votação feita sobre essa douta Minuta de Acórdão, saiu vencido o Mm.o Relator seu autor, cumpre, agora, decidir da sorte da presente lide recursória através do presente acórdão definitivo, lavrado pelo primeiro juiz-adjunto em obediência ao disposto na segunda parte do n.o 1 do art.o 417.o do Código de Processo Penal vigente (CPP).
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Fluem do exame dos autos os seguintes elementos pertinentes à decisão:
– Consta de fl. 6 dos autos, uma notificação com seguinte conteúdo, assinada pela própria pessoa da ora recorrente:
<<[...]
CORPO DE POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA
Registo No
DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO
NOTIFICAÇÃO No N002691/2010
Identificação do infractor: (Nome) A
Doc. Identificação: [...] N.o de Carta de Condução: [...]
Residência: [...] (residência escrita só em chinês) Tel: [...]
Data da infracção: 13/09/2010 Horas: 16:38
Local: Taipa Avenida XX (escrito só em chinês)
Tipo: Automóvel ligeiro (escrito só em chinês) Chapa de matrícula: ML-XX-XX
Artigos infringidos: Artigo 31o no. 1 do L.T.R.
Penalidade: Artigo 98.o n.o 2 do L.T.R.
Prova: Prova testemunhal --- Prova material Fotografia (escrito em chinês)
Observações: Perto do Poste de Iluminação n.o 925D06 na Avenida XX, em direcção ao Hotel XX (o limite de velocidade para automóvel ligeiro nesta parte da via estradal é de 60km/h), na altura, a infractora conduziu o automóvel ligeiro n.o ML-XX-XX, excedendo o critério de velocidade da Lei do Trânsito Rodoviário, à velocidade de 98km/h. (Isto tudo escrito só em chinês).
Assinatura do agente
[ass.]
Guarda n.o XXX
O infractor foi notificado no prazo de 15 dias para o pagamento da referida multa, a partir do momento da presente notificação, caso negativo, será remetido ao Tribunal competente para os devidos efeitos. No caso de pagamento voluntário. É pago no montante mínimo.
Assinatura do infractor Assinatura do notificante
[ass. da ora recorrente] [ass.]
Agente 261910
Data 13/09/2010
Nota: A pessoa notificada já pagou voluntariamente a multa neste Serviço (escrito só em chinês)>>;
– A fl. 4 dos autos, consta uma fotografia tirada sobre um automóvel com chapa de matrícula n.o ML-XX-XX, com dados nela inscritos relativos à data “13/09/2010”, à hora “16:38:25”, a “98 Km/h” e ao nome em chinês da “Avenida XX";
– A fl. 3 dos autos, consta uma “Listagem das Transgressões”, com o nome completo da ora recorrente, e a indicação do número de chapa de matrícula ML-XX-XX;
– Não obstante o pagamento voluntário da multa, a Polícia de Trânsito remeteu o processo ao Tribunal Judicial de Base, com inclusão da Notificação n.o N002691/2010 (cfr. o ofício de fl. 2);
– Na sentença ora recorrida, foi descrita como provada a seguinte factualidade (escrita originalmente em chinês):
Em 13 de Setembro de 2010, cerca das 04:38 da tarde, a arguida A conduziu o automóvel ligeiro (chapa de matrícula: ML-XX-XX) na Avenida XX em direcção ao Hotel XX, excedendo o critério de velocidade fixado legalmente na via pública, à velocidade de 98 quilómetros por hora.
Na parte da via em causa, existem três faixas de rodagem, com boas condições no pavimento, que é seco, e com clara visibilidade.
A arguida não conduziu com prudência, e ao praticar o acto acima referido, agiu de modo consciente e livre.
Sabe que este tipo de acto é proibido por lei e sujeito à punição.
A arguida já pagou voluntariamente a multa.
A arguida A já vive em Macau há cerca de 14 anos (residindo em Coloane há cerca de quatro anos), é designer, com MOP15.000,00 de rendimento mensal sensivelmente, precisa de sustentar dois filhos menores e duas filhas menores.
A arguida tem habilitações académicas de bacharelado.
A aguida negou a acusação.
– Na mesma sentença, foi considerado como não provado que a arguida conduziu na altura o automóvel em causa em velocidade não superior a 85 quilómetros por hora.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal ad quem cumpre só resolver as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, vê-se que a arguida colocou várias questões na motivação do seu recurso interposto da sentença proferida em primeira instância, algumas das quais alusivas ao decidido pela Mm.a Juíza a quo no processado anterior à emissão da sentença.
Pois bem, quanto à matéria de impugnação do decidido anteriormente pela Mm.a Juíza a quo, este TSI não pode tomar conhecimento da mesma, sob pena de ofender o espírito latente no disposto no art.o 372.o do CPP, ex vi do art.o 388.o, n.o 3, do mesmo Código, de acordo com o qual em processo contravencional, só é admissível recurso da sentença ou de despacho que puser termo ao processo.
Aliás, e por outro lado, tendo a arguida já efectuado o pagamento voluntário da multa, pelo valor mínimo, cominada no art.o 98.o, n.o 2, da LTR, no Departamento de Trânsito (conforme o notado na parte final do documento de fl. 6 dos autos), ela já deixou, a partir de então, de ter interesse em agir para vir suscitar, em juízo, um conjunto de alegadas ilegalidades ou vícios procedimentais (inclusivamente respeitantes à recolha de prova e à documentação da audiência) para tentar fazer alterar o juízo judicial condenatório pela verificação da sua conduta de condução com excesso de velocidade superior a 30 quilómetros por hora no dia 13 de Setembro de 2010 na Avenida XX, perto do poste de iluminação n.o 925D06.
Na verdade, da sua dita uma mesma conduta, ilegal, de condução com excesso de velocidade como tal concretamente sancionada no n.o 2 do art.o 98.o da LTR, advêm, simultaneamente, duas consequências jurídicas: a multa de duas mil a dez mil patacas e a inibição de condução pelo período de seis meses a um ano.
Se já pagou ela voluntariamente a multa pelo mínimo, nos termos expressamente permitidos pelo art.o 131.o da LTR, este acto voluntário seu implicou tácita e necessariamente a aceitação total do juízo de valor contra si imputado pela Polícia de Trânsito como referente à violação de uma contravenção p. e p. sobretudo pelo art.o 98.o, n.o 2, da LTR.
Com efeito, a prática do acto de pagamento voluntário da multa, por ser voluntário o pagamento, é totalmente incompatível com a vontade de vir recorrer da justeza da imputação então contra si feita pela Polícia de Trânsito (cfr. a situação referida na segunda metade da norma do n.o 2 do art.o 586.o do Código de Processo Civil vigente, ex vi do art.o 4.o do CPP).
E a remessa ulterior do processo contravencional em questão para o Tribunal Judicial de Base não afastou a força jurídica dessa manifestação tácita, por ela, da vontade de aceitação total da imputação contra si feita pela Polícia de Trânsito, visto que o facto de a pena de inibição de condução ter que ser aplicada e concretamente medida por um Órgão Judicial e não pela Polícia, por decorrência natural e lógica do alcance e sentido da norma da alínea 3) do art.o 133.o da LTR, não tem a virtude, supervenientemente pretendida por ela, de fazer renascer a oportunidade de ela impugnar tal juízo de valor de verificação da sua conduta ilegal de condução, para tentar fugir à aplicação da pena de inibição de condução.
Para constar isto, basta confrontar a alínea 2) do referido art.o 133.o com a alínea 3) do mesmo artigo, para daí se extrair a ilação de que com pagamento voluntário da multa, já não há julgamento no tribunal, a não ser que a contravenção seja também punível com inibição de condução, caso em que esta sanção cumulativa terá que ser aplicada pelo tribunal.
Nesse enquadramento jurídico-processual das coisas, só assiste à arguida, em princípio, o interesse em agir na impugnação da justeza do período, fixado pela Mm.a Juíza a quo, da inibição de condução, e na sindicância da justeza da decisão judicial de não suspensão da execução da pena de inibição de condução.
Entretanto, como a questão principal posta na sua motivação de recurso, relativa à alegada inexistência da acusação pública no processo contravencional, é eventualmente enquadrável na situação de “falta de promoção do processo pelo Ministério Público” de que se fala na primeira parte da norma da alínea b) do art.o 106.o do CPP, cominada com a consequência jurídica de nulidade insanável, de conhecimento oficioso, cumpre apreciar agora dessa questão.
No caso, ante os elementos coligidos dos autos e já referidos na parte II do presente acórdão de recurso, e atendendo a que a LTR, nos seus art.os 130.o a 134.o, prevê expressamente a “tramitação especial das contravenções” referidas no próprio art.o 130.o (as quais incluem a contravenção então imputada à ora recorrente no documento policial de fl. 6), é de concluir que a Polícia de Trânsito já cumpriu a tramitação especial aí prevista em relação à ora recorrente, no sentido de que na existência de indícios suficientes da prática, por esta, da contravenção ao disposto mormente no art.o 98.o, n.o 2, da própria LTR, foi notificar a mesma, como infractora, para efectuar o pagamento voluntário da multa, e não obstante o efectivo pagamento voluntário da multa, cumpriu também a ordem plasmada na alínea 3) do art.o 133.o da LTR, remetendo o processo ao Tribunal Judicial de Base para julgamento.
E da análise do teor da Notificação n.o N002691/2010, se retira que:
– o conteúdo deste documento policial está materialmente devidido em duas partes:
– a primeira parte do qual contém já materialmente todos os elementos ou indicações que devam constar obrigatoriamente de uma acusação propriamente dita (e como tal exigidos nas diversas alíneas a) a e) do n.o 3 do art.o 265.o do CPP), quais sejam: as indicações tendentes à identificação da arguida (in casu, o nome completo, o número do documento de identificação, o número da carta de condução, a morada e o número telefónico da infractora arguida), a narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação da sanção à arguida, com indicação, se possível, do lugar e tempo da prática da conduta ilegal (in casu, essa narração sintética encontra-se feita nas “Observações”, às quais se acrescentam as indicações do dia e da hora do acto contravencional da arguida, e do tipo e número de chapa de matrícula do veículo automóvel então conduzido por esta), as normas legais que prevêm a contravenção e a respectiva punição, a indicação da fotografia como prova material, a data do documento e a assinatura do Guarda Policial (n.o XXX) que elaborou o próprio documento de fl. 6;
– e a segunda e outra parte desse mesmo documento refere-se à notificação propriamente dita da arguida para efectuar, no prazo de 15 dias, o pagamento voluntário da multa no montante mínimo;
– e atenta a indicação expressa, na acima referida primeira parte desse documento, de qual é a prova material a sustentar os indícios suficientes da contravenção imputada nas “Observações”, a qual é a fotografia de fl. 4 com todos os dados aí registados, é de considerar que antes de elaboração desse documento, o Guarda Policial n.o XXX já verificou, através do conteúdo dessa fotografia, dos dados nela registados e de demais dados documentais, a contravenção em questão, pelo que a primeira parte do documento em análise, não obstante ter por título “NOTIFICAÇÃO”, funciona já materialmente como um auto de notícia de verificação dessa contravenção, o qual, como tal, faz fé em juízo e equivale à acusação, nos termos expressamente previstos nas disposições conjugadas dos art.os 382.o, n.o 1, e 383.o, n.o 2, do CPP, o que dispensa a dedução ulterior de acusação pelo Ministério Público (cfr. o confronto da norma do n.o 2 do art.o 383.o com a do n.o 2 do art.o 384.o, ambos do CPP, tendo este art.o 384.o por epígrafe “Contravenção não presenciada ou verificada por funcionário”).
Há, pois, materialmente e de facto, e ao contrário do afirmado pela recorrente, acusação nos autos contravencionais subjacentes, consubstanciada no conteúdo concreto da primeira parte do documento de fl. 6, o que afasta qualquer hipótese juridicamente plausível de verificação da nulidade insanável a que se refere a primeira metade da alínea b) do art.o 106.o do CPP.
Resta, assim, decidir das últimas duas questões postas no recurso, em relação às quais tem já a recorrente interesse em agir para as levantar na presente sede recursória da sentença recorrida.
Assente que estava há muito – devido ao acto de pagamento voluntário da multa pelo mínimo – a prática, pela recorrente, de uma contravenção sobretudo ao art.o 98.o, n.o 2, da LTR, cabe, pois, ao Órgão Judicial medir o período da pena de inibição de condução aí prevista, dentro da moldura temporal de seis meses a um ano.
A Mm.a Juíza a quo fixou esse período concretamente em oito meses, precisamente a um terço da margem da moldura, juízo de valor esse que se mostra ao presente Tribunal ad quem, justo e equilibrado à luz dos critérios gerais da medida da pena, maxime consagrados nos art.os 65.o, n.os 1 e 2, alíneas a), b) e e), do Código Penal vigente, tendo em conta que a montante, segundo a matéria de facto provada, a ilicitude do facto não é de grau diminuído, e praticou a arguida a contravenção em dolo directo e exibiu depois, durante a audiência feita em primeira instância, uma postura de não admissão da prática dessa contravenção, totalmente contrária à vontade subjacente ao seu então pagamento voluntário da multa na Polícia de Trânsito, e, a jusante, são prementes as exigências da prevenção geral da contravenção em causa (por ser, consabidamente, potenciadora, não poucas vezes, de graves acidentes de viação por causa da grande velocidade na condução).
Por fim, também há-de improceder a almejada suspensão da execução da pena de inibição de condução, porquanto a matéria de facto provada não espelha nenhuma circunstância digna de ser justamente considerada como atendível para os efeitos a relevar do disposto no n.o 1 do art.o 109.o da LTR, sendo naturalmente certo que uma pena deste tipo sempre acarretará incovenientes à vida quotidiana da arguida a nível da sua deslocação por entre diversos sítios, mas também não é menos certo que é nesses inconvenientes a ser sentidos concretamente pela arguida na execução efectiva da inibição de condução que residem os efeitos próprios dessa sanção.
IV – DECISÃO
Face ao expendido, acordam em:
– julgar não verificada a nulidade insanável arguida pela recorrente com fundamento na invocada falta de acusação;
– não conhecer de todo o restante alegado no seu recurso interposto da sentença da Primeira Instância, com excepção das questões de excesso da pena de inibição de condução e de suspensão da execução dessa pena;
– e julgar finalmente improcedentes essas duas questões, mantendo, pois, a decisão condenatória feita na sentença.
Custas do recurso pela arguida, com dez UC de taxa de justiça.
Macau, 15 de Dezembro de 2011.
_________(assinatura)_________
Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
_________(assinatura)_________
Tam Hio Wa
(Segunda Juíza-Adjunta)
_________(assinatura)_________
José Maria Dias Azedo
(Relator do processo)
[Vencido. Mantenho o entendimento que expus no meu projecto de acórdão. Confrontando com o texto do douto aresto que antecede, afiguram-se-me pertinentes duas notas:
- a primeira, para salientar que a “fotografia de fls. 4” reproduz apenas a parte de trás da viatura referenciada nos autos, não permitindo identificar o seu condutor;
- a segunda, para dizer que não alcanço como entender-se que o “expediente de fls. 6” esteja “materialmente dividido em duas partes”, quando certo é que no seu cabecário consta tão só a expressão “Notificação”].>>.
Veio a arguida imputar nulidade a esse aresto, mediante o petitório apresentado a fls. 661 a 665 dos autos, formulado nos seguintes termos:
– <<[...]
A, Recorrente nos autos à margem identificados, notificada do Acórdão condenatório proferido no âmbito dos presentes autos, com a declaração de voto de vencido aí expressamente consignada, nos termos dos arts. 571.º, n.º 1, als. b), d) e n.º 3, 572.º, 573.° e 633.º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art. 4° Código de Processo Penal (C.P.P.), vem arguir
NULIDADES PARA A CONFERÊNCIA
O que faz nos termos e pelos fundamentos seguintes:
Excelentíssimos Senhores Juízes,
O Acórdão proferido nos presentes autos, escudando-se no disposto no art. 388.º, n.º 3 do C.P.P., que remete para o art. 372.º do mesmo diploma legal e nos termos do qual: “Em processo sumário só é admissível recurso da sentença ou de despacho que puser termo ao processo”, decidiu não conhecer de todas as questões suscitadas no recurso, com excepção das relativas à medida e ao pedido de suspensão da sanção acessória de inibição de condução.
O Acórdão sob reclamação conheceu ainda da questão da invocada inexistência de auto de notícia, considerando a sua existência e suficiência pela notificação para pagamento voluntário da multa de fls. 6 dos autos, proferida nos termos do art. 381.º e 382.º, n.º 3 do C.P.P., tendo ainda considerado que à Recorrente não assiste interesse em agir para por em causa elementos do “auto de notícia”, tendo em conta que procedeu ao pagamento voluntário da multa.
Acontece que, ao assim decidir, o Acórdão não teve em consideração o disposto no art. 400.º do C.P.P., nomeadamente, no seu n.º 1, onde expressamente se diz que: “o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de direito de que pudesse ter conhecimento a decisão recorrida.”.
Como não teve em consideração o disposto no art. art. 383.º, n.º 3 do C.P.P., nos termos do qual: “A eficácia do auto de notícia não impede a autoridade judiciária de proceder às diligências que entender necessárias para a descoberta da verdade, podendo ainda o juiz determinar a sua devolução para regularização se o auto não satisfizer os requisitos legais.”
Repare-se que, e atendendo apenas ao que resulta das conclusões do recurso, no mesmo foram suscitadas as seguintes questões:
A– Da nulidade insanável do processo por inexistência de auto de notícia - rectius, acusação pública;
B–Da rejeição da contestação escrita;
C–Da Documentação da audiência por súmula requerida pela defesa da arguida - da falsidade parcial da acta de julgamento;
D–Da proibição de ditar para a acta imposta à defensora;
E–Da arguição de nulidade pela defesa no próprio acto prevista na alínea d) do n.º 2 do art. 107.º do CPP;
F–Da proibição de efectuar perguntas à testemunha agente policial da CPSP com identificação n.º I 85991;
G–Da ilegal aplicação da taxa de justiça nas duas arguições de nulidade;
H–Dos vícios da douta sentença recorrida: Da contestação apresentada na douta sentença recorrida, da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, do erro notório na apreciação da prova, da violação do in dúbio pro reo, da nulidade da sentença por falta de análise crítica dos elementos da prova, da violação do princípio da culpa e da desproporcionalidade da concreta medida da pena acessória aplicada à arguida,
e
I–Do cumprimento do disposto no artigo 402.º, n.º 3 do CPP.
(conferir conclusões apresentadas e transcritas nas páginas 2 a 17 e 19 a 35 do Acórdão)
Ora, atento o disposto no mencionado art. 400.º, n.º 1 do C.P.P. é manifesto que o Acórdão deixou de se pronunciar sobre questões que, não só poderiam ter sido–e não foram! –apreciadas na sentença recorrida, como não se pronunciou sobre os vícios invocados no recurso e que dizem directamente respeito à sentença recorrida.
Veja-se, exemplificativamente, todos os vícios apontados à sentença e sintetizados nas conclusões de recurso sob o título H: “Dos vícios da douta sentença recorrida: Da contestação apresentada na douta sentença recorrida, da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, do erro notório na apreciação da prova, da violação do in dúbio pro reo, da nulidade da sentença por falta de análise crítica dos elementos da prova, da violação do princípio da culpa e da desproporcionalidade da concreta medida da pena acessória aplicada à arguida”.
Sendo que, com excepção das questões relativas à medida e pedido de suspensão da sanção acessória de inibição de condução, bem como da questão relativa à inexistência de auto de notícia, nenhuma das restantes questões foi apreciada no Acórdão sob reclamação.
A consequência é a nulidade do Acórdão, cuja apreciação nesta sede se peticiona.
Com efeito, e desde logo pelo facto de não ter sido considerada, quer na sentença, quer no Acórdão sob reclamação, a contestação apresentada pela arguida, resulta do Acórdão uma conclusão errónea e desprovida de fundamentação no que diz respeito à ilicitude da conduta e ao elemento subjectivo da infracção.
No Acórdão sob reclamação conclui-se que: “... a ilicitude do facto não é de grau diminuído, e praticou a arguida a contravenção com dolo directo e exibiu depois, durante a audiência feita em primeira instância, uma postura de não admissão da prática dessa contravenção, totalmente contrária à vontade subjacente ao seu então pagamento voluntário da multa na Polícia de Trânsito...”
Ora, salvo o devido respeito, tais conclusões quanto ao grau de ilicitude e da culpa não encontram qualquer fundamento nos autos.
O que só pode ter resultado da desconsideração, quer em primeira instância, quer no Tribunal de Segunda Instância, e contra o expressamente disposto na lei, da contestação apresentada pela Recorrente.
Sendo patente que a arguida não negou os factos, mas apenas o limite de velocidade concretamente ultrapassado.
Pelo exposto, padece o Acórdão sob reclamação de nulidade, por violação do disposto no art. 360.º do C.P.P., arts. 571.º, n.º 1, als. b), d) e n.º 3, 572.º, 573.º e 633.º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art. 4° Código de Processo Penal (C.P.P.), na medida em que deixou de se pronunciar sobre questões fundamentais expressamente invocadas no recurso e que dizem directamente respeito à sentença recorrida.
Nestes termos, vem a Recorrente requerer a V. Ex.ªs que seja o Acórdão revogado e, em sua substituição, proferido outro, em conferência, que declare as nulidades arguidas, deferindo a reclamação apresentada nos termos e com os fundamentos expostos.
[...]>>.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Ante o acima transcrito teor da fundamentação do acórdão de 15 de Dezembro de 2011, é patente a inexistência da ora arguida omissão de pronúncia por parte do presente Tribunal ad quem sobre “questões fundamentais expressamente invocadas no recurso e que dizem directamente respeito à sentença recorrida”, “com excepção das questões relativas à medida e pedido de suspensão da sanção acessória de inibição de condução, bem como da questão relativa à inexistência de auto de notícia”.
De facto, já se encontra explanado nesse acórdão o motivo de não conhecimento daquelas questões levantadas pela recorrente.
Para constatar isto, basta relembrar, designadamente, as seguintes passagens da fundamentação desse aresto:
– <<[...] vê-se que a arguida colocou várias questões na motivação do seu recurso interposto da sentença proferida em primeira instância, algumas das quais alusivas ao decidido pela Mm.a Juíza a quo no processado anterior à emissão da sentença.
Pois bem, quanto à matéria de impugnação do decidido anteriormente pela Mm.a Juíza a quo, este TSI não pode tomar conhecimento da mesma, sob pena de ofender o espírito latente no disposto no art.o 372.o do CPP, ex vi do art.o 388.o, n.o 3, do mesmo Código, de acordo com o qual em processo contravencional, só é admissível recurso da sentença ou de despacho que puser termo ao processo.
Aliás, e por outro lado, tendo a arguida já efectuado o pagamento voluntário da multa, pelo valor mínimo, cominada no art.o 98.o, n.o 2, da LTR, no Departamento de Trânsito (conforme o notado na parte final do documento de fl. 6 dos autos), ela já deixou, a partir de então, de ter interesse em agir para vir suscitar, em juízo, um conjunto de alegadas ilegalidades ou vícios procedimentais (inclusivamente respeitantes à recolha de prova e à documentação da audiência) para tentar fazer alterar o juízo judicial condenatório pela verificação da sua conduta de condução com excesso de velocidade superior a 30 quilómetros por hora no dia 13 de Setembro de 2010 na Avenida XX, perto do poste de iluminação n.o 925D06.
[...]
Nesse enquadramento jurídico-processual das coisas, só assiste à arguida, em princípio, o interesse em agir na impugnação da justeza do período, fixado pela Mm.a Juíza a quo, da inibição de condução, e na sindicância da justeza da decisão judicial de não suspensão da execução da pena de inibição de condução.
Entretanto, como a questão principal posta na sua motivação de recurso, relativa à alegada inexistência da acusação pública no processo contravencional, é eventualmente enquadrável na situação de “falta de promoção do processo pelo Ministério Público” de que se fala na primeira parte da norma da alínea b) do art.o 106.o do CPP, cominada com a consequência jurídica de nulidade insanável, de conhecimento oficioso, cumpre apreciar agora dessa questão.
[…]
Há, pois, materialmente e de facto, e ao contrário do afirmado pela recorrente, acusação nos autos contravencionais subjacentes, consubstanciada no conteúdo concreto da primeira parte do documento de fl. 6, o que afasta qualquer hipótese juridicamente plausível de verificação da nulidade insanável a que se refere a primeira metade da alínea b) do art.o 106.o do CPP.
Resta, assim, decidir das últimas duas questões postas no recurso, em relação às quais tem já a recorrente interesse em agir para as levantar na presente sede recursória da sentença recorrida.
[…]>>.
Daí que é impertinente à arguida a invocação do preceito do n.o 1 do art.o 400.o do CPP para fazer valer a sua tese de possibilidade de conhecimento, por este Tribunal de recurso, daquelas outras questões, visto que:
– não se pode esquecer de que o espírito latente no disposto no art.o 372.o do CPP, ex vi do art.o 388.o, n.o 3, do mesmo Código, impede a possibilidade legal desse conhecimento;
– para além de ser certo também que já foi analisado e concluído no aresto de 15 de Dezembro de 2011 que ela não tinha “interesse em agir para vir suscitar, em juízo, um conjunto de alegadas ilegalidades ou vícios procedimentais (inclusivamente respeitantes à recolha de prova e à documentação da audiência) para tentar fazer alterar o juízo judicial condenatório pela verificação da sua conduta de condução com excesso de velocidade superior a 30 quilómetros por hora no dia 13 de Setembro de 2010 na Avenida XX, perto do poste de iluminação n.o 925D06”. Efectivamente, segundo o art.o 391.o, n.o 2, do CPP, não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.
E quanto à também invocação da norma do n.o 3 do art.o 383.o do CPP em abono da sua tese de possibilidade de conhecimento daquelas outras questões não conhecidas no acórdão anterior, essa invocação não deixa de ser igualmente descabida, em face, tal como já se analisou nesse aresto, à postura do já pagamento voluntário da multa.
Por fim, nem pode vir a arguida recorrente aproveitar o mecanismo de arguição de nulidade do acórdão para sindicar o juízo de valor aí emitido por este Tribunal no respeitante ao “grau de ilicitude e da culpa”.
O acórdão anterior não padece, pois, de nenhuma nulidade.
IV – DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente a arguição de nulidade do acórdão de 15 de Dezembro de 2011.
Custas do processado de arguição de nulidade pela arguida, com cinco UC de taxa de justiça.
Macau, 23 de Fevereiro de 2012.
___________________________
Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
___________________________
Tam Hio Wa
(Segunda Juíza-Adjunta)
___________________________
José Maria Dias Azedo
(Relator do processo)
(sem prejuízo de entendimento que expus no Acórdão 15.12.2011)
Processo n.º 495/2011-I Pág. 68/68
Processo n.º 495/2011-I Pág. 1/69