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Processo n.º 954/2010(I) Data do acórdão: 2012-2-23
(Autos de recurso penal)
  Assuntos:
  – art.o 355.o, n.o 2, do Código de Processo Penal
  – dever de fundamentação do acórdão
  – arguição de nulidade do acórdão
S U M Á R I O
1. Não há incumprimento, pelo tribunal ad quem, do dever de fundamentação imposto materialmente no art.o 355.o, n.o 2, do Código de Processo Penal, se o próprio arguido recorrente já se apercebeu perfeitamente da fundamentação da decisão de recurso.
2. Não se pode aproveitar o mecanismo de arguição de nulidade do acórdão de recurso para sindicar o mérito do juízo de valor aí formado pelo tribunal ad quem a nível da análise da matéria de facto aquando da decisão do reenvio do processo com fundamento na concluída existência, na decisão recorrida, do vício de erro notório na apreciação da prova.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 954/2010(I)
(Autos de recurso penal)
(Da arguição de nulidade do acórdão de 15 de Dezembro de 2011)


ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Notificado do acórdão proferido por este Tribunal de Segunda Instância em 15 de Dezembro de 2011 nos presentes autos de recurso penal n.o 954/2010, veio o arguido recorrido B arguir, através da peça de fls. 903 a 915 dos mesmos, a nulidade desse aresto, “prevista no art.o 355.o, n.o 2, do Código de Processo Penal” vigente (CPP).
Notificados dessa pretensão do arguido, não exerceram o assistente recorrente A e o Ministério Público o direito de resposta.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II – DOS ELEMENTOS COLIGIDOS DOS AUTOS
Com vista à decisão da arguição de nulidade sub judice, é de atender aos seguintes elementos, coligidos dos autos:

Em 15 de Dezembro de 2011, foi proferido pelo presente Tribunal ad quem o seguinte acórdão a fls. 892 a 900v dos autos:
< (Autos de recurso penal)
Recorrente (assistente): A
Recorrido (arguido): B






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 783 a 788 dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR4-07-0169-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, absolutório do arguido B da acusada prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento de especial valor, p. e p. pelos art.os 244.o, n.o 1, alínea a), e 245.o do Código Penal vigente (CP), e de um crime de burla em valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.o 211.o, n.o 4, alínea a), do mesmo Código, veio o assistente A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI).
Alegou o assistente, na sua motivação (apresentada a fls. 791 a 802 dos presentes autos correspondentes, com lapso de escrita por si rectificado através do requerimento de fl. 809 a 810), material e concretamente o seguinte, como objecto do seu recurso:
– no texto do acórdão recorrido, o Tribunal seu autor não teceu fundamentação substancialmente suficiente, integral, coerente e lógica da sua convicção formada sobre os factos, ao não ter indicado expressamente qual a parte do depoimento(s) de testemunha(s) ou qual a parte da prova documental que implicou a comprovação ou a não comprovação de determinado facto, o que violou o disposto no n.o 2 do art.o 355.o do Código de Processo Penal vigente (CPP), com indicada declaração de nulidade do mesmo texto decisório;
– ademais, o Tribunal Colectivo recorrido cometeu erro notório na apreciação da prova a que alude a alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP, ao não ter feito constar na matéria de facto descrita como provada no seu aresto, a data de outorga da procuração em Macau com base na qual foi celebrada a escritura de compra e venda do imóvel dos autos, enquanto dos elementos constantes da prova documental dos autos, resulta claramente qual a data de outorga dessa procuração (i.e., 16 de Março de 2001), por um lado, e, por outro lado, ao não ter dado como provada, ao contrário do que ditam as regras da experiência comum da vida humana, a matéria vertida nos 1.o e 5.o a 8.o parágrafos da matéria de facto descrita como não provada no mesmo acórdão impugnado, sendo que aliás o arguido nem chegou a explicar como é que tinha obtido tal procuração, quando à data da sua outorga, o assistente, que aí figurou como mandante, já não estava em Macau nem tinha telefonado para o arguido;
– por isso, praticou o arguido um crime de burla em valor consideravelmente elevado p. e p. pelo art.o 211.o, n.o 4, alínea a), do CP, e, pelo menos, um crime de uso de documento falsificado de especial valor, p. e p. pelos art.os 244.o, n.o 1, alínea c), e 245.o do CP, preceitos incriminadores esses que foram violados pelo Tribunal recorrido;
– devendo, pois, o arguido passar a ser condenado nesses dois crimes, com aplicação das respectivas penas, e com consequente provimento do pedido cível então apresentado pelo assistente.
Sobre o recurso, opinou a Digna Delegada do Procurador (a fls. 816 a 823v) no sentido de provimento parcial do recurso na parte respeitante à assacada falta de fundamentação da livre convicção sobre os factos (não provados) e no atinente ao esgrimido erro notório na apreciação da prova (sobre os factos relativos ao elemento subjectivo dos dois crimes em questão), com consequente determinação do reenvio do processo para novo julgamento.
Veio responder o arguido recorrido (a fls. 824 a 834) a contrariar a argumentação do assistente recorrente, nos seguintes termos essenciais:
– as provas documentais constantes dos autos são suficientemente demonstrativas da inocência do arguido;
– os documentos de fls. 115, 116, 736, 741, 746 e 767 são demonstrativos de vários empréstimos feitos pelo arguido a C, desde 1993, destinados ao desenvolvimento (reconstrução) do prédio;
– já em 17 de Novembro de 1995, fora outorgada uma procuração com poderes especiais conferida por C e pelo assistente A em favor do arguido, nela tendo sido atribuídos os necessários poderes para praticar actos de disposição do imóvel em causa, procuração cuja autencidade e genuinidade nunca foram colocadas em causa;
– o arguido não tinha necessidade da nova procuração datada de 16 de Março de 2001, que veio a ser julgada falsa, para concretizar o negócio de compra e venda que determinou a instauração do presente processo contra si, a qual apenas veio a ser utilizada por se tratar de um instrumento mais recente;
– o arguido nada teve a ver com a outorga da nova procuração pretensamente outorgada por A e B, no dia 16 de Março de 2001, ignorando a sua falsidade ou as razões por que veio a ser outorgada;
– o acórdão recorrido fez boa justiça e não padece dos vícios que foram imputados pelo assistente recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 877 a 880), pugnando pelo provimento parcial do recurso, com reenvio do processo para novo julgamento por efeito de procedência do vício de erro notório na apreciação da prova.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos e com audiência já realizada neste TSI, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à decisão do recurso, é de coligir dos autos os seguintes elementos:
O Tribunal Colectivo a quo fundamentou a sua livre convicção formada no julgamento da matéria de facto através dos seguintes dizeres, escritos originalmente em chinês na página 9 do texto do acórdão recorrido (concretamente a fl. 787 dos autos), e aqui traduzidos literalmente para português pelo ora relator:
– <>.
De acordo com a matéria de facto descrita como provada no acórdão recorrido, ficou aí provado inclusivamente o seguinte:
– em 17 de Junho de 1993, A e B adquiriram, nos seus próprios nomes, a propriedade do antigo edifício sito na Rua ..., n.o 5A, Macau, embora os verdadeiros adquirentes dessa propriedade fossem, em igual proporção, uma sociedade comercial em Hong Kong de que A era representante legal, e uma sociedade comercial em Guangdong de que B era representante legal;
– depois de adquirida tal propriedade, as duas sociedades comerciais acordaram em comparticipar nas obras de ampliação e melhoramento do imóvel referido;
– ao mesmo tempo, as duas sociedades acordaram em deixar à sociedade de Guangdong o planeamento e a gestão das ditas obras;
– e a sociedade de Guangdong subdelegou os poderes no cidadão de Macau chamado B (arguido) para se responsabilizar pela realização e gestão das ditas obras;
– depois de concluídas sensivelmente até Setembro de 1995 as obras de ampliação e melhoramento do dito imóvel, o imóvel era ainda gerido por B;
– em 16 de Março de 1998, por apresentação feita pela companhia de fomento predial explorada por B, todo o edifício acima referido foi arrendado, por HKD55.000,00 mensais, por B a E, para venda de vestuário, com renda a depositar na conta do arguido no Banco Luso Internacional;
– em 1 de Junho de 2000, B e E trataram da renovação do contrato de arrendamento do dito imóvel, tendo B exigido que as rendas passassem a ser recebidas pelo responsável de uma sociedade comercial em Macau, através do depósito das mesmas em conta bancária desta, aberta no Banco Luso Internacional;
– desde Agosto de 1998, como A emigrou para os E.U.A., a ele era difícil acompanhar a situação de gestão do referido imóvel, e ele também não tinha meios para entrar em contacto com B;
– de facto, B chegou a entrar em Macau por via da Porta do Cerco em 12 de Novembro de 2000, e saiu de Macau pela Porta do Cerco em 13 de Novembro de 2000, e a partir de então não havia mais registo de entrada/saída em/de Macau de B;
– segundo os dados fornecidos pelas Autoridades Competentes do Interior da China, B, depois de descoberto o seu problema de envolvimento na prática de crime económico, fugiu com a sua mulher para os E.U.A. por via de Hong Kong em 14 de Novembro de 2000, e desde então, em paradeiro sempre desconhecido;
– e em Março de 2001, A também estava nos E.U.A. e não chegou a ir a Macau;
– em 5 de Março de 2001, sob testemunho do Advogado F, o arguido e E assinaram o contrato de compra e venda de imóvel, estipulando que o edifício sito na Rua ..., n.o 5-A, Macau, iria ser vendido a E pelo preço de HKD9.000.000,00;
– por via não apurada, o arguido obteve uma procuração outorgada em nome de A e B no sentido de ele poder vender ou alienar livremente tal imóvel;
– em 28 de Março de 2001, o arguido, munido da procuração e do contrato de promessa de compra e venda acima referidos, foi ao Segundo Cartório Notarial de Macau, e celebrou com E o contrato formal tripartido de compra e venda do dito edifício com concessão de empréstimo bancário hipotecário;
– segundo esse contrato tripartido, E comprometeu-se a hipotecar tal edifício a favor do Banco da China em Macau, e, em contrapartida, obteve HKD8.400.000,00 (equivalentes a MOP8.665.000,00) emprestados por esse Banco, destinados a pagar o preço do edifício ao arguido;
– através da venda do dito imóvel, o arguido obteve HKD9.000.000,00 pagos por E;
– até ao princípio de Setembro de 2002, A mandatou o responsável dos assuntos financeiros da sua companhia para ir a Macau para procurar B, e descobriu, assim, que este estava em paradeiro desconhecido e que o edifício acima referido já tinha sido vendido. Como A nunca conferiu poderes a outrem para vender tal imóvel, suspeitou assim que o arguido se tenha passado por ele na assinatura da venda do imóvel. Depois, em 15 de Outubro de 2002, tal responsável mandatado por A foi participar o caso à Polícia Judiciária de Macau;
– após exame laboratorial feito à procuração acima referida na Polícia Judiciária, confirmou-se que é muito provável que o apelido “XX”e o nome “A” escritos na procuração não foram assinados pelo próprio A, e que o apelido “XX” e o nome “B” não foram assinados pela própria pessoa de B.
Outrossim, consta da fundamentação jurídica do acórdão recorrido o seguinte último parágrafo (a fl. 787v), inicialmente escrito em chinês e aqui traduzido literalmente para português pelo ora relator:
– <>
Por outro lado, da fundamentação fáctica do acórdão recorrido, sabe-se que o Tribunal recorrido deu por não provado o seguinte:
<<– o arguido B aproveitou-se da ocasião de A e B não estarem em Macau, declarou a E que já obteve o mandato de A e B.
– posteriormente, o arguido arranjou dois senhores de identidade não apurada, e em coluio, deram-se por A e B.
– mais tarde, em 16 de Março de 2001, o arguido trouxe consigo esses outros dois senhores de identidade não apurada para se dirigirem ao escritório do Advogado e Notário Privado F, sito no ... andar do Edifício ... do n.o ... da ... em Macau, e muito possivelmente, aproveitaram-se da negligência e do descuido no trabalho por parte do pessoal em causa e desse Advogado e Notário Privado, assinaram como sendo A e B, e trataram com sucesso no Cartório Privado do Advogado F uma procuração.
– o arguido agiu de modo livre e em situação consciente, e praticou intencionalmente a conduta acima referida.
– o arguido teve por intuito causar prejuízo a outrem e obter para si vantagem ilegítima, soube que ele próprio não era proprietário do acima referido edifício sito na Rua ..., n.o 5ª, Macau, nem obteve o consentimento ou mandato de A e B como proprietários desse imóvel, e teve, porém, coluio com outros dois senhores de identidade não apurada que assinaram como sendo A e B, aproveitando-se da negligência ou descuido do Advogado e Notário Privado em causa, e conseguiu falsificar uma procuração de consentimento da venda e alienação do imóvel acima referido.
– depois, o arguido, com o intuito de enriquecimento ilegítimo para si, utilizou a procuração acima referida exibindo-a perante o comprador do dito imóvel (E) e o Notário do Segundo Cartório Notarial, fazendo com que o comprador do imóvel e o Notário tenha entendido erroneamente que o arguido tinha obtido o mandato legal dos proprietários do imóvel, tendo, por isso, logrado vender o imóvel de outrem para o terceiro (E) e feito com que o terceiro (E) tenha feito ao arguido prestação pecuniária de valor consideravelmente elevado. A conduta do arguido causou prejuízo em valor consideravelmente elevado aos proprietários legítimos do imóvel em causa.
– o arguido sabia inteiramente que a sua conduta era proibida e punida por lei de Macau.
– outros factos contrários aos factos provados.>>
Por outra banda, segundo a acusação pública então deduzida:
– o arguido soube bem da situação de ausência de Macau, pelo menos em Março de 2001, de A e B;
– a procuração com a qual foi celebrada a escritura de venda do imóvel dos autos a favor de E foi outorgada em Macau em 16 de Março de 2001 no escritório do Advogado e Notário Privado F;
– o arguido, em 16 de Março de 2001, trouxe consigo dois senhores de identidade não apurada para se dirigirem ao escritório do Advogado e Notário Privado F para efeitos de outorga dessa procuração.
Segundo o original dessa procuração apreendido nos autos, a procuração foi datada de 16 de Março de 2001 e outorgada em Macau.
Na procuração referida pelo arguido no ponto 3 das conclusões da sua resposta ao recurso como outorgada em 1995 ao arguido, não se detecta qualquer outorga de poder especial, a favor do arguido, para a venda ou alienação do edifício a outrem.
Dos autos constam documentos apresentados pelo arguido que demonstram a existência de empréstimos feitos por este a B, e destinados à construção do edifício.
O ora recorrente chegou a apresentar a fls. 520 a 528 pedido cível de indemnização a enxertar nos subjacentes autos penais, pedido esse que foi julgado como inadmissível por despacho judicial de fls. 588 a 589, despacho esse que não chegou a ser impugnado no prazo legal para o efeito.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal ad quem cumpre só resolver as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, o assistente A colocou material e concretamente as seguintes questões como objecto do seu recurso:
– 1) nulidade do acórdão devido à alegada falta de fundamentação substancial, no texto desse aresto, da livre convicção do Tribunal recorrido sobre os factos;
– 2) erro notório na apreciação da prova na parte materialmente respeitante aos 1.o e 5.o a 8.o parágrafos da matéria de facto descrita como não provada no acórdão recorrido, bem como no atinente à falta de indicação da data da procuração falsificada em causa;
– 3) verificação total da prática, pelo arguido, de um crime de burla em valor consideravelmente elevado e de um crime de uso de documento falsificado de especial valor;
– 4) e almejada procedência também do pedido cível de indemnização.
Quanto à 1.a questão, improcede a arguição do assistente, porquanto a maneira como foi enunciada pelo Tribunal Colectivo a quo no seu acórdão a fundamentação da sua livre convicção então formada sobre os factos, embora sintética, já satifaz, aos olhos do presente Tribunal ad quem, o exigido na parte final do n.o 2 do art.o 355.o do CPP, em sintonia com o qual da fundamentação da sentença/acórdão há que constar a “indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”, e já não a exposição do caminho de formação dessa convicção.
E a propósito do vício de erro notório na apreciação da prova, imputado pelo recorrente ao acórdão recorrido, cumpre notar que o Tribunal a quo deveria ter relevado como provado o dia (16 de Março de 2001) da procuração com base na qual foi celebrada a escritura de venda de 28 de Março de 2001 no Segundo Cartório Notarial de Macau, já que tal data consta do texto dessa procuração que se encontra apreendida nos autos como uma prova documental.
E sobre o mérito do dito vício de erro notório na apreciação da prova, o presente Tribunal ad quem, depois de feita a análise global e crítica, à luz das regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, de todos os elementos probatórios referidos na fundamentação do acórdão recorrido, entende que:
– embora seja ainda razoável, aos olhos de qualquer homem médio colocado na situação concreta do Tribunal recorrido, que esse Tribunal acabou por dar por não provado o vertido nos 2.o, 3.o e 5.o (segunda metade) parágrafos da matéria de facto descrita como não provada no seu acórdão;
– já não é aceitável que esse Tribunal deu como não provado o vertido nos 1.o, 4.o, 5.o (primeira metade) e 6.o a 7.o parágrafos da matéria de facto descrita como não provada no mesmo aresto.
Na verdade, da matéria de facto já julgada como provada em primeira instância, se retira, com nitidez facilmente detectada por qualquer homem médio conhecedor das regras da experiência, que:
– como o arguido já conheceu bem o ora assistente A e o outro B (por ter sido, a montante, mandatado pela companhia deste a realizar e gerir as obras de ampliação e melhoramento do edificio inicialmente existente na Rua ..., n.o 5-A, Macau, e ter sido ainda responsável pela gestão do edifício mesmo depois de reconstruído em Setembro de 1995, e por, a jusante, ter sido a companhia de fomento predial explorada pelo próprio arguido quem apresentou E a B para efeitos de celebração, em Março de 1998, do contrato de arrendamento do edifício reconstruído), e estando A e B igualmente ausentes de Macau pelo menos na altura de Março de 2001, não se pode acreditar que o arguido não tenha sabido, de antemão, da falsidade das assinaturas postas como sendo de A e B na procuração de que se muniu ele próprio para efeitos de outorga, em 28 de Março de 2001, da escritura de compra e venda do edifício em causa perante o Notário do Segundo Cartório Notarial de Macau, já que essa procuração foi outorgada em Macau e datada de 16 de Março de 2001 em que os próprios “mandantes” A e B estavam ausentes de Macau, e, por isso, nem se pode acreditar que o próprio arguido não tenha sabido que ele estava a utilizar uma tal procuração falsa (por serem falsas as assinaturas de A e B) no processo de outorga da dita escritura de compra e venda ou que ele não tenha declarado previamente a E que ele já obteve o mandato dos proprietários do edifício para efectuar a venda do edifício.
Por outro lado, nem se diga que não é de considerar que no acto de uso dessa procuração falsa, o arguido tenha estado a pretender obter para si vantagem ilegítima ou enriquecimento ilegítimo.
É que conforme os elementos coligidos dos autos já acima referidos na parte II do presente acórdão de recurso, embora o arguido tenha chegado a emprestar dinheiro a B destinado à reconstrução do edifício, ele, através do uso daquela procuração falsa, já retirou para si, pelo menos, um benefício jurídico ilegítimo, traduzido precisamente em lograr a venda do edifício dos autos como se fosse o verdadeiro procurador de A e B com poder especial para o acto de venda, enquanto (conforme o que se retira, a contrario seusu, da matéria de facto descrita como provada no acórdão recorrido) nenhum desses dois chegou a conferir-lhe esse poder especial, ilicitude do benefício jurídico essa que não pode ser considerada como apagada ou neutralizada pela relação de empréstimo existente entre o arguido e C.
Aliás, se pretendesse reaver o dinheiro emprestado, o arguido deveria socorrer a meios legais próprios, e não à “justiça privada” à moda de ajuste de contas consigo mesmo, consistente no desconto do dinheiro emprestado no preço de tal venda do edifício, lograda com uso da dita procuração falsa, ainda que este documento não tenha sido falsificado por ele próprio.
Por todo o exposto, e enquanto o assistente recorrente não pediu a renovação da prova neste TSI, é de reenviar, nos termos do art.o 418.o, n.os 1 e 3, do CPP, o objecto do processo para novo julgamento no Tribunal Judicial de Base por um novo Tribunal Colectivo, mas apenas relativamente ao vertido nos 1.o, 4.o, 5.o (primeira metade), 6.o e 7.o da matéria de facto dada como não provada no acórdão recorrido, e à correspondente matéria fáctica imputada na acusação (nomeadamente na parte concreta em que se descreve materialmente que o arguido soube bem da situação de ausência em Macau, pelo menos em Março de 2001, de A e B e que a procuração com a qual foi celebrada a escritura de venda do imóvel dos autos a favor de E foi outorgada em Macau em 16 de Março de 2001 no escritório do Advogado e Notário Privado F).
Caberá, pois, ao Tribunal Judicial de Base, em novo julgamento a fazer, indagar da veracidade da matéria de facto acabada de ser especificada, e, depois – com o resultado dessa indagação, conjugado com toda a restante matéria de facto já dada por provada no acórdão ora recorrido, decidir novamente do mérito da acusação, pelo crime de burla em valor consideravelmente elevado e pelo crime de falsificação de documento de especial valor (na modalidade aludida mormente na alínea c) do n.o 1 do art.o 244.o do CP, para a qual haverá que ser convolada a inicialmente imputada alínea a) do mesmo n.o 1, por efeito da já não comprovação do vertido nos 2.o, 3.o e 5.o (segunda metade) parágrafos da matéria de facto descrita como não provada no acórdão recorrido).
Em jeito de terminar, é de julgar como descabida a pretensão, formulada na parte final da motivação do recurso do assistente, de procedência do seu pedido cível de indemnização deduzido a fls. 520 a 528, por esse pedido já ter sido objecto do despacho judicial de fls. 588 a 589, que decidiu em não admitir o mesmo pedido, sendo certo que esse despacho não chegou a ser impugnado por ele no prazo legal para o efeito.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar parcialmente provido o recurso do assistente A, reenviando parcialmente o objecto do processo para novo julgamento nos termos acima especificados.
Custas do recurso a meias pelo assistente e pelo arguido, os quais pagarão, cada um, seis UC de taxa de justiça.
Responda ao ofício de fl. 859 com comunicação da presente decisão.
Macau, 15 de Dezembro de 2011.
[...]>>.

Veio o recorrido B arguir a nulidade desse acórdão, mediante o petitório apresentado a fls. 903 a 915 dos autos, formulado nos seguintes termos essenciais:
– <<[...]
  B, arguido nos autos à margem epigrafados e neles melhor identificado vem, pedida a devida vénia, arguir, perante Vossas Excelências, aquilo que, com todo o respeito, se lhe afigura constituir uma nulidade do douto Acórdão de 15 de Dezembro de 2011, prevista no art.º 355.º, n.º 2 do Código de Processo Penal - erro na fundamentação no que concerne aos pressupostos de facto e de direito do vício do erro notório na apreciação da prova - erro que invoca e tentará demonstrar nos termos e com os fundamentos que, respeitosamente, passa a expôr:
I. MEIO PROCESSUAL PRÓPRIO PARA ARGUIÇÃO DE NULIDADES DE DECISÃO IRRECORRÍVEL; PRAZO PARA A SUA ARGUIÇÃO
  1. […]
  2. Imputando a ora arguente ao douto Acórdão dessa Alta Instância a nulidade previstas na art.º 355.º, n.º 2 do C.P.P., ela terá de ser arguida perante os Venerandos Juízes da causa, para que, alegada, possa ser apreciada e decidida, sendo lícito ao mesmo tribunal supri-las, reparando a decisão, porque a declaração de nulidade, nos termos do art.º 571.º do C.P.C., torna o acto inválido, perdendo a sua consistência, não deixando de se proceder, porém, ao aproveitamento do acto que pode ser subtraído ao efeito da nulidade.
  3. […]
  4. […]
  5. Quanto ao prazo dentro do qual podem ser arguidas as nulidades da sentença, há que tomar em consideração que se o art.º 571.º, n.º 3 do C.P.C. prevê, em caso de recurso, que a arguição de nulidades da sentença pode ter como fundamento qualquer das nulidades previstas na lei, sendo a sua arguição, não havendo recurso, apresentada por via de reclamação junto do Tribunal a quo dentro do prazo geral, que é de dez dias a contar do seu conhecimento que, no caso, foi o do acto de leitura do douto Acórdão, aqui em Reclamação.
II. OS CUIDADOS DE QUE A JURISPRUDÊNCIA DOS NOSSOS TRIBUNAIS SUPERIORES FAZ RODEAR A ARGUIÇÃO E PROVA DO VÍCIO DO ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA FACE À DIFÍCIL SINDICABILIDADE DOS PODERES DE LIVRE APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL DE 1.ª INSTÂNCIA
  6. É inabarcável a jurisprudência dos nossos tribunais superiores no sentido de que o vício previsto na alínea c) do n.º 2 do art.º 400.º do Código de Processo Penal tem de ser aquele que “é evidente, que não escapa ao homem comum, de que um observador médio se apercebe com facilidade, que é patente. Esse erro existe quando se dão por provados factos incompatíveis entre si (...), não podendo esquecer-se que, como se prescreve na 2.ª parte do corpo do n.º 2, os vícios apontados nas suas alíneas têm de resultar dos próprios elementos constantes dos autos, por si só, ou com recurso às regras da experiência comum» (conforme escrevem LEAL HENRIQUES E SIMAS SANTOS, no seu Código Anotado pág.s 820/821).
  7. […]
  8. […]
  9. […]
  10. […]
  11. Em sentido idêntico se pronunciaram dezenas de Acórdãos do TSI, de que constituem exemplo dois Ac.s de 19 de Junho de 2003 (in «Colectânea de Jurisprudência do TSI da RAEM» − 2003 −Tomo I, pág. 1955 e ss e pág. 1979 e ss) e ainda os Ac.s do TSI de 27/1/2000, processo 1265, de 21 /9/2000, processo135/2000, de 18/12/2001, processo 96/2001-II. E, ainda o Ac. do TUI de 30/01/2003, no processo 18/2002.
  12. […]
  13. Também o Tribunal de Última Instância tem sido extremamente exigente na admissão do vício do erro notório na apreciação da prova, havendo definido linhas de jurisprudência que estão em total consonância com a jurisprudência praticamente uniforme do TSI […].
  14. […]
  15. Tentará demonstrar-se que, no caso, existe um facto provado não ponderado no douto Ac. desse Venerando Tribunal − substracto do identificado erro de fundamentação - que retira base de sustentação à procedência do referido vício por eliminar os respectivos pressupostos.
III − OS FUNDAMENTOS QUE PERMITIRAM AO TRIBUNAL A RARÍSSIMA PROCEDÊNCIA DO VÍCIO DO ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
  16. Escreveu-se no douto Ac. o seguinte:
  “E a propósito do vício do erro notório na apreciação da prova, imputado pelo recorrente ao acórdão recorrido, cumpre notar que o tribunal a quo deveria ter relevado como provado o dia (16 de Março de 2001) da procuração com base na qual foi celebrada a escritura de venda de 28 de Março de 2001 no Segundo Cartório Notarial de Macau, já que tal data consta do texto da procuração (...)” (cfr. último parágrafo de fls. 13).
  17. E, sobre o mesmo vício, o qual veio a ser dado por verificado e constituíu o fundamento da decisão de reenvio do processo para novo julgamento, escreveu-se ainda:
  “- embora seja ainda razoável, aos olhos de qualquer homem médio colocado na situação concreta do Tribunal recorrido, que esse tribunal acabou por dar por não provado o vertido nos 2.º, 3.º e 5.º (segunda metade) parágrafos da matéria de facto descrita como não provada no seu acórdão;
  - já não é aceitável que esse Tribunal deu como não provado o vertido nos 1.º, 4.º, 5.º (primeira metade) e 6.º e 7.º parágrafos da matéria de facto descrita como não provada no mesmo aresto.
  Na verdade, da matéria de facto já julgada como provada em primeira instância, se retira com nitidez facilmente detectada por qualquer homem médio conhecedor das regras da experiência, que:
  - como o arguido já conheceu bem o ora assistente A e o outro B (por ter sido, a montante, mandatado pela companhia deste a realizar e gerir as obras de amplicação e melhoramento do edifício incialmente existente na Rua ..., n.º 5-A, Macau, e ter sido ainda responsável pela gestão do edifício mesmo depois de reconstruído em Setembro de 1995, e por, a jusante, ter sido a companhia de fomento predial explorada pelo próprio arguido quem apresentou E a B para efeitos de celebração, em Março de 1998, do contrato de arrendamento do edifício reconstruído), e estando A e B igualmente ausentes de Macau pelo menos na altura de Março de 2001, não se pode acreditar que o arguido não tenha sabido, de antemão, da falsidade das assinaturas postas como sendo de A e C na procuração de que se muniu ele próprio para efeitos de outorga, em 28 de Março de 2001, da escritura de compra e venda do edifício em causa perante o Segundo Cartório Notarial de Macau, já que essa procuração foi outorgada em Macau e datada de 16 de Março de 2001 em que os próprios “mandantes” A e B estavam ausentes de Macau, e, por isso, nem se pode acreditar que o próprio arguido não tenha sabido que ele próprio estava a utilizar uma tal procuração falsa (por serem falsas as assinaturas de A e B) no processo de outorga da dita escritura de compra e venda ou que ele não tenha declarado previamente a E que ele já obteve o mandato dos proprietários do edifício para efectuar a venda do edifício” (cfr. páginas 14 e 15 do douto Acórdão) (realçado nosso).
  ( ... )
  18. Em consequência desta douta argumentação, determinou o TSI o reenvio do processo para novo julgamento relativamente ao vertido nos 1.º, 4.º, 5.º (primeira metade), 6.º e 7.º da matéria de facto dada como não provada no acórdão recorrido e à correspondente matéria fáctica da acusação (nomeadamente na parte concreta em que se descreve materialmente que o arguido soube bem da situação de ausência em Macau, pelo menos em Março de 2001, de A e B e que a procuração com a qual foi celebrada a escritura de venda do imóvel a favor de E foi outorgada em Macau em 16 de Março de 2001 no escritório do Advogado e Notário Privado F).
IV − OS FUNDAMENTOS DA INVOCADA NULIDADE DO DOUTO ACÓRDÃO; A RELEVÂNCIA DE FACTO PROVADO QUE, NA SUA ARTICULAÇÃO COM OS FACTOS NÃO PROVADOS, APONTA PARA A COMPREENSIBILIDADE DA DECISÃO (ABSOLUTÓRIA DO ARGUIDO)
  19. Constata-se, porém, da matéria de facto provada pelo Tribunal de Primeira Instância − e aí se situa o invocado vício pelo arguente - que, nos factos provados, se considerou demonstrado que:
  “Até princípios de Setembro de 2002, A mandatou o responsável dos assuntos financeiros da sua companhia para ir a Macau para procurar B, e descobriu, assim, que este estava em paradeiro desconhecido e que o edifício acima referido já tinha sido vendido (...)” (cfr. página 8 do Acórdão do TSI) (realçado nosso).
  20. Este facto provado − o de que A, parceiro de negócios de B, pessoa que naturalmente conhecia muito bem e com quem tinha uma relação próxima, desconhecia que este último não estivesse em Macau em Setembro de 2002 − e tanto é assim que mandatou alguém para ir a Macau procurá-lo − pode ter tido uma influência muito grande na decisão do Tribunal recorrido de concluir que (também) o arguido e ora arguente, B “não sabia da situação de ausência de Macau, pelo menos em Março de 2001, de A e B” (facto da acusação - cfr. pág. 11 do Acórdão), dando, consequentemente, na conjugação por si feita desses dois factos, tal facto da acusação como não provado, para concluir, como concluíu, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, pela ausência de prova de que “o arguido B aproveitou-se da ocasião de A e B não estarem em Macau, declarou a E que já obteve mandato de A e B” (cfr. pág. 9 do Acórdão do TSI) do que já resultaria a irrelevância do bom conhecimento entre o arguente e o referido B fundamento do vício, afinal inexistente, do tribunal recorrido (cfr. pág. 14 do Ac. sob impugnação).
  21. Isto é: se os dois parceiros de negócios, que se conheciam muito bem entre si, não sabiam, um em relação ao outro, que o outro se encontrava − ou não - em Macau num determinado tempo, como estranhar que o arguido B pudesse igualmente saber que eles, ou qualquer deles, se não encontrava(m) em Macau num determinado tempo?
  22. Ora, perante esta conjugação entre facto provado e facto não provado, já fácil será compreender que qualquer homem médio colocado na posição do julgador, daria como perfeitamente admissível que o tribunal houvesse dado como não provado que o arguido sabia que o A e o B não se encontravam em Macau à data da outorga da procuração no cartório notarial acima identificado (e que ignorasse, em consequência, a falsidade da procuração por eles outorgada).
  23. A perspectiva de apreciação fáctica que aqui se oferece torna questionável, com a ressalva do mais profundo respeito devido, que “não seja aceitável” que o Tribunal de Primeira Instância tenha dado como não provado o vertido nos 1.º, 4.º 5.º (primeira metade) e 6.º e 7.º parágrafos da matéria de facto descrita como não provada no mesmo aresto, sabido, aliás, que, pela concatenação que existe entre todos esses factos a conclusão da inverificação do primeiro facto (“o arguido B aproveitou a ausência de A e de B em Macau para dizer ao E que tinha obtido uma procuração daqueles?”) impunha que se dessem por não provados todos os factos subsequentes, todos dependentes da resposta que se desse ao primeiro.
  24. Afigura-se que se o Venerando TSI houvesse valorado a particular relevância desta conjugação entre o facto provado e o facto não provado que se deixaram identificados − na qual se fundamenta a presente reclamação - pudesse concluir no sentido da suficiente fundamentação do Ac. recorrido e plena integração da conclusão atingida pela l.ª instância na livre apreciação que lhe competia fazer das provas, o que, a acontecer, deixaria em causa o apelo feito à visão do homem médio colocado na posição do julgador por de tal factualidade (na sua conjugação) resultar a compreensibilidade da conclusão atingida pelo tribunal recorrido.
  25. E isso justamente por um tal reconhecimento implicar a conclusão de que já não haveria desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como não provado (no caso) uma conclusão logicamente inaceitável, pelo que se não observaria já, na decisão em causa, um erro que pudesse colocar em causa a livre convicção e a liberdade da apreciação da prova do Tribunal, o que é proibido em conformidade com o disposto no art.º 114.º do CPP fora de um quadro de excepção que esse Venerando Tribunal considerou demonstrado.
  26. Deixaria o referido vício de se verificar porque já se não revelaria um vício evidente, perceptível pelo cidadão comum, o que imporia o reconhecimento da inexistência do apontado vício e a conclusão de que, com o julgamento feito na decisão sob impugnação, se está, efectivamente, a pôr em causa a convicção dos julgadores, a qual, antes, estribaria uma decisão tomada em consciência e após livre apreciação crítica, na própria vivência e imediação de um julgamento, pelo que não caberia já a esse Venerando Tribunal a censura feita do Colectivo da Primeira Instância por ter formado a sua convicção neste ou naquele sentido, quando a decisão recorrida, confirmada pelo senso comum, nada contrariaria as conclusões alcançadas por inexistência de erro manifesto ou de ofensa às regras da experiência da vida humana ou às legis artis vigentes neste campo das tarefas jurisdicionais.
  27. É que a decisão da Primeira Instância foi formada num conjunto de provas, que incluem (...) as declarações do arguido, a vastíssima prova documental constante dos autos e o depoimento das testemunhas. E foi com base na análise e apreciação global de todas estas provas produzidas em audiência de julgamento que o Tribunal tirou a sua conclusão sobre a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada que constituíram fundamento da absolvição do arguido.
  28. Importaria, ainda, concluir, dizendo, com brevidade, que, os termos em que esse Venerando Tribunal delimitou a matéria a incluir no novo julgamento por outro colectivo em 1.ª instância consubstanciam uma verdadeira injunção no sentido da condenação do arguido por lhe não poder ser exigida − e estar absolutamente fora do seu alcance - a prova do facto negativo de que não sabia que os senhores A e B se não encontravam em Macau no dia 16 de Março de 2001, prova antes imposta ao acusador (sendo que irrelevaria, ademais, a relevância que, no douto Ac. aqui sob impugnação, veio a ser atribuída ao facto de não ter sido feito constar da decisão da 1.ª instância a data da outorga da procuração cuja falsidade está demonstrada).
  É nos termos expostos que vem arguir, perante Vossas Excelências, Venerandos Juízes, a nulidade identificada e pedir que, reconhecida a sua existência, seja declarado o douto Acórdão inválido na parte em que deu procedência ao vício do erro notório na apreciação da prova, com as devidas consequências.
[…]>>.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Da leitura do petitório ora sub judice do arguido recorrido, se retira que, no fundo, ele pretende arguir a nulidade do acórdão de 15 de Dezembro de 2011, porque, alegadamente, “existe um facto provado não ponderado” nesse aresto “que retira base de sustentação à procedência do vício” de erro notório na apreciação da prova “por eliminar os respectivos pressupostos” (cfr. o ponto 15 do mesmo petitório), com o que pede ele que seja declarado inválido esse acórdão “na parte em que deu procedência ao vício do erro notório na apreciação da prova, com as devidas consequências”.
E funda esse seu pedido no art.o 355.o, n.o 2, do CPP (cuja eventual inobservância pelo Tribunal acarreta a nulidade do acórdão nos termos expressamente cominados no art.o 360.o, alínea a), do CPP).
Entretanto, para todo o homem médio que consiga ler o texto do dito acórdão já acima transcrito, é evidente que esse aresto já cumpriu o dever de fundamentação imposto materialmente no citado n.o 2 do art.o 355.o.
Aliás, os pontos 16 a 18 do petitório sub judice espelham bem que o próprio arguido já se aprecebeu perfeitamente da fundamentação da decisão do reenvio ordenado por este Tribunal de recurso no dito acórdão.
Termos em que não pode vir o arguido aproveitar o mecanismo de arguição de nulidade desse acórdão para, com os argumentos aduzidos nos pontos 19 a 28 do seu mesmo petitório, sindicar (através sobretudo dos pontos 21, 22, 24, 26 (segunda parte) e 28 dessa peça) o mérito do juízo de valor então formado por este Tribunal ad quem a nível da análise da matéria de facto aquando da decisão do reenvio do processo com fundamento na concluída existência de erro notório na apreciação da prova, a fim de pretender a alteração desse julgado aí feito.
Não padece, pois, o acórdão anterior da nulidade esgrimida pelo arguido.
IV – DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente a arguição de nulidade do acórdão de 15 de Dezembro de 2011.
Custas do processado de arguição de nulidade pelo arguido, com cinco UC de taxa de justiça.
Macau, 23 de Fevereiro de 2012.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



Processo n.º 954/2010_I Pág. 1/32