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Processo nº 194/2011
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 01 de Março de 2012

ASSUNTO:
- Modificabilidade da decisão de facto
- Artº 235º do CCM
- Ónus de prova

SUMÁRIO:
- Nos termos do nº 1 do artº 599º e do nº 1 do artº 629º do CPCM, este Tribunal de recurso pode alterar a matéria de facto fixada pelo tribunal de primeira instância quando:
i. Foi cumprido o ónus de impugnação específica da decisão de facto;
ii. Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 599º, a decisão com base neles proferida;
iii. Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; e
iv. Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
- Tendo em conta o regime jurídico da simulação, os efeitos da declaração da nulidade e as regras normais do ónus da prova, compete ao terceiro adquirente o ónus de alegar e provar a ignorância da simulação para beneficiar a tutela do artº 235º do CCM.
O Relator,

Ho Wai Neng














Processo nº 194/2011
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 01 de Março de 2012
Recorrentes: A, B, C e D (intervenientes principais)
Recorrida: E (Autora)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por Sentença de 20/10/2010, decidiu-se:
- julgar-se nula e de nenhum efeito a compra e venda entre a Sociedade de Investimentos em Propriedades F, Lda. (1ª Ré) e G公司(2ª Ré) das fracções autónomas “B8”, “B15” e parques de estacionamento “C3”, “C4”, “C5”, “C6”, “C11”, “C14”, “C26” e “C27”, correspondentes a 8/82 avos da fracção autónoma “AR/C”, todos sitos no prédio com os números 16 e 18 da Praça Lobo de Ávila.
- mandar cancelar na Conservatória do Registo Predial os registos da aquisição, fundados nas referidas compras e vendas simuladas a favor da G公司, efectuados mediante as inscrições nº 29150 e 29151 ambas do Livro G; e nº 32668G (a favor da 3ª Ré A); nº 32673G (a favor do 5º Réu C), bem como todos e quaisquer registos que porventura hajam sido feitos, posteriormente e na sequência daqueles, sobre as fracções autónomas e lugares de estacionamento acima referidos.
- julgar-se improcedentes os demais pedidos da Autora.
Dessa decisão vêm recorrer os intervenientes principais, A, B, C e D, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
I. Não se provou nos autos que a venda das fracções entre as 1ª e 2ª rés não existiu e que a segunda não pagou à primeira qualquer quantia a título de preço.
II. Nem que a divergência entre a declaração negocial e a vontade real das 1ª e 2ª rés resultou de um acordo entre elas.
III. Ou que a mesma divergência entre a declaração negocial e a vontade real das 1ª e 2ª rés tivesse por intuito enganar terceiros.
IV. Ainda que, por hipótese, pudesse ser procedente o pedido de declaração de nulidade, por simulação, da compra e venda dos imóveis celebrada entre as 1ª e 2ª rés, nunca a referida nulidade seria, ao abrigo do disposto no artigo 235º do Código Civil, oponível aos intervenientes.
V. Os depoimentos das testemunhas da autora estão longe de fazer prova de que a 2ª ré não teve a intenção de comprar, nem comprou, quaisquer fracções autónomas ou lugares de estacionamento do prédio à 1ª ré, que, pelo seu lado, também não vendeu, nem teve a intenção de vender, quaisquer imóveis.
VI. Daí que o Colectivo, face aos depoimentos relatados e à inexistência de outras prova relevantes para a matéria em causa, deveria ter considerado o quesito 23° como não provado.
VII. Alterada a decisão de facto nos termos exposto, não deve proceder o pedido de declaração de nulidade da compra e venda dos imóveis por simulação.
VIII. Ao julgar o pedido de declaração de nulidade da compra e venda dos imóveis por simulação procedente a sentença recorrida violou o disposto nos artigo 232º e 235º do Código Civil.
Pedindo no final que seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que absolva as rés e os intervenientes dos pedidos.
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A Autora respondeu à motivação do recurso em causa nos termos constantes a fls. 1267 a 1290 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos:
Ficaram provados os seguintes factos na 1ª Instância:
1. Em 1 de Junho de 2001, a 1ª R. celebrou com a 2ª R., uma escritura pública pela qual declarou vender a favor desta, que, por seu turno declarou comprar, pelo preço global de MOP$13.000.000,00 (treze milhões de patacas), onze (11) fracções autónomas e dez (10) respectivos lugares de estacionamento do prédio identificado no Quesito 1° da Base Instrutória (alínea A) da Especificação)
2. Sobre as fracções autónomas constantes da escritura pública de compra e venda a que alude a al. A) dos Factos Assentes incide uma hipoteca a favor do Banco H, para quantia do reembolso de facilidades bancárias concedidas à 1ª R., até ao montante global de HKD$40.000.000,00 e respectivos juros e despesas, registada na Conservatória do Registo Predial de Macau mediante inscrição n° 5178 do Livro C-14K. (alínea B) da Especificação)
3. O facto a que alude a alínea B) da matéria dos Factos Assentes foi expressamente advertido pelo notário aquando da outorga da escritura pública. (alínea B-1) da Especificação)
4. Nenhum representante da 2ª R. se deslocou ao edifício XX. (alínea C) da Especificação)
5. A A. E celebrou com a lª R. Sociedade de Investimentos em Propriedades F, Limitada, 5 (cinco) contratos-promessa de compra e venda das fracções autónomas "A29" (do 29° andar), "A28" (do 28° andar), "A16" (do 16° andar), "B8" (do 8° andar), "B15" (do 15° andar), e a quota de 8/82 da fracção "AR/C" a que correspondem os parques de estacionamento "C3", "C4", "C5", "C6", "C11", "C14", "C26", "C27", todos elas sitas no prédio com os números 16 e 18 da Praça Lobo de Ávila, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n° 9739 a fls. 265 do Livro B-26, inscrito na matriz predial urbana sob o n° 72006, prédio esse identificado nos mesmos contratos-promessa como "Edificio XX". (resposta ao quesito 1º)
6. A fim de obter financiamento junto das instituições bancárias a A. assinou com algumas dessas instituições e com a promitente vendedora, ora lª R., contratos tripartidos de mútuo, promessa de hipoteca e promessa de compra e venda. (resposta ao quesito 2°)
7. No caso da fracção autónoma "A28" e parques de estacionamento "C3", "C4", "C5" e "C6", fracção autónoma "A29" e fracção autónoma "B8", a A. assinou, primeiramente, apenas um contrato promessa de compra e venda com a lª R., respectivamente em 24 de Abril de 1992 ( "A28" e parques de estacionamento acima referidos) e em 27 de Abril de 1992 ("A29" e "B8"). (resposta ao quesito 3°)
8. E só mais tarde celebrou o mencionado contrato tripartido. (resposta ao quesito 4°)
9. Nas fracções autónomas "B15" e "A16" e parques de estacionamento "C11", "C14", "C26" e "C27", as três partes (Banco, A. e 1ª R.) assinaram imediatamente o contrato tripartido, respectivamente em 25 de Julho de 1995 ("B15") e em 27 de Julho de 1995 ("A16" e parques de estacionamento). (resposta ao quesito 5º)
10. A 1ª R. recebeu, na altura da assinatura dos contratos tripartidos, a totalidade do preço dos apartamentos acima identificados e dos parques de estacionamento. (resposta ao quesito 6º)
11. A fracção autónoma "A28" e os parques de estacionamento "C3", "C4", "C5" e "C6", foram prometidos vender por MOP$4.507.260,00 tendo sido pago um sinal de MOP$1.414.260,00 e o remanescente no montante de MOP$3.093.000,00 foi entregue directamente à 1ª R. pelo Banco H, S.A.R.L., de acordo com o estipulado no empréstimo bancário concedido em 25 de Julho de 1995. (resposta ao quesito 7º)
12. A fracção autónoma "B15" foi prometida vender por HK$3.066.800,00 tendo sido pago um sinal no montante de HK$1.226.800,00 e o remanescente no montante de HK$1.840.000,00, sido entregue directamente à lª R. pelo Banco K, de acordo com o estipulado no empréstimo bancário concedido em 25 de Julho de 1995. (resposta ao quesito 9º)
13. A fracção autónoma "B8" foi prometida vender por tendo sido pago um sinal no montante de HK$3.017.600, tendo sido pago um sinal no montante de HK$1.457.600,00 e o remanescente no montante de HK$1.560.000,00, sido entregue directamente à lª R. pelo Banco L, de acordo com o estipulado no empréstimo bancário concedido em 27 de Março de 1996. (resposta ao quesito 10º)
14. A fracção autónoma "A16" e os parques de estacionamento identificados com os nómeros "C11", "C14", "C26" e "C27", foram prometidos vender por HK$4.367.500,00, tendo sido pago um sinal no montante de HK$1.767.500,00 e o remanescente no montante de HK$2.600.000,00, sido entregue directamente à lª R. pelo Banco M, de acordo com o estipulado no empréstimo bancário concedido em 27 de Julho de 1995. (resposta ao quesito 11°)
15. Na data da assinatura dos contratos-promessa a 1ª R. entregou imediatamente à A. as chaves de cada um das fracções autónomas acima referidas. (resposta ao quesito 12º)
16. A A., desde essa data, passou a fruir as fracções autónomas e dos parques de estacionamento de forma exclusiva. (resposta aos quesitos 13° e 14°)
17. Logo após a celebração de cada um dos contratos-promessa, mandou instalar, em cada fracção autónoma, uma porta exterior de ferro para garantir a sua segurança. (resposta ao quesito 15°)
18. Tendo procedido, posteriormente à sua limpeza. (resposta ao quesito 16°)
19. Igualmente a partir desse momento, passou a proceder ao pagamento das despesas periódicas de condomínio. (resposta ao quesito 17°)
20. Posteriormente, arrendou a terceiros as fracções autónomas "B15", "B8" e "A16". (resposta ao quesito 19º)
21. Desde a data da celebração dos mencionados contratos-promessa que a A. se comporta, relativamente a todas as fracções autónomas, como a sua verdadeira e única proprietária (resposta ao quesito 20º)
22. De forma manifesta e sem oposição de ninguém. (resposta ao quesi to 21º)
23. A 2ª R. não teve intenção de comprar, nem comprou, quaisquer fracções autónomas ou lugares de estacionamento deste prédio à lª R. que, pelo seu lado, também não vendeu, nem teve intenção real de vender, quaisquer imóveis. (resposta ao quesito 23º)
24. As lª e 2ª RR. efectuaram o pagamento da Sisa no próprio dia da escritura pública mencionada na alinea A) dos Factos Assentes. (resposta ao quesi to 23º-a)
25. E sujeitando-se ao pagamento da sisa à taxa de 6% sobre MOP$22.804.967,00. (resposta ao quesito 23º -b)
26. A 2ª R. tinha conhecimento da existência dos contratos-promessa celebrados entre a lª R. e a A. (resposta ao quesito 24º)
27. A lª e a 2ª RR. são entidades associadas e pertencentes, na realidade, ao mesmo grupo empresarial, sendo uma dominada, directa ou indirectamente, pela outra. (resposta ao quesito 25º)
28. Com o contrato de compra e venda celebrado entre a lª R. e a 2ª R. em Junho de 2001 resulta a impossibilidade para a A. de obter a satisfação do seu crédito, ou, pelo menos o agravamento dessa impossibilidade. (resposta ao quesito 26°)
29. À lª R. apenas são conhecidos bens de reduzido valor - nunca superior a HKD$500.000,00. (resposta ao quesito 27º)
30. A 2ª R. tinha conhecimento de que as fracções autónomas e lugares de estacionamento objecto dos contratos-promessa referidos em A) dos factos assentes se encontravam ocupados pela promitente-compradora e que havia pago a totalidade do preço. (resposta ao quesito 28°)
31. Foi proferida a sentença pelo tribunal da Cidade Foshan, a qual consta de fls. 268 a 274, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida. (resposta aos quesitos 29º a 33°)
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III – Fundamentos
São fundamentos do presente recurso:
1. Insuficiência da matéria de facto para a verificação da alegada simulação; e
2. Ainda que se verificasse, não é oponível aos oras recorrentes.
3. Impugnação da decisão da matéria de facto quanto ao quesito 23º da Base Instrutória;
Cumpre agora analisar se os recorrentes têm razão.
Da impugnação da decisão da matéria de facto:
Na óptica dos recorrentes, o quesito 23º da Base Instrutória deveria ter-se dado como não provado, por falta de prova para o efeito.
Nos termos do nº 1 do artº 599º e do nº 1 do artº 629º do CPCM, este Tribunal de recurso pode alterar a matéria de facto fixada pelo tribunal de primeira instância quando:
v. Foi cumprido o ónus de impugnação específica da decisão de facto;
vi. Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 599º, a decisão com base neles proferida;
vii. Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; e
viii. Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Ouvida novamente a gravação de depoimento das 3 testemunhas que depuseram sobre a matéria em causa, não entendemos que assiste razão aos ora recorrentes.
Em primeiro lugar, as duas primeiras testemunhas (I e J) declararam que achavam que o negócio da compra e venda entre as 1ª e 2ª rés era falso e justificaram a sua razão de ser ao tribunal a quo.
Não obstante as aludidas testemunhas não participaram directamente no “negócio” entre as 1ª e 2ª rés, nada impede o tribunal a quo valorar os respectivos depoimentos juntamente com outros elementos existentes nos autos para formar a sua convicção sobre o quesito 23º.
No caso em apreço, ficaram provados, entre outros, os seguintes factos (que não foram impugnados pelos ora recorrentes):
- A 1ª e a 2ª RR. são entidades associadas e pertencentes, na realidade, ao mesmo grupo empresarial, sendo uma dominada, directa ou indirectamente, pela outra.
- A 2ª R. tinha conhecimento de que as fracções autónomas e lugares de estacionamento objecto dos contratos-promessa referidos em A) dos factos assentes se encontravam ocupados pela promitente-compradora e que havia pago a totalidade do preço.
- Nenhum representante da 2ª R. se deslocou ao edifício XX.
Tendo em conta a factualidade acima transcrita, associada com o depoimento das duas aludidas testemunhas, não nos se afigura que a resposta do tribunal a quo dada ao quesito 23º mereça alguma censura ou reparação, já que é perfeitamente legítimo e lógico concluir que as 1ª e 2ª rés não tinham qualquer intenção real de realizar o negócio de compra e venda das fracções autónomas em causa, pois, sendo empresas do mesmo grupo e tendo perfeito conhecimento de que as fracções autónomas em causa já foram objecto de contrato de promessa de compra e venda a outrem com preço integralmente pago e tradição da coisa, não faria muito sentido, nem é normal, para a 2ª ré adquirir as mesmas.
Improcede assim o recurso nesta parte.
Da insuficiência da matéria de facto:
Entendem os recorrentes que os factos provados não são suficientes para afirmar a existência da simulação entre as rés.
Nos termos do nº 1 do artº 232º do CCM, “Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado”.
Como resulta do preceito legal acima transcrito, a simulação pressupõe cumulativamente 3 requisitos, a saber:
1- divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante;
2- acordo entre declarante e declaratário; e
3- o intuito de enganar terceiros.
No caso em apreço, os factos dados como assentes e provados são mais do que suficientes para afirmar a existência da simulação do negócio entre as rés.
Senão vejamos.
“A 2ª R. não teve intenção de comprar, nem comprou, quaisquer fracções autónomas ou lugares de estacionamento deste prédio à lª R. que, pelo seu lado, também não vendeu, nem teve intenção real de vender, quaisquer imóveis” (resposta ao quesito 23º).
“A 2ª R. tinha conhecimento de que as fracções autónomas e lugares de estacionamento objecto dos contratos-promessa referidos em A) dos factos assentes se encontravam ocupados pela promitente-compradora e que havia pago a totalidade do preço” (resposta ao quesito 28°).
“A 2ª R. tinha conhecimento da existência dos contratos-promessa celebrados entre a lª R. e a A.” (resposta ao quesito 24º).
“A lª e a 2ª RR. são entidades associadas e pertencentes, na realidade, ao mesmo grupo empresarial, sendo uma dominada, directa ou indirectamente, pela outra” (resposta ao quesi to 25º).
“Sobre as fracções autónomas constantes da escritura pública de compra e venda a que alude a al. A) dos Factos Assentes incide uma hipoteca a favor do Banco H, para quantia do reembolso de facilidades bancárias concedidas à 1ª R., até ao montante global de HKD$40.000.000,00 e respectivos juros e despesas, registada na Conservatória do Registo Predial de Macau mediante inscrição n° 5178 do Livro C-14K” (alínea B) da Especificação).
“O facto a que alude a alínea B) da matéria dos Factos Assentes foi expressamente advertido pelo notário aquando da outorga da escritura pública” (alínea B-1) da Especificação).
Improcede assim este argumento de recurso.
Da inoponibilidade da simulação:
Para os recorrentes, como a autora não alegou e muito menos provou que eles adquiriram as fracções autónomas de má fé, pelo que, nos termos do artº 235º do CCM, ainda que se verifique a simulação entre as rés, não lhes é oponível.
No caso sub justice, a A. não alegou a má fé dos ora recorrentes na aquisição subsequente e estes também não defenderam por boa fé.
Quid iuris?
Nos termos do nº 2 do artº 232º do CCM, o negócio simulado é nulo e a declaração da nulidade tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (cfr. nº 1 do artº 282º do CCM).
Por sua vez, dispõe o artº 235º do CCM que:
“1. A nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida contra terceiro de boa fé que do titular aparente adquiriu direitos sobre o bem que foi objecto do negócio simulado.
2. A boa fé consiste na ignorância da simulação ao tempo em que foram constituídos os respectivos direitos.
3. Considera-se sempre de má fé o terceiro que adquiriu o direito posteriormente ao registo da acção de simulação, quando a este haja lugar.”
Quanto às regras normais do ónus de prova, prevê o artº 335º do CCM que:
“1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
3. Em caso de dúvidas, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.”
Tendo em conta o regime jurídico da simulação, os efeitos da declaração da nulidade e as regras normais do ónus da prova, entendemos que compete aos oras recorrentes o ónus de alegar e provar a ignorância da simulação para beneficiar a tutela do artº 235º do CCM.
Pois, uma vez provada a simulação absoluta do negócio entre as 1ª e 2ª rés, é nulo o negócio de compra e venda celebrada entre as mesmas, o que determina, à partida, também a invalidade do negócio de compra e venda entre a 2ª ré e os ora recorridos por sofrer a nulidade consequencial visto que destruída a validade do negócio primitivo nada adquiriu a 2ª ré que pudesse transmitir aos ora recorrentes.
Para beneficiar a tutela do artº 235º do CCM, a qual constitui uma excepção à regra geral dos efeitos da declaração da nulidade, os ora recorrentes têm de alegar e provar a ignorância da simulação segundo as regras normais do ónus da prova previstas no artº 335º do CCM.
Sobre a mesma questão jurídica, o STJ de Portugal pronunciou-se, em 26/10/2004, no Proc. nº 04A1054, in www.dgsi.net, no sentido de que “cabia aos A.A. demonstrar a simulação e a declaração da nulidade obtida com base nela. Feita essa prova, estão presentes todos os elementos constitutivos do seu direito de ver anulado também o negócio subsequente, directamente derivado dos primitivos negócios nulos, tudo em conformidade com o disposto no Art. 289º do C.C.
Só assim não seria se se verificassem as circunstâncias previstas na norma especial do Art. 243º ou as circunstâncias excepcionais do Art. 291º ambos do C.C.
Tais circunstâncias - boa fé do terceiro subadquirente -, traduzida na ignorância da simulação ou desconhecimento sem culpa - impediriam a concretização ou efectivação do direito invocado pelos AA., constituindo assim excepções cuja alegação e prova impendiam sobre os RR, não alterando em nada a situação, o facto de também os AA. terem alegado a falta desse pressuposto, ou seja, a má-fé dos RR.”
No caso em apreço, como os ora recorrentes não alegaram e muito menos provaram o desconhecimento da simulação, não podem beneficiar a tutela do artº 235º do CCM.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
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Custas pelos recorrentes.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 01 Março de 2012.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong




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