Processo n.º 663/2011
(Recurso cível)
Data : 8/Março/2012
ASSUNTOS:
- Acção de dívida
- Erro no chamamento do devedor
SUMÁRIO :
Se uma determinada empresa forneceu várias partidas de betão que não foram pagas e se comprova que não foi nem o réu nem o chamado, citados na acção em nome pessoal, que foram os beneficiários desse fornecimento, mas sim uma sociedade de que são sócios, com esta sendo acordado e concretizado o fornecimento, terão eles de ser absolvidos do pedido.
O Relator,
João Gil de Oliveira
Processo n.º 663/2011
(Recurso Cível)
Data: 8/Março/2012
Recorrente: Companhia de A, Limitada
(澳門混凝土有限公司)
Recorrido: B
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. Companhia de A, Limitada, sociedade com sede em Macau, mais bem identificada nos autos, intentou no Tribunal Judicial de Base acção ordinária contra B, também aí mais bem identificado, alegando, em síntese, que entre A. e R. foi celebrado um acordo, nos termos do qual aquela se obrigou a fornecer materiais de betão a este, obrigando-se o último a pagar o respectivo preço acordado; tendo, para o efeito, fornecido ao R. os materiais por ele encomendados, mas o mesmo não efectuou o pagamento integral do preço, encontrando-se em dívida para com a A. no montante de MOP$428.813,21 e juros.
Concluindo, pediu, a final, que fosse a acção julgada procedente, e condenado o R. a pagar à A. a quantia de MOP$428.813,21, acrescida dos juros de mora à taxa legal mais a sobretaxa de 2% por ser uma divida comercial no montante de MOP$88.353,39, juros de mora a contar de citação até integral e efectivo pagamento, bem como custas, procuradoria e sanção pecuniária compulsória no valor de MOP$1.000.00 por dia.
Foi chamado a intervir na acção C por alegadamente ter sido o beneficiário do referido betão.
Corridos os trâmites legais, veio a acção a ser julgada improcedente e absolvidos o réu e chamado do pedido.
2. COMPANHIA DE A, LIMITADA, em chinês, A有限公司, inconformada com a sentença proferida vem recorrer, alegando em síntese conclusiva:
a) Conforme a Sentença em questão, foi a acção intentada pela ora Recorrente ''julgada improcedente por não provada, absolvendo o R. B e o chamado C dos pedidos";
b) Entende a Recorrente que a mesma enferma do vício da oposição entre os seus fundamentos e a decisão, prevista na al. c) do n.º 1 do art. 571° do CPCM, pelo que deve ser declarada nula;
c) Na audiência do julgamento, foi dado por provado que "A A. forneceu directamente materiais à Companhia de Obras "D"(22°)" - (cfr. fls. 238v);
d) Não é de olvidar também que houve, in casu, requerimento do chamamento de terceiro como parte passiva, ou seja, o Sr. C, titular do estabelecimento "Engenharia D";
e) Terceiro esse que foi regularmente citado na sua própria pessoa (cfr. fls. 185) e não contestou, considerando-se assim reconhecidos os factos articulados pela A. (ora Recorrente), nos termos do art. 405°, n.º 1 do CPCM;
f) Ora, uma vez provado que foi C quem recebeu directamente os produtos fornecidos pela Recorrente, conclusivamente, como a lógica das coisas impõe, deveria ser aquele quem respondesse perante esta pelo pagamento da quantia reclamada na p.i., em resultado das encomendas efectuadas;
g) Tal como melhor explicado pela Recorrente no documento datado de 5/8/2008 e constante das fls.165 e ss., em relação à causa do chamamento;
h) Todavia, ao decidir por um lado que os materiais foram directamente fornecidos a C, mas por outro, absolveu o mesmo chamado dos pedidos, a Sentença em crise enfermaria do vício da oposição entre os seus fundamentos e a decisão, prevista na al. c) do n.º 1 do art. 571º do CPCM;
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, a sentença em crise ser declarada nula e substituída pela outra no sentido de condenar o chamado C nos precisos termos pedidos na p.i.
3. B contra alega, em síntese:
1. Por acórdão proferido pelo tribunal a quo em 9 de Junho de 2011, não foi provado que o facto pretendido pela autora Companhia de A, Limitada (recorrente), pelo que decide rejeitar os pedidos apresentados pela autora para o réu B (recorrido) e o terceiro C.
2. Face ao acórdão proferido pelo tribunal a quo, o recorrido entende que o acórdão supracitado é racional e correcto no âmbito de matéria de facto e de aplicação da lei, concordando com o acórdão proferido pelo tribunal a quo.
3. A recorrente indicou que, por citação legal, o terceiro C no presente caso não apresentou a resposta ou oposição face à respectiva questão, pelo que nos termos do art.º 405.º n.º 1 do Código de Processo Civil, consideram-se reconhecidos os factos articulados na petição de recurso pelo terceiro.
4. Sendo assim, na petição de recurso, a recorrente entende que deve declarar nulo o respectivo acórdão nos termos do art.º 571.º n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil.
5. O recorrido B entende que mesmo que o tribunal de instância superior concordasse com a recorrente, devendo considerar-se reconhecidos pelo terceiro C os factos articulados na petição de recurso da recorrente, mas esta parte destina-se apenas aos factos entre o terceiro e a autora (recorrente).
6. Para o recorrido, não foi provado o facto apresentado pelo recorrente na petição de recurso contra o recorrido e não se pode exigir ao recorrido a satisfação do pedido da recorrente.
Nestes termos, pede seja julgado improcedente o recurso.
4. Foram colhidos os vistos legais, tendo-se pedido, oportunamente informação à Conservatória a fim de se aferir da existência da sociedade D Lda, a quem, alegadamente foi entregue o betão fornecido pela A.
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
“A A. é uma sociedade constituída em Macau, sob registo comercial n.º 2405(SO), cujo objecto é fabrico e fornecimento de betão fabricado. (A)
O R. B é titular da empresa E建築工程公司 (Empresa de Construção E), sito na Avenida XX, Edif. "XX", bl. XX, XX, loja XX, em Macau, que exerce actividade de construção e reparação de edifícios, e engenharia civil, que começou a sua actividade em 6 de Junho de 1998. (B)
Foram enviados pela A. materiais ao local de obras, sito na zona B da Docas dos Pescadores de Macau. (7º)
A partir de Abril de 2006, a A. contactou várias vezes com o R. B, solicitando-lhe o pagamento das dívidas resultantes do fornecimento de materiais. (17°)
O R. B declarou que não iria efectuar o respectivo pagamento. (18º)
O R. B pediu materiais à A. e depois revendeu à Companhia de Obras "D" antes de Dezembro de 2004, mas foi efectuado o pagamento inteiro. (20°)
No final do ano 2004, o R. B apresentou o titular da Companhia de Obras "D", C, aos Srs. F e G (chefe da fábrica), ambos da A. (21º)
A A. forneceu directamente materiais à Companhia de Obras "D". (22°)”
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa por saber se o réu B ou o chamado C devem pagar à autora C.ª de A as partidas de betão fornecidas no valor de MOP$517.166,60.
2. Atentemos na fundamentação vertida na sentença:
“Segundo o disposto no artigo 335°, n.° 1 do Código Civil de Macau, "àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado."
Salvo o devido respeito, uma vez que não logrou a A. provar os factos constitutivos por si alegados, nomeadamente de ser o R. quem encomendou os materiais à A., pelo que sem necessidade de delongas considerações, não resta outra solução senão julgar improcedente a acção por ela intentada contra o R. B.
Quanto à eventual responsabilidade do chamado C, embora este não tenha contestado os factos, mas dos factos articulados (e provados) não resulta de forma clara ser ele devedor da A. das quantias peticionadas, isto porque apenas se encontra provado que a A. forneceu directamente materiais à Companhia de que o chamado C era titular.
Nessa medida, salvo o devido respeito, outra alternativa não resta senão também julgar improcedente a acção, nesta parte.”
3. Entende a recorrente que a sentença em crise enferma do vício da oposição entre os seus fundamentos e a decisão, prevista na al. c) do n.º 1 do art. 571º do CPCM, pelo que deve ser declarada nula.
E isto porque se comprovou que o material foi fornecido à Companhia de Obras "D" (22º) e, tendo sido chamado à acção o Sr. C, titular do estabelecimento "Engenharia D", que, regularmente citado, não contestou, devem ser reconhecidos os factos articulados pela A., nos termos do art. 405°, n.º 1 do CPCM e uma vez provado que foi ele quem recebeu directamente os produtos fornecidos pela recorrente, deveria ser aquele a responder pelo pagamento.
4. A questão é muito simples, não tendo razão a recorrente.
Pelas seguintes razões:
Não há contradição alguma na sentença proferida.
Se os materiais foram fornecidos à Companhia de que o chamado C era titular, como é óbvio, quem deve ser responsável pelo pagamento é a própria Companhia e não o seu titular. Isto é apodíptico e decorre basicamente da destrinça entre a personalidade colectiva e a dos seus sócios.
Aliás, a fim de se comprovar dessa personalidade colectiva, diligenciou-se junto da conservatória que certificou a existência de tal sociedade, verificando-se até que os fornecimentos, face à própria alegação da A. terão ocorrido em data posterior à constituição da sociedade.
O que se pode dizer é que o chamado foi a pessoa errada, mas essa é outra questão que só às partes é imputável
Depois, há uma outra afirmação que não se deixa passar em branco Diz o recorrente que pelo facto de o chamado nada dizer, se consideram provados os factos articulados pelo A.. Não é assim, pois que se um dos réus contestar relativamente aos factos que o contestante impugnar- cfr. art. 405º, n.º 1 e 406, a) do CPC.
Ora o réu, aqui recorrido, ao contestar, disse exactamente que os materiais foram fornecidos à C.ª de Obras "D", não se percebendo por que razão não foi ela chamada a intervir nos autos.
Não o tendo feito, sibi imputat. Só em eventual nova acção proposta contra a real beneficiária e devedora a A. deverá ser paga.
5. Não há, pois, fundamentos para censurar o que foi douta e acertadamente decidido.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Macau, 8 de Março de 2012,
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)
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Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)
663/2011 1/9