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   ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
   
I – Relatório
   Veio o Advogado estagiário Dr. B, como defensor de A, detido à ordem do Comissariado contra a Corrupção, requerer a providência de habeas corpus do detido, com os seguintes fundamentos:
   No dia 6 de Dezembro de 2006, pelas 23h00 da noite, os agentes do Comissariado contra a Corrupção de Macau telefonaram ao arguido, notificando-o a apresentar-se no CCAC para responder a um interrogatório na qualidade de arguido. Ao mesmo tempo, deixaram também o número de telefone XXXXXXX para efeitos de contacto, exigindo-o a apresentar-se no CCAC.
   E o arguido ligou para este número às 23h12 do dia 6 de Dezembro de 2006, marcando a hora de apresentação.
   Depois, em 7 de Dezembro de 2006, às 10h27, ele ligou outra vez para o número XXXXXXX, marcando a hora de apresentação nas 15h00 do dia 7 de Dezembro de 2006.
   O arguido chegou ao CCAC às 15h00 do dia 7 de Dezembro de 2006, mas apenas foi atendido às 16h00.
   Feito o interrogatório, o arguido foi detido pelos agentes do CCAC, tendo lhe sido exibido o mandado de detenção emitido pelo adjunto do CCAC C. O arguido tem sido preso até à presente data.
   O respectivo mandado de detenção foi emitido pelo adjunto do CCAC C na qualidade de autoridade de polícia criminal de Macau,
   No qual se indicou que o arguido D (sic) era suspeito de ser membro de sociedade secreta, crime esse que vem previsto no artigo 1.º, n.º 1, alínea p) e n.º 2 da Lei n.º 6/97/M.
   No entanto, neste mandado de detenção não se referiu que há fortes indícios de que o arguido tivesse praticado o crime acima mencionado.
   Nos termos do artigo 240.º, n.º 2 do CPPM, as autoridades de polícia criminal só podem ordenar a detenção fora de flagrante delito por iniciativa própria, quando estiverem reunidos os três requisitos a seguir expostos: a) se tratar de caso em que é admissível a prisão preventiva; b) existirem elementos que tornem fundado o receio de fuga; e c) não for possível, dada a situação de urgência e de perigo na demora, esperar pela intervenção da autoridade judiciária.
   O tal caso em que é admissível a prisão preventiva referido na alínea a) do artigo anterior não será simplesmente preenchido quando a pena que venha a ser condenada é superior a três anos, tal como referido no mandado de detenção, antes devem ser preenchidos os requisitos geral e especial previstos nos artigos 186.º e 188.º do CPPM (cfr. o Código de Processo Penal de Macau, Manuel Leal – Henriques, fls. 537).
   Ao abrigo do art. 186.º, exige-se os indícios fortes da pratica de crime doloso punível com pena de prisão de limite máximo superior a 3 anos.
   No entanto, o mandado de detenção limita-se a indicar que o arguido era suspeito de praticar o crime sem ter apontado indícios fortes da prática dolosa do supradito crime.
   Além disso, o mandado de detenção não mencionou o preenchimento do requisito geral previsto no art. 188.º.
   A apesar de saber bem que foi constituído arguido, ainda tomou a sua iniciativa de cooperar com Comissariado Contra A Corrupção, dirigiu-se ao Comissariado e ai sujeitou-se à inquirição, sendo assim, não existindo o perigo de fuga.
   Por isso, o referido mandado de detenção não corresponde às disposições do art. 240.º n.º 2 alínea a)
   Ademais, nos termos do art. 240.º n.º 2 alínea b) do Código de Processo Penal de Macau, só quando existirem elementos que tornem fundado o receito de fuga, as autoridades de polícia criminal podem ordenar a detenção.
   No entanto, este mandado de detenção apenas referiu que o arguido fugiu por ter medo de punição ou pretendeu escapar às pressões diversas, o que não é bem fundado, sendo isso uma mera suspeita.
   Pelo que isso não corresponde ao art. 240.º n.º 2 alínea b).
   Ademais, o mandado de detenção também não corresponde ao art. 240.º n.º 2 alínea c) do Código de Processo Penal, pelas seguintes razões:
   Em 6 de Dezembro de 2006 à noite, foi convidado A àquele Comissariado para se realizar uma inquirição. Como o dia 7 de Dezembro de 2006 é o dia de expediente do Ministério Público e do Juízo de Instrução Criminal, o Comissariado Contra a Corrupção absolutamente tempo suficiente para entregar o processo ao M.º P.º ou ao J.I.C para que estes possam, após a sua análise dos autos, emitir o mandado de detenção.
   Os factos acima referidos são obviamente...... (sic.)
   Porém, o C.C.A.C sem ter cumprido de tal forma, emitiu o mandado de detenção nos termos do art. 240.º n.º 2 alínea c).
   Sendo óbvio, o C.C.A.C. ignora os poderes do Ministério Público e do Juízo de Instrução Criminal, como também a própria competência.
   Além disso, a detenção efectua-se nas horas de expediente e, o Comissariado Contra a Corrupção situa-se acima do Ministério Público, o C.C.A.C. tivera absolutamente tempo suficiente para requerer junto ao Ministério Público ou ao Juízo de Instrução Criminal a emissão do mandato de detenção.
   Por isso, no mandado de detenção, indica-se que não se consegue comunicar à Polícia Judiciária atempadamente, o que obviamente não corresponde à situação real.
   Portanto, o mandado de detenção emitido pelo adjunto do Comissariado contra a Corrupção C, obviamente não corresponde ao art. 240.º n.º 2 alínea c) do Código Penal de Macau.
   Face aos termos expostos, o mandado de detenção emitido pelo adjunto do Comissariado contra a Corrupção C obviamente não preenche todos os requisitos do art. 240.º n.º 2 do Código de Processo Penal de Macau.
   Portanto, não é legal o mandado de detenção emitido pelo adjunto do Comissariado contra a Corrupção, pelo que é considerado emitido pela autoridade incompetente, o que corresponde ao art. 204.º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Penal.
   
   II – Fundamentação
   Como se retira dos fundamentos invocados pelo detido, transcritos atrás, este limita-se a invocar irregularidades do mandado de detenção.
   Ora, os fundamentos para habeas corpus em caso de detenção por qualquer autoridade, são apenas os seguintes:
  a) Estar excedido o prazo de entrega ao poder judicial;
   b) Manter-se a detenção fora dos locais legalmente permitidos;
   c) Ter sido a detenção efectuada ou ordenada por entidade incompetente;
   d) Ser a detenção motivada por facto pelo qual a lei não permite (204.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
   Irregularidades do mandado de detenção – que aqui não cabe apreciar - não são fundamento para habeas corpus, devendo ser suscitadas perante a entidade a que o detido vier a ser presente.
   É certo que o requerente veio alegar que o mandado foi emitido por autoridade incompetente por o mesmo não ser legal.
   Mas não é assim. O facto de o mandado de detenção poder conter irregularidades, não transforma a sua emissão em prática de acto por entidade incompetente.
   E, a verdade é que o Adjunto do Comissariado contra a Corrupção é considerado autoridade de polícia criminal (arts. 31.º, 28.º e 19.º da Lei n.º 10/2000)) podendo ordenar a detenção fora de flagrante delito, por iniciativa própria, quando:
   a) Se tratar de caso em que é admissível a prisão preventiva;
   b) Existirem elementos que tornem fundado o receio de fuga; e
   c) Não for possível, dada a situação de urgência e de perigo na demora, esperar pela intervenção da autoridade judiciária. (art. 240.º, n.º 2 do Código de Processo Penal).
   O mandado de detenção considera que o detido é suspeito da prática crime de corrupção activa p. e p. pelo artigo 339.º, n.º 1 do Código Penal e crime de associação ou sociedade secreta p. e p. pelo artigo 1.º, n.º 1, alínea p) e artigo 2.º da Lei n.º 6/97/M.
   O último crime é doloso e punível com pena com limite máximo superior a 3 anos de prisão, pelo que pode ser aplicada a medida de prisão preventiva [art. 186.º, n.º 1, alínea a) Código de Processo Penal].
   No mandado invoca-se ainda o perigo de fuga e que não foi possível comunicar atempadamente, à autoridade judiciária, pelo que estão preenchidos todos os requisitos para a detenção fora de flagrante delito por autoridade de polícia criminal.
   Ainda que o último facto não correspondesse à realidade isso não transformava o autor da detenção em entidade incompetente para o efeito, pelo que não estaria preenchido o requisito da alínea c) do n.º 1 do art. 204.º do Código de Processo Penal, nem nenhum dos outros requisitos previstos no mesmo número, aliás, não alegados.
   Não há, pois, fundamento para habeas corpus, por a detenção ter sido efectuada por entidade competente, sendo o requerimento manifestamente infundado.
   
   III – Decisão
   Face ao expendido, indefere-se a providência de habeas corpus, por manifestamente infundada.
   Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC e condenando-se o mesmo no pagamento de cinco mil patacas por o requerimento ser manifestamente infundado (art. 205.º, n.º 4 do Código de Processo Penal).
   Fixa-se o prazo de 5 dias para junção da procuração e ratificação do processado por parte do detido (art. 82.º do Código de Processo Civil).
   Notifique o Requerente, o seu Defensor e o Comissariado do Contra a Corrupção.
   Macau, 08 de Dezembro de 2006.
   
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
   



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Processo n.º 50/2006