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Processo n.º 839/2010
(Recurso cível)

Data : 23/Fevereiro/2012


ASSUNTOS:

- Apoio judiciário e caducidade
- Caducidade; suspensão e interrupção dos prazos
- Pedido de patrocínio judiciário; efeitos sobre os prazos em curso
- Lacuna no sistema de Macau
- Garantia de tutela jurisdicional efectiva


    SUMÁRIO:
    1. O pedido de apoio judiciário, tal como configurado no regime do apoio judiciário vigente, pressupõe um prazo adjectivo, uma acção que esteja a correr, processualmente considerando, e não se aplica aos prazos de natureza substantiva.
    
    2. Inspirando-se o regime de Macau em diploma vigente no ordenamento português, não se transpôs para o regime aqui vigente uma norma, como a que estabelecia nos sucessivos regimes de apoio judiciário que em Portugal lhe sucederam e continua a existir, que prevê que a acção se considera proposta com o pedido de nomeação de um advogado.
    
    3. Daí que aplicar aos prazos de caducidade para propositura de acções o mesmo regime do pedido de apoio judiciário, nos termos do art. 16º, n.º 2 do DL 41/94/M, de 1 de Agosto mostra-se incongruente, pois que os efeitos suspensivos de um prazo adjectivo não podem ser os mesmos que sobrevêm a um prazo substantivo. Pensemos no seguinte: compreende-se que um prazo de vinte dias, adjectivo, volte a correr de novo e por inteiro (imagine-se se faltava um dia para o advogado poder contestar uma acção); já não se justificará que corra da mesma forma, se a parte tem o prazo de 6 meses para propor uma acção e que com o pedido de apoio judiciário, por exemplo no 5º mês, volte a correr um novo prazo de 6 meses. Não faz sentido. Neste último caso o que faz falta é uma norma que em boa técnica jurídica preveja que a acção se considera proposta na data em que se pede a nomeação de um patrono.
    
    4. Assim sendo, se o artigo 16º do regime do apoio judiciário acima referido não prevê a situação que urge ser regulada estamos perante uma lacuna.
    
    5. No art. 1554º, n.º 2 do CC - prazo de 6 meses para anulação dos bens comuns do casal por um dos cônjuges sem autorização do outro - está em causa um prazo de caducidade que consiste na extinção dos efeitos jurídicos em consequência de um facto jurídico, em sentido amplo, e, em sentido restrito, na cessação de um direito ou situação jurídica, não retroactivamente, pelo decurso de um prazo.
    
    6. A norma suspensiva ou interruptiva da caducidade tem de ser uma norma específica para cada um dos regimes da caducidade em concreto, mas o carente de meios no acesso à Justiça não pode ficar prejudicado, donde deverem ser tutelados os seus interesses se, dentro do prazo para o exercício do seu direito, ele vem pedir a nomeação de um patrono. Só assim se garante uma tutela jurisdicional efectiva no ordenamento da RAEM.
    
    7. Na situação submetida a juízo a A., ainda que prejudicada pela venda de um bem comum do casal pelo marido, sem sua autorização, não deixa de ter o direito de ser compensada e ressarcida, mas não tem o direito de fazer valer a anulação do negócio que cede perante a protecção do terceiro adquirente de boa-fé e que fez registar a aquisição, protecção esta claramente reforçada na versão do CC de 99 em relação ao artigo 291º do CC pré-vigente, relevando e unificando a protecção registral até aí conferida pelas regras próprias do CC (Código Civil) e CRP (Código do Registo Predial).

                O Relator,
                 
(João Gil de Oliveira)


Processo n.º 839/2010
(Recurso Cível)

Data: 23/Fevereiro/2012

RECORRENTES :
Recurso Final
(Autora) B B

Recurso Interlocutório
(3º Réu) F F
(3º Ré) G G

RECORRIDOS :
(Autora) B B
(1º Réu) C
(2º Réu) D D
(3º Réu) F F
(3º Ré) G G

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    F (F) e sua cônjuge G (G), mais bem identificados nos autos, vêm interpor recurso interlocutório contra a decisão que não atendeu à excepção da caducidade por eles suscitada.
    B, com melhor identificação nos autos, também recorre da sentença final por ter sido julgada improcedente a acção, por não intentada dentro dos prazos a que alude o artigo 284º do CC.
   Os primeiros, no seu recurso interlocutório, alegaram fundamentalmente e em síntese:
   1. Nos autos, alegou a autora que, em princípio de Abril de 2005, teve conhecimento do facto do seu cônjuge, ora 1º réu nos autos, ter alienado a fracção autónoma em causa;
   2. A autora, em 22 de Agosto de 2005, requereu o apoio judiciário:
   3. Em 8 de Fevereiro de 2006, a autora intentou a acção, pedindo, nos termos do art.º 1554º, n.º2 do CC, o exercício do direito de anulação para anular o acto de alienação da fracção autónoma feita entre os 1º e 2º réus, e consequentemente anular a alienação da fracção autónoma em causa feita entre os 2º e 3º réus;
   4. Na contestação, a autora apresentou excepção peremptória, alegando, nos termos dos art.ºs 280º e 1554º, n.º2 do CC, o prazo onde exerceu o direito de anulação é prazo de caducidade previsto no direito substantivo,
   5. Pelo que, nos termos dos art.ºs 320º e 1554º, n.º2 do CC, já caducou o direito da autora quanto ao exercício do direito de anulação.
   6. O despacho recorrido invocou, que nos termos do art.º 16º, n.º2 do D.L n.º41/94/M, bem como, o douto acórdão do processo n.º28/2009 do T.S.I, considerando que é aplicável ao prazo do direito substantivo, pelo que, a autora, em 22 de Agosto de 2005, requereu o apoio judiciário, suspendendo o prazo de procedimento do seu direito de anulação.
   7. Reitera-se o art.º 4º da conclusão, nos autos, o direito de anulação exercido pela autora é do prazo de caducidade previsto no direito substantivo.
   8. Pelo que, todas as disposições respeitas à contagem do prazo, à prescrição ou à suspensão ou interrompimento do prazo devem aplicar o CC.
   9. Face à situação indicada no art.º 16º, n.º2 do D.L n.º41/94/M, de acordo com o CC, não há nenhuma disposição ou capítulo que rega a situação quanto à contagem do prazo (art.º272º do CC), à prescrição ou à suspensão ou interrompimento do prazo (art.ºs 311º e 324º do CC).
   10. Ou seja, o disposto no art.º16º, n.º2 do D.L n.º41/94/M não é aplicável à situação de suspensão resultante do prazo de caducidade, do direito substantivo.
   11. Como não há nenhum fundamento legal nos autos quanto à suspensão de exercício do direito de anulação (prazo de caducidade), o direito da autora já caducou, quanto à sua propositura, em 8 de Fevereiro de 2006, da acção de anulação da alienação da fracção autónoma em causa.
   12. Por outro lado, de acordo com o despacho recorrido que reconhece o disposto no art.º 16º, n.º2 do D.L n.º41/94/M, em termo do facto jurídico, o original processo levantado pela autora em 8 de Fevereiro de 2006 junto do Tribunal Judicial de Base, ainda padece de caducidade – excepção peremptória feita fora do prazo de exercício do direito de anulação (prazo de caducidade).
   13. Nos termos dos dispostos no art.º 325º do CC e art.º 415º do CPC, bem como do entendimento doutrinário, face à caducidade de excepção peremptória, o Tribunal tem que apreciá-la oficiosamente, e a parte pode, em qualquer fase do processo, alegar a caducidade.
   14. Pelo que, quanto à verificação se existe nos autos da situação de caducidade, deve incumbir ao Tribunal conhecer oficiosamente de todas as questões que eventualmente provoquem a caducidade, mas não se limitando às questões alegadas pelo réu na sua contestação.
   15. Além disso, segundo o texto do art.º 16º, n.º2 do D.L n.º41/94/M, “O prazo que estiver em curso no momento da formulação do pedido suspende-se por efeito da apresentação deste e voltará a correr de novo a partir da notificação do despacho que dele conhecer”, daí resultou a alegação da situação de suspensão no prazo de caducidade do direito de anulação;
   16. Quer dizer, quando foi feito o pedido de apoio judiciário, ficou suspenso o procedimento, até que o tribunal emitiu a notificação do despacho de apoio judiciário, assim o restante prazo continua a andar.
   17. Nos autos, segundo alegado pela autora, o prazo de exercício do direito de anulação é de seis meses;
   18. Mesmo que, em caso mais favorável, a autora teve conhecimento do facto de alienação em 30 de Abril de 2005, o prazo de seis meses do exercício do seu direito de anulação é de 1 de Maio de 2005 até 31 de Outubro do mesmo ano, com total de 184 dias..
   19. Desde 1 de Maio de 2005 até 21 de Agosto de 2005, já decorreu o prazo de exercício do direito de anulação de 113 dias.
   20. Até a 22 de Agosto de 2005 data em que a autora requereu o apoio judiciário, suspendendo-se assim o prazo que resta, no exercício do direito de anulação, indicado no art.º 41º da presente alegação, de 71 dias.
   21. O Tribunal Judicial de Base, em 17 de Novembro de 2005, emitiu a notificação por via de correios para o mandatário, quanto a sua nomeação para representar a autora para pedir o apoio judiciário,
   22. De acordo com o disposto no art.º 201º do CPC, em 21 de Novembro de 2005 (o dia é Domingo) foi considerado o dia de notificação ao mandatário,
   23. Pelo que, a partir de 22 de Novembro de 2005 (despacho dado pelo tribunal quanto à apreciação do pedido de apoio judiciário), inicia-se novamente a contagem do prazo de 71 que resta no exercício do direito de anulação, ou seja, o prazo é até 31 de Janeiro de 2006 (2ª feira).
   24. Mas o prazo indicado no art.º 94º do CPC é do direito adjectivo, que rege o prazo de procedimento.
   25. Nos autos, o prazo de caducidade em que a autora exerceu o seu direito de anulação é prazo do direito substantivo, ao qual não se aplica o art.º 94º do CPC, mas o disposto do direito substantivo.
   26. Pelo que, o direito da autora já caducou, quanto à sua propositura em 8 de Fevereiro de 2006, da acção exingdo a anulação da alienação da fracção autónoma.

Pelo acima exposto, pedem seja julgado procedente o recurso, consequentemente, alterado o despacho recorrido, declarando-se a admissão da excepção peremptória alegada no recurso, devendo ser rejeitadas todas as pretensões formuladas nos autos, por ter decorrido o prazo de exercício do direito de anulação (prazo de caducidade).
    
B (B), autora nos autos supra referenciados (doravante designada simplesmente por “recorrente”), alega, em termos conclusivos:
1. O Tribunal a quo rejeitou o supracitado pedido com fundamento de que a recorrente não fez o registo de acção ao abrigo do art.º 284º, n.º2 do Código Civil, considerando que não é suficiente a propositura da acção dentro de um ano, mas sim feito simultaneamente o registo de acção.
2. Sem dúvida, o entendimento do Tribunal a quo corresponde ao sentido literal do texto jurídico. Contudo, nos termos do art.º 8º do Código Civil, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
3. Consideramos que a criação de um ano do prazo de quarentena pelo legislador tem como finalidade o equilíbrio dos interesses das partes; Por um lado, não se espera que os direitos do seu original titular fiquem prejudicados por causa de acto nulo ou anulável; Por outro lado, também se espera que os direitos de terceiro sejam protegidos, a fim de assegurar a efectividade e a estabilidade do negócio jurídico, no sentido de evitar que o negócio jurídico se encontra definitivamente em estado de incerteza. Por isso, o original titular de direito é exigido de intentar a acção dentro de um ano, sob pena de os seus direitos não serem protegidos. Quanto ao registo de acção, tem por finalidade assegurar a execução efectiva de sentença.
4. Caso não se efectue o registo de acção, o original terceiro pode revender o bem imóvel ao novo terceiro, e uma vez que o novo terceiro não intervém na acção, a sentença não é aplicável a ele. Pelo que, perante essa situação, mesmo que o original titular tenha vencido na acção, também não consegue retomar o bem imóvel, mas sim necessita de deduzir a acção.
5. De acordo com o art.º 3º, n.º2 do Código do Registo Predial: “As acções sujeitas a registo não podem ter seguimento após os articulados sem se comprovar a sua apresentação a registo, salvo se este depender da respectiva procedência.”. Caso seja certo o entendimento do Tribunal a quo, então por que razão o legislador ainda tinha que fixar a consequência que a falta do registo de acção faz com que a acção não possa ter seguimento? Uma vez que a falta do registo de acção fica necessariamente decaído, então para que se molesta em deduzir a acção?
6. Evidentemente, os pressupostos de se efectuar o registo de acção dentro de um ano para servir de protecção dos direitos e interesses do seu original titular, só são aplicáveis ao novo terceiro, mas não aplicáveis ao original terceiro. Contudo, nos autos não existe o novo terceiro.
7. Pelo acima exposto, a decisão do Tribunal a quo padece do vício de aplicação errada da lei.

Pedido:
Pelo acima exposto, pede que seja anulada a decisão do Tribunal a quo, julgando-se procedente o pedido da recorrente contra os 1º réu C, 2º réu D e 3º réu F e sua cônjuge G, quanto à anulação da alienação da fracção autónoma “…” do …º andar do Edifício “......” situado na Taipa, na Avenida ......, n.ºs ……, na Rua do ......, n.ºs …… e na Rua de ......, que se encontra descrita na Conservatória do Registo Predial de Macau, sob o n.º2XXXX, a fls. 163 do livro XXX.

F (F) e sua cônjuge G (G), contra alegam, em síntese:
1. De acordo com a alegação da recorrente, tendo a mesma considerado que a decisão do Tribunal a quo é errada, quanto ao seu entendimento do disposto no art.º 284º, n.º2 do CC, que a acção de nulidade ou anulação deve ser proposta e registada dentro do ano posterior à conclusão do negócio inválido;
2. Pelo que, considera que a decisão do Tribunal a quo padece de vício de aplicação errada da lei.
3. Considera que, nos termos do art.º 3º, n.º2 do Código do Registo Predial, o legislador não fixou a consequência que a falta de registo de acção ficará decaído necessariamente;
4. Considera que, conforme estabelecido no art.º 284º, n.º2 do CC, a vinculação quanto ao registo da acção já proposta no prazo de quarentena só é aplicável ao novo terceiro, mas não aplicável ao original terceiro.
5. O recorrido não está de acordo com o fundamento alegado pela recorrente.
6. Segundo o disposto no art.º 8º do CC, nomeadamente os n.ºs 2 e 3 e, de acordo com o art.º 284º do CC e sua expressão literal, não vemos a divisão de terceiro em terceiro original e terceiro novo feita pelo legislador, tal como entendida pela recorrente;
7. No decurso do estudo do Direito, de acordo com as doutrinas e a interpretação sobre a referida disposição, o que tem que distinguir é se o terceiro é de boa fé ou de má fé, mas não novo ou antigo.
8. Daí verificamos que a interpretação do art.º 284º do CC pela recorrente também é errada.
9. Por outro lado, segundo a decisão do Tribunal a quo, deu por provado que o recorrido tem qualidade de terceiro de boa fé, quanto a isso, a recorrente não impugnou.
10. De acordo com os factos provados no acórdão a quo e os dados existentes nos autos:
- No dia 6 de Janeiro de 2005, o 1º réu, por escritura pública celebrada com o 2º réu, vendeu a fracção autónoma em causa; e em 14 de Janeiro do mesmo ano, foi efectuado o registo na Conservatória do Registo Predial, sendo o 2º réu como proprietário;
- No dia 19 de Abril de 2005, o recorrido, por escritura pública de compra e venda celebrada com o 2º réu, adquiriu a fracção autónoma em causa, tendo ainda em 5 de Maio do mesmo ano feito o registo de aquisição na Conservatória do Registo Predial.
- No dia 8 de Fevereiro de 2006, a recorrente intentou a acção;
- No dia 3 de Maio de 2006, o recorrido foi citado pelo Tribunal a quo;
- No dia 17 de Dezembro de 2008, a recorrente efectuou o registo de acção junto da Conservatória do Registo Predial.
11. Pelo que, o recorrido preencheu o disposto no art.º 284º, n.º1 do CC;
12. Quanto às disposições do art.º 284º, n.º2 do CC;
13. Os professores Pires de Lima e Antunes Varela, na obra “Código Civil Anotado” - Vol.1, págs. 267, fizeram anotações sobre o art.º 291º do Código Civil Português de 1966 (corresponde ao art.º 284º do CC) (ou seja, teoria invocada no acórdão a quo, fls. 9), em particular os pontos de vista seguintes:
“……《na medida em que permite ao titular da inscrição efectuada no registo, embora só a partir de certo período posterior à conclusão do contrato nulo ou anulável, fazer prevalecer o seu direito (real) referente ao imóvel ou ao móvel sujeito a registo sobre o direito, relativo à mesma coisa, do beneficiário da nulidade ou da anulação》…”
“Decorrido este prazo, são protegidas as aquisições a título oneroso por terceiro de boa fé, só o registo da aquisição for anterior ao registo da acção…”
“…”
14. Bem como o sumário do douto acórdão do Proc. n.º379/2009 do Tribunal de Segunda Instância:
“…
6. No art.º 284º do CC, prevê-se uma inoponibilidade da nulidade ou anulação a terceiro de boa fé (aquele que desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável – n.º4 do art.º 284º do CC), adquirente da coisa a título oneroso, se ele registou primeiro do que o registo da acção de nulidade ou anulação e esta foi intentada dentro de um ano posterior à conclusão do negócio inválido.”
15. Podemos então entender o disposto no art.º 284º do CC feito pelo legislador, é necessário o registo de acção no prazo de quarentena, e desde que a acção de nulidade ou anulação seja proposta e registada dentro do ano posterior à conclusão do negócio inválido, assim é oponível contra o direito adquirido pelo terceiro de boa fé.
16. Pelo que, é certo o entendimento do acórdão a quo sobre o art.º 284º do CC.
17. Portanto, só quando esteja de acordo com o entendimento do acórdão a quo, assim se pode tornar patente o pensamento do legislador sobre o art.º 284º, n.º2 do CC;
18. O legislador, ao equilibrar os interesses entre o interessado afectado pelo acto inválido e o terceiro de boa fé perante o respectivo acto inválido, permite ao interessado afectado do acto inválido que, quando tenha preenchido certas condições, opor-se ao terceiro de boa fé;
19. Pelo que, no art.º 284º do CC, estabelece-se o prazo de quarentena e os requisitos de acto que devem ser realizados neste prazo pelo interessado afectado pelo acto inválido – a propositura e registo da respectiva acção; sendo assim, os seus direitos ainda são protegidos por lei preferencialmente, em comparação com os de terceiro;
20. Contudo, caso no prazo de quarentena o interessado afectado pelo acto inválido não realize os requisitos legalmente por lei, o que significa que ele deixa voluntariamente os seus direitos a dormir, então os direitos de terceiro de boa fé não devem ser prejudicados por causa de preguiça do interessado afectado pelo acto inválido.
21. A recorrente só veio a intentar a presente acção em 8 de Fevereiro de 2006 e efectuar o registo em 17 de Dezembro de 2008, altura em que tinham decorrido dois anos após a propositura da acção.
22. Sem dúvida, quer que seja a proposistura da acção, quer que seja o registo da acção feito pela recorrente, já decorreu o prazo de um ano de quarentena;
23. Pelo que, o recorrido totalmente preenche o disposto no art.º 284º do CC, o seu direito de aquisição da fracção autónoma em causa, deve ser reconhecido e inoponível.
24. Por outro lado, verificamos que a recorrente confundiu os interesses e as finalidades que o art.º 284º, n.º do CC e, o art.º3, n.º2 do Código do Registo Predial visam proteger.
25. O art.º 284º, n.º2 do CC é uma medida que o legislador permite ao interessado afectado pelo acto inválido opor-se ao terceiro de boa fé perante o acto inválido;
26. Mas o art.º 3º, n.º2 do Código do Registo Predial é uma medida que o legislador permite ao agente que alega ser proprietário de bem, opor-se ao terceiro perante o regime de registo;
27. Além do mais, nos termos do princípio da instância do Código do Registo Predial, ou seja o disposto no art.º 34º, o registo predial efectua-se a pedido dos interessados;
28. Sendo como interessada, esta não efectuou tempestivamente o pedido de registo da acção, enquanto, como o terceiro de boa fé mas não é protegido pelo art.º 284º do CC, tudo isso não corresponde à lei e contra a lógica jurídica.
29. Além do mais, o andamento do processo a quo também não violou o disposto no art.º 3º, n.º2 do Código do Registo Predial.

Pelo acima exposto, requerem seja julgado improcedente o fundamento da recorrente, rejeitando o seu recurso e mantendo o acórdão a quo.
    
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    
    Vêm provados os factos seguintes:

“A autora e o 1º réu, em 25 de Junho de 1999, contraíram matrimónio em Macau, na Conservatória do Registo de Casamentos e Óbitos, segundo a lei do registo civil, cujo teor do registo aqui se dá por integralmente reproduzido. (A)
Ambos não fixaram qualquer convenção nupcial. (B)
O 1º réu, em 10 de Julho de 2001, adquiriu junto de XXXXXXXX e sua esposa H(H), a fracção autónoma “…” do …º andar do Edifício “......” situado na Taipa, na Avenida ......, n.ºs ……, na Rua do ......, n.ºs …… e na Rua de ....... A referida fracção autónoma encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de Macau, sob o n.º2XXXX, a fls.163 do livro XXX. Quanto ao teor do registo aqui se dá por integralmente reproduzido. (C)
Em 6 de Janeiro de 2005, o 1º réu, no escritório do notário privado Luís Reigadas, através de escritura pública de compra e venda, vendeu ao 2º réu D (D), a fracção autónoma indicada nos factos confirmados C). Quanto ao teor da escritura pública, aqui se dá por integralmente reproduzido. (D)
A respectiva transacção foi registada em 14 de Janeiro de 2005, na Conservatória do Registo Predial de Macau, sob o número 10XXXXX. (E)
Em 19 de Abril de 2005, o 2º réu vendeu a F (F), do sexo masculino e sua cônjuge G(G), ora 3º réu nos autos, casados no regime da comunhão de adquiridos, residentes na Cidade de Guangzhou, Beco de ……, n.º…, RPC (中國廣州市…….里…號…) (F)
A respectiva transacção foi registada em 5 de Maio e 2005, na Conservatória do Registo Predial de Macau, sob o número 10XXXXX. (G)
Em 22 de Agosto de 2005, a autora, junto do Tribunal Judicial de Base, requereu apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono para defender o seu direito.(H)
Em 15 de Novembro de 2005, o juiz nomeou um patrono para a autora. (I)
Em 17 de Dezembro de 2008, a autora, na Conservatória do Registo Predial, registou a presente acção. (J)
Em 19 de Abril de 2005, no escritório do cartório privado Diamantino O. Ferreira, foi celebrada entre os 2º e 3º réu, a escritura pública da compra e venda referida na supracitada alínea f), tendo o 3º réu ainda pagado MOP$1.422.000,00.
O 3º réu, ao concluir a transacção indicada na al. k) dos factos confirmados, não teve conhecimento se a fracção autónoma indicada na al. c) dos factos confirmados, pertence à casa de morada de família de entre a autora e o 1º réu, nem soube se o 1º réu obteve o consentimento da autora na alienação da referida fracção autónoma.(quesito 5).”
    
    III - FUNDAMENTOS
    A- Do recurso interlocutório
    1. Pretendem os RR. F e mulher G que seja julgada procedente a excepção peremptória da caducidade do direito de pedir a anulação da referida venda.
    Está em causa o prazo do artigo 1554º, n.º 2 do CC e pretendem os RR. que esse prazo se mostra expirado, visto o conhecimento do negócio a anular e a propositura da acção.
    
    2. Importa saber se se sufraga aqui o douto entendimento do Mmo Juiz recorrido, vertido nos termos do despacho que adiante se transcreve:
    “Vêm os Réus na sua contestação deduzir excepção peremptória da caducidade, por decurso do prazo do direito de anulação.
    Não lhes assiste razão.
    Na medida em que, partindo do pressuposto que a Autora teve conhecimento da alienação do imóvel em Abril de 2005, e que a acção veio a ser proposta em 08 de Fevereiro de 2006, o certo é que a Autora já em Agosto de 2005 requereu o apoio judiciário junto do Tribunal Judicial de Base.
    Entendem os Réus que tal requerimento não vem retroagir a contagem do prazo ab initio, ou seja, o requerimento para a nomeação de patrono para além de não determinar a suspensão da instância, uma vez que, no caso, a acção ainda não foi proposta, não faz com que o prazo venha a ser contado de novo, conforme o determinado nos n.º 1 e 2 do artigo 13° do Decreto-Lei n.º 41/94/M, de 1 de Agosto.
    Pois, defende, que o prazo para o exercício do direito de anulação é um prazo substantivo que, nos termos do disposto no artigo 320° do Código Civil, não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei determine, pelo que, decorrido o prazo, extingue-se o direito.
    Afigura-se-nos que, apesar do acima referido, em nada altera a solução da presente questão.
    Desde logo, o prazo a que alude o n.º 2 do artigo 1554° do Código Civil em referência, que é de seis meses, inicia a partir da data do conhecimento do acto pelo requerente, aqui Autora.
    Sendo que, e independentemente de ser um prazo substantivo ou processual, é a própria lei, aqui Decreto-Lei n.º 41/94/M, de 1 de Agosto, que determina no seu artigo 16°, n.º 2, que «O prazo que estiver em curso no momento da formulação do pedido suspende-se por efeito da apresentação deste e voltará a correr de novo a partir da notificação do, despacho que dele conhecer».
    Pelo que, não tendo aquela norma feito qualquer destrinça sobre o tipo de prazo que lhe é aplicável, não deve o tribunal assim interpretá-lo, sendo verdade que a acima citada norma em nada contraria com o disposto no artigo 320° citado do Código Civil.
    Aliás, é também este o entendimento do Venerando Tribunal de Segunda Instância, no seu recente acórdão de 22 de Janeiro de 2009, proferido nos autos de recurso em matéria civil do Processo n.º 28/2009.
    Nesta conformidade, indefere-se a excepção de caducidade arguida.”
    
    3. Há duas questões que estarão subjacentes ao conhecimento do presente recurso:
    - a primeira é a de saber se o pedido de apoio judiciário, nos termos do art. 16º, n.º 2 do DL 41/94/M, de 1 de Agosto suspende ou não o prazo de 6 meses previsto no n.º 2 do artigo 1554º do CC;
    - a segunda é a de saber se o prazo do art. 16º, n.º 2 do D L41/94/M, de 1 de Agosto, volta a correr por inteiro ou se volta a correr o prazo apenas restante.
    
    4. No art. 1554º, n.º 2 do CC está em causa um prazo de caducidade que consiste na extinção dos efeitos jurídicos em consequência de um facto jurídico “stricto sensu”, em sentido amplo, e, em sentido restrito, na cessação de um direito ou situação jurídica, não retroactivamente, pelo decurso de um prazo.1
    Este prazo respeita ao exercício do direito de accionar, assumindo inequivocamente natureza substantiva.2
    Sendo um prazo de caducidade, não se suspende nem se interrompe- -artigo 320º do CC.
    É certo que a lei excepciona os casos em que a lei o preveja.
    Só que essas excepções não podem resultar de uma norma suspensiva ou interruptiva genérica, não valendo aqui as regras da prescrição.
    A norma suspensiva ou interruptiva da caducidade tem de ser uma norma específica para cada um dos regimes da caducidade em concreto, sob pena até de não fazer sentido uma norma como a do art. 320º, sob pena de desnecessidade. Isto é, o prazo de caducidade concretamente previsto só se suspende ou interrompe quando o regime que regule um dado prazo de caducidade a propósito de um dado instituto preveja essa possibilidade. É assim que encontramos em diversos diplomas que regulam diversos institutos e prazos de caducidade previsões de interrupção de caducidade como nos dá conta a Doutrina.3
    É o que decorre da natureza da caducidade, em particular, se subtraída à disponibilidade das partes, o que não parece ser o caso presente, mas sem que isso se mostre relevante para a dilucidação da questão em apreço, pois que nessa perspectiva só interferirá, eventualmente, com a natureza de excepção dilatória ou peremptória.4
    Na caducidade só o aspecto objectivo da certeza e segurança é tomado em conta, o que explica que bem podem influir sobre a prescrição situações e acontecimentos que a podem suspender ou interromoper, mas já não sobre a a caducidade.5
    
    5. Posto isto, somos a considerar, divergentemente do entendido já neste Tribunal6 que o pedido de apoio judiciário pressupõe um prazo adjectivo, uma acção que esteja a correr, processualmente considerando, e não se aplica aos prazos de natureza substantiva.
    Importa não esquecer que a norma em apreço radica no regime do apoio judiciário como, ainda e sempre em termos de Direito Comparado, tal como regulado pelo DL n.º 387-B/87, de 29/12, correspondendo à norma do artigo 24º, n.º 2 desse diploma.

6. Desde logo a redacção da norma - artigo 16º do DL 41/94/M, de 1 de Agosto, aponta nesse sentido, perspectiva um prazo processual, não fazendo muito sentido que se utilizasse essa formulação para referir a suspensão de um qualquer prazo substantivo -
    (Efeitos do pedido)
    1. O pedido de apoio judiciário importa:

a) A não exigência imediata de quaisquer preparos;

b) A suspensão da instância, se for formulado em articulado que não admita resposta ou quando não sejam admitidos articulados.

2. O prazo que estiver em curso no momento da formulação do pedido suspende-se por eleito da apresentação deste e voltará a correr de novo a partir da notificação do despacho que dele conhecer.

3. Em processo penal não se suspende a instância havendo arguidos presos.-
    E o n.º 1 do artigo em causa, na esteira da epígrafe do artigo 13º, norma que rege para as situações de prévia constituição de patrono, fala em suspensão de instância, preparos, articulados.
    O contexto do artigo 16º permite concluir que aí se pressupõe já a instauração de uma acção e os prazos a que alude não podem deixar de ser os prazos processuais em curso.
    
    7. E, perguntar-se-á, se a acção ainda não existir, como é o caso?
    Nesse caso, cabe à parte providenciar pela nomeação de um patrono, não havendo no nosso ordenamento uma norma como a do n.º 3 do artigo 34º do DL 387-B/87 que previa que a acção se considerava proposta no momento em que foi requerida a nomeação de patrono.
    Daqui se podia retirar que este efeito estaria incluído na previsão do nosso artigo 16º, n.º 3, respeitando este a todos e quaisquer prazos, tal como se entendeu no acórdão proferido anteriormente neste Tribunal.
    Foi este o entendimento, de que aquela previsão da lei do apoio judiciário não implicaria efeitos suspensivos ou interruptivos aos prazos substantivos, em acórdão analisados em termos de Jurisprudência comparada, reforçado o entendimento com esta dupla previsão normativa, donde não fazer sentido haver duas normas com os mesmos efeitos se previssem a mesma situação.7
    Só que em Macau não temos uma norma como a que existia no DL 387-B/87, de 29/12 (art. 34º), nem como a que existe actualmente em Portugal (34º, n.º3 da Lei do Apoio Judiciário, Lei 30-E/2000 e, depois , nº4 do art. 33º da Lei 34/2004 de 29 de Julho), prevenindo exactamente os efeitos de um pedido de apoio judiciário e a demora na sua concessão, o que não pode prejudicar o patrocinado. Aí, sim, faz sentido que o pedido de apoio judiciário corresponda à interposição da acção, salvaguardando-se o exercício do direito dentro dos prazos de caducidade de forma a evitar que esses prazos decorram sem que esse decurso se possa atribuir a inércia da parte.
    
    O que se verifica, assim, no nosso ordenamento da RAEM é que o legislador não previu uma norma que fizesse corresponder a propositura da acção ao pedido de nomeação de patrono, devendo considerar-se esse pedido como suspensivo do prazo de caducidade.
    Estaremos assim perante uma lacuna e a forma de a suprir, em nome da harmonia dos princípios e do respeito pela natureza do que seja um prazo de caducidade, tal lacuna deve ser colmatada nos termos do artigo 9º, n.º 3 do CC como uma norma que preveja que o pedido de patrocínio judiciário, visando-se a propositura de uma acção corresponde à sua propositura.
    Assim, se salvaguardam as razões de justiça, de alguém que é pobre, não tem advogado, pretende exercer o seu direito e vai pedir o patrocínio. Fica exactamente na situação daquele que pode contratar desde logo um advogado.
    E se recorremos ao preenchimento da lacuna por esta via e não já a uma situação de caso análogo, eventualmente, como a decorrente da situação preconizada no artigo 16º do DL 41/94/M, de 1 de Agosto, é porque a situação daquela norma pressupõe um prazo adjectivo, pressupondo que o prazo processual recomece a correr por inteiro desde o princípio, o que já não faz sentido para um prazo de caducidade como no caso presente, para as situações em que cessem as razões que determinaram que o prazo de caducidade se verificasse sem que haja pronúncia sobre o direito.
    E numa aproximação e dificuldade de colmatar estas dificuldades, em resultado da incompleição do regime normativo em presença, já no acórdão deste TSI, n.º 26/2001, de 17 de Maio8, se aludia à necessidade de lançar mão do artigo 16º, n.º 2 do DL 41/94/M, referindo que o prazo que estiver em curso no momento da formulação do pedido suspende-se por efeito da apresentação deste e voltará a correr de novo a partir da notificação do despacho que dele conhecer.
    Só que a integração foi feita a partir do citado artigo16º, n.º 2 e não já a partir da norma que o intérprete criaria.
    
    8. Seja, então, por falta de norma específica interruptiva ou suspensiva do prazo de caducidade em presença, seja pela letra e contextualização da norma do art. 16º do DL41/94, seja pela própria natureza da caducidade, somos a entender que aquele prazo do artigo 1554º, n.º 2 do CC não se suspende nem interrompe.
    Só que na falta de uma norma que regule sobre os efeitos do pedido do patrocínio judiciário, a acção terá de se ter por proposta na data em que foi peticionado o patrocínio. Tal pedido não deixou, pois, de ter por consequência a manifestação clara do exercício do direito e de se traduzir na prática numa uma causa suspensiva do prazo de caducidade em curso.
    Desta forma se salvaguarda o acesso ao direito, configurando-se esta integração como fundamental para o exercício do direito e ainda e sempre dentro do sistema e com respeito aos princípios.
    Este entendimento que vimos delineando recorta-se também da Doutrina comparada consultada, no sentido de que o prazo desta norma do apoio judiciário tem apenas a ver com os prazos processuais, isto é, não abrange os prazos substantivos de prescrição ou de caducidade.9
    
    9. Posto isto, o recurso interlocutório não deixará de ser julgado improcedente e prejudicada a segunda questão que se suscitaria se não se adoptasse a posição supra, qual seja a de saber se, tivesse ocorrido suspensão do prazo em curso nos termos do artigo 16º, n.º 2, se o prazo suspenso voltaria a correr todo por inteiro10, de novo, ou só se contaria o tempo restante.
Não, sem que se diga que da análise da Jurisprudência comparada (vd. nota supra) se retira o reforço da interpretação delineada. Exactamente porque no ordenamento português há uma norma para os prazos adjectivos, pressupondo a existência de uma acção, a Jurisprudência veio de uma forma esmagadora a considerar que o pedido de apoio judiciário é interruptivo, voltando a contar de novo, por inteiro, o prazo em curso. Situação essa que já não ocorrerá para os prazos substantivos.

    10. Como está bem de ver, pelas razões acima aduzidas, improcede a argumentação dos recorrentes no sentido de que se observa a caducidade, mesmo considerando a substituição de patrono, o que tem de se integrar na tramitação normal da nomeação de um patrono e considerando que não será de aplicar aqui analogicamente o disposto no citado artigo 16º, n.º 2 do regime de Apoio Judiciário.
    Improcede, pois, o recurso interlocutório

B- Recurso final
    
    Não tem razão a recorrente na interpretação peregrina que faz do regime do artigo 284º, n.º 2 do CC, donde, sem necessidade de grandes desenvolvimentos sermos a sufragar o entendimento vertido na douta sentença.
    O que o artigo 284º estabelece é um regime diferente, consoante haja registo ou não dos bens adquiridos por terceiro de boa-fé a título oneroso.
E o n.º 2 e o n.º 3 não dispensam os pressupostos do n.º1, a saber: aquisição de bens; a título oneroso, por terceiro de boa-fé; registo da aquisição de terceiro anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação ou do acordo sobre a invalidade.
Para tornar as coisas mais claras atente-se na norma:

(Inoponibilidade da nulidade e da anulação)
1. A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição do terceiro for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio.
2. Preenchidos os pressupostos do número anterior, os terceiros que tenham adquirido direitos de quem, nos termos constantes do registo, tivesse legitimidade para a sua disposição só vêm os seus direitos reconhecidos se a acção de nulidade ou anulação não for proposta e registada dentro do ano posterior à conclusão do negócio inválido.
3. Caso à data da aquisição do terceiro não existisse qualquer registo relativamente ao bem em causa, os direitos do terceiro só são reconhecidos se a acção de nulidade ou anulação não for proposta e registada dentro dos 3 anos posteriores à conclusão do negócio inválido.
4. É considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável.

Contrariamente ao que alega a recorrente a consequência do não registo neste caso não dimana do CRP, mas sim da disposição do CC perspectivada no sentido da protecção dos terceiros adquirentes de boa-fé.
    
    Não se alcança o que pretende a requerente enquanto diferencia entre um original terceiro e um novo terceiro; a recorrente joga com conceitos que a lei não prevê. Terceiro aqui são os compradores do prédio que ignoravam, ao comprá-lo, que o vendedor não o podia fazer sozinho.
    
    Também no que se refere à qualidade de terceiro de boa-fé, os factos integrantes do desconhecimento sem culpa do vício subjacente à venda do prédio também não vêm impugnados.

Na verdade, no dia 6 de Janeiro de 2005, o 1º réu, por escritura pública celebrada com o 2º réu, vendeu a fracção autónoma em causa; e em 14 de Janeiro do mesmo ano, foi efectuado o registo na Conservatória do Registo Predial, sendo o 2º réu como proprietário; no dia 19 de Abril de 2005, o recorrido, por escritura pública de compra e venda celebrada com o 2º réu, adquiriu a fracção autónoma em causa, tendo ainda em 5 de Maio do mesmo ano feito o registo de aquisição na Conservatória do Registo Predial.; no dia 8 de Fevereiro de 2006, a recorrente intentou a acção; no dia 3 de Maio de 2006, o recorrido foi citado pelo Tribunal a quo; só no dia 17 de Dezembro de 2008, a recorrente efectuou o registo de acção junto da Conservatória do Registo Predial.

    É bem certo que a A., aqui recorrida foi prejudicada com tal negócio e não deixa de ter o direito de ser compensada e ressarcida, mas não tem o direito de fazer valer a anulação do negócio que cede perante a protecção do terceiro adquirente de boa-fé e que fez registar a aquisição, protecção esta claramente reforçada na versão do CC de 99 em relação ao artigo 291º do CC pré-vigente, relevando e unificando a protecção registral até aí conferida pelas regras próprias do CC (Código Civil) e CRP (Código do Registo Predial).
    
    Por tudo quanto fica exposto também o recurso final não deixará de improceder.
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso interlocutório e pelos fundamentos expostos, manter o decidido;
    Em negar provimento ao recurso final, mantendo a decisão proferida.
    Custas do recurso interlocutório pelos RR. recorrentes e do recurso final pela A., ora recorrida, levando em linha de conta com o apoio judiciário.
Macau, 23 de Fevereiro de 2012,

(Relator)
João A. G. Gil de Oliveira

(Primeiro Juiz-Adjunto)
José Cândido de Pinho

(Segundo Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong (com declaração de voto)















Processo nº 839/2010
Declaração de voto


Continuando fiel à tese vertida na fundamentação do Acórdão de 17MAIO2001 tirado no processo nº 26/2001 (não obstante a existência nesse Acórdão de um lapso manifesto na contagem dos 60 dias que levou à tomada de uma decisão contrária à fundamentação), subscrevo apenas a decisão do recurso interlocutório que julgou tempestiva a acção de anulação e acompanho integralmente a fundamentação e a decisão do recurso final.

RAEM, 23FEV2012

O juiz adjunto,


Lai Kin Hong

1 - Castro Mendes, Dto Civil, Teoria Geral, 1979, III, 606
2 - cfr. Aníbal de Castro, A Caducidade, , na Doutrina, na Lei e na Jurisprudência, 1980, 80
3 .- Cfr., em termos comparados, Ana Prata, Dicionário Jurídico, Almedina, 4ª ed., 180
4 - Para Castro Mendes, contra a Doutrina maioritária, será, nestes casos uma excepção dilatória, Dto Proc. Civil, II, AAFDL, 1987, 572
5 - Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 4ª ed., 2005, 376
6 - Cfr. ac. acima citado Processo n.º 28/2009, de 22/1/09
7 - Ac. RC, rec. 82/98, de 25/6/98, CJ Ano XXIII, Tomo 3, 72
8 - cfr. Acs do TSI da RAEM, 2001, I, 108
9 - Salvador da Costa, O apoio Judiciário, Almedina, 4ª ed. 120
10 - Posição maioritária na Jurisprudência comparada, ainda que aqui e ali esboçada alguma reserva – cfr. Ac. RL, re. 6325, de 14/4/94, CJ 1994, 2ç, 112; Ac. RL, rec. 3107, de 3/10/91; Ac. RP,, de 10/1/91, BMJ 403, 477; ac. RC de 10/9/94, BMJ 439,658
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839/2010 1/32