Processo n.º 964/2010
(Recurso contencioso)
Data : 9/Fevereiro/2012
ASSUNTOS:
- Processo Disciplinar/demissão
- Processo penal e processo disciplinar
- Consumo de Ketamina por agente do CPSP
- Prova proibida
- Inviabilidade da manutenção da relação jurídico-funcional
- Escolha e medida da sanção
SUMÁRIO:
1. O direito adjectivo penal não é subsidiário do processo disciplinar, se bem que os seus princípios informadores devam ser acolhidos e acatados neste procedimento.
2. Se vários colegas e superiores do arguido vêm ao processo disciplinar dizer o que o arguido lhes contou e relatam as suas percepções, face ao que foi dito, postura e reacções do arguido, não se podem ter essas provas por proibidas em processo disciplinar.
3. Se no processo disciplinar, o instrutor realizou, no exercício das suas competências, investigações e buscas de provas, recolhendo todas as provas que facilitaram proferir a decisão, se ouviu os depoimentos do recorrente, segundo-comandante, comandante e chefe de guardas-ajudantes C, também comprovou, através do relatório do teste de despiste de drogas na urina do recorrente, que o recorrente apresentou reacção positiva em relação a Ketamina – ainda que este exame não se mostre determinante – importa relevar toda uma globalidade de incidentes, reacções, atitudes, declarações, justificações, tudo devendo de ser conjugado de uma forma lógica a fim de se fazer luz sobre a realidade
4. Não faria sentido colocar o consumo de estupefacientes, mesmo que ocasional, ao nível do consumo ocasional de álcool e que só o consumo habitual de estupefacientes fosse erigido como uma infracção grave, só essa passível de demissão.
5. A pena de demissão não é de aplicação automática, só podendo ser cominada se os factos revelarem um carácter censurável susceptível de inviabilizar a manutenção da relação funcional
6. Não se deve manter a relação funcional sempre que os factos cometidos pelo arguido, avaliados e considerados no seu contexto, comprometam, designadamente, a eficiência, a confiança, o prestígio e a idoneidade que deva merecer a acção da Administração. Se o comportamento imputado ao arguido atingir um grau de desvalor que quebre, definitiva e irreversivelmente, a confiança que deve existir entre o serviço e o agente, deve considerar-se inviabilizada a manutenção da relação funcional.
7. Tem-se como inadmissível que um agente investido naqueles serviços viole as regras por cujo respeito e salvaguarda é imperioso colocar todo o seu empenho e dedicação. Trata-se de uma questão de serviço público na qual confia a população em geral, e que o arguido, com o seu comportamento, violou de forma insustentável ao consumir produtos estupefacientes, revelando total desconformidade e falta de enquadramento com os seus deveres funcionais, para mais com repercussão na sua conduta enquanto estava de serviço e ainda por cima a conduzir quando devia desenvolver uma acção de patrulhamento.
8 Se, no que respeita à apreciação da integração e subsunção dos factos na cláusula geral punitiva, a actividade da Administração está sujeita à sindicabilidade do Tribunal, o mesmo não se pode dizer quanto à aplicação das penas, sua graduação e escolha da medida concreta, existindo, neste âmbito, discricionariedade por parte da Administração, a qual passa pela opção entre emitir ou não o acto sancionatório e ainda pela escolha entre vários tipos e medidas possíveis.
O Relator,
(João Gil de Oliveira)
Processo n.º 964/2010
(Recurso Contencioso)
Data : 9 de Fevereiro de 2012
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. A, mais bem identificado nos autos, tendo interposto o recurso do despacho do Exmo Senhor Secretário para a Segurança n.º 44/SS/2010, proferido em relação ao processo disciplinar n.º 21/2010 do CPSP, e nos termos do qual lhe foi aplicada a pena de demissão, alega, fundamentalmente e em síntese:
1. O acto administrativo recorrido indicou que o recorrente abandonar a área patrulhada durante o patrulhamento. Ao depois, ele encontrou-se psiquicamente anormal e foi submetido ao exame médico no Hospital Central de Conde S.Januário, exame esse apresentou o resultado positivo em relação a quetamina. A sua conduta violou os deveres estabelecidos no art.º 12.º, n.º 2, al.s f) e g) e art.º 13.º, n.º 2, al. b) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M. Ao abrigo do art.º 238.º, n.º 2, al. 1) e art.º 240.º do EMFSM, é aplicado ao recorrente a pena de demissão.
2. O recorrente é guarda policial de 1º escalão, tinha mantido comportamento exemplar antes de ser instaurada o processo de averiguação/disciplinar, não tendo nenhum registo de infracção.
3. No dia da ocorrência do caso (20 de Janeiro de 2010), à meia noite, o recorrente ficou descansar num parque perto da sua casa e bebeu cerveja, conversando com 3 homens (de 20 a 25 anos de idade), altura em que bebeu cerveja que estes ofereceram.
4. O recorrente tem próstata e cistite, pelo que precisa de usar permanentemente anti-inflamatórios e fármacos para alívio da congestão nasal. Cerca das 12h00 daquele dia, administrou os fármacos acima referidos e foi ao trabalho.
5. Se calhar o corpo do recorrente ainda não decompôs integralmente a cerveja, de forma que as substâncias por ele administradas e o álcool produzissem acções químicas, causando uma consciência não lúcida do recorrente. No entanto, o mesmo não pediu a licença por doença aos superiores hierárquicos.
6. Cerca das 14h10, quando o recorrente patrulhava nas ruas no seu motociclo policial, precisou de ir a casa de banho por causa da necessidade física, mas no lugar onde estava não há casa de banho, pelo que ele conduziu o motociclo à procura da casa de banho.
7. Quando o mesmo passou por Rotunda de XX, perto do Edf. XX Garden, ouviu a comunicação do segundo-comandante, e depois foi convocado para voltar ao Comissariado de Trânsito.
8. Quando o recorrente foi perguntado: “porque não respondeu às comunicações através de walkie-talkie”, ele respondeu: “não respondi por causa de não ouvir!” “antes de ir ao trabalho (desde 00h00 do dia 20), bebi álcool, voltei para casa às 06h00 de manhã e dormi até às 12h00, e foi trabalhar depois da administração dos fármacos de tipo anti-inflamatórios e fármacos para alívio da congestão nasal, pelo que, estou em má condições mentais!” “também fui ao Karaoque!”. Também disse que “desculpe, peço outra oportunidade!”
9. No entanto, ele não ouviu naquele momento questões como “tomou quetamina?” nem confessou, perante o comandante ou chefe de guardas-ajudantes, que “consumi quetamina num estabelecimento destinado a recreativos vários dias antes.”
10. O recorrente foi submetido, em má condição de saúde e sem o consentimento, à análise de urina no Hospital Central de Conde S.Januário. Do resultado da análise resulta que a urina dele apresentou o resultado positivo em relação a Benzodiazepines e Tricyclic Antidepressants.
11. Benzodiazepines é um fármaco de tipo hipnótico destinado principalmente a ajudar a dormir através da depressão do córtex cerebral, e Tricyclic Antidepressants é um fármaco antidepressivo destinado ao tratamento de depressão, ansiedade e dor crónica. Estas duas substâncias não se contêm nas tabelas I a VI da Lei n.º 17/2009 Proibição da produção, do tráfico e do consumo ilícitos de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, pelo que não são drogas proibidas.
12. No entanto, quetamina não é composto pelas duas substâncias acima referidas (vide o anexo n.º 9).
13. O fármaco Amitriptyline de marca Cactavis apensado no ponto 6 da defesa escrita do processo de averiguação/disciplinar n.º 021/2010 foi prescrito por médico do Hospital Keang Wu e lá obtido pelo recorrente que o tinha administrado. Nessa substância contém Tricyclic Antidepressants que se encontrou na urina do recorrente.
14. Do relatório da análise de urina consta de fls. 7 do processo de averiguação/disciplinar n.º 021/2010 resulta que a urina do recorrente só apresentou resultado positivo em relação aos dois fármacos, designadamente:
Tricyclic Antidepressants-S <20 ng/ml
Benzodiazepines (Urine) 176.3 ng/ml
Mas foi formada a conclusão seguinte:
Observação: URINE SCREEN OF KETAMINE: POSITIVE.
Mas não foi indicada a quantidade de quetamina.
15. O instrutor do processo de averiguação/disciplinar e a entidade recorrida não ordenaram a verificação dos fármacos e do relatório do teste de urina, mas reconheceram firmemente que o recorrente tinha consumado quetamina, de forma que lhe aplicou a pena mais severa, isto é, a pena de demissão.
15. Os depoimentos do recorrente foram reproduzidos pelo D, guarda policial de 1ª classe n.º XXX, segundo-subchefe B, n.º XXX e guarda-ajudante A ao instrutor do processo disciplinar, pelo que, aqueles são de facto depoimentos indirectos. Ao abrigo da disposição acima referida, a acusação e o acto administrativo feitos com base nos depoimentos supra aludidos devem ser nulos.
16. Nos termos do art.º 337.º, n.º 7 do CPP, Os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado da sua recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas. Ao abrigo do art.º 336.º, n.º 1 do CPP, não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência. Isso chama-se “princípio de imediação”.
17. O acto administrativo recorrido aplicou a punição admitindo a acusação e os depoimentos indirectos acima referidos, acto esse também é nulo por violar manifestamente o art.º 116.º, n.º 1, art.º 337.º, n.º 7 e art.º 336.º, n.º 1 do CPP.
18. O recorrente nunca manifestou o consentimento ao teste da urina, e pediu na defesa escrita, ao abrigo do art.º 250.º, n.º 1 do Código Civil, que seja anulado o consentimento a ser submetido ao teste de urina por causa de tal parte das provas dever ser nulas.
19. Nos termos do art.º 24.º da Lei n.º 17/2009 Proibição da produção, do tráfico e do consumo ilícitos de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, para efeito de determinação da quantidade de consumo pessoal, a autoridade judiciária competente pode ordenar a realização de perícia nos termos do artigo 141.º do Código de Processo Penal. Ao abrigo do art.º 27.º, n.º 3 da mesma Lei, Na falta de consentimento do suspeito, a realização de revista ou de perícia depende de prévia autorização da autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência.
20. Nos termos do art.º 141.º, n.º 1 do CPP, a perícia é ordenada, oficiosamente ou a requerimento, por despacho…; nº 2, O despacho é notificado ao Ministério Público, quando este não for o seu autor ou não tenha havido delegação em órgão de polícia criminal…
21. A respectiva perícia não foi previamente autorizada pela autoridade judiciária nem ordenada por despacho do Ministério Público, até não confirmado por este. Além disso, naquele momento a consciência do recorrente encontrou-se não lúcida, pelo que é impossível que ele fizesse a declaração negocial de consentimento. O resultado desta perícia é absolutamente nulo, e não pode ser admitido como prova.
22. O acto recorrido decidiu a punição com base no resultado nulo, violando o art.º 112.º do CPP e o art.º 122.º, n.º 2, al. f) do Código do Procedimento Administrativo, pelo que é um acto nulo.
23. Ao abrigo do art.º 262.º, n.º 1 do EMFSM, é insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do arguido sobre os artigos de acusação nos quais as infracções sejam suficientemente individualizadas e referidas aos correspondentes preceitos legais, bem como a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade.
24. A acusação deve conter a indicação articulada dos factos de como ele praticou o consumo de drogas e a indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar da sua prática. O instrutor deduziu acusação contra o recorrente sem ter realizado a diligência de investigação para apurar o facto de se ele ter consumado drogas, violando manifestamente as disposições acima referidas. Razão pela qual, o respectivo efeito jurídico é nulo e a nulidade é insuprível.
25. A entidade recorrida não procedeu ao julgamento da impugnação deduzida tempestivamente pelo recorrente nem ordenou a realização de diligências complementares, razão pela qual, o acto administrativo recorrido, para além de violar o disposto no art.º 283.º do EMFSM, também padece do vício de nulidade.
26. Nos termos do art.º 238.º, n.º 2, al. l) e art.º 240.º do EMFSM, Abusar habitualmente de bebidas alcoólicas ou consumir ou traficar estupefacientes ou substâncias psicotrópicas.
27. O recorrente tinha mantido comportamento exemplar antes de ser instaurada a averiguação/processos disciplinares, não tendo nenhum registo de infracção. Assim, não se provou o pressuposto de “abusar habitualmente” exigido no art.º 238.º, n.º 2, al. l) do EMFSM.
28. Por não se verificar os pressupostos supra referidos, é improcedente a acusação contra o recorrente, nos termos do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo, o acto administrativo recorrido deve ser anulado.
29. Nos termos do art.º 256.º do EMFSM, é aplicável o art.º 12.º do Código Penal de Macau por remissão do artigo 277.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau. Ao abrigo do art.º 12.º do CP, só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.
30. O teste de urina do recorrente apresentou o resultado positivo, isso é porque os fármacos que ele tinha usado contêm as substâncias: Tricyclic Antidepressants e Benzodiazepines. O fármaco Amitriptyline de marca Cactavis apensado no ponto 6 da defesa escrita contém definitivamente Tricyclic Antidepressants que se encontrou na urina do recorrente; substância essa foi prescrita e fornecida pelo Hospital Keang Wu, razão pela qual, afasta-se o dolo da conduta do recorrente.
31. O MP não deduziu acusação contra o recorrente, daqui resulta que ele não violou a lei.
32. Nos termos do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo, o acto administrativo recorrido aplicou erradamente o art.º 240.º do EMFSM, pelo que deve ser anulado.
33. Nos termos do art.º 12.º, n.º 2, al. f) e g) do EMFSM, no cumprimento do dever de aprumo, o militarizado deve: f) Não praticar acções contrárias à ética, à deontologia funcional, ao brio ou ao decoro das FSM; g) Evitar actos ou comportamentos que possam prejudicar o vigor e a aptidão física ou intelectual, nomeadamente o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, bem como o consumo de quaisquer outras substâncias nocivas à saúde;
34. As substâncias Tricyclic Antidepressants e Benzodiazepines encontradas na urina do recorrente não se contêm nas tabelas I a VI da Lei n.º 17/2009 Proibição da produção, do tráfico e do consumo ilícitos de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, pelo que não são drogas proibidas; além disso, as mesmas são prescritas e fornecidas pelo Hospital Keang Wu, razão pela qual, o recorrente não praticou acções contrárias à ética, à deontologia funcional, ao brio ou ao decoro das FSM.
35. Nos termos do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo, por ser improcedentes os pressupostos para acusar que o recorrente violou o art.º 12.º, n.º 2, al. f) e g) do EMFSM, o acto administrativo recorrido deve ser anulado.
36. O recorrente ausentou-se do seu posto de trabalho por causa de precisar de ir a casa de banho, o mesmo não tinha nada vontade do abandono do posto de trabalho, tão-pouco dolo subjectivo, quando muito, há negligência. Pelo que a sua conduta não violou o dever de assiduidade previsto no art.º 13.º, n.º 2, al. b) do EMFSM.
37. Pelo que, o acto administrativo recorrido deve ser anulado por aplicar erradamente o art.º 13.º, n.º 2, al. b) do EMFSM.
38. Pelo que, ao recorrente se verificam, para além das circunstâncias atenuantes previstas no art.º 200.º, n.º 2, al. c) (o pouco tempo de serviço) do EMFSM, também as previstas no art.º 200.º, n.º 2, al. b) (o bom comportamento anterior) e al. f) (a falta de intenção dolosa) do EMFSM.
39. No processo de averiguação/disciplinar, foi indicado que “ao recorrente foi verificadas as circunstâncias agravantes da responsabilidade disciplinar previstas no art.º 201.º, n.º 2, al. d) e f) do EMFSM.”
40. Como acima referido, as substâncias Tricyclic Antidepressants e Benzodiazepines encontradas na urina do recorrente não são drogas proibidas; além disso, as mesmas são prescritas e fornecidas pelo Hospital Keang Wu, razão pela qual, afasta-se o dolo do recorrente, e este não praticou infracção comprometedora da honra, do brio ou do decoro pessoal ou da instituição.
41. Já foi referido anteriormente que o recorrente se ausentou do seu posto de trabalho por causa de precisar de ir a casa de banho, durante a altura, o mesmo não tinha nada vontade do abandono do posto de trabalho.
42. Pelo que, no processo de averiguação/disciplinar o recorrente foi acusado da violação ao art.º 12.º, n.º 2, al. f), g) e o) e art.º 13.º, n.º 2, al. b) do EMFSM, da qual resulta a verificação de circunstâncias agravantes ao abrigo do art.º 201.º, n.º 2 do EMFSM, tais fundamentos são improcedentes.
43. Nos termos do art.º 232.º do EMFSM, na aplicação das penas atender-se-á aos critérios gerais enunciados nos artigos seguintes, à natureza e gravidade da infracção, à categoria ou posto do infractor, ao grau de culpa, à sua personalidade, ao seu nível cultural e a todas as circunstâncias que militem contra ou a favor do arguido.
44. Em relação à sua negligência, quando exista, a aplicação das penas de repreensão previstas no art.º 234.º do EMFSM pode realizar de forma suficiente as finalidades da pena, isto é, a prevenção geral e especial. No entanto, o acto recorrido aplicou ao recorrente a puna de demissão, violando as disposições legais acima referidas e o princípio da proporcionalidade.
45. Face ao exposto, o acto administrativo recorrido deve ser revogado por padecer de vários vícios nulos ou anuláveis.
Pede se:
1. Revogue a aplicação da pena ao recorrente por o acto recorrido padecer de vários vícios nulos ou anuláveis; e
2. Revogue o acto recorrido e se substitua a pena por uma de repreensão.
2. O Exmo Senhor Secretário para a Segurança contesta, dizendo, em síntese:
O acto recorrido foi proferido dependendo de factos objectivos e com observância da lei, não padecendo nenhum vício material ou formal.
No processo disciplinar, o instrutor realizou, no exercício das suas competências, investigações e buscas de provas, recolhendo todas as provas que facilitaram proferir a decisão. O mesmo ouviu os depoimentos do recorrente, segundo-comandante, comandante e chefe de guardas-ajudantes C, também comprovou, através do relatório do teste de despiste de drogas na urina do recorrente, que o recorrente apresentou reacção positiva em relação a quetamina.
De facto, os depoimentos do segundo-comandante, do comandante e do chefe de guardas-ajudantes C são iguais, e compatíveis com o resultado do relatório do teste de despiste de drogas do recorrente. O recorrente mudou o depoimento só para encobrir a verdade e fugir da responsabilidade disciplinar.
Devemos saber que, das informações dos fármacos apresentadas pelo recorrente resulta que o dia mais recente em que foram prescritos foi em 18 de Novembro de 2009, desde então o recorrente administrou-os por 14 dias. Isso é mais de dois meses antes da prática da infracção.
Daí podemos ver que o recorrente faltou à verdade.
Como se sabe, o teste de despiste de drogas na urina é um trabalho profissional médico, e o relatório profissional emitido pelo hospital é prova de perícia. O recorrente não deve duvidar a fé do relatório nem negar o seu resultado.
Para efeito do apuramento dos factos, o instrutor ouviu os depoimentos do recorrente e das pessoas envolvidas no caso, pelo que, é certo que aquele ouviu os depoimentos do segundo-comandante D, comandante B e chefe de guardas-ajudantes C.
Por outro lado, o instrutor procedeu directamente a audiência do recorrente, assegurando o seu direito de defesa, só que este sofisticou com sofismo a fim da fuga à responsabilidade disciplinar.
Na formatura antes do patrulhamento daquele dia, na robustez mental do recorrente não se encontrou nada de anormal. Mas já se encontrou psiquicamente anormal durante o patrulhamento. Após o exame do Hospital Central de Conde S. Januário, a amostra da sua urina apresentou resultado positivo quando a quetamina.
Não há dúvida de que o médico diagnosticou a condição do recorrente a partir da sua saúde física. Isso é compatível com o seu interesse e não ofendeu de forma nenhuma a sua integridade física.
O acto recorrido não incorre em erro na aplicação da lei indicado pelo recorrente.
A conduta do consumo de drogas foi, manifestamente, praticado pelo recorrente de forma consciente, livre e voluntária, com a vontade subjectiva de violação disciplinar, razão pela qual, a conduta é dolosa.
O acto recorrido não padece do vício da violação ao princípio da proporcionalidade.
3. O recorrente, A, em sede de alegações facultativas, apresentou as seguintes conclusões:
1. Na petição de recurso, de acordo com o art.º 43.º n.º 1 al. c) do Código do Processo Administrativo Contencioso, o recorrente pediu ao Juízo a inquirição de testemunha, ou seja E, patologista clínico do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, para provar os factos nos artigos 26.º a 32.º da petição de recurso, e agora ainda mantém-se o pedido de audição desta testemunha.
2. O que consta dos artigos 3.º, 4.º, 5.º e 6.º do processo disciplinar/de averiguação são depoimentos prestados pelo segundo-comandante, o guarda principal n.º XXX D, o subchefe n.º XXX B e o comissário C depois de ouvirem a resposta do recorrente. De acordo com o art.º 116.º n.º 1 do Código de Processo Penal por remissão do art.º 277.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau por remissão do art.º 256.º do EMFSM, os supracitados depoimentos são indirectos e não podem servir como meio de prova, e são nulos a acusação e o acto administrativo feitos de acordo com os referidos depoimentos.
3. Além disso, nos termos do art.º 377.º n.º 7 do Código de Processo Penal, os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado da sua recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas. E o art.º 336.º n.º 1 do Código de Processo Penal dispõe que não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência, isso chama-se “princípio directo” na doutrina.
4. Quer dizer, nos artigos 3.º, 4.º, 5.º e 6.º da acusação, os depoimentos prestados pelo guarda principal n.º XXX D, o subchefe n.º XXX B e o comissário C devem ser considerados nulos se não tiverem consentimento do recorrente, também não podem servir como prova da acusação desta.
5. Porém, a presente acusação do processo disciplinar/de averiguação só teve em conta os depoimentos prestados pelo guarda principal n.º XXX D, subchefe n.º XXX B e comissário C, e ignorou completamente os depoimentos prestados pelo recorrente respectivamente em 20 de Janeiro e 8 de Fevereiro de 2010 (vide as fls. 11 e 44 a 45 do processo disciplinar/de averiguação), razão pela qual a acusação do presente processo disciplinar/de averiguação violou de novo a disposição legal, e deve ser declarada nula; o acto administrativo recorrido aceitou a acusação e os depoimentos indirectos acima referidos para aplicar punição, violou obviamente o art.º 116.º n.º 1, art.º 337.º n.º 7 e art.º 336.º n.º 1 do Código de Processo Penal, e é nulo.
6. De acordo com os artigos 4.º, 5.º e 7.º da acusação, na altura o recorrente encontrava-se numa condição mental anormal, estava distraído e não podia exprimir de forma clara a sua vontade, revelando-se que o recorrente encontrava-se incapacitado de entender o sentido da sua declaração, pelo que ao abrigo do disposto no art.º 250.º n.º 1 do Código Civil de Macau, é anulável a sua declaração de concordar em receber análise de urina.
7. Segundo o disposto legal acima referido, o recorrente já solicitou na sua defesa escrita a anulação do seu consentimento de análise de urina, e esta parte de prova deve ser considerada nula e não pode servir como prova da acusação do recorrente.
8. Nos termos do art.º 27.º n.º 3 da Lei n.º 17/2009 - «Proibição da produção, do tráfico e do consumo ilícitos de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas»: “Na falta de consentimento do suspeito, a realização de revista ou de perícia depende de prévia autorização da autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência.”
9. Ao abrigo do disposto no art.º 141.º n.º 1 do Código de Processo Penal, a perícia é ordenada, oficiosamente ou a requerimento, por despacho (…); e segundo o n.º 2 do mesmo artigo, o despacho é notificado ao Ministério Público, quando este não for o seu autor ou não tenha havido delegação em órgão de polícia criminal (…).
10. A respectiva perícia não teve autorização prévia do órgão judiciário, não foi ordenada por despacho do Ministério Público e não foi confirmada pelo Ministério Público, ademais, na altura o recorrente encontrava-se num estado inconsciente e não podia exprimir a sua verdadeira vontade, pelo que o resultado da referida perícia é absolutamente nulo e não pode ser admitido como prova. O acto administrativo recorrido fez a decisão de punição com base no resultado de perícia nula, violou o art.º 112.º do Código de Processo Penal e o art.º 122.º n.º 2 al. f) do Código do Procedimento Administrativo, e é acto nulo.
11. Nos termos do art.º 275.º n.º 4 do EMFSM: “A acusação deverá conter a indicação discriminada e articulada dos factos integrantes da infracção, a indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar da sua prática, a enumeração das demais circunstâncias que integrem atenuantes e agravantes e ainda a referência aos preceitos legais respectivos e às penas aplicáveis.”
12. Nos termos do art.º 262.º n.º 1 do EMFSM: “É insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do arguido sobre os artigos de acusação nos quais as infracções seja suficientemente individualizadas e referidas aos correspondentes preceitos legais, bem como a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade.”
13. A respectiva acusação do processo disciplinar/de averiguação não contém os factos acima referidos, e o instrutor deduziu acusação contra o recorrente sem tomar diligências probatórias para verificar se o recorrente tinha praticado os factos de consumo de drogas, violando obviamente as disposições legais acima referidas, pelo que a respectiva consequência jurídica é nula e é insuprível a nulidade.
14. Deve-se anular a acusação do processo e proceder ao arquivamento do mesmo, mas a entidade recorrida não procedeu ao arquivamento nem deu ordens de diligências probatórias complementares, fazendo com que o acto administrativo recorrido violasse o art.º 283.º do EMFSM e padecesse do vício de nulidade.
15. Em relação à responsabilidade disciplinar do recorrente, é referido no acto administrativo recorrido: “ (…) as suas condutas constituem infracções disciplinares dos deveres previstos pelo art.º 12.º, n.º 2, al.s f) e g), e art.º 13.º, n.º 2, al. b) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, aprovado pelo DL n.º 66/94/M de 30 de Dezembro. Ao abrigo do disposto no art.º 238.º n.º 2 al. a) do aludido Estatuto, é aplicável a pena de inviável manutenção da relação funcional (…).”; “Ao abrigo dos dispostos no art.º 240.º do Estatuto, aplica-se a pena de demissão ao guarda n.º XXXX A do CPSP.”
16. Nos termos do art.º 238.º n.º 2 al. l) do EMFSM: “Abusar habitualmente de bebidas alcoólicas ou consumir ou traficar estupefacientes ou substâncias psicotrópicas.”
17. De acordo com o que consta das fls. 32 a 33 do processo disciplinar/de averiguação, antes da instauração do presente processo disciplinar/de averiguação, o recorrente manteve um comportamento exemplar, e não teve registo de infracção. Assim não foi verificado o pressuposto de “habitualmente” no art.º 238.º n.º 2 al. l) do Estatuto.
18. Por não ser preenchido o supracitado pressuposto, é improcedente a acusação de que o recorrente violou o art.º 238.º n.º 2 al. l) do EMFSM, e de acordo com o art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo, deve ser anulado o acto administrativo recorrido.
19. De acordo com o art.º 256.º do EMFSM, são normas remissivas o art.º 277.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau e o art.º 12.º do Código Penal de Macau. E nos termos do art.º 12.º do Código Penal de Macau: “Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.” Quer dizer, é aplicável o regime de “dolo e negligência” no EMFSM. Através da análise do art.º 238.º n.º 2 al. l) do EMFSM, junto com a técnica legislativa do art.º 12.º do Código Penal de Macau, só é punível o facto praticado com dolo previsto no 1º artigo.
20. O resultado da análise de urina que o recorrente recebeu no Centro Hospitalar Conde de S. Januário foi positivo, porque o medicamento tomado pelo recorrente contém as substâncias Tricyclic Antidepressants e Benzodiazepines, e o medicamento Amitriptyline, de marca Cactavis e anexo ao artigo 6.º da defesa escrita do recorrente, contém com certeza Tricyclic Antidepressant, substância verificada na urina do recorrente; e estas duas substâncias não são incluídas nas tabelas I a VI anexas à Lei n.º 17/2009 - «Proibição da produção, do tráfico e do consumo ilícitos de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas», não são ilegais, e são fornecidas pelo Hospital Kiang Wu, pelo que é excluído o dolo do recorrente.
21. O tribunal colectivo do Tribunal da Segunda Instância tem interpretação penetrante do dolo e da negligência no acórdão para o processo do recurso n.º 1263/2000 de 3 de Fevereiro de 2000.
22. O professor F também tem interpretação detalhada do dolo e da negligência na sua obra «Teoria Geral do Direito Penal de Macau» (Fundação Macau, Março de 1998, 1ª edição, pág. 53).
23. Apesar de o recorrente ser levado ao Centro Hospitalar Conde de S. Januário para receber exame de urina, o Ministério Público não deduziu acusação contra o recorrente. Isso significa que o recorrente não violou a lei, senão o Ministério Público teria apresentado acusação contra ele (vide as fls. 18 e 20 do processo disciplinar/de averiguação).
24. De acordo com o art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo, o acto administrativo recorrido aplicou erradamente o art.º 240.º do EMFSM, e deve ser anulado.
25. Nos termos do art.º 12.º, n.º 2, al.s f) e g) do EMFSM, no cumprimento do dever de aprumo, o militarizado deve, designadamente: “f) Não praticar acções contrárias à ética, à deontologia funcional, ao brio ou ao decoro das FSM; g) Evitar actos ou comportamentos que possam prejudicar o vigor e a aptidão física ou intelectual, nomeadamente o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, bem como o consumo de quaisquer outras substâncias nocivas à saúde;”
26. O resultado da análise de urina que o recorrente recebeu no Centro Hospitalar Conde de S. Januário foi positivo, porque o medicamento tomado pelo recorrente contém as substâncias Tricyclic Antidepressants e Benzodiazepines, e o medicamento Amitriptyline, de marca Cactavis e anexo ao artigo 6.º da defesa escrita do recorrente, contém com certeza Tricyclic Antidepressant, substância verificada na urina do recorrente; e estas duas substâncias não são incluídas nas tabelas I a VI anexas à Lei n.º 17/2009 - «Proibição da produção, do tráfico e do consumo ilícitos de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas», não são ilegais, e são fornecidas pelo Hospital Kiang Wu, pelo que é excluído o dolo do recorrente, senão o Ministério Público também teria deduzido acusação contra ele. Quer dizer o recorrente não praticou acções contrárias à ética, à deontologia funcional, ao brio ou ao decoro das FSM.
27. Por isso, é improcedente o acto administrativo recorrido que acusou o recorrente da violação do art.º 12.º, n.º 2, al.s f) e g) do EMFSM por falta de pressupostos previstos por lei. De acordo com o art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo, não está preenchido o pressuposto da acusação feita pelo acto administrativo recorrido de que o recorrente violou o art.º 12.º, n.º 2, al.s f) e g) do EMFSM, e deve ser anulado o acto.
28. Através da análise do art.º 13.º n.º 2 al. b) do EMFSM, junto com a técnica legislativa do art.º 12.º do Código Penal de Macau, só é punível o facto praticado com dolo previsto no 1º artigo.
29. O recorrente saiu do seu posto de serviço porque tinha de ir à casa de banho, não tinha a vontade de abandonar o trabalho ou ausentar-se do mesmo nem o dolo subjectivo, e na melhor das hipóteses, tinha a negligência, pelo que não está preenchido o pressuposto da violação do dever de assiduidade previsto pelo art.º 13.º n.º 2 al. b) do EMFSM. Por isso, o acto administrativo recorrido aplicou erradamente o art.º 13.º n.º 2 al. b) do EMFSM e deve ser anulado.
30. Por outro lado, a aplicação ao recorrente da pena de “demissão” prevista pelo art.º 240.º do EMFSM violou de forma grave o “princípio da proporcionalidade”.
31. Nos termos do art.º 5.º n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo: “As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar.”
32. O jurisconsulto famoso Vitalino Canas deu definição do princípio da proporcionalidade (Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo de Macau, Fundação Macau e Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública, 1998, p. 90 a 92).
33. O acto administrativo recorrido violou obviamente o princípio da proporcionalidade, e ao abrigo do disposto no art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo, deve ser anulado.
34. Por outro lado, de acordo com a ordem de serviço n.º 239/2009 de 17 de Dezembro de 2009, o comportamento do recorrente é classificado de comportamento exemplar (vide as fls. 33 do processo disciplinar/de averiguação). Por isso, o recorrente tem ao mesmo tempo as circunstâncias atenuantes previstas pelo art.º 200.º, n.º 2, al.s b) (o bom comportamento anterior) e f) (a falta de intenção dolosa) do EMFSM, além da circunstância atenuante prevista pelo art.º 200.º, n.º 2, al. c) (o pouco tempo de serviço) do mesmo Estatuto.
35. Nos termos do art.º 232.º do EMFSM: “Na aplicação das penas atender-se-á aos critérios gerais enunciados nos artigos seguintes, à natureza e gravidade da infracção, à categoria ou posto do infractor, ao grau de culpa, à sua personalidade, ao seu nível cultural e a todas as circunstâncias que militem contra ou a favor do arguido.” Assim na aplicação da pena ao recorrente, deve-se considerar as supracitadas três circunstâncias atenuantes (o bom comportamento anterior, a falta de intenção dolosa e o pouco tempo de serviço).
36. No processo disciplinar/de averiguação, indicou-se que o recorrente tinha as circunstâncias agravantes da responsabilidade disciplinar previstas pelo art.º 201.º, n.º 2, al.s d) e f) do EMFSM. E nos termos do art.º 201.º n.º 2 do EMFSM: “d) Ser a infracção comprometedora da honra, do brio ou do decoro pessoal ou da instituição; f) A produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço, à disciplina, ao interesse geral ou a terceiros, nos casos em que o militarizado devesse prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta.”
37. O resultado da análise de urina que o recorrente recebeu no Centro Hospitalar Conde de S. Januário foi positivo, porque o medicamento tomado pelo recorrente contém as substâncias Tricyclic Antidepressants e Benzodiazepines, e o medicamento Amitriptyline, de marca Cactavis e anexo ao artigo 6.º da defesa escrita do recorrente, contém com certeza Tricyclic Antidepressant, substância verificada na urina do recorrente; e estas duas substâncias não são incluídas nas tabelas I a VI anexas à Lei n.º 17/2009 - «Proibição da produção, do tráfico e do consumo ilícitos de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas», não são ilegais, e são fornecidas pelo Hospital Kiang Wu, pelo que é excluído o dolo do recorrente, e este não praticou acções contrárias à ética, à deontologia funcional, ao brio ou ao decoro das FSM. E é acima referido que o recorrente saiu do seu posto de serviço para ir à casa de banho, e não tinha a vontade de abandonar o trabalho ou ausentar-se do mesmo.
38. Por isso, é improcedente a acusação de que o recorrente violou o art.º 12.º, n.º 2, al.s f), g) e o), e art.º 13.º, n.º 2, al. b) do EMFSM, e tinha circunstâncias agravantes previstas pelo art.º 201.º n.º 2 do EMFSM. A acusação do processo disciplinar/de averiguação n.º 021/2010 do CPSP aplicou erradamente os dispostos sobre circunstâncias agravantes previstos no art.º 201.º n.º 2 do EMFSM e deve ser anulada.
39. Ao aplicar penas ao recorrente, deve-se considerar as circunstâncias de bom comportamento anterior, a falta de intenção dolosa e o pouco tempo de serviço. Nos termos do art.º 234.º do EMFSM: “As penas de repreensão verbal e repreensão escrita são aplicáveis por faltas leves de que não resulte prejuízo para o serviço ou para o público e sempre no intuito de aperfeiçoamento profissional do militarizado e do melhoramento da disciplina e dos serviços.”
40. A aplicação de penas de repreensão previstas pelo art.º 234.º do EMFSM às condutas culposas do recorrente a que possa haver lugar no presente processo já realiza de forma suficiente as finalidade de prevenção geral e especial (direito penal de Macau por remissão do art.º 277.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau por remissão do art.º 256.º do EMFSM).
41. Por isso, se tiver de se aplicar pena ao recorrente, deve-se aplicar apenas a pena de repreensão de acordo com o art.º 234.º do EMFSM. O recorrente já apresentou os supracitados fundamentos de circunstâncias atenuantes e agravantes na sua defesa escrita do processo disciplinar/de averiguação, mas a entidade recorrida não conheceu esta parte, violou o art.º 283.º do EMFSM, e ao abrigo dos dispostos no art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo, o acto administrativo recorrido deve ser anulado.
Pelo exposto e sem prejuízo da qualificação que se considere adequada (art.º 74.º n.º 6 do Código do Processo Administrativo Contencioso), solicita se profira decisão no sentido de se:
1. Revogar as penas aplicadas ao recorrente por o acto recorrido padecer de vários vícios de nulidade ou anulabilidade; ou
2. Revogar o acto recorrido, e aplicar ao recorrente uma justa pena de repreensão.
4. Após a inquirição da testemunha a que se procedeu neste Tribunal, o recorrente veio apresentar a seguinte alegação:
A - OS FACTOS
Das diligências de inquirição da testemunha, E, patologista clínico do Hospital de Conde S. Januário, resulta que foi apurada a factualidade que passa a alinhar-se:
1. Do Relatório elaborado após o Teste de Droga (fls. 7 do processo disciplinar) consta que a amostra de urina do ora recorrente só continha as substâncias de BENZODIAZEPINES e TRICYCLIC ANTIDEPRESSANTS.
2. BENZODIAZEPlNES e TRICYCLIC ANTIDEPRESSANTS não são substâncias componentes da KETAMINA.
3. O relatório não pode servir de prova do consumo de KETAMINA, porque o reagente usado naquela altura na realização do referido exame, não era para tal efeito.
4. Perante o respectivo resultado, não se pode inferir que o individuo examinado, tivesse ou não consumido KETAMINA.
5. Os medicamentos receitados pelo médico do Hospital Keang Wu, constam do art. o 29.º da petição do recurso e contêm as substâncias encontradas positivas no teste.
Pelos factos acima apurados, foram justificados os resultados positivos mostrados no Relatório do Teste de Droga. Todavia, os dois positivos mostram duas substâncias que não compõem a substância KETAMINE. Pelo contrário, os componetes dos medicamentos que o recorrente tinha ingerido foram receitados pelo médico do Hospital Keang Wu.
PEDIDO
NESTES TERMOS entende dever ser o presente recurso julgado procedente, por provado, com as consequências legais.
5. O Digno Magistrado do MP ofereceu o seguinte douto parecer:
Tanto quanto ousamos sintetizar e concretizar do alegado pelo recorrente A, assaca o mesmo, ao despacho do Secretário para a Segurança de 25/10/10 que, em sede disciplinar, lhe aplicou a pena de demissão, uma vasta panóplia de vícios, desde logo de ordem procedimental, por
- terem sido recebidos, ponderados e valorizados depoimentos indirectos;
- não se ter relevado o facto de, na altura em que deu o seu consentimento voluntário para a efectivação de análise à sua urina, se não encontrar na plena posse da sua capacidade de entendimento, não tendo, aliás, tal perícia sido ordenada ou confirmada pelo M.P. e
- não se encontrarem devidamente descritos na acusação disciplinar os factos integradores das infracções imputadas,
argumentando ainda com a ilegalidade da punição, por
- não se terem comprovado os pressupostos factuais subjacentes à mesma, designadamente que tivesse efectivamente consumido Ketamina;
- falta de existência de dolo, razão por que, em seu critério, o M.P. não teria instaurado procedimento criminal ;
- não se ter comprovado a sua falta de assiduidade, já que a sua ausência se ficou a dever a necessidade imperiosa de ir ao quarto de banho ;
- não se mostrar preenchido quanto ao tipo legal previsto na al. 1) do n° 2 do art. 238°, EMFSM, o conceito "habitualmente" quanto ao seu suposto consumo de estupefacientes e
- atropelo da proporcionalidade na medida alcançada, sem devida ponderação de circunstâncias que entende atenuantes da sua responsabilidade, como o bom comportamento anterior, pouco tempo de serviço e falta de intenção dolosa, o que, a seu ver, justificaria a apenas a aplicação de mera medida de repreensão.
Cremos, porém, não lhe assistir qualquer razão, afigurando-se-nos, aliás, que, na sua argumentação, tende o recorrente, com frequência, a confundir e misturar conceitos e trâmites de ordem puramente criminal com os de natureza disciplinar que aqui nos ocupam, sendo certo que, se é verdade que o direito disciplinar tem que se socorrer, muitas vezes de regimes alheios, fundamentalmente o penal, surgindo este como o ordenamento supletivo por excelência (cfr. designadamente, art. 277° ETAPM), não o é menos que disso não pode passar, isto é, de ordenamento eleito para o preenchimento de lacunas, sendo que, quando estas não ocorram, haverá que respeitar o regime disciplinar próprio, pois que, além do mais, as penas disciplinares não têm por escopo primário ou mesmo essencial castigar os infractores, mas sim a recondução da máquina administrativa ao seu ritmo de actividade normal, sem sacrifícios desnecessários e sempre com vista à realização exclusiva do interesse público, não competindo à Administração, quando tem que aplicar medidas disciplinares, assumir poderes sancionatórios mas apenas correctores, com sentido pedagógico (cfr. Manuel Leal-Henriques, "Manual de Direito Disciplinar", pág. 13 e sgs.).
Nestes parâmetros, fácil é alcançar, desde logo, a inconsistência do argumentado no que tange aos vícios procedimentais, já que se não vê que os depoimentos recolhidos proviessem de quem, porventura, se encontrasse inibido para o efeito e que a avaliação e ponderação dos mesmos não tenham sido as mais adequadas, que o recorrente se não encontrasse capacitado para entender a sua permissão para a análise da urina (não se podendo, cremos, extrair forçosamente tal ilacção do mero facto de aquele apresentar "estado psíquico anormal"), que, nessa circunstância, se tornasse necessária para a efectivação de tal perícia a ordem ou confirmação por parte do M.P., que este não tenha exercido a acção penal por falta de dolo (revelando-se, aliás, inócuo o exercício da acção penal a este propósito), registando-se, finalmente, do escrutínio do libelo acusatório/disciplinar, conter o mesmo, de forma expressa, clara e suficiente os factos integradores das infracções imputadas.
No que tange aos pressupostos factuais da medida sancionatória questionada, constata-se, do acervo probatório carreado para os autos, corresponderem os mesmos à realidade, não tendo o recorrente, mau grado a sua persistência para o efeito, logrado comprovar que, efectivamente, da análise à sua urina não tenha resultado o comprovativo do consumo de "Ketamina", sendo certo que foi o próprio que, no decurso do procedimento acabou, quiçá de forma indirecta, por admitir o erro, procurando penitenciar-se pelo sucedido, apresentando-se a prova do seu abandono da área de patrulhamento e não resposta às chamadas como inabalável e não compatível com mera ausência para ir ao "W.C." conforme sustentado.
Já quanto à integração da conduta na previsão da al. l) do n.º 2 do art. 238º EMFSM, por força da falta de preenchimento do conceito "habitualmente", toma-se evidente, conforme frisa a entidade recorrida, que, pela própria letra da lei se colhe reportar-se o mesmo ao consumo de álcool, que não de droga, razão por que se revela desprovido de qualquer sentido tal argumento.
Finalmente, no que tange à medida concreta da pena disciplinar aplicada, como é sabido, se, no que respeita à apreciação da integração e subsunção dos factos na cláusula geral punitiva a actividade da Administração está sujeita à sindicabilidade do Tribunal, o mesmo não se pode dizer quanto à aplicação das penas, sua graduação e escolha da medida concreta, existindo, neste âmbito, discricionaridade por parte da Administração, a qual passa pela opção entre emitir ou não o acto sancionatório e ainda pela escolha entre vários tipos e medidas possíveis.
Neste último campo, não há controlo jurisdicional sobre a justeza da pena aplicada dentro do escalão respectivo, em cuja fixação o juiz não pode sobrepor o seu poder de apreciação ao da autoridade investida do poder disciplinar.
A intervenção do juiz fica apenas reservada aos casos de erro grosseiro, ou seja, àquelas contingências em que se verifica uma notória injustiça ou uma desproporção manifesta entre a sanção infligida e a falta cometida, dado não poderem ser legitimados, em nenhuma circunstância, comportamentos da Administração que se afastem dos princípios da justiça e da proporcionalidade que necessariamente devem presidir à sua actuação.
No caso vertente, não se verifica a referida desproporção ou manifesta injustiça quanto à pena de demissão concretamente infligida ao recorrente, pelo que não tem o tribunal de intervir nessa actividade da Administração, verificada que está a correcta integração dos factos na cláusula geral punitiva e a proporção e justiça da medida aplicada, aí se contemplando, designadamente, as atenuantes tidas como relevantes.
A pena de demissão é de aplicar quando a gravidade da conduta do arguido inviabiliza a manutenção da relação funcional.
Para a apreciação desse conceito de inviabilização de manutenção da relação funcional, a Administração goza de grande liberdade de apreciação, não se devendo aquela relação manter sempre que os actos praticados pelo arguido, avaliados e considerados no seu contexto, impliquem para o desempenho da função prejuízo de tal monta que irremediavelmente comprometa o interesse público que aquele deveria prosseguir, designadamente a confiança, o prestígio e o decoro que deve merecer a actuação da Administração, de tal modo que o único meio de acudir ao mal seja a ablação do elemento que lhe deu causa.
No caso, resulta, a nosso ver, evidente que inviabiliza aquela relação a conduta imputada ao recorrente, que, enquanto guarda do CPSP, abandonou, sem justificação, durante o patrulhamento, a área patrulhada, denotando estado psíquico anormal, comprovando-se ter, após teste à urina, apresentado resultado positivo relativo ao consumo de "Ketamina", circunstância, aliás, expressamente prevista para a aplicação da pena de demissão em questão, nos precisos termos da al. 1) do n.° 2 do art. 238°, EMFSM.
Termos em que, por não ocorrência de qualquer dos vícios assacados, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, entendemos não merecer provimento o presente recurso.
6. Foram colhidos os vistos legais.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
É do seguinte teor o despacho punitivo:
“Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Gabinete do Secretário para a Segurança
Secretário para a Segurança
Despacho n.º 44/SS/2010
Assunto: processo disciplinar
Processo n.º 21/2010 (CPSP)
Suspeito: A, guarda policial n.º XXX do CPSP
Atentas as informações constas deste processo disciplinar, verificam-se provas suficientes de o suspeito A, guarda policial n.º XXX do CPSP, abandonar a área patrulhada durante o patrulhamento. Sendo convocado para voltar ao Comissariado, o suspeito encontrou-se psiquicamente anormal, ao depois, com o seu consentimento, ele foi submetido ao exame médico no Hospital Central de Conde S.Januário, exame esse apresentou o resultado positivo em relação a quetamina.
Para o efeito do processo disciplinar, em 9 de Março de 2010, o suspeito foi notificado para apresentar a defesa escrita no prazo de 10 dias desde a notificação da respectiva acusação. O mesmo apresentou a defesa escrita no prazo fixado.
Apesar de o suspeito alegar na defesa escrita que os depoimentos dos dois superiores hierárquicos seus (o comandante e o segundo-comandante) foram nulos por ser indirectos, estes dois realizaram propriamente inquirições do suspeito, e prestaram depoimentos sobre o teor dos diálogos nas inquirições, pelo que, os depoimentos não são indirectos. Além disso, o suspeito deslocou-se, de forma voluntária, acompanhado por dois agentes, para o Hospital Central de Conde S.Januário para submeter-se ao teste de despistes de drogas. A manifestação da sua vontade não produziu nenhuma relação jurídica entre ele e os seus colegas. Sendo o relatório do teste de despiste de drogas uma prova efectiva e forte, não pode o suspeito decidir a admissão ou não daquele dependendo da vontade sua.
É sem dúvida que das provas obtidas no decurso da investigação do processo disciplinar resulta que existem provas suficientes para acusar o suspeito, pela prática de infracção disciplinar que violou os deveres estabelecidos no art.º 12.º, n.º 2, al.s f) e g) e art.º 13.º, n.º 2, al. b) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M de 30 de Dezembro. Ao abrigo do art.º 238.º, n.º 2, al. 1) do EMFSM, é aplicável as penas que inviabilizem a subsistência da relação jurídico-funcional.
Atentas a acusação e as respectivas circunstâncias atenuantes e agravantes, tem-se certeza de que a infracção disciplinar praticada pelo suspeito é grave, pelo que ele deixa de ser qualificado para o exercício de função.
Nesta conformidade, após ouvidos o Conselho Disciplinar e Instrução do CPSP e o Conselho de Justiça e Disciplina, e considerada a censurabilidade da infracção disciplinar e o comportamento anterior do suspeito, puno, no uso das competências conferidas na Ordem Executiva n.º 122/2009 e artigo 211.º do EMFSM, o suspeito, A, guarda n.º XXX do CPSP, com a pena de demissão, nos termos do artigo 240.º do EMFSM e de acordo com o anexo referido no artigo 4.º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 6/1999.”
Notifique o suspeito que pode recorrer desta decisão para o TSI.
Aos 25 de Outubro de 2010.
Tal despacho teve por base o seguinte relatório elaborado no âmbito do respectivo procedimento disciplinar:
“Governo da Região Administrativa Especial de Macau
CORPO DE POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA
Processo de Averiguações/Processo Disciplinar n.º 021/2010
- Relatório Final da Instrução -
(1)
- A instrução do presente processo contra A, Guarda Policial n.º XXX pelos “actos irregulares” origina-se do despacho proferido pelo Segundo-Comandante do CPSP na Informação do “Departamento de Trânsito/Comissariado de Trânsito de Macau” n.º 15/2010/CTM e dos documentos daí anexos. (fls. 2 a 18 dos presentes autos)
(2)
- Em 27 de Janeiro do corrente ano, foram juntados aos presentes autos a Notificação do Departamento de Trânsito n.º 17/2010/CTM e o documento emitido pelo Ministério Público (Termo de Entrega e de Verificação)(fls. 19 e 20 dos presentes autos)
- No mesmo dia, foi também juntada aos presentes autos a Proposta deste Gabinete n.º 07/2010/GJD.—(fls. 21 e 22 dos presentes autos)
(3)
- Em 26 de Janeiro do corrente ano, foi juntada aos presentes autos “Processo Disciplinar/Notificação” deste Gabinete (a qual foi assinada pelo arguido)--(fls. 24 dos presentes autos)
- No mesmo dia, através dos Verbetes deste Gabinete n.ºs 056/2010/GJD e 057/2010/GJD, foram respectivamente notificados o Departamento de Gestão de Recursos e o Departamento de Trânsito.-------(fls. 25 e 26 dos presente autos)
(4)
- Em 3 de Fevereiro do corrente ano, através do Verbete deste Gabinete n.º 109/2010/GJD, foi citado D, Guarda Principal do Departamento de Trânsito/Comissariado de Trânsito de Macau, n.º XXX e foi ouvido o “auto de declaração” sobre o incidente referido na aludida Informação. Conforme a descrição do Guarda Principal D: Em 20 de Janeiro de 2010, quando os elementos do piquete estavam a fazer formatura no Comissariado antes do desempenho das funções, ele não verificou que A, Guarda Policial, n.º XXX, apresentava qualquer anomalia no seu estado mental.---
- O Guarda Principal D declarou que naquele dia, quando ele desempenhava as funções de Tango-52 e no decurso de procurar o Tango-518 (Guarda Policial n.º XXX), dado que não conseguiu saber o paradeiro de Tango-518, ele perguntou imediatamente a localização de Tango-518 através de walkie talkie, porém, após várias chamadas, o Tango-518 (Guarda Policial n.º XXX) ainda não lhe respondeu, e cerca de 1 minuto depois, o Tango-518 só lhe respondeu. Na altura, o Tango-518 (Guarda Policial n.º XXX) respondeu “intermitentemente”, com pronúncia “não clara” que ele estava numa casa de banho perto do Edifício XXXX. Dado que a localização que o Tango-518 (Guarda Policial n.º XXX) informou não estava no seu âmbito de trajectória rodoviária e a conduta do referido guarda o fez sentir-se estranho, por isso, ele mandou imediatamente o regresso do Tango-518 ao Comissariado de Trânsito, no sentido de investigar o que aconteceu.---
- O Guarda Policial D declarou que no Comissariado, ele viu que o Tango-518 (Guarda Policial n.º XXX) pareceu “não ter acordado” ainda, por isso, ele perguntou-lhe (Guarda Policial n.º XXX) várias perguntas; e quando lhe perguntou “se havia consumido substâncias psicotrópicas”, o referido Guarda A não negou a referida pergunta e só lhe disse “desculpe, dê-me uma oportunidade”. Depois de concluído o interrogatório ao Guarda Lam, o chefe do piquete (Tango-51, Subchefe n.º XXX) também regressou ao Comissariado, pelo que, ele informou o referido chefe do piquete do que se passou para o mesmo continuar a acompanhar o caso.-
- O Guarda Principal D declarou que na altura, ele estava ao lado do referido chefe do piquete (Tango-51), e quando o chefe do piquete perguntou “se você consumiu pó de K (ketamina)?”, o Guarda Policial A confessou efectivamente que tinha consumido droga leve num estabelecimento de diversões dias atrás.---(vide fls. 34 e 35 dos presentes autos).
- No mesmo dia, foi citado C, Comissário n.º XXX, Chefe do Departamento de Trânsito/Comissariado de Trânsito de Macau e foi ouvido o respectivo “auto de declaração”sobre o incidente referido na aludida Informação.-
- O Comissário Lam declarou que depois de B, Subchefe n.º XXX, levar o Guarda Policial A ao seu gabinete para lhe informar que se suspeitava que o referido guarda policial tinha consumido droga leve, ele procedeu imediatamente ao interrogatório ao Guarda Policial A. Na altura, o Guarda Policial A confessou expressamente “ter consumido droga leve (ketamina vulgarmente conhecida por pó de K) num estabelecimento de diversões dias atrás”. Na altura, para além do Comissário Lam e do Guarda Policial A, o Subchefe B também esteve presente no local e ouviu a confissão feita pelo Guarda Policial A.-(fls. 36 dos presentes autos)
(5)
- Em 5 de Fevereiro do corrente ano, através do Verbete deste Gabinete n.º 113/2010/GJD, foi citado B, Subchefe n.º XXX do Departamento de Trânsito/Comissariado de Trânsito de Macau e foi ouvido o respectivo “auto de declaração” sobre o incidente referido na aludida Informação.
- O Subchefe B declarou que durante a sua patrulha perto da Avenida de Horta e Costa naquele dia, ele ouviu o diálogo entre o Tango-518 (Guarda Policial A, n.º XXXX) e o subchefe do piquete (Tango-52) através de walkie talkie, e conforme a ordem do referido subchefe do piquete, o Tango-518 teve de regressar imediatamente ao Comissariado de Trânsito, por isso, ele também voltou para o Comissariado, no sentido de conhecer melhor o incidente.-
- O Subchefe B declarou que logo depois de voltar para o Comissariado, o subchefe do piquete (Tango-52) informou-lhe resumidamente do referido incidente, em seguida, ele fez várias perguntas ao referido Guarda Lam e quando lhe perguntou “se você consumiu K?”, o Guarda Policial A (n.º XXXX) confessou efectivamente “ter consumido pó de K (ketamina)!”, pelo que, ele levou o Guarda Policial A ao gabinete do Chefe do Comissariado para informar superiormente o referido incidente.--(fls. 38 e 39 dos presentes autos)
(6)
- Em 8 de Fevereiro do corrente ano, foi citado em sucesso, através do telefone, o arguido A (Guarda Policial n.º XXXX) do Departamento de Trânsito/Comissariado de Trânsito de Macau e foi ouvido o respectivo “auto de declaração” sobre o incidente referido na aludida Informação.--
- O arguido A declarou que durante o desempenho das funções (Tango-518) naquele dia, ele não conseguiu ouvir as chamadas feitas pelo Tango-52 (subchefe do piquete) por estar a conduzir o motociclo para uso de patrulha, e logo depois de ouvir a chamada, ele já a respondeu imediatamente.---
- O arguido A declarou que na altura ele respondeu ao Tango-52 (subchefe do piquete) através de walkie talkie que estava na Rotunda de XX, perto do Edifício XXXX”, no caminho para ir à casa de banho (não indicou concretamente o local). Visto que na altura ele já passou pela referida Rotunda, ele respondeu ao Tango-52 que estava na referida Rotunda.---
O arguido A declarou que depois de o Tango-52 (Guarda Principal n.º XXX) regressar ao Departamento de Trânsito, este fez-lhe várias perguntas. Visto que na altura estava mal disposto e com má audição, ele, de facto, já não se lembra todos os conteúdos das perguntas feitas pelo Tango-52, e conforme a sua memória, ele só se lembra que o Tango-52 lhe perguntou porquê é que não “respondeu às chamadas”, porquê estava mal disposto e se tinha ido ao karaoke (estabelecimento de karaoke); Quanto às perguntas feitas pelo Tango-52, ele respondeu os seguintes: “não respondi às chamadas feitas através de walkie talkie porque não as ouvi!”, “tinha ingerido bebidas alcoólicas antes de ir ao serviço (desde 00h00 do dia 20), só voltei para casa para dormir às 06h00 da manhã e acordei ao meio dia daquele dia. Em seguida, fui ao serviço depois de tomar os medicamentos com “substâncias anti-inflamatórias” e “descongestionantes nasais”, por isso, estou mal disposto!”, “também tinha ido ao karaoke!”.-----
- O arguido A declarou que quando o Tango-52 (subchefe do piquete) fez-lhe perguntas, ele nunca lhe disse “desculpe, dê-me uma oportunidade!”; em seguida, quando o Tango-51 (chefe do piquete, B, Subchefe n.º XXX) lhe fez perguntas, ele disse efectivamente “desculpe, dê-me uma oportunidade!”, conforme a sua explicação, ele disse aquilo ao Tango-51 uma vez que o Tango-52 tinha feito várias chamadas através de walkie talkie, mas, ele não as respondeu, por isso, ele tinha medo que o Tango-51 (chefe do piquete) considerou que a sua conduta constituiria infracção disciplinar e informaria o caso ao superior através da elaboração da informação.---
- O arguido A declarou que conforma a sua memória, no Comissariado de Trânsito, depois de o Tango-51 (chefe do piquete, B, Subchefe n.º XXX), tomar o conhecimento do referido caso, ele fez-lhe várias perguntas, e conforme a sua memória, as suas perguntas são mais ou menos iguais às perguntas feitas pelo Tango-52, contudo, ambos os Tango-51 e Tango-52 não lhe perguntaram “se você consumiu K (ketamina, também conhecida por droga leve)”!----
- O arguido A declarou que durante o interrogatório realizado pelo Tango-51 (chefe do piquete), ele nunca confessou perante o chefe do piquete que “tinha consumido droga leve (pó de K) num estabelecimento de diversões dias atrás”.---
- O arguido A declarou que quando o Tango-51 (chefe do piquete) levou-o para informar o caso ao superior (Comissário C), ele nunca confessou perante o Comissário C que ele “tinha consumido droga leve (pó de K) num estabelecimento de diversões dias atrás”.---
- O arguido A declarou firmemente que antes e durante o desempenho das funções, ele nunca consumiu droga leve vulgarmente conhecida por “pó de K (ketamina)”.----
- O arguido A declarou que quanto ao teste de urina para detecção de drogas feito no Centro Hospitalar de Conde São Januário, ele não sabe as razões pelas quais o referido teste mostrou um “resultado positivo”, presumindo que entre 00h00 e 06h00 do dia em que ocorreu o caso, ele foi sozinho a um jardim perto da sua casa para beber cerveja, durante o qual, três homens não conhecidos avançaram para meter conversa com ele, por isso, eles conversaram no referido jardim e beberam cervejas em conjunto; provavelmente as cervejas oferecidas pelos referidos homens foram misturadas com ketamina, vulgarmente conhecida por pó de K ou outras droga leve, o que causou que o seu teste de urina mostrasse um “resultado positivo”.----(fls. 44 e 45 dos presentes autos)
(7)
- Em 1 de Março do corrente ano, através do Verbete deste Gabinete, n.º 172/2010/GJD, pediu ao Departamento de Trânsito/Comissariado de Trânsito o fornecimento de informações.------(fls. 47 dos presentes autos)
(8)
- Em 9 de Março do corrente ano, foi deduzida acusação contra o arguido A, Guarda Policial n.º XXXX, e deu-lhe uma cópia da referida “acusação” e um “certidão de acusação”, bem como deu-lhe um prazo de 10 dias para defesa.---(fls. 52 a 54 dos presentes autos)
- No mesmo dia, foram juntados aos presentes autos o ficheiro n.º 3 e os documentos anexos ao Verbete do Departamento de Trânsito/Comissariado de Trânsito de Macau n.º 101/CTM/DT.---(fls. 48 a 51 dos presentes autos)
(9)
- Em 10 de Março do corrente ano, foram juntados ao presente processo o ofício emitido pelo Advogado H (pedido de consulta dos autos) e o original da “Procuração”.----(fls.55 e 56 dos presentes autos)
(10)
- Em 12 de Março do corrente ano, procedeu-se à notificação do Advogado H através do telefone.------
(11)
- Em 15 de Março do corrente ano, cerca das 15h00, o Advogado H dirigiu-se ao presente Gabinete para consultar, perante mim, todos os conteúdos constantes dos autos e registar simplesmente os “números de página”.------
(12)
- Em 16 de Março do corrente ano, foram juntados aos presentes autos o original do pedido emitido pelo Advogado H e a cópia da “factura de receita” emitida pelo Departamento de Contabilidade deste CPSP. --(fls. 60 e 61 dos presentes autos)
(13)
- Em 19 de Março do corrente ano, o arguido A, Guarda Policial n.º XXX, apresentou, através do “defensor/ Advogado H” a “defesa escrita” em chinês, na qual pediu a realização de diligências instrutórias complementares.----(fls.62 a 92 dos presentes autos)
(14)
- Em 23 de Abril do corrente ano, através do Verbete deste Gabinete n.º 318/2010/GJD, foram respectivamente citados I, Subchefe n.º XXX e J, Guarda n.º XXXXX, ambos subordinados ao Departamento de Trânsito/Comissariado de Trânsito de Macau e foram ouvidos os respectivos “autos de declaração” sobre o incidente referido na aludida Informação.-----
- O Subchefe I declarou que conforme a sua memória, quando ele ouviu o depoimento prestado pelo Subchefe B, este disse-lhe de forma expressa que “o Guarda Policial A confessou perante ele que tinha consumido droga leve (pó de K) num estabelecimento de diversões dias atrás”, contudo, o Subchefe Im não lhe disse o “local concreto” onde o Guarda Policial A consumiu drogas e o “tempo”.--------
- O Subchefe I declarou que quando ele ouviu o depoimento do Guarda Policial A, este disse-lhe que quando desempenhava as funções à tarde daquele dia (20/10/2010), o Guarda Policial A recebeu a ordem do Guarda Principal de apelido Leong, ordenando o seu regresso imediato ao Comissariado de Trânsito, em seguida, no Comissariado de Trânsito, quando o Subchefe Im e o Guarda Principal de apelido Leong fizeram-lhe perguntas, as respostas dadas pelo Guarda Policial A foram lentas, por isso, o Guarda Policial A suspeitou que isto era a sequela provocada pelos medicamentos com substâncias “anti-inflamatórias” e “descongestionantes nasais” que ele tomou antes de ir ao serviço, e ele (A) negou firmemente ter confessado perante o Subchefe Im e o Guarda Principal D que ele “tinha consumido droga leve (pó de K) num estabelecimento de diversões dias atrás”.-----
- O Subchefe I declarou que o Guarda Policial A negou ter dito perante o Guarda Principal de apelido Leong: “dê-me uma oportunidade, desculpe!”-------
- O Subchefe I declarou que o Guarda Policial A é um guarda policial recém formado que foi destacado para o Departamento de Trânsito há pouco tempo, por isso, ele não o conhece bem nem sabe nada se A é um guarda policial que trabalha com zelo, demonstra excelência no seu trabalho e mostra elevado sentido de responsabilidade.----(fls. 96 e 97 dos presentes autos)
- A descrição do incidente ocorrido naquele dia feita pelo Guarda Policial J é basicamente igual ao descrito pelo Subchefe I.---(fls. 98 e 99 dos presentes autos)
(15)
- Em 28 de Abril do corrente ano, através do Verbete deste Gabinete, n.º 326/2010/GJD, foi citada K, Guarda Policial n.º XXXXX, subordinada ao Departamento Policial de Macau/Comissariado Policial N.º 2, e foi ouvido o “auto de declaração” sobre o incidente referido na aludida Informação.-----
- A Guarda Policial K declarou ser a irmã mais velha de A e mora com A e os pais na Avenida de Venceslau de Morais, Edifício XX, XXX, X.º andar X. Ela vive em harmonia com o seu irmão mais novo A e tem uma boa relação com ele.-----------
- A Guarda Policial K declarou que conforme o seu conhecimento, a saúde do seu irmão mais novo A não é muito boa. O seu irmão tem sido magro desde pequeno e devido à fraca resistência à doença, ele tem doença sempre, e principalmente, ele tem de tomar medicamentos para o estômago durante um longo período de tempo. Quando era pequeno, ele sofria sempre ferimentos no nariz, por isso, para além de tomar medicamentos para o estômago, ele ainda tem de tomar medicamentos descongestionantes nasais. Além disso, dado que a saúde do seu irmão não é boa, ele também tem de tomar vários tipos de medicamentos para tratamento médico ou aliviar as dores.-------------------
- Conforme o conhecimento do Guarda Policial K, o seu irmão não faz desporto sempre, e no tempo livre, ele gosta de navegar no site (“navegar pela internet”) em casa e conversar com amigos através da internet, ou às vezes, ele gosta de ter refeições e conversar com familiares ou amigos. Conforme o seu conhecimento, o seu irmão mais novo A nunca fica viciado em drogas leves.-----
- A Guarda Policial K declarou que sempre que ela e o seu irmão mais novo A têm tempo livre em casa, o seu irmão abre-se com ela sobre as dificuldades enfrentadas ou experiências desagradáveis no trabalho, ouvindo os pontos de vista dela.-----
- A Guarda Policial K mais declarou que conforme o seu conhecimento, a fracção (Edifício XX, XXX X.º andar X) onde ela, o seu irmão mais novo A e os pais moram foi adquirida em 2008 através do crédito bancário, por isso, até agora, o referido crédito bancário ainda tem de ser pago em prestações mensais, mas, ela não sabe muito bem o montante concreto da cada prestação. Como os seus pais já deixam de trabalham, as despesas diárias da família e as referidas prestações mensais ficam basicamente a cargo dela e do seu irmão mais novo A.-----(fls. 106 e 107 dos presentes autos)
(16)
- Em 29 de Abril do corrente ano, foi juntado aos autos o original do ofício emitido pelo Advogado H (pedido de consulta dos autos).----(fls. 108 dos presentes autos)
(17)
- Em 30 de Abril do corrente ano, foi juntada aos presentes autos “Processo Disciplinar/Notificação” emitida por este Gabinete (a qual já foi assinada pelo arguido).---(fls. 109 dos presentes autos)
- Conclusão -
- Ouvido o arguido, venho chegar à seguinte conclusão:
1. Quanto às causas do referido incidente, o arguido A negou categoricamente ter consumido droga de ketamina (vulgarmente conhecida por “pó de K”), contudo, de facto, o seu esclarecimento é pouco convincente.----
2. Embora o arguido negasse ter a ver com o incidente, os depoimentos prestados pelos seus superiores (do Comissariado de Trânsito) provam que o arguido confessou pessoalmente perante os referidos superiores que tinha consumido drogas. Porém, se as confissões feitas pelo arguido perante os referidos superiores correspondem às perguntas feitas pelos referidos superiores ou têm outro sentido, e quando o arguido respondeu às perguntas feitas pelos referidos superiores, se ele estava em estado mental “lúcido” ou ainda estava “lento em reagir”, tudo isso é difícil determinar.---
3. O arguido apresentou, através do mandatário judicial, uma “defesa escrita”, na qual pediu que o Instrutor efectuasse diligências instrutórias complementares (citação das 3 testemunhas). Entre as referidas três testemunhas, a primeira e a segunda testemunhas são respectivamente o oficial do dia e o operador informático que desempenhavam funções na Sala do Piquete do Comissariado de Trânsito naquele dia, responsabilizando-se pela elaboração da Informação conforme o seu conhecimento e o que visto naquele dia, contudo, na altura, estas duas testemunhas só tiveram o encontro com A no Comissariado de Trânsito quando A concluiu o “teste de urina para detecção de drogas” no hospital e regressou ao Comissariado, por isso, estas não souberam nada sobre os comportamentos demonstrados pelo arguido perante os dois superiores imediatos do piquete. Assim sendo, os depoimentos destas duas testemunhas não podem ajudar concretamente a descoberta da verdade dos factos; e a terceira testemunha é a irmã mais velha do arguido, o seu depoimento só pode provar os “gostos/ hábitos” do arguido na sua vida, deixa-nos saber que o arguido tem de suportar a maior parte das despesas correntes da família.----
4. Quanto às condutas praticadas pelo arguido A (Guarda Policial n.º XXXX), visto que ele (A) não conseguiu ter comportamentos íntegros e tem medo de assumir as consequências trazidas pelo incidente, proponho ao Exmo. Senhor Comandante que lhe seja aplicada a pena disciplinar de “demissão”. Contudo, o arguido é apenas um guarda policial recém formado, e neste momento, ele ainda tem de suportar a maior parte das despesas correntes da família, por isso, solicito que o Exmo. Senhor Comandante possa diminuir a pena do arguido, no sentido de dar-lhe uma oportunidade de “reflexão” e “emendar-se para começar uma nova vida”.-----
5. À consideração superior de V. Exa..----
O Instrutor,”
IV - FUNDAMENTOS
1. O recorrente assaca ao acto que o puniu com a demissão do CPSP uma série de vícios substantivos e de ordem procedimental, enquanto afirma que basicamente foi punido por se ter provado que consumiu Ketamina, o que não aconteceu, para além de que as provas produzidas, por indevidas e ilegais, nunca poderem conduzir àquele resultado.
Para além de um erro nos pressupostos da sua punição, assaca ao procedimento uma série de vícios, a saber:
- foram recebidos, ponderados e valorizados depoimentos indirectos;
- não se encontrava na plena posse da sua capacidade de entendimento, para o exame à urina, não tendo, aliás, tal perícia sido ordenada ou confirmada pelo M.P. e
- não se encontrarem devidamente descritos na acusação disciplinar os factos integradores das infracções imputadas,
- falta de existência de dolo,
- não se ter comprovado a sua falta de assiduidade, já que a sua ausência se ficou a dever a necessidade imperiosa de ir ao quarto de banho ;
- não se mostrar preenchido quanto ao tipo legal previsto na al. 1) do n° 2 do art. 238°, EMFSM, o conceito "habitualmente" quanto ao seu suposto consumo de estupefacientes e
- atropelo da proporcionalidade na medida alcançada, sem devida ponderação de circunstâncias que entende atenuantes da sua responsabilidade, como o bom comportamento anterior, pouco tempo de serviço e falta de intenção dolosa, o que, a seu ver, justificaria a apenas a aplicação de mera medida de repreensão.
2. Dos factos na versão da entidade recorrida
No respectivo processo disciplinar, para efeito de apuramento dos factos de infracção e da responsabilidade disciplinar do suspeito (isto é o recorrente), o instrutor realizou, no exercício das suas competências, investigações e análises, incluindo ouvir os depoimentos do suspeito e seus colegas, assegurando o direito à contestação do suspeito e concluindo o integral processo disciplinar.
Em 20 de Janeiro de 2010, o recorrente, subordinado ao Comissariado de Trânsito de Macau, foi nomeado para o desempenho de função de patrulhamento por motociclo (5ª Equipa de operações; 13H30-19H45), das áreas de Hotel Lisboa e dos lugares adjacentes da Ponte Nobre de Carvalho. Cerda das 14h10 daquele dia, por não ter encontrado o recorrente na área de patrulhamento que lhe era atribuída, o segundo-comandante D, guarda policial de 1ª classe, comunicou o mesmo através de walkie-talkie várias vezes, mas este não respondeu.
Cerca de 1 minuto depois, o recorrente respondeu, através de walkie-talkie, de forma intermitente e não lúcida, dizendo que ele estava na casa de banho perto da Rotunda de XX, Edf. XX Garden.
Tendo em conta que o recorrente não se encontrou na área de policiamento que lhe era atribuída, e falou de forma não clara, o segundo-comandante D ordenou-lhe que voltasse de imediato para o Departamento de Trânsito. Ao mesmo tempo, B, segundo-subchefe, comandante da 5ª Equipa de operações, conheceu do incidente e voltou para o Departamento de Trânsito.
No Departamento de Trânsito, o segundo-comandante D descobriu que o recorrente se encontrou psiquicamente anormal, pelo que perguntou-lhe se estava doente, e este respondeu que não.
Depois, o segundo-comandante D perguntou ao recorrente se tinha consumido substâncias psicotrópicas, o recorrente disse que “desculpe, peço outra oportunidade!”
O comandante B ouviu o incidente do segundo-comandante D quando chegou ao Departamento de Trânsito. Quando aquele descobriu que o recorrente estava com uma consciência não lúcida, perguntou-lhe se tinha consumido quetamina. No início o recorrente não respondeu, entretanto, ao ser perguntado mais uma vez em voz severa, confessou o consumo e pediu que seja concedida a oportunidade.
Pelo que, o comandante B trouxe o recorrente ao seu superior hierárquico, chefe de guardas-ajudantes C. Os três estiveram no mesmo escritório. Depois de o comandante B responder pela incidente, o chefe de guardas-ajudantes C perguntou ao recorrente se tinha consumido drogas, este respondeu que tinha consumido drogas alguns dias anteriores em estabelecimento destinado a recreativos. Por isso, com o seu consentimento, o recorrente, acompanhado por dois agentes determinados pelo chefe de guardas-ajudantes C, foi submetido ao tratamento e exame de despiste de drogas no Hospital Central de Conde S. Januário.
No seu depoimento e na audiência havida no procedimento o recorrente só confessou que naquela altura estava numa casa de banho perto da Rotunda de XX, Edf. XX Garden, negando ter confessado ao segundo-comandante D, comandante B e chefe de guardas-ajudantes C que tinha consumido drogas, também negando ter confessado a este que tinha consumido drogas em estabelecimento destinado a recreativos. O recorrente até disse que o segundo-comandante D e o comandante B nunca lhe perguntaram se tinha consumido Ketamina.
3. Das provas em que a entidade recorrida se baseou
São elas de várias ordens:
Análise à urina;
Depoimentos de outros polícias;
Declarações do próprio arguido concatenadas com os demais elementos probatórios.
Analisemos cada uma delas de per se.
4. Análise à urina.
Digamos que em relação a este elemento probatório, sendo que análises acusaram positivamente a existência de Ketamina, o recorrente não deixaria de ter razão, considerando isoladamente essa prova.
Na verdade, não tanto pelo que afirma, mas sim e fundamentalmente pela testemunha ouvida neste Tribunal, Dr. E, patologista clínico do Hospital de Conde S. Januário, tendo resultado claro que esse resultado não era definitivo no sentido de comprovar a existência de Ketamina.
Ou seja, podia ter existido ou não ingestão dessa substância psicotrópica.
Na verdade, do relatório elaborado após o Teste de Droga fls. 7 do processo disciplinar) consta que a amostra de urina do ora recorrente continha as substâncias de BENZODIAZEPINES e TRICYCLIC ANTIDEPRESSANTS.
Temos presente a posição desse médico que perante nós disse que esse exame é utilizado para fins de rastreio, não sendo definitivo, sendo necessário um teste de confirmação de ADN. Mas também temos presente que esse médico não excluiu a possibilidade de ingestão daquela substância.
Donde, de todo o modo, esse relatório não poder servir enquanto prova única do consumo de KETAMINA.
Face tal desabrido depoimento, não temos dúvida em desprezar, por ora, esse elemento de prova como definitivo em termos probatórios, tanto mais que os medicamentos receitados pelo médico do Hospital Keang Wu, contêm as substâncias encontradas no teste.
5. Da viciação da sua vontade.
Põe ainda em causa o recorrente a sua vontade livre e consciente na autorização dada para realização exame, alegando que estaria sob efeitos de medicação, não se tendo apercebido do alcance e consequências da sua declaração.
O facto é que não se comprova nos autos essa afectação da sua autodeterminação e da sua vontade livre e consciente, sendo bem de ver que não lhe basta alegar essa diminuição das suas faculdades para tal se ter por comprovado. Aliás, da factualidade apurada resulta que a atitude e o comportamento do recorrente, ainda que denotando alguma perturbação e um discurso menos fluente, não aponta para um estado de falta de consciência da sua declaração e de uma perda de controle e auto-determinação. Basta atentar na sua reacção às ordens recebidas e no seu discurso quando confrontado com os superiores.
6. Da chamada prova indirecta
6.1. Passemos agora à consideração da questão relacionada com aquilo a que o recorrente chama de prova indirecta.
Basicamente, o que diz é que a prova carreada nos autos se apoiou em depoimentos de testemunhas que o ouviram em declarações nas instalações da polícia, logo após o incidente, sendo essas provas proibidas, na medida em que vieram aos autos reproduzir aquilo que ouviram ao arguido, sendo essas provas, porquanto não permitidas as testemunhas de auditu.
Serve-se, assim, o arguido de uma argumentação que, se é válida e muito estrita para o processo penal, face ao disposto no artigo 116º e 337º, n.º 7 do Código de Processo Penal, importa saber duas coisas: se estamos perante situações de prova proibida mesmo em processo penal; se tais limitações dali decorrentes o são também para o processo disciplinar.
6.2. Vejamos então da concatenação entre o Processo Disciplinar e o Processo Penal.
Parte-se do princípio de que o Direito Disciplinar não é um veículo de repressão mas um instrumento de recuperação da capacidade funcional da Administração, transitoriamente abalada pela violação de um dever.
Tendo uma natureza essencialmente reparadora, em parte alguma se escolhe o processo penal como tábua de regras aplicáveis ao processo disciplinar em caso de lacuna ou omissão, donde não se ter aquele como subsidiário deste, tal como acolhido, na Doutrina e Jurisprudência de Macau.1
Como padrão de referência, talvez seja prudente, como ensina o Cons. Leal-Henriques, preencher o buraco carente de regulamentação, atentando nas finalidades do expediente em que se traduza a reposição da normalidade da máquina administrativa, dentro de uma informalidade que o legislador não deixou de imprimir ao sistema, não descurando os princípios do procedimento administrativo e garantindo os direitos individuais do trabalhador envolvido.2
Podemos, pois, dizer, como já afirmado nesta sede, que o direito adjectivo penal não é subsidiário do processo disciplinar, se bem que os seus princípios informadores devam ser acolhidos e acatados neste procedimento.3
6.3. É dentro deste enquadramento sistemático que temos para nós que na questão que vem colocada a este Tribunal não se evidencia que qualquer daqueles princípios haja sido postergado com a audição e arrolamento para o procedimento daqueles guardas, superiores do arguido, não se compreendendo até que dentro de uma lógica de comando, disciplina própria das Forças de Segurança, reforço da autoridade, esses depoimentos hajam de ser desprezados. Só assim não seria se estivesse em causa ou se se evidenciasse - o que manifestamente não é o caso - um complot que pusesse em causa a defesa do arguido, aí sim, havendo que salvaguardar esse direito fundamental.
6.4. Em boa verdade não se está perante uma prova indirecta pura.
Os declarantes, superiores e colegas do arguido não se limitaram a reproduzir o que o arguido disse. Eles vieram aos autos, ao Inquérito, relatar tudo o que se passou antes, sendo indiscutível que o Instrutor tudo fez reproduzir no Inquérito todos as suas percepções e tudo o que os seus sentidos colheram directamente, não só as palavras ditas pelo próprio arguido, como as demais percepções por eles anteriormente colhidas.
Até porque em bom rigor não é completamente pacífico que as testemunhas ouvidas e que se aperceberam e conversaram com o arguido não possam relatar, mesmo em processo penal, as informações recolhidas.
Em boa verdade não estamos perante as chamadas testemunhas de auditu, antes perante testemunhas que ouviram o arguido falar sem constrangimentos. Não estamos perante depoimentos de alguém que ouviu outrem dizer algo e esse outro não pode vir redizer ou desdizer; o outro, neste caso, o arguido, está no processo e não deixa de ter hipótese de confrontar e desdizer o que os outros dizem que ele disse.
Por outro lado, no que concerne ao art. 337º, n.º 7, que rege para o julgamento, acto que não tem reprodução exacta no processo disciplinar, sempre se dirá que os agentes que ouviram o arguido não o fizeram formalmente, não estando apenas perante declarações cuja leitura não fosse proibida prestadas no processo, mas perante toda uma atitude e comportamento. Trata-se, contudo, de matéria algo controvertida em matéria penal, recolhendo-se Jurisprudência contraditória num e noutro sentido.4
De qualquer forma, mesmo aí, pressupõe-se o silêncio do arguido e declarações que, uma vez prestadas não pudessem ser lidas, o que não se observa, mutatis mutandis, na situação em apreço.
Donde não se acolher a tese no sentido de se ter essa prova como proibida, no caso sub judice. Tanto mais que três testemunhas aludem expressamente a essa referência feita pelo próprio arguido, não se limitando a dizer que ele confessou, mas descrevendo e contextualizando o que ele disse, como justificou o seu comportamento, descrevendo ainda as atitudes e reacções do arguido.
7. Da contextualização das provas
Assim se entra na terceira ordem do acervo probatório para referir que há toda uma globalidade de incidentes, reacções, atitudes, declarações, justificações, que tem de ser conjugado de uma forma lógica a fim de se fazer luz sobre a realidade que o recorrente parece obnubilar.
No processo disciplinar, o instrutor realizou, no exercício das suas competências, investigações e buscas de provas, recolhendo todas as provas que facilitaram proferir a decisão. O mesmo ouviu os depoimentos do recorrente, segundo-comandante, comandante e chefe de guardas-ajudantes C, também comprovou, através do relatório do teste de despiste de drogas na urina do recorrente, que o recorrente apresentou reacção positiva em relação a Ketamina.
Deve-se realçar que, na formatura normal daquele dia, antes do patrulhamento, na robustez mental do recorrente não se encontrou nada de anormal. Ora, não faria muito sentido que ele estivesse sob o efeito dos medicamentos e do álcool, ingerido este na noite anterior em circunstância não inteiramente explicadas, dizendo que foi num jardim perto de sua casa, onde encontrou três desconhecidos, com quem bebeu cerveja, bem podendo ter acontecido que lhe tenham metido Ketamina na cerveja. Sinceramente que esta versão, sendo possível, não é facilmente credível.
E repare-se nas horas que mediaram entre essa gestão e a ocorrência, porventura decorridas mais de dez horas e depois de o arguido ter passado a manhã a dormir como afirmou.
Por outro lado, atente-se, enquanto apresenta aquela versão justificativa para a sua conduta e para os resultados denunciados pelo exame realizado, já diz, noutro passo, em versão algo diferente, que aquelas atitudes e os resultados do exame se deviam ao facto de andar a tomar determinados medicamentos que continham aquelas substâncias e provocavam tais reacções. Medicamentos esses prescritos em Novembro de 2009 e, ao que parece, tomados bastantes dias antes do ocorrido.
Como tanto diz que pediu uma oportunidade, frase que justificou, por receio de sanções, vista a falta atempada de resposta ao chamamento, como desdiz tal facto.
Continuamos ainda aí a deparar com uma postura que deixa pouca margem par se acreditar de ânimo leve nas diferentes versões justificativas.
8. Em relação à nulidade da acusação
No processo disciplinar, o instrutor adoptou medidas para o apuramento de factos, ouviu diversas testemunhas e ouviu o arguido, tendo elaborado a acusação de forma articulada e com base nos factos objectivos e com observância da lei, tendo também notificado o recorrente.
Nos termos do n° 1 do artigo 83º do C.P.A., “o órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito”, constituindo, pois, tal normativo a evidente concretização do princípio do inquisitório ou da oficialidade.
As omissões, inexactidões, insuficiências e os excessos na instrução estão na origem do que se pode designar como um déficit de instrução, que redunda em erro invalidante da decisão, derivado não só da omissão ou preterição das diligências legais, mas também de não se tomar na devida conta, na instrução, factores que tutelem interesses irrenunciáveis dos administrados.
O referido exame, é certo, como acima visto, enquanto prova única, ficou algo abalado, mas conjugado com a globalidade das restantes provas e, considerando que não resultou excluída desse mesmo teste a possibilidade de ingstão de Ketamina, não deixa de ser um elemento adjuvante no sentido da convicção firmada pelo instrutor e aqui não rebatida.
Nestes termos perde sentido a acusação do recorrente de que houve um deficit de instrução no sentido do apuramento sobre um real consumo de ketamina.
Somos assim a considerar que, da análise e conjugação de todos os elementos dos autos, as descrições fácticas vertidas no despacho punitivo não se mostram infirmadas.
9. Em relação ao erro na aplicação da lei
Sendo guarda policial, o recorrente consumiu drogas durante o policiamento, conduta essa que é evidentemente uma infracção disciplinar grave, contrariamente ao sustentado nas suas alegações e ao abrigo do art.º 238.º, n.º 2, al. 1) e art.º 240.º do EMFSM aprovado pelo DL N.º 66/94/m de 30 de Dezembro, deve ser aplicado ao recorrente a pena de demissão.
O acto recorrido foi proferido dependendo de factos objectivos e com observância da lei, não padecendo nenhum vício material ou formal.
Defende o recorrente, no que concerne à integração típica, que o pressuposto de aplicação do art.º 238.º, n.º 2, al. 1) do EMFSM é “abusar habitualmente”, a sua interpretação deste articulado é evidentemente errada.
A redacção do art.º 238.º, n.º 2, al. 1) do EMFSM prevê “Abusar habitualmente de bebidas alcoólicas ou consumir ou traficar estupefacientes ou substâncias psicotrópicas”, donde decorre que as palavras “abusar habitualmente” só se aplicam às bebidas alcoólicas, o que não inclui consumo ou tráfico de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas.
Pelo que, a punição pela prática de consumir ou traficar drogas não depende de tal prática ser habitual ou não.
Interpretação esta que não se compreende facilmente, pois que uma coisa é consumir álcool, chegando a ser consabidamente aconselhável um copo de vinho, proporcional ao tamanho e hábito de cada um, em particular, tinto, - não mais -, às refeições, e outra coisa é consumir drogas estupefacientes, o que constitui crime.
Não faria sentido que só o consumo habitual de estupefacientes fosse erigido como uma infracção grave, só essa passível de demissão.
A tese do recorrente é, pois, nesta parte um verdadeiro non sense.
Pelo que, o acto recorrido não incorre em erro na aplicação da lei indicado pelo recorrente.
10. Em relação à não existência de dolo
No processo disciplinar vigora o princípio da culpa, que, assim, se apresenta como um pressuposto subjectivo da infracção disciplinar.
O juízo valorativo da conduta do arguido em processo disciplinar não pode, por isso, passar sem a imputação subjectiva da responsabilidade, não bastando a mera demonstração da efectiva existência de um comportamento contrário à lei.5
O dolo traduz-se na assunção do resultado da conduta antijurídica, ou, por outras palavras, é a vontade e consciência de cometimento do facto ilícito.6
Em face da factualidade apurada não é verdade que não se possa responsabilizar o recorrente a título de dolo pelo cometimento da infracção disciplinar e que o mesmo não teve intenção de, com o seu comportamento, violar qualquer dever geral ou especial a que está adstrito.
Já se referiu entender-se que a conduta do arguido foi dolosa e como tal foi punida. Não faz sentido dizer que para efeitos disciplinares essa mesma conduta já não foi dolosa porque o arguido não representou a violação dos deveres funcionais a que estaria adstrito.
O dolo, sendo um acto do foro interno de cada um, só pela dedução de outros factos se pode extrair.
É certo que na versão do recorrente - qual delas? A da ketamina posta na cerveja por desconhecidos, num qualquer jardim perto de sua casa, durante a noite anterior ou a do efeito dos medicamentos potenciado pela cerveja ingerida ou a do mero efeito dos medicamentos? - nem sequer do elemento objectivo do facto típico se pode falar, muito menos do elemento subjectivo.
Mas do acervo da factualidade que se tem como assente e não infirmada tal elemento é uma decorrência natural e óbvia da conduta do recorrente.
A conduta do consumo de drogas não deixou de ser praticado pelo recorrente de forma consciente, livre e voluntária.
11. Circunstâncias atenuantes e agravantes
Alega o recorrente que se ausentou do seu posto de trabalho por causa de precisar de ir a casa de banho, durante a altura, o mesmo não tinha nada vontade do abandono do posto de trabalho, tão-pouco dolo subjectivo,
Por outro lado, de acordo com a ordem de serviço n.º 239/2009 de 17 de Dezembro de 2009, o recorrente encontrou-se nas classes de comportamento exemplar.
Pelo que se verificam, tal como diz o recorrente, para além das circunstâncias atenuantes previstas no art.º 200.º, n.º 2, al. c) (o pouco tempo de serviço) do EMFSM, também as previstas no art.º 200.º, n.º 2, al. b) (o bom comportamento anterior) e al. f) (a falta de intenção dolosa) do EMFSM.
É verdade que nos termos do art.º 232.º do EMFSM, na aplicação das penas atender-se-á aos critérios gerais enunciados nos artigos seguintes, à natureza e gravidade da infracção, à categoria ou posto do infractor, ao grau de culpa, à sua personalidade, ao seu nível cultural e a todas as circunstâncias que militem contra ou a favor do arguido.
Assim, se se deve atender ao bom comportamento, a falta de intenção dolosa e ao pouco tempo de serviço, sendo que o circunstancialismo atenuante não deixou de ser mencionado, pesou o circunstancialismo agravante.
Alude-se à verificação das agravantes do art.º 201.º, n.º 2 do EMFSM:
“…
d) Ser a infracção comprometedora da honra, do brio ou do decoro pessoal ou da instituição;
…
f) A produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço, à disciplina, ao interesse geral ou a terceiros, nos casos em que o militarizado devesse prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta;
…”
Agravantes que o recorrente refuta, na medida em que nega o aludido consumo de estupefacientes e justificando a ausência por uma necessidade de ter ido á casa de banho.
Ora, a partir do momento em que não consegue convencer da sua tese, falecem as razões que avança e que vão no sentido de minar a formulação de uma pronúncia sobre uma atitude comprometedora do decoro pessoal e da instituição e os prejuízos para o serviço, disciplina e interesse geral.
12. Assim se entra na análise do requisito da inviabilização da manutenção da relação funcional
O poder disciplinar é discricionário, muito embora tenha aspectos vinculados, sendo um deles o que se relaciona com a qualificação jurídica dos factos reais.7 E no preenchimento da cláusula geral de inviabilidade de manutenção da relação funcional há uma vinculação da Administração, embora compatível com juízos de prognose que andam de mão dada com uma certa liberdade administrativa.
Os factos que implicam a inviabilidade de manutenção da relação funcional para efeito de aplicação de pena disciplinar expulsiva, “são todos aqueles cuja gravidade implique para o desempenho da função prejuízo tal que irremediavelmente comprometa o interesse público prosseguido com esse desempenho e a finalidade concreta que ele se propõe e por isso exige a ablação do elemento que lhe deu causa”8, sendo meramente exemplificativa a enunciação que deles se faz no nº 2 do art. 238º do EMFSM.
Assim, não se deve manter a relação funcional sempre que os factos cometidos pelo arguido, avaliados e considerados no seu contexto, comprometam, designadamente, a eficiência, a confiança, o prestígio e a idoneidade que deva merecer a acção da Administração.9 Se o comportamento imputado ao arguido atingir um grau de desvalor que quebre, definitiva e irreversivelmente, a confiança que deve existir entre o serviço e o agente, deve considerar-se inviabilizada a manutenção da relação funcional.
Vem assacada ao recorrente a violação de um conjunto de deveres que afecta gravemente aquela confiança e descredibiliza a corporação.
Tem-se como inadmissível que um agente investido naqueles serviços viole as regras por cujo respeito e salvaguarda é imperioso colocar todo o seu empenho e dedicação. Trata-se de uma questão de serviço público na qual confia a população em geral, e que o arguido, com o seu comportamento, violou de forma insustentável ao consumir produtos estupefacientes, revelando total desconformidade e falta de enquadramento com os seus deveres funcionais, para mais com repercussão na sua conduta enquanto estava de serviço e ainda por cima a conduzir quando devia desenvolver uma acção de patrulhamento.
Não fere qualquer sensibilidade a interpretação que se faz de que inviabiliza a manutenção da relação funcional a actuação do agente que vem concretizada e não se mostra infirmada.
13. Em relação à violação ao princípio da proporcionalidade
Traduz-se este princípio na adequação dos meios utilizados em relação aos fins obtidos, impedindo-se assim a adopção de medidas desproporcionais, excessivas ou desequilibradas.
Como está bem de ver também não ocorre violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 5º do CPA, entendido este, ainda, como uma ideia de variação correlativa de duas grandezas conexionadas, ou seja, os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício de interesses dos particulares, seja na sua vertente de exigibilidade e adequação na prossecução do interesse público, por um lado e na relação custos-benefícios, por outro.10
O Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, define no n.º1 do artigo 196°, a infracção disciplinar como sendo "(...) o facto culposo praticado pelo militarizado, com violação de algum dos deveres gerais ou especiais a que está vinculado".
Daí, que se o primeiro dever geral apontado no EMFSM, no seu n.º 1 do artigo 5° O militarizado, no exercício das suas funções, está exclusivamente ao serviço do interesse público (...)”, logo n.º 3 daquele preceito estipula que “O militarizado deve constituir exemplo de respeito pela legalidade instituída e actuar no sentido de reforçar na comunidade a confiança na acção desenvolvida pela instituição que serve, em especial no que concerne à sua imparcialidade, devendo conduzir-se permanentemente (...)
a) Pelo cumprimento dos deveres que a lei impõe e prevenir e opor-se rigorosamente a qualquer violação da mesma, empregando toda a sua capacidade ...”
E, vista a menção no despacho punitivo, prescreve o art. 12º, n.º 1 do EMFSM:
1. O dever de aprumo consiste em assumir atitudes e comportamentos que exprimam, reflictam e reforcem a dignidade da função e o prestígio das FSM.
2. No cumprimento do dever de aprumo, o militarizado deve, designadamente:
(...)
f) Não praticar acções contrárias à ética, à deontologia funcional, ao brio ou ao decoro das FSM;
g) Evitar actos ou comportamentos que possam prejudicar o vigor e a aptidão física ou intelectual, nomeadamente o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, bem como o consumo de quaisquer outras substâncias nocivas à saúde;
E o art. 13º, n.º 2, b):
No cumprimento do dever de assiduidade, o militarizado deve, designadamente:
(...)
b) Não se ausentar do posto de serviço ou de local onde, por motivos funcionais, deva permanecer, a não ser quando devidamente autorizado, ou quando, no exercício das suas funções, deva efectuar de imediato diligências que possam conduzir ao esclarecimento de qualquer acto de natureza criminal.
Sendo guarda policial, o recorrente ausentou-se do seu posto quando estava em serviço e consumiu drogas, conduta essa constitui violação disciplinar grave.
A entidade recorrida deu, no respectivo processo disciplinar, uma resposta correspondente à gravidade desta conduta.
A qualificação dos factos como infracção disciplinar e a sua integração ou subsunção na cláusula geral punitiva é contenciosamente sindicável.11 Só não é contenciosamente sindicável a fixação da pena disciplinar dentro do escalão respectivo, não podendo o juiz sobrepor o seu poder de apreciação ao da autoridade investida do poder disciplinar, já que, neste domínio, a intervenção do tribunal fica apenas reservada aos casos de erro grosseiro, ou seja, àquelas circunstâncias em que se verifica uma notória injustiça ou desproporção manifesta entre a sanção aplicada e a falta cometida.12
O poder disciplinar é discricionário, muito embora tenha aspectos vinculados, sendo um deles o que se relaciona com a qualificação jurídica dos factos reais.13
Vem assacada ao recorrente a violação de um conjunto de deveres, traduzida numa conduta de efeitos abstractamente algo gravosos quanto à imagem da Polícia - o que não seria passar sem qualquer censura a imagem de que os seus agentes eram portadores de produtos estupefacientes!
Ora, perante os factos cometidos, não parece que haja qualquer erro manifesto e grosseiro na pena aplicada, sendo perfeitamente compreensível que a factualidade descrita aponte para o preenchimento da previsão típica contida no artigo 238º do EMFSM, gerando uma situação reveladora de falta de dignidade e prestígio do titular do cargo e até da função.
A proporcionalidade de uma pena disciplinar só pode ser impugnada com base em erro grosseiro ou manifesto.14
No caso em apreço, descortina-se a prossecução do interesse público, a adequação do comportamento à prossecução desse interesse público e compreende-se ainda o sacrifício dos interesses privados em função da importância do interesse público que se procura salvaguardar.15
Acresce que ao abrigo do art.º 238.º, n.º 2, al. 1) e art.º 240.º do EMFSM, deve ser aplicada ao recorrente a pena de demissão.
Na verdade, o art.º 240.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau estabelece:
A pena de demissão é aplicada ao militarizado que:
a) Tiver praticado qualquer crime doloso punível com pena de prisão superior a três anos, com flagrante e grave abuso da função que exerce e com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes;
b) Tiver praticado, ainda que fora do exercício das funções, crime doloso punível com pena de prisão superior a 3 anos que revele ser o seu autor incapaz ou indigno da confiança necessária ao exercício da função;
c) Praticar ou tentar praticar qualquer acto previsto nas alíneas c), e), f), g), i), j) e l) do n.º 2 do artigo 238.º
E nos termos do art.º 240.º, al. c) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, a pena de demissão é aplicada a quem que praticar ou tentar praticar qualquer acto previsto na al. l) do n.º 2 do art.º 238.º.
O acto controvertido constitui, em parte, acto vinculado, pelo que a entidade recorrida deve, com observação da lei, aplicar a pena de demissão ao recorrente pela sua prática de consumir drogas, sem ter o poder discricionário em não aplicação da punição.
Pelo que o acto recorrido não padece do vício da violação de lei por violação do princípio da proporcionalidade.
Tudo visto e ponderado, resta decidir no sentido da improcedência do recurso.
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
Custas pela recorrente, com 6 UC de taxa de justiça
Macau, 9 de Fevereiro de 2012
João A. G. Gil de Oliveira
Presente Ho Wai Neng
Vítor Coelho José Cândido de Pinho
1 - Leal-Henriques, Manual de Direito Disciplinar, CFJJ, 44 e Ac. TSI n.º 144/00, de 22/02/01
2 - Cfr. ob. e local citados.
3 . Ac. citado, Acs. do TSI, tomo I, 64
4 - Cfr. no sentido da proibição das conversas informais, ac. STJ, proc. 2753/05 -3ª, de 1/2/06; com algumas limitações, ac. STJ, proc. 04P812, de 4/10/06; no sentido da possibilidade de valoração e estando o arguido presente na audiência, Ac. RC, de 18/6/03, CJ,XXVIII, tomo 3, 51
5 - Cfr. ac. TSI 201/2001, de 19/6/03
6 - Cavaleiro Ferreira, Lições de Dto Penal, 1987, 209
7 - Ac. do TCA, proc. 211898, http//www.dgsi.pt
8 -Ac do STA de 6/2/92, proc. 28309, http//www.dgsi.pt
9 -Ac do STA de 30/1194, proc. 32500, http//www.dgsi.pt
10 - Int. ao Dto Adm., João Caupers, 6ª ed., 80
11 - Ac do TSI de 3/4/2003, proc. nº 72/2001
12 - Acs STA de 11/6/86, in BMJ 362, 434; de 5/6/90, in BMJ 398,355; de 2/10/90, in BMJ 400, 712; de 23/3/95, proc. 32586; proc. 41159 de 24/9/98, entre outros
13 - Ac. do TCA, proc. 211898, http//www.dgsi.pt
14 - Ac do STA de 28/9/99 – Rec. 40991, http//www.dgsi.pt
15 - João Caupers, in Int. ao Dto. Administ., 2001, 80
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964/2010 1/3