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Processo n.º 53/2011
(Recurso cível)

 Data : 16/Fevereiro/2012

ASSUNTOS:
    - Indemnização por despejo sumário
    - Responsabilidade dos actos do procurador


SUMÁRIO:

Se as rés, durante a ausência da A., ocupam a casa arrendada da A., mudam as fechaduras e procedem a um despejo sumário, ainda que como procuradoras do dono da casa, não devem deixar de ser responsabilizadas elos seus actos, nomeadamente pela indemnização em vista dos danos e incómodos causados, sendo a inquilina pessoa de mui avançada idade que, sem mais, se viu despejada, devendo, no entanto, levar-se igualmente em conta as motivações das rés e igualmente a sua provecta idade.
   
                Relator,
  

(João Gil de Oliveira)
Processo n.º 53/2011
(Recurso Cível)
Data: 16/Fevereiro/2012

Recorrentes: A
B

Recorrido: C
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    
    I - RELATÓRIO
    
    A e B, 1.ª R e 2.ª R do processo à margem acima referenciado, inconformadas com a sentença que as condenou nos seguintes termos a:
1. Restituir à A., C, a posse da fracção sita no XX andar do prédio n.º XX, do Largo de XX, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XX, do livro B15, de fls. 100v, inscrito na matriz sob o n.º 11025, e inscrita, desde 5 de Agosto de 2004, em nome D e E, herdeiros de F, sob o n.º 90429G;
2. Condenar as RR., A e B, a cessarem diminuição e perturbação do exercício dos direitos da A. enquanto locatária;
3. Condenar as RR. a pagar solidariamente à A. a quantia de MOP$100.000,00 acrescida de juros de mora à taxa legal calculada desde o trânsito da presente sentença até efectivo e integral pagamento;

mais tendo sido absolvidas dos restantes pedidos, vêm recorrer, alegando fundamentalmente e em síntese:

1. Não provando correctamente a matéria de facto acima referida, o tribunal a quo decretou a restituição da posse à A., mandou as RR. cessar perturbação do exercício dos direitos da A. enquanto locatária e condenou as RR. a pagar solidariamente à A. a indemnização pelo dano moral;
2. Caso seja correctamente provada a matéria de facto, todos os pedidos formulados pela A. são rejeitados.
3. Mesmo que se prove que as RR. tinham mudado a fechadura, tal acto, geralmente, só pode ser considerado como acto ou medida de segurança doméstica normal;
4. Segundo os factos provados, só se pode provar que a A. não conseguiu entrar na fracção arrendada uma vez que as RR. tinham mudado a fechadura da porta de acesso ao prédio onde se situa a referida fracção, contudo, não se provou que a finalidade ou a intenção da mudança da fechadura das RR. é perturbar ou impedir à A. de exercer a posse ou os direitos na qualidade de arrendatária;
5. Tal facto é necessário para a decisão do tribunal a quo. A falta deste facto constitui lacuna no apuramento da matéria de facto;
6. Os factos controvertidos no presente processo foram praticados pelas RR na qualidade de procuradoras contra a Autora, na qualidade da herdeira do ex arrendatário, entre os quais inclui o pedido de cessação do referido contrato de arrendamento por falta do pagamento de rendas, não habitação na referida fracção durante um longo período de tempo e sublocação da fracção a terceiro;
7. Mesmo que RR. deduzissem tal pedido sem observância das disposições legais, isto não prejudica a natureza dos referidos actos praticados pelas RR. na qualidade de representados (proprietários) e tais actos são os negócios jurídicos;
8. Nos termos do artigo 251.º do Código Civil, o negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último;
9. Os limites dos poderes do proprietário na qualidade de senhorio incluem os direitos que pode exercer na falta de cumprimento das obrigações pelo arrendatário na relação de arrendamento e os actos necessários para concretizar esses direitos ou actos daí emergentes;
10. A continuidade ou a cessação da referida relação de arrendamento e os actos daí emergentes devem ser os negócios jurídicos previstos no artigo 251.º do Código Civil.
11. Nos termos do artigo 480.º n.º 1 do Código Civil, é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa;
12. O tribunal a quo entendeu reunido o pressuposto da culpa da responsabilidade civil só com o fundamento em que as RR. negaram os actos acima referidos, contudo, o entendimento do tribunal a quo inverteu o ónus da prova;
13. Não havendo nenhuma presunção legal de culpa, deve caber à A. provar a culpa dos actos lesivos praticados pelas RR., pelo que, deve incumbir à A. o ónus da prova;
14. Agora, não é inexistir outro critério legal para provar a culpa do eventual lesado mas sim deve aplicar o princípio geral do ónus da prova da culpa - é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão.
15. Segundo os factos provados, a A. não conseguiu provar a culpa das RR., pelo que, não está reunido o pressuposto da culpa;
16. É inexacto que o tribunal a quo aplicou o artigo 480.º do Código Civil, pelo que, o tribunal a quo violou esta disposição legal.
17. O artigo 489.º n.º 1 do Código Civil prevê: Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito;
18. No n.º 3 do mesmo artigo: O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 487.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior;
19. Consagra o artigo 487.º do Código Civil: Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, pode a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem;
20. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito;
21. A impugnação entre a Autora e as RR. deu origem ao conflito de arrendamento e os actos praticados por ambas as partes são os actos de tutela privada e os actos que salvaguardam os seus próprios direitos e interesses;
22. As RR. praticaram os referidos actos sem o conhecimento das disposições legais e procedimentos referentes ao arrendamento. Talvez os actos praticados pelas RR. causassem incómodos à A., tais actos não causaram danos que merecem a tutela do direito pela sua gravidade.;
23. Pelo que, o tribunal a quo não devia fixar a indemnização pelo dano moral.
24. Mesmo que os MM.ºs Juízes assim não concordem com o ponto de vista acima referido, por mera cautela do patrocínio, as recorrentes entendem ser manifestamente inadequado o montante de indemnização fixado pelo tribunal a quo, no valor de MOP$100.000,00;
25. Em qualquer caso, ao aplicar o artigo 489.º n.º 3 do Código Civil, deve-se atender às situações previstas no artigo 487.º do Código Civil.
26. Conforme todos os factos provados, não se vislumbra que o grau de culpabilidade é grave;
27. Foi concedido o apoio judiciário às RR. devido à insuficiência económica destas;
28. Daí, pode-se ver que as RR. são pobres e encontram-se em difícil situação económica;
29. Quanto à A., ela não tem nenhuma dificuldade económica, mesmo tem capacidade económica para contratar advogado para resolução da presente acção e outras providências processuais relativas à presente acção, sem necessidade de pedir o apoio judiciário, factos esses revelam que a A. é rica;
30. Sintetizadas outras circunstâncias do presente caso, nomeadamente a avançada idade da R. A, a renda mensal da referida fracção é apenas MOP$1.200,00, a A. deixou de residir na referida fracção desde Outubro de 2006 (deslocou-se aos Estados Unidos para receber tratamento médico) sem a comunicação às RR. ou sem o conhecimento das RR., e o período em que a A. foi impedida de residir na referida fracção, revela-se que o montante de indemnização fixado pelo tribunal a quo é irrazoável;
31. Todos os factores acima referidos constituem as circunstâncias que o legislador permite o julgador fixar a indemnização, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados quando a responsabilidade se fundar na mera culpa;
32. In casu, o tribunal a quo não considerou os elementos acima referidos, o que fez com que fixasse um elevado montante de indemnização, pelo que, a decisão do tribunal a quo violou o artigo 489.º n.ºs 1 e 3, em conjugação com o artigo 487.º do Código Civil.

Nestes termos solicitam se:

- Julguem procedentes as impugnações invocadas pelas recorrentes nas respostas aos quesitos nos pontos 4.º a 6.º, 9.º, 13.º, 32.º, 26.º a 28.º, 33.º, 34.º e 36.º da base instrutória, altere e revogue a decisão do tribunal a quo ora recorrida, e em consequência, aplique a lei conforme os factos provados e os factos alterados, bem como se substitua a decisão ora recorrida por outro acórdão que rejeite todos os pedidos invocados pela autora;
- Julgue procedente o presente recurso e revogue a decisão do tribunal a quo e em consequência isente a responsabilidade jurídica dos actos praticados pelas rés nos termos do artigo 251.º do Código Civil e se substitua a decisão ora recorrida por outro acórdão que rejeite todos os pedidos invocados pelas autora:
- Dado que não se provou a culpa das rés, não está reunido o pressuposto da culpa, por isso, se julgue procedente o presente recurso e revogue a decisão proferida pelo tribunal a quo, e em consequência, se absolvam as RR. do pedido de indemnização pelo dano moral da A.; ou
- Julgue procedente o presente recurso por não estar reunido o pressuposto de “merecer a tutela do direito pela sua gravidade”, e se revogue a decisão do tribunal a quo, e em consequência, absolvam as RR. do pedido de indemnização pelo dano moral da A.;
   - Caso assim não se entenda, se diminua o montante de indemnização pelo dano moral da A. fixado pelo tribunal a quo até um montante justo, proporcional e equitativo.

Não foram oferecidas contra alegações.

Foram colhidos os vistos legais.
    II - FACTOS

Vêm provados os factos seguintes:

   “Factos assentes:
- A fracção autónoma sita no 2.º andar do prédio n.º 4 do Largo de S. Domingos, encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 3009, do livro B15, de fls. 100v, inscrito na matriz sob o n.º 11025, e inscrita, desde 5 de Agosto de 2004, em nome D e E, herdeiros de F, sob o n.º 90429G (alínea A) da matéria de factos assentes).
- No dia 31 de Dezembro de 1980, foi celebrado entre G, marido da A., e a 1.ª R., na qualidade de gestora de negócios do então proprietário F, um contrato de arrendamento para habitação (alínea B) da matéria de factos assentes).
- Nos termos desse contrato, F deu de arrendamento a G, e este aceitou, a fracção autónoma referida em A) pelo prazo de um ano, com início em 31 de Dezembro de 1980 e termo em 31 de Dezembro de 1981, renovável por idênticos períodos caso não fosse denunciado (alínea C) da matéria de factos assentes).
- A renda mensal ficou estipulada em MOP$1.200,00 (alínea D) da matéria de factos assentes).
- Por sentença, de 12 de Dezembro de 2007, proferida nos autos de providência cautelar de restituição provisória de posse, apensados aos presentes autos, foi decretada a restituição provisória de posse da fracção autónoma referida em A) à A (alínea E) da matéria de factos assentes).
- No dia 14 de Dezembro de 2007, realizou-se o acto de restituição provisória de posse e gozo da fracção autónoma à A. (alínea F) da matéria de factos assentes).
- Nesse dia, as duas portas de acesso à fracção autónoma encontravam-se abertas (alínea G) da matéria de factos assentes).
*
Base Instrutória:
- A fracção autónoma destina-se a habitação de G e do seu agregado familiar (ponto 1.º da base instrutória).
- G faleceu em 19 de Julho de 1989 (ponto 2.º da base instrutória).
- A A. era casada com G (ponto 3.º da base instrutória).
- A A. tem vindo a entregar mensalmente a quantia referida em D) dos factos assentes a D e E (pontos 4.º a 6.º da base instrutória).
- Em Outubro de 2006, a A. teve de se deslocar aos Estados Unidos da América para receber tratamento médico (ponto 5.º da base instrutória).
- Na ausência da A., H deslocava-se à fracção autónoma para proceder à limpeza da mesma (ponto 7.º da base instrutória).
- No dia 1 de Março de 2007, H não conseguiu abrir a porta de acesso ao prédio onde se situa a fracção autónoma utilizando a mesma chave que sempre utilizou para abrir esta porta (ponto 8.º da base instrutória).
- Porque a fechadura da mesma tinha sido mudada pelas RR. (ponto 9.º da base instrutória).
- Por isso, desde essa data, H e o filho da A., I, não conseguiram aceder à fracção autónoma apensar de várias tentativas (ponto 10.º da base instrutória).
- Em Outubro de 2007, a A. regressou a Macau (ponto 11.º da base instrutória).
- Pela mesma razão, desde esta data, a A. também não conseguiu aceder à fracção autónoma apensar de várias tentativas (ponto 12.º da base instrutória).
- As RR. impediram o regresso da A. à fracção autónoma (ponto 13.º da base instrutória).
- As quantias mensais de MOP$1.200,00, respeitantes aos meses de Abril de 2007 a Fevereiro de 2008, foram depositadas no Banco XX à ordem dos presentes autos (ponto 14.º da base instrutória).
- A A. tem 92 anos de idade (ponto 1.º da base instrutória – resposta ao quesito da 23.º da base instrutória).
- A A. habita na fracção autónoma desde 1958 (ponto 24.º da base instrutória).
- A A. não possui outra casa em Macau (ponto 25.º da base instrutória).
- O cartão de regresso à China e os cartões de acesso a cuidados de saúde da A. encontravam-se na fracção autónoma (ponto 26.º da base instrutória).
- A conduta das RR. fez com que a A. não tivesse conseguido cumprir os seus rituais religiosos perante altares que se encontram na fracção autónoma (ponto 27.º da base instrutória).
- A conduta das RR. fez com que a A. não tivesse conseguido aceder aos cartões referidos em 26.º (ponto 28.º da base instrutória).
- Depois de 1 de Março de 2007, as RR. voltaram a impedir que a A. regressasse à fracção autónoma mudando a fechadura de porta de acesso ao prédio onde esta se situa (ponto 32.º da base instrutória).
- A conduta das RR. causou alteração na rotina de vida (ponto 33.º da base instrutória).
- Da situação, resultaram sérias perturbações que traumatizaram a A., e lhe causaram sofrimento, desespero e ansiedade (ponto 34.º da base instrutória).
- A conduta das RR. fez com que a A. tivesse despendido MOP$51.744,87 a título de honorários para a resolução da presente matéria (ponto 35.º da base instrutória).
- Por causa dos factos constantes das respostas aos quesitos 5.º, 8.º a 11.º, 13.º e 32.º, a A. não habita na fracção autónoma referida na alínea A) da matéria dos factos assentes, a partir de Outubro de 2006 (ponto 36.º da base instrutória).
- As janelas de tal fracção às vezes estavam abertas (ponto 37.º da base instrutória estavam abertas).”
    
    III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
- Impugnação da matéria de facto
- Da qualidade de procuradoras das RR.
- Prova da culpa
- Indemnização por danos morais

2. Impugnação da matéria de facto
    
    2.1. Em relação aos pontos 4.º a 6.º da base instrutória, o tribunal a quo deu como provado o seguinte facto:
    “A A. tem vindo a entregar a quantia referida em D) dos factos assentes a D e E”.

    As recorrentes dizem que a testemunha da A., H, declarou na audiência de julgamento que as rendas foram pagas através de depósito bancário, contudo, não indicou quando é que as rendas foram pagas ou se as quantias são o depósito de rendas referido no ponto 14.º da base instrutória.

    Além disso, a testemunha da parte de defesa, J, declarou expressamente que a A. deixou de pagar as rendas desde meados do ano de 2006, não tendo pago as rendas em falta.

   A testemunha K também declarou que a A. deixou de pagar as rendas desde 2006.

   O mais importante é que caso tenha pago as rendas aos proprietários ou locadores, a locatária deve guardar os recibos de pagamento de rendas emitidos por quem recebeu as rendas ou os talões de depósito ou os registos de transferência bancária caso as rendas tenham sido pagas através de depósito bancário, porém, in casu, a A. não apensou aos autos os referidos documentos.

O pagamento de rendas não pode ser considerado provado só com base nos depoimentos prestados pelas testemunhas da A. mas sim deve ser provado através dos documentos acima referidos.

    Quando é que as rendas foram pagas (antes da impugnação entre a A. e as RR. ou durante o depósito das rendas após a instauração da acção da A.)? Este facto também deve ser provado pelos aludidos documentos. O tribunal a quo entendeu que a A. tem pago as rendas, mas, na falta dos documentos acima referidos, o entendimento do tribunal a quo mostra-se infundamentado.

    Pelo acima exposto, não é correcto que o tribunal a quo tenha dado como provados os factos mencionados nos pontos 4.º a 6.º das base instrutória. Para tanto, salvo o devido respeito, as RR. entendem que os referidos factos devem ser considerados não provados.
    Sobre este ponto convém reter:
    Não se perguntava a que período as rendas respeitavam – nem tal pareceria interessar – pois se tal fosse relevante até para justificar a cessação do contrato ou um fundamento para o depejo as rés não teriam deixado de alegar e concretizar o período das rendas em falta;
    - Aliás, esta mesma justificação foi dada pelo Colectivo à reclamação da matéria de facto, de fls. 386, enquanto se disse que dessa resposta não se pode retirar a periocidade do depósito ou outro meio de pagamento;
    - Como é óbvio, eventual depósito ocorrido, não pode respeitar ao depósito das rendas verificado nos autos, pois que se assim fosse, desnecessário seria perguntar esse facto à testemunha;
    - A resposta da testemunha, empregada da A. compreende-se e aceita-se perfeitamente, pois, depois da ausência da patroa nos EU para tratamento, foi ela que ficou a tomar conta da casa, aceitando-se que soubesse bem da continuação do pagamento da renda, assim se justificando a manutenção do arrendamento e o seu acesso à casa, não custando desacreditar dessa versão em detrimento da de outras testemunhas;
    - Não há motivos fortes que façam abalar a convicção formada pelo Tribunal, não comprovando que tenha errado no seu julgamento, sendo certo que o tribumal aprecia livremente a prova face ao disposto no artigo 558º do CPC, sem embargo de este tribunal a poder reapreciar nos termos da lei de processo;
    - O pagamento de rendas, ainda que o respectivo recibo seja o meio mais expedito para as comprovar, podem ser comprovadas por outros meios.
    Donde se conclui não terem razão as recorrentes quanto a este ponto.

    2.2. No que diz respeito ao ponto 9.º da base instrutória, o tribunal a quo deu como provado o seguinte facto:
    
    “Porque a fechadura da mesma tinha sido mudada pelas RR.”.

    A testemunha da A., H, declarou na audiência de julgamento que ao abrir a porta com a chave que sempre utilizava, ela conseguiu girar a chave mas a referida porta encontrava-se trancada por dentro, não sabendo quem estava lá (…)
Os depoimentos prestados pela testemunha da A na audiência de julgamento, muito menos só podem provar que H não conseguiu abrir a porta de acesso ao prédio com a chave, não podendo provar o seu motivo (a fechadura foi mudada (por quem) ou a porta foi trancada por dentro (por quem) ou outros motivos), por isso, não se pode provar que H não conseguiu abrir a porta de acesso ao prédio porque a fechadura da mesma tinha sido mudada pelas RR..
Outra testemunha que também reside no referido prédio, L, declarou na audiência de julgamento que a fechadura da porta de acesso ao prédio nunca foi mudada. Mesmo que a fechadura fosse mudada, a mudança da fechadura só foi feita quando a porta estava aberta depois de a A. ter apresentado a queixa à polícia.

Pelo que, o facto referido no ponto 9.º da base instrutória não deve ser provado.

Ainda aqui estamos a jogar com convicções.
Parece não haver dúvidas que a fechadura foi mudada de tal forma que uma pessoa que ali entrava habitualmente ficou impedida de o fazer, não sendo credível que deixasse de se aperceber desse facto.
O excerto transcrito encontra-se isolado de tudo o resto, não devendo o depoimento dessa testemunha deixar de ser contextualizado de todo o relacionamento que se vinha verificando entre a inquilina e as rés.
Não se vê razão para desacreditar dessa versão e pôr o facto em crise, donde, por encadeamento, não se mostra infirmada a convicção que esteve na génese das respostas aos quesitos 13.º e 32.º da base instrutória também não devem ser considerados como provados.

2.3. Em relação aos pontos 26º a 28º da base instrutória, o tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:
“O cartão de regresso à China e os cartões de acesso a cuidados de saúde da A. encontravam-se na fracção autónoma. A conduta das RR. fez com que a A. não tivesse conseguido cumprir os seus rituais religiosos perante altares que se encontram na fracção autónoma. A conduta das RR. fez com que a A. não tivesse conseguido aceder aos cartões referidos em 26.º”.
Contudo, os factos referentes ao cartão de regresso à China, cartão de acesso a cuidados de saúde e cumprimento dos rituais religiosos perante altares não podem ser provados só com base nos depoimentos testemunhais mas sim deve-se também considerar outras provas.
Para provar que um objecto está num determinado local, deve, em primeiro lugar, provar a sua existência.
Nos autos não há elementos que revelam que a A. possui os referidos cartões e os altares ou é uma crente budista.
Dado que não se prova que a A. possui efectivamente os referidos cartões e altares, também não se pode provar que os referidos objectos encontram-se na referida fracção.
Já que não se pode provar que os referidos objectos encontram-se na referida fracção, também não se pode provar que a conduta das RR. fez com que a A. não pudesse utilizar os referidos cartões ou cumprir os rituais religiosos.
Acresce que a testemunha da Autora, M só referiu que “os referidos cartões, documentos e altares devem ser na casa pois a Autora só tem uma casa.

Não assiste razão às recorrentes. As convicções não se formam apenas com as palavras de uma testemunha. Por vezes basta um olhar, um silêncio, uma expressão.
Depois, há uma miríade de dados da vida comum, da experiência de todos os dias, conhecimentos generalizados, condutas e práticas próprias de um lugar, de uma cultura, de uma vivência, tudo nos levando a formar uma convicção.
Ora, estamos exactamente perante um dado e que a experiência da vida aceita como muito normal a factualidade em presença. Onde é que a pessoa guarda os cartões, para mais não precisando deles consigo, se ausentar para um certo lugar em que não vai precisar deles? O altar de culto não deixa de ser também uma presença viva e habitual na cultura chinesa, em particular nas pessoas mais idosas?
E se a A. quisesse forjar ou inventar factos não lhe teria sido difícil recorrer ou descrer perdas que se evidenciassem muito mais valiosas.
Não se vê razão por ter por abalada a convicção formada pelo Tribunal também em relação aos pontos 26.º a 28.º da base instrutória.
E com isto, infirmadas não se mostram as respostas aos quesitos 33.º e 34.º da base instrutória.


2.4. Quanto ao ponto 36.º da base instrutória, o tribunal a quo deu como provado o seguinte facto:
“Por causa dos factos constantes das respostas aos quesitos 5.º, 8.º a 11.º, 13.º e 32.º, a A. não habita na fracção autónoma referida na alínea A) da matéria dos factos assentes, a partir de Outubro de 2006”.
Contudo, conforme o depoimento prestado pela testemunha L na audiência de julgamento, desde 2007, havia sempre pessoas estranhas que tinham acesso à referida fracção e lá residiam, pessoas essas não eram a empregada da Autora, H.
Daí, pode-se ver que, o facto de a A. deixar de residir na referida desde Outubro de 2006 não foi causado pelos factos referidos nas respostas aos quesitos 5.º, 8.º a 11.º, 13.º e 32.º da base instrutória mas sim pelo facto de a A. sublocar a fracção a terceiro, ou, pelo menos, foi causado por outro motivo indeterminado que fez com que houvesse pessoas estranhas que tinham acesso à referida fracção e lá residiam, por isso, não tem nada a ver com as RR..

   Bom, quem parece distorcer os factos ao falar em locação ou cedência a terceiro do arrendado são as rés. Então não é verdade que são elas que reconhecem que H era empregada da A.? E em relação às outras pessoas bem podiam estas ser visitas, familiares, pessoas conhecidas que frequentavam a casa e, de qualquer forma, não impediriam o uso da casa por banda da A.
   Falece-lhe mais uma vez razão neste particular assunto.


3. Da qualidade de procuradoras das RR.
   
   Defendem as rés que os actos praticados pelos procuradores devem responsabilizar os delegantes pelo que não deviam as rés ser responsabilizadas.
   Mais defendem não se terem provado actos turbativos nem o furto por que foram responsabilizadas.
   Ainda, que a mudança de fechadura tivesse ocorrido, deve ser entendida como um acto ou medida de segurança doméstica normal.
    In casu, não há factos que possam provar que a finalidade ou a intenção da mudança da fechadura das rés era a de perturbar ou impedir a autora de exercer a posse ou os direitos na qualidade de arrendatária.
    As RR. teriam praticado os factos controvertidos no presente processo por a A. não ter pago as rendas, ter deixado de residir na referida fracção durante um longo período de tempo e sublocado a fracção a terceiro.
    A 1.ª R. A, na qualidade de gestora dos proprietários, tem mantido a relação de arrendamento com o ex arrendatário e a Autora, e juntam aos autos uma procuração do actual proprietário da referida fracção, nos termos da qual, são conferidos à referida R., poderes para praticar os negócios da administração da referida fracção.
    Os factos controvertidos no presente processo foram praticados pelas RR. na qualidade de procuradoras contra a Autora, na qualidade de herdeira do ex arrendatário, entre os quais se inclui o pedido de cessação do referido contrato de arrendamento por falta do pagamento de rendas, não habitação na referida fracção durante um longo período de tempo e sublocação da fracção a terceiro.
   
    Importa apreciar esta questão.
Desde logo se refere que as rés partem de um pressuposto que não se verifica, qual seja o de raciocinarem a partir de uma base fáctica que não lograram demonstrar.
    O que alegam não se comprova, já que não se mostra infirmado o veredicto do Tribunal a quo quanto à matéria de facto.
    Depois, quanto ao facto de terem agido na qualidade de procuradoras do proprietário, é verdade que nos termos do artigo 251.º do Código Civil, o negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último.
Mas o certo é que estamos a falar da prática de actos que não se traduzem em negócios jurídicos e não resulta que tenham sido praticados a mando do representado.
    Tal como se refere na douta sentença recorrida “mesmo que se prove que as RR. administram a fracção no uso dos poderes delegados pelos proprietários, ainda não é suficiente para excluir as responsabilidades jurídicas das RR. não podendo as responsabilidades jurídicas ser assumidas pelos proprietários da fracção. De facto, quanto aos efeitos produzidos em relação aos delegantes pelos actos praticados pelos procuradores, os artigos 251.º, 261.º e 262.º do Código Civil prevêem expressamente que só os negócios jurídicos praticados pelos procuradores podem produzir efeitos em relação aos delegantes, por isso, quanto aos actos de violação do direito envolvidos na presente acção, isto é, os actos de mudança de fechadura e furto, os delegantes não assumem as responsabilidades destes actos em qualquer caso.”
Se um procurador tem poderes para pôr termo a um arrendamento e se esse acto pode ser um negócio jurídico, a prática de actos ilícitos, à margem da lei, em violação da posse legítima do acto já não se podem incluir nos poderes representativos, reponsabilizando o seu autor, independentemente da responsabilização do mandante ou ordenante de tais actos.
E até em termos negociais o artigo 252º, nº 1 do CC não deixa de imputar na esfera do representante os vícios da vontade negocial, salvaguardadas as situações em que para tal haja sido decisiva a vontade do representado.

   4. Prova da culpa
Vista a responsabilidade que lhes foi imputada na sentença recorrida, insurgem-se as regras quanto à violação por parte do Tribunal a quo das regras da prova quanto à culpa.

   A este propósito, depois de analisada a ilicitude da conduta, consignou-se o seguinte:
   “No que diz respeito ao pedido formulado pela A., este Tribunal ainda tem de apreciar se o pedido preenche outros três pressupostos da responsabilidade civil – isto é, a culpa das RR., os danos sofridos pela A. e o nexo de causalidade entre os danos e os actos.
    Na contestação, as RR. só negaram os actos acima referidos sem indicar qualquer facto que basta esclarecer tais actos, pelo que, a prática dos referidos actos das RR. é infundamentada e não há qualquer facto que pode provar que os RR. praticaram tais actos sem o seu conhecimento.
    Nos termos do artigo 480.º n.º 2 do Código Civil, a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”.
    Assim sendo, conforme os factos acima mencionados, este Tribunal entende que está reunido o pressuposto da culpa da responsabilidade civil.”
   
   O Tribunal teria presumido uma culpa, cabendo à A. comprová-la face ao aludido art. 480º, n.º 1 e 2.
   Ora é exactamente o n.º 2 desta norma que aponta para o critério de apreciação da culpa pelo tribunal, devendo ela ser apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.
   Como parece resultar claro, vista a factualidade comprovada, com a actuação das rés que comprovada vem não se deixa facilmente de formular um juízo de censura e reprovabilidade em relação a tais condutas e que se traduziram num despejo à força ou forçado, proibido pela lei e não tolerado pela sociedade.
   Donde não merecer censura a condenação da actuação das rés e sua condenação na manutenção e respeito pela utilização do locado.

5. Indemnização por danos morais

   Impugna-se ainda o montante atribuído a título de danos morais:

   O tribunal a quo entendeu que: “Nos termos do artigo 489.º do Código Civil, “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 3. O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 487.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior”.

Conforme os factos acima referidos, devido aos actos praticados pelas RR., a A. não conseguiu regressar à casa para cumprir os seus rituais religiosos na fracção e retirar o seu cartão de acesso a cuidados de saúde, o que fez com que a A. tivesse sofrimento, desespero e ansiedade. Além disso, os factos assentes também referem que a A. tem actualmente 92 anos de idade, já reside na referida fracção há 50 anos, não tem outra residência em Macau onde possa residir e a referida fracção é a habitação familiar da A. e do seu marido. Pelos factos acima referidos, este Tribunal pode imaginar o intenso sofrimento que esta velha tem devido à impossibilidade de regressar à casa.

   A A. pediu que sejam as RR. condenadas no pagamento à A. da quantia de MOP$200.000,00 a título de indemnização pelos danos morais, contudo, tendo em conta as circunstâncias acima referidas e o artigo 489.º do Código Civil, este Tribunal entende ser adequado fixar o montante de indemnização em MOP$100.000,00, montante esse deve ser pago solidariamente pelas RR..

A A. também pediu que sejam as RR. condenadas no pagamento de juros desde a sua citação e até integral pagamento.

Ao abrigo do artigo 795.º n.º 1 do Código Civil, na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora” e em conformidade com o artigo 794.º do mesmo Código, “1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir; 4. Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor.

    Tendo em conta que ainda não se calcula o aludido montante, os juros de mora só se calcula a partir do trânsito em julgado da presente sentença.”


Constitui princípio geral do nosso direito positivo, consagrado no art. 556º do CC, que a obrigação de indemnizar se oriente no sentido da reconstituição da situação que existia na esfera do lesado se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação.

Tal reconstituição visará não só os prejuízos patrimoniais como ainda aqueles que, embora insusceptíveis de expressão pecuniária, mereçam, pela sua gravidade, a tutela do direito - danos morais ou não patrimoniais.

Teremos em linha de conta a orientação jurisprudencial que assenta na ideia de que merecem tutela jurídica aqueles danos que "espelhem uma dor, angústia, desgosto ou sofrimento".

É assim que as vítimas e os lesados nos seus direitos terão direito a uma indemnização, a título de danos não patrimoniais, pelos padecimentos sofridos. Sendo tal lesão ainda passível de reparação pecuniária, a fixação do respectivo montante há-de ser operada equitativamente, atentas as circunstâncias do artigo 487º do CC, ao grau de culpabilidade do agente, situação económica do lesante e do lesado, sendo ainda princípio assente de que a indemnização nestes casos visará proporcionar ao lesado um prazer capaz de neutralizar a angústia, dor ou contrariedade sofridas.
   
    É, sustentam as recorrentes, manifestamente inadequado o montante da indemnização fixado pelo tribunal a quo no valor de MOP$100.000,00, uma vez que no caso sub judice não foi provada a existência dos danos patrimoniais, por isso, o único que devemos considerar é apenas os danos não patrimoniais.
   
   Desde logo, se eles merecem a tutela do direito. E não temos dúvida em afirmar que sim, à luz da factualidade apurada.

Importa não esquecer que se trata de uma senhora muito idosa que se viu arredada da sua casa, das suas coisas, das suas práticas de culto, tudo lhe causando perturbações que a traumatizaram e lhe causaram sofrimento, desespero e ansiedade.

Coloquemo-nos na posição da vítima e imaginemos os transtornos e desgostos causados com essa situação.

O facto de se tratar de actos de tutela privada, usando a expressão das recorrentes, tal não atenua a gravidade das consequências. A experiência da vida ensina-nos que é no cível que encontramos, quantas vezes, os maiores criminosos e as maiores vigarices.

    Conforme os factos provados, não se vislumbra que o grau de culpabilidade seja muito grave, vista até a ausência da arrendatária.

Ter-se-ão presentes os valores em jogo, a não utilização da casa pela arrendatária, as condições económicas das lesantes e da lesada, a A. C

A R. A, de 84 anos de idade, também é idosa e alega-se que já se reformou há muitos anos, por isso, ela não tem nenhum rendimento e a sua vida depende da assistência social enquanto a R. B, actualmente se encontra desempregada, o que justificou que litiguem com apoio judiciário.

Podemos considerar que se trata de pessoas de modesta condição económica e sem rendimentos significativos.

O arbitramento de MOP100.000,00, não sendo demasiado, configura-se como um montante que as rés mui dificilmente poderão satisfazer.
    
    Parece manifesto que a lesada tem uma condição económica superior à das rés, donde ser razoável fazer uso da faculdade do citado artigo 487º do CC.

Donde, face a tudo o que ficou apurado e exposto foi, ter-se por ajustada uma indemnização, a título de danos morais, de MOP 75.000,00.

    Tudo visto e ponderado, resta decidir.
    
    IV – DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revogando parcialmente o decidido, condenam as RR. A e B a pagar solidariamente à A. C a quantia de MOP$75.000,00 acrescida de juros de mora à taxa legal calculada desde a presente data até efectivo pagamento, confirmando no mais a decisão recorrida.
    Custas pelas recorrentes e recorrida na proporção dos decaimentos.
Macau, 16 de Fevereiro de 2012,


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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)

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Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)

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