Proc. nº 28/2011
(Recurso Contencioso)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 15 de Dezembro de 2011
Descritores:
-Regulamentos administrativos
-Reserva de lei
SUMÁRIO:
I- O Governo da RAEM, através do Chefe do Executivo, tinha competência para “por si próprio”, intervir na elaboração de regulamentos administrativos no âmbito da matéria contida no art. 129º, 1º parágrafo, da Lei Básica, nomeadamente para alterar o quantum da multa referente à infracção administrativa prevista no art. 78º, nºs do DL nº 48/98/M, de 3/11.
II- Neste sentido, o Regulamento nº 42/2004, de 30/12, que estabelece alteração àquele decreto-lei, não padece de ofensa ao princípio da legalidade por atentado à reserva de lei.
Proc. nº28/2011
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I- Relatório
A, com os demais sinais dos autos, recorreu para o T.A. do despacho do Director dos Serviços de Turismo de 31/07/2009, que lhe aplicou a multa de Mop$ 120.000,00 e o encerramento do “Centro de Educação XX nº2”, nos termos do art. 78º, nº1 e art. 3º, nº1, al. e), do DL 48/98/M, de 3/11, na redacção dada pelo Regulamento Administrativo nº 42/2004, de 30/12.
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Nesse tribunal foi proferida sentença, datada de 3/02/2009, que julgou:
a) Ilegal o art. 78º do referido diploma, recusando, por isso, a sua aplicação no caso dos autos; e
b) Nula a decisão recorrida por ter aplicado a referida disposição ilegal.
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É dessa sentença que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional apresentado pelo Ex.mo Director dos Serviços de Turismo, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
I. O tribunal a quo entende que o artigo 1.º do regulamento administrativo n.º 42/2004 é ilegal por violação do “princípio de reserva de lei” integrado no “princípio da legalidade” previsto no n.º 1 do artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo;
II. Segundo o mesmo tribunal o artigo 10.º da lei n.º 13/2009 que veio estabelecer o regime jurídico do enquadramento das fontes normativas internas, só se aplica a factos ocorridos apos a sua entrada em vigor;
III. Mais defende o tribunal a quo que a criação de sanções administrativas e o agravamento das mesmas são matéria de reserva de lei e que não pode ser regulada por regulamento administrativo;
IV. Diferentemente, entende a entidade Recorrida que o Chefe do Executivo (Governo da RAEM) detém, nalgumas matérias, poder legislativo originário e que, no âmbito das mesmas, pode criar uma regulamentação nova ou alterar um Decreto-Lei pré-existente;
V. A LB, ao permitir ao Chefe do Executivo emanar regulamentos administrativos, reconhece-lhe competência para regulamentar determinadas matérias, de forma independente, desde que as mesmas não estejam reservadas à Assembleia Legislativa;
VI. Esse poder do Chefe do Executivo caracteriza-se por ser um poder normativo independente, originário e directamente emergente da LB;
VII. A matéria regulada pelo regulamento administrativo n.º 42/2004 não constitui matéria reservada à Assembleia Legislativa nem cabe, sequer, no âmbito das matérias de competência concorrencial entre os dois órgãos do poder;
VIII. Mas constitui uma matéria que cabe na exclusiva competência do Governo porque decorre do artigo 129.º da LBM, onde se estabelece, no parágrafo 1.º que “O Governo da Região Administrativa Especial de Macau determina, por si próprio, o sistema relativo às profissões (…);
IX. Pelo que o Governo podia regular sobre a mesma, quer criando um regime novo, quer alterando um regime pré-existente aprovado por decreto-lei;
X. O sistema tal como delineado pela LB também não se compadeceria de uma limitação ao poder regulamentar do Executivo, sob pena deste se ver incapaz de dar cumprimento dos seus objectivos e salvaguardar de forma rápida e eficiente os interesses públicos que tem por missão prosseguir;
XI. O Tribunal de Última Instância (TUI) também já decidiu que um regulamento administrativo pode criar um regime legal sancionatório materialmente novo por entender que o Chefe do Executivo e o Governo podem aprovar regulamentos apenas com fundamento na LB, fora das matérias reservadas à lei pela LB (princípio da reserva de lei) e sem prejuízo do princípio da prevalência da lei;
XII. Não existe qualquer norma na LB que impeça os regulamentos administrativos de criar deveres ou restrições sobre os particulares, pois de harmonia com o estabelecido no artigo 40.º da LB, os regulamentos não podem é impor restrições aos direitos fundamentais, a que se refere o Capítulo III da LB e aos direitos previstos nos Pactos mencionados nesse artigo 40.º, matéria essa que deve constar de lei;
XIII. Com a publicação da lei n.º 13/2009 estas questões foram definitivamente esclarecidas;
XIV. A letra do artigo 10.º desta lei é clara ao estatuir que estão abrangidos no regime transitório todos os regulamentos administrativos e não apenas alguns, onde se inclui, o regulamento administrativo n.º 42/2004;
XV. Esta Lei manda manter em vigor os regulamentos administrativos mesmo que não observem o nela estipulado e as normas do regulamento administrativo n.º 42/2004 até estão em consonância com o estipulado na lei n.º 13/2009;
XVI. A sanção mais grave prevista no decreto-lei n.º 48/98/M, agravada pelo regulamento administrativo n.º 42/2004, é de MOP 120 000,00 (cento e vinte mil patacas), limite este que está muito aquém das MOP 500 000,00 previstas na alínea 6) do artigo 7.º da lei, pelo que podemos afirmar que o artigo 1.º do regulamento administrativo n.º 42/2004 observa o estabelecido na lei n.º 13/2009.
XVII. Mesmo que assim não fosse, o regulamento administrativo estaria em vigor até ser alterado, suspenso ou revogado por outro diploma legal, conforme manda o artigo 10.º da Lei n.º 13/2009;
XVIII. Também não se entende a interpretação do tribunal segundo a qual o artigo 10.º só se aplica a factos ocorridos após a entrada em vigor da Lei n.º 13/2009 pois tal resultaria na criação de um regime incongruente, para além de que é uma interpretação sem qualquer apoio na letra ou no espírito da lei em causa,
XIX. O artigo 10.º não se refere a factos ocorridos antes da sua entrada em vigor mas, com toda a clareza, a regulamentos administrativos publicados antes da sua entrada em vigor;
XX. Por tudo isto, o regulamento administrativo n.º 42/2004 que veio alterar as normas reguladoras da actividade de agência de viagens e da profissão de guia turístico, mormente o seu artigo 1.º, é plenamente válido no ordenamento jurídico de Macau, pelo que, devem os factos ilícitos praticados pelo Recorrente ser punidos com a aplicação das normas por ele introduzidas.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, que V. Ex.as. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se, em conformidade, a douta sentença recorrida, fazendo V. Exas., mais uma vez, JUSTIÇA!
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Respondeu ao recurso jurisdicional o recorrente contencioso, concluindo as suas alegações do seguinte modo:
1. Analisadas a jurisprudência das várias instâncias e as doutrinas, o recorrido entende, como tem entendido, que a posição defendida pelo Tribunal Administrativo e pelo Tribunal de Segunda Instância é mais persuasiva, sustentável e por tal ganhou reconhecimento geral.
2. Pelo exposto, entende o recorrido que os regulamentos administrativos sancionatórios emanados pelo Chefe do Executivo violam o princípio de reserva de lei integrado no princípio de legalidade consagrado no artigo 2.º da Lei Básica e no artigo 3.º, n.º 1 do CPAM, e por tal, não podem ser aplicados.
3. Ao interpretar a disposição transitória contida no artigo 10.º da Lei n.º 13/2009, é preciso ter a cautela de não se cingir à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (artigo 8.º, n.º 1 do CCM).
4. O que o recorrente deixou de considerar é exactamente a integridade do sistema jurídico - as disposições e princípios fundamentais que as sanções administrativas devem respeitar.
5. Os factos ilícitos descritos no auto de notícia do presente processo ocorreram no ano 2008. De acordo com o artigo 1.º, n.º 1 e o artigo 2.º, n.ºs 1 e 2 do CPM, aplicáveis por remissão do artigo 3.º, n.ºs 1 e 3, e do artigo 9.º do DL n.º 52/99/M de 4 de Outubro (Regime Geral das Infracções Administrativas e Respectivo Procedimento), face ao princípio de irretroactividade das leis, entende o recorrido que o artigo 10.º da Lei n.º 13/2009 não se aplica aos factos ilícitos referidos no presente processo, mas sim apenas aos factos ocorridas depois da entrada em vigor desta lei.
6. Por outro lado, dado que o preceito legal aplicado pelo acto administrativo recorrido (isto é, o artigo 78.º do DL n.º 48/98/M de 3 de Novembro alterado pelo artigo 1.º do RA n.º 42/2004) agravou as sanções previstas para as infracções administrativas, estamos então perante uma decisão administrativa agressiva. Acresce que, este regulamento administrativo foi promulgado antes da entrada em vigor da Lei n.º 13/2009, na falta de uma lei habilitante (lei no sentido restrito), é ilegal a alteração introduzida pelo artigo n.º 1 deste regulamento por violação do princípio de reserva de lei integrado no princípio de legalidade consagrado no artigo 2.º da Lei Básica e no artigo 3.º, n.º 1 do CPAM.
7. Se dar aplicação ao artigo 10.º da Lei n.º 13/2009, e entender válida a alteração acima referida, vai ser violado um princípio básico do Direito Penal também aplicável ao regime sancionatório administrativo - isto é, o princípio de retroactividade das leis favoráveis derivado do princípio de irretroactividade das leis (v. o artigo 2.º, n.º 4 do CPM).
8. Determinado que é ilegal o regulamento administrativo em que se baseou a decisão aplicada ao recorrido, e que a Lei n.º 13/2009 não se aplica aos factos praticados pelo recorrido, e por outro lado, que a decisão aplicada pelo recorrente ao abrigo do referido regulamento administrativo (multa de 120.000 patacas e encerramento imediato do estabelecimento) agravou a sanção do recorrido, fazendo com que os direitos do recorrido fossem lesados, entende o recorrido que deve ser nula a decisão que aplicou a sanção, nos termos do artigo 1.º, n.º 1 do CPM, em conjugação com o artigo 122.º, n.º 1 do CPAM.
9. Portanto, a decisão do tribunal a quo é correcta, devendo assim ser mantida.
Nestes termos e nos melhores de direito, doutrina e jurisprudência aplicáveis, que V. Ex.as doutamente suprirão, deve o recurso interposto pelo recorrente ser julgado improcedente, mantendo-se, em consequência, a sentença do tribunal a quo, fazendo V. Ex.as JUSTIÇA!
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O digno Magistrado do M.P., em seu douto parecer de fls. 125/129 opinou no sentido do provimento do recurso.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
Em 17 de Julho de 2007, a Direcção dos Serviços de Turismo oficiou ao Centro de Educação XX do recorrente (oficio n.º 0704253/ DI/2007), notificando-o que a organização do curso “study tour” pelo recorrente em conjunto com a “XX Education First” sediada em Hong Kong, a organização de seminários no Centro de Educação XX e a prestação de serviço de inscrição são actividades de intermediação que é um dos serviços próprios de uma agência de viagens, e advertindo-o para imediatamente pôr fim a essas actividades de intermediação, sob pena de lhe ser aplicada uma multa de 120.000,00 patacas e de lhe ser ordenado o encerramento imediato das suas instalações (v. fls. 82 e 84 dos autos apensados, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 19 de Junho de 2008, a DST recebeu o resultado de investigação acerca do Centro de Educação XX, cujo conteúdo era sobre se o rXXerido centro estava legalmente habilitada para organizar viagem de estudos (v. fls. 89~90 dos autos apensados, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 24 de Junho de 2008, a DST mandou inspectores para deslocar-se ao Centro de Educação XX para recolher umas brochuras sobre as viagens de estudo organizadas pela “XX Education First”, onde não constam elementos sobre o Centro de Educação XX (v. fls. 92~ 127 dos autos apensados).
Em 26 de Junho de 2008, o recorrente fez uma declaração à DST sobre o respectivo assunto (v. fls. 129 dos autos apensados, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 2 de Julho de 2008, o Director dos Serviços de Turismo exarou despacho, onde concordou o com o teor do Relatório n.º 27/DI/2008, e instaurou um processo sancionatório contra o recorrente (v. fls. 131~133 dos autos apensados, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 16 de Julho de 2008, em relação ao exercício sem licença de actividade de “intermediação na venda de serviços de agências similares locais ou de fora da Região Administrativa Especial de Macau” prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 3.º do DL n.º 48/98/M, alterado pelo RA n.º 42/2004, a DST instaurou contra o Centro de Educação XX o Auto de Notícia n.º: 101/DI/2008 (v. fls. 165 dos autos apensados, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 19 de Agosto de 2008, a DST emitiu ofício n.º 0805073/DI/2008, avisando o recorrente para fazer audiência escrita sobre o assunto descrito no respectivo Auto de Notícia (v. fls. 171~172 dos autos apensados, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 25 de Agosto de 2008, o recorrente apresentou audiência escrita para a DST (v. fls. 176~ 178 dos autos apensados, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 19 de Junho de 2009, agentes da DST exararam Relatório n.º: 137/ DI/2009, onde indicaram que o recorrente violou o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 3.º do DL n.º 48/98/M de 3 de Novembro, com a nova redacção dada pelo RA n.º 42/2004, razão pela qual, sugeriram que fosse ordenada a cessação imediata das actividades de agência de viagens exercida pelo Centro de Educação XX e a aplicação de uma multa de 120.000,00 patacas (v. fls. 238~240 dos autos apensados, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 31 de Julho de 2009, o Director dos Serviços de Turismo proferiu despacho no Relatório acima referido, onde dizia “concordo, proceda-se em conformidade”.
Em 4 de Agosto de 2009, a DST emitiu Mandado de Notificação n.º 187/2009, através do qual, o recorrente foi notificado do despacho acima referenciado, mas o recorrente recusou-se a assinar a respectiva certidão de notificação (v. fls. 246 dos autos apensados, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 7 de Agosto de 2009, o recorrente apresentou reclamação para a DST (v. fls. 247~260 dos autos apensados).
Em 14 de Agosto de 2009, agentes da DST exararam o Relatório n.º 193/DI/2009, sugerindo a rejeição da reclamação (v. fls. 282~286 dos autos apensados, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Em 17 de Agosto de 2009, no Relatório acima referido, o Director Substituto da DST exarou despacho, que tem o seguinte teor: “concordo, proceda-se em conformidade”.
Em 17 de Setembro de 2009, o recorrente interpôs recurso contencioso para este Tribunal.
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III- O Direito
A sentença sob censura, ainda que tal não tenha sido manifestado na petição inicial do recurso, abordou a questão da legalidade das disposições do DL nº 48/98/M, de 3/12, alteradas pelo Regulamento Administrativo nº 42/2004.
E ao fazê-lo, concluiu que o acto sancionatório era inválido: nulo porque assente em disposições (as acima referidas) que considerou ilegais (e cuja aplicação, por isso, rejeitou) em virtude de derivarem de regulamento administrativo ofensivo do princípio da legalidade em razão da violação do subprincípio da reserva de lei.
Trata-se de um tema que nós mesmos já decidimos por duas vezes em recentes datas nos Processos nºs 434/2009 e 440/2009, em 21/07 e 23/06, respectivamente.
Transcrevamos, por comodidade, celeridade e economia de meios, o que dissemos no primeiro:
“Eis-nos perante uma das mais sensíveis matérias a que o tribunal é chamado a pronunciar-se: o da competência do Governo e do Chefe do Executivo da RAEM em matéria de produção normativa. Sensível e difícil, na medida em que a Lei Básica não nos diz em norma própria quais as matérias podem ser sujeitas ao exercício do poder regulamentar ou quais as que só podem ser reguladas por lei1, da mesma maneira que não fornece um quadro único e bem definido de competências atribuíveis em exclusivo à Assembleia Legislativa2, mas simplesmente nos aponta em momentos diferentes do seu articulado alguns temas que devem ser submetidos à lei3. Então é caso para perguntar se podia o Ex.mo Chefe do Executivo produzir o Regulamento Administrativo nº 42/2004, de 30/12 a respeito do exercício da actividade das agências turísticas e dos guias turísticos?
Olhemos com atenção para o panorama legislativo.
O Chefe do Executivo é o órgão dirigente máximo da estrutura política e executiva da RAEM: art.45º da LB. Pode dizer-se também que é o dirigente máximo do Governo: art.2º, da Lei n. 2/1999, de 20/12/1999 (Lei de Bases da Orgânica do Governo)4.
Mas a função legislativa, essa, pertence à Assembleia Legislativa, através da elaboração de leis: arts. 67º e 71º, n.1), da LB, o que não acontecia antes da transferência da soberania para a República Popular da China, pois, então, o Governo detinha poderes legislativos, como se sabe.
E assim é que o Chefe do Executivo, que é o órgão executivo da RAEM (art. 1º, da Lei 2/1999, de 20/12), apenas assina projectos e propostas de lei aprovadas pela AL e manda publicar as leis: art. 50º, n.3), LB (ver também arts. 60º e 67º da LB), embora disponha do poder de emitir regulamentos (art. 50º, al. 5), da LB; ver também art. 15º da Lei de Bases da Orgânica do Governo: Lei nº 2/99 cit.)).
Também ao Governo foi reconhecido esse poder regulamentar (art. 64º, al. 6), da LB).
Estes dois casos de poder regulamentar inscrevem-se no âmbito da competência para a emissão de regulamentos complementares e independentes5.
Ora, os regulamentos, de um modo geral, têm que estar sujeitos ao princípio da legalidade, o qual se densifica através daquilo a que poderíamos designar subprincípios: o primado da lei, a precedência da lei e a reserva de lei.
O primeiro é destinado a prevenir a hipótese de em caso nenhum o regulamento poder ofender ou contrariar actos legislativos, sejam eles quais forem.
Quanto aos segundo, um dos exemplos que podemos apontar é o de as normas regulamentares excederem o conteúdo da lei prévia de que dependem e que visam regular e concretizar, violando assim o princípio da precedência da lei. Na verdade, o princípio da legalidade aqui também implica que a norma regulamentar não ultrapasse os limites substantivos da lei que visa regulamentar. Poderíamos citar, aqui, o exemplo que vem do art. 118º da LB (O Governo só pode intervir em matéria de protecção de ambiente “nos termos da lei”), ou o que deriva do art. 90º, parágrafo 4º (A organização, competência e funcionamento do Ministério Público são regulados por lei”). Quer dizer, aí já não é o Governo a definir o regime aplicável, e por isso qualquer intervenção regulamentar nesse sentido só pode assentar em lei prévia.
Outras vezes a ilegalidade deriva da circunstância de a norma regulamentar não poder ter sido emitida pelo seu autor, por tratar de assunto da exclusiva competência do órgão legislativo próprio, isto é, de matéria do foro reservado da Assembleia Legislativa. Diz-se, nesse caso, que a norma violou o princípio da reserva da lei.6
A dificuldade que surge em relação à precedência da lei ou à reserva da lei avoluma-se no tocante aos regulamentos independentes do Chefe do Executivo e do Governo, em especial devido à forma menos clara e específica pela qual a Lei Básica neles deposita os poderes respectivos, sem que a Lei de Bases da Orgânica do Governo forneçam melhores subsídios de interpretação para além dos que resultam expostos nos arts. 15º e 16º7.
Daí que, no que a estes regulamentos independentes diz respeito, ela só pode ser superada se detectarmos na Lei Básica, pelo menos em termos amplos e genéricos, o reconhecimento expresso desse poder ao Governo, qua tale8, como se pode entrever no art. 14º, parágrafo 2º, ao prescrever que “O Governo da Região Administrativa e Especial de Macau é responsável pela manutenção da ordem pública na Região”). E, por outro lado, se tais regulamentos não dependem de lei prévia habilitadora e se permitem estabelecer pela primeira vez a disciplina de certas relações, a verdade é que as matérias sobre que versam não podem estar reservadas ao órgão legislativo único, que é a Assembleia Legislativa. Essa é a tarefa que o intérprete tem que realizar a cada passo.
Mas se bem atentarmos, a Lei Básica, foi mais além de que caucionar uma mera atribuição genérica de poderes regulamentares. Acabou, através de uma fórmula subtil (e por isso até pode passar despercebida), embora suficientemente dirigida ao propósito que lhe subjaz, por conferir ao Governo ou ao Chefe do Executivo poderes de intervir na definição e na regulação de certo tipo de relações. Essa fórmula está traduzida na expressão “por si próprio” incluída em inúmeras disposições do seu articulado.
Assim é que reconhece ao Governo o poder de definir por si próprio os vários sistemas de gestão da aviação civil (art. 117º, da LB), a política respeitante à promoção dos serviços de medicina e saúde (art. 123º), a política cultural (art. 125º), a política referente à imprensa e à edição (art. 126º) ou a política para o desporto (art. 127º). Nestes e noutros casos ali previstos, o legislador da Lei Básica transmite, não só a ideia, como a sua expressão, de que ao Governo era reconhecido poder regulamentar originário, no sentido de que a normação que daí derivasse era independente e sem qualquer atinência a lei (ordinária) prévia (precedência de lei). Simultaneamente, deixava pensar que essa competência regulamentar não era reservada à Assembleia Legislativa, nem sequer concorrencial com a deste órgão legislativo.
Só que enquanto assim preceituava, o mesmo legislador, em diferentes normas, mais do que simples impressão, deixou que o intérprete apreendesse uma certeza: a de que quando quis que o Governo ou o Chefe do Executivo agissem sob a égide de um poder regulamentar não independente, afirmou-se de um modo mais do que claro. Exemplos disso avistamo-los no art. 119º: “O Governo da Região Administrativa e Especial de Macau protege o meio ambiente, nos termos da lei” (negro nosso) ou no art. 124º: “ O Governo …define, por si próprio, a política relativa às ciências e à tecnologia e protege, nos termos da lei, os resultados da investigação científica e tecnológica, patentes, descobertas e invenções”. O Governo pode elaborar regulamentos administrativos nessa matéria, mas terão que obedecer à lei pré-existente, terão que ser regulamentos complementares, é o que nos transmite o dispositivo.
Ora, no caso que nos ocupa, somos a considerar que a Lei Básica não atribui à Assembleia Legislativa competência exclusiva sobre esta matéria. E por outro lado, na linha do raciocínio que vimos empreendendo, entendemos que ela depositou no Ex.mo Chefe do Executivo competência regulamentar independente e no âmbito de um poder de normação primário. A origem da nossa afirmação encontra-se no art. 129º referente ao “sistema relativo às profissões” e, bem assim, à “avaliação e à atribuição de qualificação profissional” e à “qualificação” para o seu exercício”. Dito por outras palavras, a Lei Básica conferiu ao Governo a faculdade de, para esta matéria, intervir “por si próprio” naquilo a que poderíamos designar de reserva regulamentar.
(…) Importa, porém, discutir duas ou três coisas mais.
A primeira consiste em saber se da norma do art. 129º da Lei Básica, que ao Governo confere tais poderes regulamentares, se retira a possibilidade de eles poderem ser aplicados em concreto pelo Chefe do Executivo. A questão, que não entendemos de todo despicienda - uma vez que noutras ocasiões a mesma lei se refere directamente ao Chefe do Executivo - deve colocar-se em virtude se ser comummente aceite a noção de que a competência não se infere ou não se presume, antes deve estar outorgada de forma expressa ou claramente implícita na norma jurídica de forma a que ela se tenha por legalmente existente9. Consideramos, contudo, que a outorga ao Governo de tais poderes se mostra suficiente para que o seu dirigente máximo o possa exercitar. Na verdade, até da própria Lei nº 3/1999 resulta que os regulamentos administrativos, mesmo quando emanam de um poder depositado ao Governo, são “decretados” pelo Chefe do Executivo, por quem são, de resto, subscritos (ver art. 13º). Damos desta maneira por respondida a primeira questão.
A segunda, porventura, mais difícil, é a de saber se, naquela matéria concreta do art. 129º da Lei Básica e ao abrigo dos poderes que acabamos de reconhecer-lhe, poderia o Chefe do Executivo estabelecer sanções administrativas.
A douta sentença disse que não, por entender que o Regulamento Administrativo nº 42/2004, ou criou novas sanções, ou agravou as que estavam previstas no DL nº 48/98/M”.
Façamos uma pausa na transcrição e vejamos o que está em causa.
As normas em apreço são o art. 3º, nº1, al.e)78º , ambas do DL nº 48/98/M, de 3/11.
Vejamos o que diz a primeira:
Artigo 3.º
(Actividades próprias)
1. As actividades próprias das agências são as seguintes:
a)… b)…c)…d)…
e) Intermediação na venda de serviços de agências similares locais ou de fora do Território (negro e itálico nossos).
E a segunda:
Artigo 78.º
(Exercício ilegal da actividade)
1. O exercício da actividade de agência que não esteja titulado com a licença emitida nos termos deste diploma é punido com encerramento imediato e multa de $ 50.000,00 (cento e vinte mil patacas).(negro e itálico nossos).
2. Para efeitos do disposto no número anterior, a DST pode recorrer às autoridades policiais para encerramento coercivo.
As alterações introduzidas pelo Regulamento Administrativo citado cifraram-se na terminologia do art. 3º (passou a incluir a designação de Região Administrativa Especial de Macau, em vez de Território) e na moldura da pena de multa do art. 78º (de 50 mil patacas passou para 120 mil patacas).
Como se vê, o ilícito estava anteriormente previsto. Portanto, neste aspecto específico, o Regulamento Administrativo não chegou a introduzir qualquer inovação, porque os elementos do tipo são sensivelmente iguais (as diferenças são praticamente inexistentes ou imperceptíveis).
Diferença, sim, apenas houve no que concerne à moldura sancionatória. com elevação substancial da multa.
Voltemos à transcrição:
“Configurará esta acção regulamentar, em virtude da alteração do quadro abstracto punitivo, alguma ofensa ao princípio da reserva de lei? Estaremos nós perante uma restrição de direitos e liberdades de que fala o art. 40º da Lei Básica?10
A questão não é de fácil resposta. Na verdade, admitimos a plausibilidade da defesa de um certo ponto de vista que encontra no agravamento de penas mais do que o exercício de uma mera actividade regulamentar enquadrada nos seus precisos limites. De modo que, na medida em que a actividade em causa iria para além do que o permitiria o referido art. 40º, então ele seria ilegal por tratar de matéria que só a lei poderia regular.
Todavia, para se chegar a tal conclusão seria preciso concluir que o Regulamento em causa estaria efectivamente a restringir direitos e liberdades. Na verdade, se de restrição de direitos e liberdades pudéssemos falar aqui, ela teria sido estabelecida no Decreto-lei e não no Regulamento, pois foi aí que se criou o ilícito-tipo, se declarou a natureza da ilicitude e se previu o seu sancionamento.
Todavia, de restrição de direitos e liberdades não cremos que possamos falar com pleno rigor nesta matéria, porque nunca antes havia sido estabelecida a favor dos guias turísticos ampla liberdade de acção que incluísse o direito de não falar verdade ou de induzir os clientes turistas a comprar nas lojas comerciais que eles muito bem escolhessem. Pelo contrário, a actividade, como outra qualquer, está regulada desde o início e nessa regulação sempre lhes foi proibido agir daquela maneira. Esta proibição faz parte do quadro normativo regulador da actividade e sobre isso não se pode ter dúvida. Neste sentido, não podemos falar em ablação em relação ao status quo ante.
O aumento de pena, por outro lado, não pode ser encarado numa pura perspectiva ablativa de direitos e liberdades (é preciso lembrar que não estamos a falar de perda de liberdade em sentido estrito, como é o caso da prisão11). Ele é, simplesmente, o modo de passar para a norma aquilo que a sociedade reclama no âmbito da dinâmica evolutiva das relações sociais e económicas. A sanção administrativa perdera actualidade e urgia agravá-la por influência do decurso do tempo e das novas realidades que impunham maior controlo para evitar destempero ou descalabro da actividade dos guias em prejuízo da imagem que daí adviria para a RAEM.
Mais difícil é encontrar nesta situação algo que se costuma traduzir em identidade do modelo normativo, convertível no possível brocardo só a lei pode alterar o que ela própria criou. E assim sendo, o que o Decreto-Lei 48/98/M criou12 só por diploma legislativo de idêntica força podia ser alterado.
Mas também aqui, a solução não pode ser a que um quadro de estabilidade de competências obrigaria a ter. Com efeito, só assim deveria ser se a alteração da situação histórica de Macau não tivesse sido acompanhada de uma modificação do quadro de competências dos diversos órgãos do poder. É que, enquanto anteriormente este poder legislativo também estava conferido ao Governador (e foi ao abrigo dele e do art. 13º, nº1 do Estatuto Orgânico de Macau que o DL 48/98/M foi decretado), com a Lei Básica o Chefe do Executivo passou a ter apenas competência regulamentar, como se viu já. Isto quer dizer que qualquer alteração ao referido diploma nunca podia ser feita formalmente pela mesma via do decreto-lei (impossibilidade jurídica), tendo até em conta que a alteração que a Assembleia Legislativa pode efectuar obedece à identidade da forma: esse órgão pode alterar por lei o que estiver estipulado na lei (é o que se depreende do art. 71º, al. 1), da LB).
Aqui chegados, eis-nos perante um panorama normativo criado com alguma coerência. Repare-se: o Decreto-lei em apreço versava sobre determinada matéria para a qual o Governador detinha competência legislativa. Não obstante a perda desses poderes pela entidade que politica e administrativamente lhe sucedeu, o Chefe do Executivo, a verdade é que a Lei Básica nele depositou poder semelhante de intervenção normativa sobre a mesma matéria (ver citado art. 129º). Portanto, como se vê, há uma certa linha de continuidade e de harmonia no plano da intervenção material, que só cede no da adequação formal. Substantivamente são os mesmos poderes, o que muda é o carácter formal do modelo de intervenção.
Logo, sob pena de quebra da mesma coerência que entrevimos na tábua de matérias sobre as quais o Chefe do Executivo pode intervir pela via regulamentar, faz sentido que se lhe reconheça o poder de alterar aquilo que o decreto-lei tinha estipulado. Seria, aliás, um paradoxo que, pudesse dispor de competência para elaborar um regulamento independente sobre o assunto e não a pudesse exercer para introduzir modificações num diploma pré-existente.
Em suma, mesmo concedendo que as questões equacionadas podem ser vistas por diferente ângulo (a sentença seguiu outro, como se viu), somos a entender que não estamos perante uma situação que atente contra o direito fundamental previsto no art. 40º, nº2, da Lei Básica, nem, em consequência, perante caso de ofensa a reserva de lei13. O que vale por dizer que, salvo melhor opinião, o Regulamento em causa não é ilegal por esse motivo.
(…) Mas, para terminar este ponto, talvez valha a pena meditar um pouco sobre a Lei que instituiu o Regime jurídico de enquadramento das fontes normativas internas (Lei nº 13/2009, de 27/07). Trata-se de apurar se este diploma apresenta modificações de vulto que urja destacar em favor de alguma das posições em debate.
Sem dúvida que ela trouxe a luz que faltava para a clarificação de dúvidas sobre a repartição das competências legislativa e regulamentar da Assembleia Legislativa e do Chefe do Executivo, respectivamente, e, nesse sentido, portanto, para a compreensão mais firme e precisa sobre o fenómeno material da reserva legal. É a opinião que desde já manifestamos. Com efeito, esta lei veio agora definir qual o limite da lei e do regulamento (art. 3º), qual a competência da A.L. e o âmbito substantivo das suas leis (arts. 5º e 6º), bem como quais as matérias que podem ser objecto de regulamento complementar e independente (art. 7º). Tudo ficou agora bem com este diploma, mais explícito, com toda a certeza.
Mas, como é evidente, ao fazê-lo, a lei admite que possa ser lida com dois sentidos:
- Um, para se extrair a ideia de que até à sua publicação existia um vazio legal e que, por conseguinte, nada permitia inferir que o Governo tivesse poderes regulamentares em determinadas áreas, como por exemplo, na área das infracções administrativas.
- Outro, para se concluir precisamente o contrário, isto é, no sentido de confirmar o que já antes existia, embora sob a suspeita de pouca clareza.
Como adiantámos acima, inclinamo-nos para a segunda das possíveis leituras. Em primeiro lugar, porque de acordo com esta Lei a competência regulamentar serve propósitos de desenvolvimento, implementação e execução de políticas governativas (art. 7º, nº1, al.1)). Ora, estas matérias já antes estavam cometidas de forma esparsa na Lei Básica, no sentido de que, nas diversas políticas a seu cargo, o Governo podia actuar “por si próprio” (v.g. art. 121º, 125º, 130º, da Lei Básica). Em segundo lugar, a circunstância de a referida lei estabelecer que compete à lei a normação sobre o regime geral das infracções administrativas (art. 6º, nº6)) em nada vem contrariar o entendimento que acima expusemos. Na verdade, o que a lei define é o âmbito da lei em matéria de fixação do regime geral das infracções administrativas, ou seja, o conjunto de regras e princípios a que, por sua vez, devem obedecer os regimes material e procedimental, tal como já havia sido feito no Regime Geral das Infracções Administrativas e respectivo procedimento, introduzido pelo DL nº 52/99/M. Ora, se faz sentido que este regime-base seja determinado por instrumento normativo sob a forma de lei, a maneira como o legislador se exprimiu deixa inferir com toda a legitimidade que a concretização das mais diversas infracções administrativas possa já obedecer à via regulamentar. E se isto se pode pensar, o art. 7º, nº1, al.6) veio reforçar o pensamento: afinal, o Regulamento passa a ser a via normativa adequada para tratar das matérias concernentes às infracções administrativas e respectivas multas que não excedam 500 000,00 patacas.
Para dizer, em suma, que esta lei não vem inovar, mas sim, confirmar e clarificar aquilo que se supunha ou entrevia numa interpretação generosa da Lei Básica. Nesta perspectiva, a Lei 13/2009 até vem contribuir para o reforço da opinião que manifestámos acima.
De qualquer maneira, independentemente de todas as discussões que possam travar-se acerca do alcance inovatório ou clarificador desta lei, o que mais importa é a força das suas disposições, a imperatividade das suas estatuições. E é por isso que, para lá de tudo o que se possa dizer, o preceito do art. 10º revela-nos que “ Os regulamentos administrativos publicados antes da entrada em vigor da presente lei, ainda que não observem o regime nesta estabelecido, continuam a produzir efeitos jurídicos até à sua alteração, suspensão ou revogação através de diplomas legais”.
Ou seja, mesmo que o Regulamento Administrativo nº 42/2004 atentasse contra preceitos desta lei, nem por isso ele deixaria de ser aplicável ao caso em apreço”14.
Por conseguinte, a decisão recorrida não pode manter-se. Tal significa que os autos deverão voltar à 1ª instância para apreciação do mérito da pretensão contenciosa, com conhecimento dos vícios imputados ao acto sancionatório.
***
IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida, e determinando que os autos voltem ao Tribunal Administrativo para prolação de nova sentença que aprecie os vícios imputados ao acto, a menos que outra qualquer causa o impeça.
Sem custas.
TSI, 15 / 12 / 2011
Presente José Cândido de Pinho
Vitor Coelho Choi Mou Pan
Lai Kin Hong (Vencido nos termos da declaração de voto que se junte)
Processo nº 28/2011
Declaração de voto de vencido
Vencido por razões já doutamente expostas na Douta sentença recorrida que louvo e subscrevo integralmente.
Ademais, dado o carácter sancionatório das normas em causa (o artº 78º do D. L. nº 48/87/M, com a nova redacção dada pelo Regulamento Administrativo nº 42/2004), a ilegalidade dessas normas não pode ser retroactivamente sanada pelo artº 10º da Lei nº 13/2009.
RAEM, 15DEZ2011
Lai Kin Hong
1 Embora, aqui e ali, diga quais as matérias que só por essa via devem ser definidas. É o que sucede com os sistemas monetário e financeiro da RAEM que, segundo o art. 107º, só pode ser definido por lei.
2 E tal podia ser feito, de um modo denso, no art. 71º do diploma.
3 Por exemplo, quando preceitua que os direitos e as liberdades de que gozam os residentes de Macau não podem ser restringidos excepto nos casos previstos na lei (art. 40º, 2º parágrafo).
4 São ainda membros do Governo: os Secretários, o Comissário contra a Corrupção, o Comissário da Auditoria, o Principal responsável pelos Serviços de Polícia e o Principal responsável pelos Serviços de Alfândega: art. 4º da Lei n. 2/1999.
5 Embora estas matérias da normação escapem por regra à função jurisdicional, a verdade é que, em certos casos, as normas regulamentares podem ser objecto de fiscalização em processos de impugnação próprios, com a finalidade de as tornar ilegais com força obrigatória geral (art.88º do CPAC).
6 Sobre o assunto: José Eduardo Figueiredo Dias, Manual de Formação de Direito Administrativo de Macau, 2009, pag. 165 e sgs. Também o Código de Procedimento Administrativo de Macau, anotado e comentado, de L. Ribeiro e outro, pag. 57 e sgs. Ver ainda, Ac. do TUI de 18/07/2007, Proc. nº 28/2006 e do TSI de 13/12/2008, Proc. nº 223/2005.
7 Art. 15º: “O Chefe do Executivo exerce as competências previstas na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e noutras leis ou regulamentos administrativos”; Art. 16º: “O Governo exerce as competências previstas na Lei Básica da Região Administrativa e Especial de Macau e noutras leis ou regulamentos administrativos”.
8 Embora haja quem se manifeste contra esta forma de atribuição de poderes: “não pode uma atribuição genérica envolver só por si o exercício de determinada competência ou a utilização de determinados instrumentos ou formas constitucionais” (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição anotada, 3.ª edição, p. 514). Outros sustentam o contrário: Vieira de Andrade, ordenamento jurídico administrativo português, in Contencioso Administrativo, Braga, 1986, p. 65 e seg, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra, Coimbra Editora, Tomo II, 2006, p. 724 e segs., Paulo Otero, in O Poder de Substituição em Direito Administrativo, Lisboa, Ed. Lex, p. 571 e segs. e Legalidade e Administração Pública, Coimbra, Almedina, 2003, p. 455 e segs. e 733 e segs.
9 Neste sentido, Agustin Gordilho, na obra Tratado de Derecho Administrativo, Parte General, Tomo I, “Los órganos del Estado”, Capítulo XII-6; Jorge Miranda, Orgãos do Estado, pag. 254 do Dicionário Jurídico da Administração Pública.
10 Art. 40º, 2º parágrafo: “ Os direitos e as liberdades de que gozam os residentes de Macau não podem ser restringidos excepto nos casos previstos na lei.(…)”
11 Importa ter presente que as sanções para as infracções administrava em caso nenhum podem ser restritivas da liberdade pessoal, sendo certo por outro lado que ao infractor são assegurados direitos de audiência e de defesa, nos termos do art. 6º, nº1, do DL nº 52/99/M: Regime Geral das Infracções administrativas e respectivo procedimento).
12 Foi ao abrigo do seu poder legislativo que o Governador de Macau dessa época assim legislou.
13 O acórdão do TUI nº 28/2006, de 18/07/2007, chegou à mesma conclusão nos seguintes termos: “…não resulta de nenhum preceito da Lei Básica que os regulamentos administrativos não possam estabelecer deveres ou restrições sobre os particulares. De acordo com o artigo 40.º, o que os regulamentos não podem é impor restrições aos direitos fundamentais, a que se refere o Capítulo III da Lei Básica e aos direitos previstos nos Pactos mencionados naquele artigo 40.º, matéria que deve constar de lei. Assim, desde que a matéria não esteja reservada à lei da Assembleia Legislativa, nada obsta a que regulamentos possam estabelecer deveres ou impor restrições sobre os particulares”. E mais adiante: “O Chefe do Executivo pode aprovar regulamentos apenas com fundamento na Lei Básica, fora das matérias reservadas à lei pela Lei Básica e sem prejuízo do princípio da prevalência da lei (o regulamento não pode contrariar os actos normativos de força hierárquica superior, designadamente, a Lei Básica, as leis, nem os princípios gerais de Direito, incluindo aqui os de Direito Administrativo)”.
14 No mesmo sentido, ver ainda o Ac. deste TSI de 23/06/2011, Proc. nº 440/2009.
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