ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 19 de Janeiro de 2010, condenou o arguido A pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de 4 (quatro) anos de prisão.
Em recurso interposto pelo arguido o Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 6 de Maio de 2010, rejeitou o recurso.
Ainda inconformado, recorre o arguido para este Tribunal de Última Instância (TUI), terminando com as seguintes conclusões:
1.ª O Recorrente considera haver erro de direito na medida da pena que lhe foi aplicada em concreto em virtude em função da sua culpa.
2.a Se não fosse o comportamento do 2.° arguido, jamais o Recorrente teria praticado os actos de execução por que foi sentenciado.
3.a O Recorrente na sua modesta opinião, considera que para a punição pelo crime de tráfico de que vem acusado, deveria apenas ser considerado o estupefaciente que se destinava ao seu próprio consumo.
4.a Reclamada a propriedade dos estupefacientes pelo 2.° arguido, deveria tal facto ter sido reflectido na medida da pena, e em consequência ter sido aplicada em concreto uma pena mais leve ao Recorrente.
5.a O indivíduo que transporta estupefacientes, mas que se prova que não lhe pertencem na sua maioria, que não tem intenção de vender, que não foi iniciativa sua a aquisição daqueles produtos, não detendo outros estupefacientes nomeadamente em sua casa, não deverá ser sancionado exactamente com a mesma medida de culpa daquele que tem iniciativa, tem produtos estupefacientes em casa, e de resto assume que os produtos estupefacientes na sua maioria lhe pertencem .
O Ex. mo Procurador-Adjunto, na resposta à motivação, pronuncia-se contra a atenuação da pena, defendendo a rejeição do recurso.
No seu parecer, o Ex. mo Procurador-Adjunto manteve a posição já assumida na resposta à motivação.
II – Os factos
As instâncias consideraram provados e não provados os seguintes factos:
Dia 17 de Abril de 2008, cerca das 11h45 da noite, agentes da PJ interceptaram o arguido A que estava saindo da residência do arguido B situada no bairro do Patane, designadamente na [Endereço (1)].
O arguido A tirou, ele próprio, do bolso do lado direito da calça, dois pequenos sacos plásticos transparentes com pó branco; tirou da cueca um saco plástico transparente maior contendo dentro dele três sacos pequenos transparentes com pó branco, um saco plástico de cor azul também com pó branco e um outro saco plástico transparente com uma capsula de cor vermelha e outras duas cápsulas de cor de laranja embaladas numa folha de estanho; ainda foi apreendido um telemóvel que detinha na altura (cfr. fl. 6 dos autos de apreensão).
Após exame laboratorial, foi confirmado que os referidos pós de cor branca contidos nos dois pequenos sacos com peso líquido de 1,098 gramas, continham "Ketamina", substância controlada na Tabela II - C do Decreto-Lei nº 5/91/M; e após análise quantitativa, verificaram-se substâncias de "Ketamina" em 59,90%, no peso líquido de 0,658 gramas; os referidos pós de cor branca contidos em outros três sacos, com peso líquido de 10,836 gramas, continham "Ketamina", substância controlada na Tabela II - C do Decreto-Lei nº 5/91/M; e após análise quantitativa, verificaram-se substâncias de "Ketamina" em 62,24%, no peso líquido de 6,744 gramas; o pó branco no saco plástico de cor azul, com peso líquido de 2,134 gramas, continha "Ketamina", substância controlada na mesma Tabela; e após análise quantitativa, verificaram-se substâncias de "Ketamina" em 65,09%, no peso líquido de 1,389 gramas; a cápsula de cor de rosa, com peso líquido de 0,321 gramas, continha substâncias "MDMA", "METANFETAMINA" e "Ketamina", controladas respectivamente na Tabela II-A, Tabela II-B e Tabela II-C; e após análise quantitativa, verificaram-se "MDMA", "METANFETAMINA" e "Ketamina" respectivamente em 17,79%, 1,35% e 0,71 %, com os respectivos pesos líquidos de 0,057, 0,004 e 0,002 gramas; as cápsulas de cor de laranja com peso líquido de 0,382 gramas, continha "NIMETAZEPAM", substância controlada na Tabela IV da mesma norma.
Dia 17 de Abril de 2008, cerca das 7h02 da noite, o arguido A saiu de Macau e deslocou-se a Gongbei, Zhuhai. No Centro Comercial Subterrâneo de Gongbei, o arguido adquiriu, a um indivíduo chamado de "C (segundo a pronúncia)", cuja identidade ainda não foi apurada, os produtos supra citados por um preço até agora não apurado e o pó branco (com peso líquido de 10,164 gramas, continham "Ketamina", substância controlada na Tabela II - C do Decreto- Lei n° 5/91/M; e após análise quantitativa, verificou-se Ketamina em 66,17%, no peso líquido de 6,726 gramas) adquirido à solicitação do arguido B. O arguido A trouxeram tais produtos a Macau.
No mesmo dia, numa operação de busca procedida na residência do arguido B, agentes da PJ encontraram, em cima da cama do quarto de dormir, um pote de papel de cor azul com o desenho de "Tabo", contendo no dentro um saco plástico transparente com pó branco, e um saco plástico grande com um saco plástico transparente maior e 15 mini-sacos plásticos transparentes no dentro; ainda foram apreendidos MOP$ 300 e um telemóvel que o arguido detinha na altura (cfr. fl. 14 dos autos de apreensão).
Após exame laboratorial, o referido pó branco no peso líquido de 10,164 gramas, continha "Ketamina", substância controlada na Tabela II - C do Decreto-Lei n° 5/91/M; e após análise quantitativa, verificaram-se substâncias de "Ketamina" em 66,17%, no peso líquido de 6,726 gramas.
Tais produtos foram adquiridos pelo arguido A ao indivíduo supra citado e chamado de "C", no Centro Comercial Subterrâneo de Gongbei, à solicitação do arguido B para seu consumo próprio.
Os arguidos A e B tinham perfeitos conhecimentos da natureza e das características dos estupefacientes acima referidos.
O arguido A comprou, adquiriu, transportou e deteve tais estupefacientes, para, além do próprio consumo, oferecer e ceder ao arguido B.
O arguido B solicitou ao arguido A comprar, adquirir e deter tais produtos, com o objectivo para o próprio consumo.
Os arguidos A e B agiram livre, voluntária e dolosamente quando tiveram as referidas condutas.
Os arguidos A e B bem sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
O arguido A é disco-jóquei e aufere MOP$8000 por mês.
O arguido é solteiro, não tem ninguém a seu encargo.
O arguido manteve, na audiência de julgamento, o silêncio face aos factos lhe imputados, não é primário.
O arguido B é garçom num bar com Karaoke aufere MOP$5500 por mês.
O arguido é solteiro, não tem ninguém a seu encargo.
O arguido manteve, durante a audiência de julgamento, o silêncio face aos factos lhe imputados, não é primário.
Factos não provados: outros factos relevantes constantes na acusação e na contestação que não estão conforme com os factos dados como provados, designadamente:
O telemóvel mencionado na acusação foi instrumento de comunicação do arguido A, destinando à prática do crime de tráfico de droga.
O telemóvel e o dinheiro em numerário mencionados na acusação foram, respectivamente, instrumento de comunicações do arguido B que se serviu para a prática do crime de tráfico de droga e resultado obtido pelo crime; os sacos plásticos transparentes apreendidos referidos atrás foram utilizados para a distribuição e a embalagem de drogas.
Os factos constantes nos artigos 6.º, 7.º e 8.º da contestação de fls. 261 a 265 dos autos.
III - O Direito
1. As questões a resolver
A questão a resolver é a de saber se o Acórdão recorrido deveria ter aplicado uma pena inferior.
2. Medida da pena
Vem suscitada a questão da medida da pena.
O Tribunal de 1.ª Instância condenou o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de 4 (quatro) anos de prisão.
Pretende o arguido uma pena inferior, designadamente, por comparação com a pena aplicada ao outro arguido.
Nesta matéria de medida da pena, tem este Tribunal entendido que ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada (Acórdão de 10 de Outubro de 2007, no Processo n.º 33/2007, entre outros).
Não alega o recorrente qualquer violação legal específica, limitando-se a comparar com a pena aplicada ao outro recorrente.
Ora, quando nos referimos a uma pena desproporcionada, queremos significar uma violação da proporcionalidade face aos factos provados, à medida da culpa e às exigências da prevenção.
É descabido estar a fazer comparação com a pena aplicada a outro arguido, com base em factos diversos, sendo que tal pena não está aqui em apreciação, por não ter sido objecto de recurso.
Ora, perante os factos provados, sucintamente resumidos atrás, e face aos critérios constantes do artigo 66.º do Código Penal, afigura-se-nos que a pena aplicada nem é desproporcionada, nem se mostra que tenham sido violadas vinculações legais ou regras da experiência.
Por outro lado, é um completo contra-senso a tese do recorrente, expressa na 3.ª conclusão da sua motivação de recurso, de que para a punição pelo crime de tráfico de que vem acusado, deveria apenas ser considerado o estupefaciente que se destinava ao seu próprio consumo.
Ora, a detenção e transporte de estupefaciente, destinado ao consumo próprio, integra um crime de consumo de estupefaciente - pelo qual, aliás, o recorrente foi condenado também – e não um crime de tráfico. Este pressupõe uma detenção ou transporte, que não se destine a consumo próprio, como aconteceu, já que o recorrente transportou produto estupefaciente para o consumo do B.
Face à lei antiga (crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro) – para os efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal – seria aplicada uma pena de prisão não inferior a 8 (oito) anos e multa, pelo que a pena aplicada pelo acórdão recorrido é a mais favorável ao arguido.
Impõe-se, pois a rejeição do recurso.
IV – Decisão
Face ao expendido, rejeitam o recurso.
O recorrente pagará custas, com taxa de justiça fixada em 2 UC, e ainda MOP$2.000,00 (duas mil patacas) pela rejeição do recurso.
À defensora do arguido fixam-se honorários no montante de MOP$1.000,00 (mil patacas).
Macau, 21 de Julho de 2010.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
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Processo n.º 30/2010