Processo n.º 731/2011
(Recurso Cível)
Data : 22/Março/2012
ASSUNTOS:
- Prazo de denúncia do arrendamento
- Artigo 1039º do Código Civil
SUMÁRIO:
O prazo de denúncia de um arrendamento previsto no artigo 1039º do Código Civil refere-se à duração do contrato ou da sua renovação, tal como contratualmente foi estipulado, e não à duração efectiva do mesmo por efeito das sucessivas renovações.
O Relator,
João Gil de Oliveira
Processo n.º 731/2011
(Recurso Cível)
Data: 22/Março/2012
Recorrente: A
(XXX)
Recorrido: B
(XXX)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. A [XXX - 7559 4395 2819] aliás XXXX, com os melhores sinais dos autos, inconformado com a sentença proferida no Tribunal Judicial de Base que julgou a acção de despejo por a denúncia efectuada pelo senhorio não ter sido feita no prazo considerado legal, vem recorrer, alegando, em sede conclusiva:
I. A lei, quando no art. 1039° do Código Civil, fixa diferentes prazos para a denúncia está a considerar o período temporal por que foi celebrado o contrato de arrendamento e não a duração efectiva do mesmo por força das sucessivas renovações de que foi objecto, atento aliás o disposto no seu n.º 2.
II. Entende a Doutrina dominante que "A antecedência a que se refere o n.º 1 reporta-se, diz o n.º 2, ao fim do prazo do contrato (de locação) ou da renovação. Se houver, portanto, uma renovação por prazo diferente do contrato (cfr. n.° 2 do artigo anterior), é aquela que interessa e não este, para servir de referência à antecedência exigida por lei." (cfr. ANTUNES VARELA e PIRES DE LIMA in Código Civil Anotado, Volume II, 3ª edição, pág. 422) (sublinhado nosso).
III. Pelo que, o prazo do arrendamento a considerar para efeitos de determinação do prazo de denúncia, é aquele que resultou da sua renovação, ou seja, 1 (um) ano.
IV. Sendo consequentemente aplicável ao caso concreto o art. 1039°, n.º 1, al. b) do Código Civil, e válida a denúncia do contrato de arrendamento para o dia 15 de Abril de 2008 comunicada, por correio registado com aviso de recepção, ao agora Recorrido pelo agora Recorrente com 92 dias de antecedência, a qual satisfez todas as condições exigidas na lei.
V. A douta sentença recorrida violou o art. 1039°, n.º 1, al. b) e o n.º 2, bem como a mens legis subjacente a tal normativo e ao art. 1038°, ambos do Código Civil.
TERMOS EM QUE, entende, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser anulada a, aliás, douta sentença e declarada válida a denúncia do contrato de arrendamento operada pelo agora recorrente com as devidas consequências legais.
2. B, na qualidade de recorrido, contra alega, em síntese:
1. Os factos dados como provados estão em completa consonância com a douta decisão vertida nos presentes autos.
2. Em matéria de facto, ficou provado, com interesse para o presente recurso, que:
(...)
3. Face à matéria de facto alegada e provada, teremos de concluir que entre o Recorrente e o Recorrido existe um contrato de arrendamento pois ao direito de gozo dos arrendados por parte do Réu corresponde o direito de receber as rendas por parte do Recorrente.
4. Não obstante o Recorrente não ser o primitivo senhorio, é certo que ele sucedeu àquele.
5. O Recorrente alega que por meio de carta registada datada de 14 de Janeiro de 2008, dirigida ao Réu lhe comunicou a denúncia dos contratos, com efeito a partir de 14 de Abril de 2008.
6. Ora, a denúncia foi feita com uma antecedência tão só de 92 dias, o que não satisfaz as condições impostas pela lei, atendendo ao facto de que os contratos de arrendamento/relação contratual entre as partes perduraram por 24 anos.
7. Pelo que não subjaz qualquer razão ao Recorrente quando alega que os contratos de arrendamento se encontram denunciados no seu termo.
8. Sendo certo que os contratos de arrendamento foram renovados, pelo que nunca se poderá considerar que os contratos iniciais são instrumentos independentes das suas renovações, pelo que se deverá ter como data de inicio dos mesmos 25 de Maio de 1983.
9. Contudo, este não foi o entendimento do tribunal “a quo”, sendo que o Recorrido partilha este entendimento.
10. Decidindo como decidiu, o tribunal “a quo” considerou que as provas apresentadas pelo Recorrido foram bastantes para provar que a relação jurídica entre Recorrente e Recorrido perdura por mais de 24 anos, tendo sido os contratos de arrendamentos primitivos sido renovados sucessivamente até ao presente.
11. Deste modo, decidindo como decidiu, o tribunal “a quo” decidiu justamente.
Termos em que, deve ser negado provimento ao presente recurso, improcedendo todas as conclusões formuladas pelo Recorrente nas suas alegações.
3. Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
“Da Matéria de Facto Assente:
- Por quatro contratos celebrados em 25 de Maio de 1983, A, na qualidade de cabeça-de-casal no inventário orfanológico por óbito de XXX, deu de arrendamento ao Réu o rés-do-chão e o 1º andar do prédio n.º XX da Rua dos XXX e, ainda, o rés-do-chão e o 1º andar do prédio n.º XX da mesma Rua dos XXX (alínea A) dos factos assentes).
- Estando os mesmos contratos registados na Repartição de Finanças, respectivamente, sob os nos. 448, 450, 451 e 449, desde 26 de Maio de 1983 (alínea B) dos factos assentes).
- Os mencionados prédios encontram-se, respectivamente, inscritos na matriz predial urbana sob os nos. 70597 e 70598 (alínea C) dos factos assentes).
- Descritos na Conservatória do Registo Predial sob os nos. 1148 e 1149, a fls. 139ve 140v do livro B-7 (alínea D) dos factos assentes).
- Os arrendados destinavam-se à instalação da loja de mobílias "San Ah" do Réu (alínea E) dos factos assentes).
- A renda mensal convencionada foi de MOP750,00 (setecentas e cinquenta patacas) por piso, ou seja, no total de MOP3.000,00 (MOP750,00 x 4) (alínea F) dos factos assentes).
- Devido a actualizações, a renda presentemente em vigor é de MOP1.237,50 (mil duzentas e trinta e sete patacas e cinquenta avos) por piso, isto é, no cômputo de MOP4.950,00 (MOP1.237,50 x 4) (alínea G) dos factos assentes).
- Os arrendados encontram-se, desde 11 de Abril de 1990, inscritos a favor do autor na Conservatória do Registo Predial pelo n.° 112608, a fls. 78 do livro G-108 (alínea H) dos factos assentes).
- O arrendatário, o Réu reconheceu o Autor como seu senhorio, pagando-lhe as respectivas rendas (alínea I) dos factos assentes).
*
Da Base Instrutória:
- O prazo do arrendamento foi de "três anos improrrogável", com início em 15 de Maio de 1983 e termo em 14 de Abril de 1986 (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
- Não obstante de o prazo do arrendamento ser de "três anos improrrogável", o contrato foi sendo renovado por períodos sucessivos de 1 (um) ano até 2007, altura em que se procedeu à última renovação (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).
- O Autor não pretendia continuar com o contrato então celebrado pelo referido cabeça-de-casal, tencionando pôr termo ao mesmo (resposta ao quesito da 3° da base instrutória).
- E em 14 de Janeiro de 2008, o Autor, na qualidade de senhorio, comunicou por correio registado com aviso de recepção ao Réu a denúncia do contrato para o dia 15 de Abril de 2008 (resposta aos quesito da 4° da base instrutória).
- Exigiu que o Réu deixasse os arrendados até ao dia 16 de Abril de 2008, levando consigo todos os seus haveres (resposta ao quesito da 5° da base instrutória).
- Até ao termo da data limite, o Réu não fez a entrega dos arrendados ao Autor (resposta ao quesito da 6° da base instrutória).
- Em 18 de Agosto de 2008, foi instado por escrito uma vez mais pelo Autor para deixar os arrendados até ao dia 31 do mesmo mês e ano e entregá-los, livres de pessoas e bens ao Autor (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).
- Conforme o contratualmente acordado, a renda deve ser paga "na casa do inquilino" que no caso ora em apreço é no local arrendado (resposta ao quesito da 10° da base instrutória).
- O Réu não desocupou os locados, apesar de ter sido interpelado para o fazer (resposta ao quesito da 11° da base instrutória).
- Em Outubro de 2007, o Réu deu início às obras descritas a fls. 59 (resposta ao quesito da 14° da base instrutória).
- Tendo-se inscrito no Plano de Apoio a Pequenas e Médias Empresas (resposta ao quesito da 15° da base instrutória).
- No seguimento deste Apoio concedido pelo Governo, nomeadamente pelo Fundo de Desenvolvimento Industrial e de Comercialização, o Réu assinou um termo de livrança no valor de MOP$175.000,00 (resposta ao quesito da 16° da base instrutória),
- O Réu sempre quis efectuar o pagamento da renda (resposta ao quesito da 19° da base instrutória).
- O Réu começou a proceder ao depósito das rendas no Banco Nacional Ultramarino (resposta ao quesito da 20° da base instrutória),
- O Réu que recorreu ao Plano de Apoio a Pequenas e Médias Empresas para obter um financiamento que ainda está a pagar (resposta ao quesito da 25° da base instrutória).
- O primeiro depósito de renda no Banco Nacional Ultramarino foi efectuado pelo Réu em Agosto de 2008 (resposta ao quesito da 26° da base instrutória) .
- Esse depósito abrangia 6 (seis) meses de renda, em singelo, o a primeira das quais relativa a Abril de 2008 (resposta ao quesito da 27º da base instrutória).
- O Autor nunca teve conhecimento de ter sido efectuado o depósito dessas rendas, uma vez que do facto jamais foi notificado pelo Réu (resposta ao quesito da 28° da base instrutória),
- Parte das obras realizadas pelo Réu são de adaptação dos locados ao uso do Réu, como colocação de reclamos luminosos, instalação de toldo à entrada dos arrendados, substituição e instalação de toldos, colocação e/ou reparação de lâmpadas fluorescentes e ventoinhas (resposta ao quesito da 29° da base instrutória).”
III - FUNDAMENTOS
1. A única questão que vem colocada e que importa apreciar é a de saber se o prazo de denúncia do contrato de arrendamento em causa deve observar uma antecedência de 90 ou 180 dias.
2. Na sentença recorrida foi vertido o seguinte entendimento:
“A título principal, pede o Autor que seja reconhecida a denúncia por si feita para o termo dos contratos em 14 de Abril de 2008.
Para o efeito, alega que, por meio de carta registada dirigida ao Réu, comunicou-lhe dessa sua intenção em 14 de Janeiro de 2008, a fim de pôr termo aos contratos em 14 de Abril de 2008.
Resulta dos factos provados que foi, de facto, feita essa comunicação para o termo em 15 de Abril de 2008. Ora, tendo em conta que está também provado que os contratos foram sendo renovados por um ano, à data em que foi feita a denúncia, o termo do mesmo ocorreria em 14 de Abril de 2008.
Preceitua o artigo 1038°, n.° 1, do CC, que "Findo o prazo do arrendamento, o contrato renova-se por períodos sucessivos, se nenhuma das partes o tiver denunciado no tempo e pela forma convencionada ou designados na lei."
Conforme o artigo 1039°, n° 1, a). "A denúncia tem de ser comunicada por escrito ao outro contraente com a antecedência mínima de 180 dias, se o prazo for igualou superior a 6 anos."
Ora, tendo em conta essa exigência, a denúncia feita com apenas uma antecedência de 92 dias não satisfaz as condições imposta pela lei. Isto porque, á data da denúncia, a relação contratual das partes durou 24 anos.
Pelo que, procede a excepção deduzida pelo Réu e improcede o pedido de reconhecimento da denúncia feita.”
3. Resultou da prova produzida a celebração de quatro contratos de arrendamento por período improrrogável de 3 (três) anos, contrato este que foi sendo renovado por períodos sucessivos de 1 (um) ano até 2007, altura em que se procedeu à última renovação, tanto assim que em 14 de Janeiro de 2008 o A., ora recorrente, comunicou, por correio registado com aviso de recepção, ao agora recorrido a denúncia do contrato para o dia 15 de Abril de 2008 (cfr. resposta aos quesitos 1º, 2º e 4º da base instrutória).
4. Importa determinar qual o prazo para a denúncia a que se deve atender, se ao prazo da relação contratual ou o prazo do contrato ou da sua renovação.
Dispõe o artigo 1039º do CC:
“1. A denúncia tem de ser comunicada por escrito ao outro contraente com a antecedência mínima seguinte:
a) 180 dias, se o prazo for igual ou superior a 6 anos;
b) 90 dias, se o prazo for igual ou superior a 1 ano e inferior a 6 anos;
c) 30 dias, se o prazo for igual ou superior a 3 meses e inferior a 1 ano;
d) Um terço do prazo, quando este for inferior a 3 meses.
2. A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao fim do prazo do contrato ou da renovação.”
A denúncia tem de ser comunicada ao outro contraente com uma antecedência mínima nele indicada. Trata-se de uma norma imperativa, destinada a proteger tanto o senhorio como o inquilino.
Na verdade, “o estabelecimento de uma antecedência mínima para a realização da denúncia justifica-se pela necessidade de proteger tanto os interesses do locatário, eventualmente necessitado de locar outra coisa para satisfação das suas necessidades, como do locador, para que possa tirar da coisa, sem grande perda de tempo, os rendimentos ou o uso que ela é capaz de lhe proporcionar”.1
Por aplicação da alínea b) do art. 1039º, do CC a denúncia deve ser comunicada pelo arrendatário, ou seja, pelos recorrentes ao inquilino com a antecedência mínima de noventa dias.
Note-se que de acordo com o n.º 2 do art. 1039º, a antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao fim do prazo do contrato ou da renovação.
5. Neste caso concreto, o prazo a considerar deve ser o prazo da matriz de referência que é de 1 (um) ano, ou seja o da renovação, vista a disjuntiva ou contida no n.º 2 e, visto o disposto na alínea b) do n.° 1 do art. 1039° do Código Civil, o prazo da denúncia será o de 90 dias.
A interpretação que ora se acolhe resulta directamente da própria letra da norma (n.º 2 do artigo 1039º) e deve ser conjugada com o disposto no artigo 1038º, ambos do CC, onde a denúncia do contrato se perspectiva sempre em função do contrato de arrendamento e da sua renovação, devendo estar presente que uma coisa é o contrato de arrendamento, outra a renovação e outra a relação contratual.
No limite, poderia configurar-se ainda alguma possibilidade de confusão se o legislador falasse tão somente em contrato; poder-se-ia aí confundir entre o prazo do contrato estipulado e o prazo do contrato efectivado, este enquanto relação contratual mantida ao longo do tempo. Só que a lei, ao falar em prazo do contrato ou da sua renovação, não deixa margem para dúvidas, pois que, a configurar-se a segunda hipótese já não haveria lugar à renovação.
6. Aliás, tendo presente que o art. 1039° do Código Civil de Macau acompanha muito de perto o art. 1055° do Código Civil de Portugal, já se decidiu em termos de Jurisprudência Comparada que “O art. 1055º do Cód. Civil (1039º do CC de Macau) que fixa prazos diferentes para a denúncia consoante a duração do contrato, refere-se não à duração efectiva do mesmo por efeito das sucessivas renovações, mas ao período temporal por que foi celebrado. “2
O mesmo raciocínio se encontra noutro aresto em que, tratando-se de um contrato de vilegiatura que perdurava desde 1949, mas automaticamente se foi renovando ao longo de várias décadas, considerou-se para o efeito um prazo de 10 dias correspondente ao prazo mensal do período do contrato, face ao disposto na al. d) do n.º 1 do artigo 1055º do CC português aplicável àquele caso.3
7. Ainda a este propósito, tem sido orientação na Doutrina que "A antecedência a que se refere o n.º 1 reporta-se, diz o n.º 2, ao fim do prazo do contrato (de locação) ou da renovação. Se houver, portanto, uma renovação por prazo diferente do contrato (cfr. n. ° 2 do artigo anterior), é aquela que interessa e não este, para servir de referência à antecedência exigida por lei."4
E ainda que “o prazo de antecedência para efectuar a denúncia pode ser estabelecida pelas partes; supletivamente o art. 1055º, n.º 1 do CC faz referência a diferentes prazos, relacionados com o período de duração do contrato, que vão desde seis meses para os contratos que se destinavam a vigorar por prazo igual ou superior a seis anos (alínea a)) a um terço do prazo quando no contrato se estabeleceu uma vigência inferior a três meses (alínea d)).”
Por todas estas razões se concluirá no sentido da procedência do recurso, considerando que a denúncia do contrato de arrendamento foi efectuada no prazo legal.
IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso e, revogando a decisão recorrida, decretam o despejo imediato dos locados identificados nos autos, condenando-se o R. no pagamento das rendas vencidas e vincendas .
Custas pelo recorrido.
Macau, 22 de Março de 2012,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. 2º, 1996, pág. 321,
2 - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa n.º 4377/2005-6, de 22/9/2005
3 - Ac. RP, proc. 0630780, de 9/3/2006, http://dgsi.pt
4 - cfr. ANTUNES VARELA e PIRES DE LIMA in Código Civil Anotado, Volume II, 3.ª edição, pág. 422 e Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações, 2ª edição, pág. 224
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731/2011 14/14