Processo n.º 106/2012 Data do acórdão: 2012-3-29
(Autos de recurso penal)
Assuntos:
– processo contravencional de trabalho
– art.o 386.o, n.o 4, do Código de Processo Penal
– art.o 89.o do Código de Processo do Trabalho
– presença do arguido em julgamento
– representação por advogado
– leitura da sentença
– art.o 5.o, n.o 2, do Código de Processo do Trabalho
– processo urgente
– cessação da relação laboral por iniciativa unilateral do patrão
– prazo para recurso ordinário
– art.o 111.o, n.os 1, 2 e 5, do Código de Processo de Trabalho
– contagem do prazo
– art.o 94.o, n.o 1, do Código de Processo Civil
– férias judiciais
S U M Á R I O
1. De acordo com o art.o 386.o, n.o 4, primeira parte, do vigente Código de Processo Penal (CPP), ex vi do art.o 89.o do vigente Código de Processo do Trabalho (CPT), no processo contravencional de trabalho, não é obrigatória a presença do arguido em julgamento, podendo fazer-se representar por advogado. Daí que naturalmente, também não é obrigatória a presença do arguido na sessão da leitura da sentença.
2. O art.o 5.o, n.o 2, do CPT, como uma das disposições gerais a vigorar no processo do trabalho, do qual também faz parte o processo contravencional de trabalho, define como urgente todo o processo em que estão inclusivamente em concreta discussão os direitos decorrentes da cessação da relação laboral por iniciativa unilateral do empregador.
3. O prazo de dez dias para recurso ordinário da sentença num processo contravencional laboral urgente, então lida na presença do advogado da entidade patronal arguida, começa a correr a partir da data da sua leitura, de modo contínuo e sem qualquer suspensão durante o período de férias judiciais – cfr. o art.o 386.o, n.o 4, primeira parte, do CPP, o art.o 111.o, n.os 1, 2 e 5, do CPT, e o art.o 94.o, n.o 1, do vigente Código de Processo Civil, este, por sua vez, ex vi do art.o 1.o, n.o 1, do CPT.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 106/2012
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com a sentença lida em 15 de Dezembro de 2011 no âmbito do Processo de Contravenção Laboral n.o CR1-11-0050-LCT do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou pela prática, na qualidade de titular de “Os A Arquitectos Associados”, de uma contravenção p. e p. pelos art.os 62.o, n.o 3, e 85.o , n.o 1, alínea 6), da Lei n.o 7/2008, de 18 de Agosto (Lei das relações de trabalho), em MOP24.000,00 (vinte e quatro mil patacas) de multa, convertível, se não paga, em 160 dias de prisão, e de uma contravenção p. e p. pelos art.os 77.o e 85.o, n.o 3, alínea 5), da mesma Lei, em MOP6.900,00 (seis mil e novecentas patacas), e, assim, finalmente na multa total de MOP30.900,00 (trinta mil e novecentas patacas), sendo aquela primeira multa, se não paga, convertível em 160 dias de prisão, e no pagamento de MOP208.740,00 (duzentas e oito mil, setecentas e quarenta patacas) de indemnização pecuniária total a favor do trabalhador ofendido B, com juros legais (cfr. o teor da sentença a fls. 359 a 364 dos presentes autos correspondentes), veio o arguido A recorrer ordinariamente para este Tribunal de Segunda Instância mediante a sua motivação apresentada em 3 de Janeiro de 2012, para pedir a revogação dessa decisão judicial, com almejada absolvição das contravenções em causa (cfr. o teor da motivação a fls. 368 a 379 dos autos).
Ao recurso, respondeu o Ministério Público (a fl. 382 a 384v) no sentido da improcedência da argumentação do recorrente.
Subido o recurso, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 399 a 400v), pugnando pelo não provimento do recurso.
Em sede de exame preliminar dos autos, opinou o relator pela extemporaneidade do recurso (cfr. o despacho de fls. 401 a 402).
Notificado, veio o recorrente responder (a fls. 406 a 412), defendendo a tempestividade do recurso, por entender, nuclearmente, que:
– face à inexistência de norma expressa sobre os regimes da contagem dos prazos processuais, da prática dos actos processuais e da produção do efeito peremptório, há-de recorrer ao disposto na legislativa relativa à organização judiciária e na legislação processual comum civil ou penal;
– em processo penal, não se praticam actos processuais em dias que não sejam úteis e nem durante o período de férias judiciais, excepto se se tratarem dos actos previstos no n.o 2 do artigo 93.o do Código de Processo Penal. O que não sucede;
– também em processo civil, não se praticam actos processuais em dias que não sejam úteis e nem durante o período de férias judiciais, excepto se se tratarem de citações, notificações e dos actos que se destinem a evitar dano irreparável. O que também não sucede;
– o legislador, ao qualificar o procedimento contravencional laboral como processo urgente, pretendeu que este tipo de acções goze de precedência sobre qualquer outro serviço judicial ordinário dos tribunais, mas não ao ponto de consagrar os seus actos processuais como excepções à regra sobre momento da sua prática, daí que caindo o último dia de prazo em férias, o efeito peremptório não se produz nesse dia mas sim no primeiro dia útil seguinte às férias por não se tratar de nenhum dos actos acima referidos, pelo que o acto de recurso no presente caso não é extemporâneo.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir em conferência, da questão levantada pelo relator.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que:
– na sentença ora posta em crise pelo arguido A, este foi condenado pela prática, na qualidade de titular de “Os A Arquitectos Associados”, de uma contravenção p. e p. pelos art.os 62.o, n.o 3, e 85.o , n.o 1, alínea 6), da Lei n.o 7/2008, de 18 de Agosto, em MOP24.000,00 de multa, convertível, se não paga, em 160 dias de prisão, e de uma contravenção p. e p. pelos art.os 77.o e 85.o, n.o 3, alínea 5), da mesma Lei, em MOP6.900,00, e, assim, finalmente na multa total de MOP30.900,00, sendo aquela primeira multa, se não paga, convertível em 160 dias de prisão, e no pagamento de MOP208.740,00 de indemnização pecuniária total a favor do trabalhador ofendido B, com juros legais (cfr. o teor da sentença a fls. 359 a 364 dos presentes autos correspondentes), devido à judicialmente comprovada falta de pagamento de seis salários mensais no valor total de MOP136.800,00, de um 13.o mês no valor de MOP22.800,00, da indemnização, por MOP10.640,00, do aviso prévio da rescisão do contrato de trabalho, e da indemnização rescisória no valor de MOP38.500,00 (cfr. o teor da sentença de fls. 359 a 364 dos autos);
– essa sentença, proferida no âmbito do processo contravencional laboral n.o CR1-11-0050-LCT do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, foi lida em 15 de Dezembro de 2011, na presença do Exm.o Advogado constituído da arguida (cfr. o teor da acta da sessão de leitura da sentença, lavrada a fl. 365 dos autos);
– em 3 de Janeiro de 2012, o mesmo Exm.o Advogado apresentou motivação do recurso ordinário da sentença (cfr. a data do registo de entrada da motivação, a fl. 368 dos autos);
– a Mm.a Juíza autora da sentença admitiu esse recurso como tempestivo (cfr. o despacho judicial de 8 de Fevereiro de 2012 a fl. 393v).
Outrossim, é consabido que:
– no dia 26 de Dezembro de 2011 (uma segunda-feira), foi concedida tolerância de ponto aos Serviços Públicos de Macau, incluindo os Tribunais de Macau;
– no dia 27 de Dezembro de 2011 (uma terça-feira), os Tribunais de Macau encontraram-se abertos para efeitos de assegurar o tratamento de assuntos processuais urgentes.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De acordo com o art.o 386.o, n.o 4, primeira parte, do vigente Código de Processo Penal (CPP), ex vi do art.o 89.o do vigente Código de Processo do Trabalho (CPT), no processo contravencional de trabalho, não é obrigatória a presença do arguido em julgamento, podendo fazer-se representar por advogado. Daí que naturalmente, também não é obrigatória a presença do arguido na sessão da leitura da sentença.
In casu, tendo a sentença ora posta em crise pelo arguido sido proferida no âmbito de um processo contravencional laboral – em que estavam inclusivamente em concreta discussão os direitos do trabalhador decorrentes da cessação da relação laboral por iniciativa unilateral do empregador, matéria essa que se encontra materialmente também referida no n.o 2 do art.o 5.o do CPT (para definição de processos urgentes), como uma das disposições gerais a vigorar no processo do trabalho, do qual também faz parte o processo contravencional de trabalho (cfr. mormente os art.os 1.o e 89.o do CPT) – e lida em 15 de Dezembro de 2011 na presença do Exm.o Advogado do arguido, o prazo legal de dez dias para interposição do recurso ordinário da mesma sentença começou assim a correr a partir desse dia 15 de Dezembro de 2011, de modo contínuo e sem qualquer suspensão durante o subsequente período de férias judiciais do Natal de 2011 (i.e., durante o período de 22 de Dezembro de 2011 a 3 de Janeiro de 2012, em sintonia com a norma do art.o 12.o da vigente Lei de Bases da Organização Judiciária), por se tratar precisamente de um processo qualificado legalmente como urgente, pelo que no dia 3 de Janeiro de 2012 em que foi apresentada a motivação do recurso ordinário ora em questão, já decorreu, há muito, todo o prazo para o recurso ordinário (cfr. também o acima referido art.o 386.o, n.o 4, primeira parte, do CPP, o art.o 111.o, n.os 1, 2 e 5, do CPT, e o art.o 94.o, n.os 1, 2 e 3, do vigente Código de Processo Civil, este, por sua vez, ex vi do art.o 1.o, n.o 1, do CPT), sendo certo que no último dia do prazo do recurso ordinário, ou seja, no dia 27 de Dezembro de 2011 (que foi uma terça-feira), os Tribunais de Macau, em observância, aliás, do disposto no art.o 13.o, n.o 1, da dita Lei de Bases, não se encontraram encerrados, mas sim abertos para efeitos de assegurar o tratamento de assuntos processuais urgentes, depois da tolerância de ponto no dia 26 de Dezembro de 2011 (uma segunda-feira) (em sentido idêntico, cfr. o recente Acórdão do TSI, de 15 de Março de 2012, no congénere Processo n.o 90/2012).
Termos em que, e salvo o devido respeito por toda a opinião diversa, é realmente extemporânea a interposição do recurso ordinário ora pretendido pelo arguido, o qual não deve ser admitido por este Tribunal de Segunda Instância, sendo líquido que do disposto, para já, no art.o 407.o, n.o 3, alínea a), e n.o 4, alínea a), do CPP, ex vi do art.o 115.o, n.o 2, do CPT, se retira congruentemente que o despacho de admissão desse recurso, então proferido pela Mm.a Juíza titular do processo na Primeira Instância, não vincula o Tribunal ad quem.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em não admitir o recurso, por ser extemporânea a sua interposição.
Custas do presente processado pelo recorrente, com três UC de taxa de justiça.
Comunique a decisão ao ofendido.
Macau, 29 de Março de 2012.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
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