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Processo nº 881/2009
Data do Acórdão: 22MAR2012


Assuntos:

contrato de trabalho
irrenunciabilidade do direito
descansos semanais
descansos anuais
feriados obrigatórios
compensações do trabalho prestado em dias de descansos semanais e anuais e de feriados obrigatórios
gorjetas
salário justo
salário diário
salário mensal



SUMÁRIO

1. São elementos essenciais de uma relação de trabalho a prestação do trabalhador, a retribuição e a subordinação jurídica.

2. mesmo que houvesse acordo entre o trabalhador e a entidade patronal, nos termos do qual aquele renunciou o direito de gozo a aos descansos e feriados obrigatórios, o certo é que, por força da natureza imperativa das normas que confere ao trabalhador direito a compensações e nos termos do disposto no artº 6º da Lei nº 101/84/M e no artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M, a um tal acordo da natureza convencional nunca poderia ser reconhecida qualquer validade legal, dado que resulta nitidamente um regime menos favorável para o trabalhador.

3. Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.



O relator


Lai Kin Hong

Processo nº 881/2009


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I
A, devidamente identificado nos autos, instaurou no Tribunal Judicial de Base acção de processo comum do trabalho, contra a SOCIEDADE DE TURISMO E DIVERSÕES DE MACAU, devidamente identificada nos autos, doravante abreviadamente designada STDM.

Citada a Ré, contestou deduzindo excepção de prescrição e pugnando pela improcedência da acção.

Proferido o despacho saneador, pelo qual foi julgada parcialmente procedente a invocada excepção da prescrição, nos termos seguintes:

1. Julgar prescritos os créditos do Autor resultante da violação do direito ao descanso semanal e feriados obrigatórios vencidos em data anterior a 04OUT1987; e
2. Julgar prescritos os créditos resultantes da violação do direito ao descanso anual referente aos anos de 1984 e 1985.

Continuando a marcha processual na sua tramitação normal, veio a final a acção julgada parcialmente procedente e condenada a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$569,90 e HKD$3.260,00, acrescida de juros vencidos e vincendos, a contar nos termos consignados na página 13 da sentença (fls. 186 dos autos).

Inconformado com a decisão final, recorreu o Autor alegando em síntese que:

A. Com interesse para a caracterização da parte variável da remuneração como salário do A. ficaram provados os factos indicados nas alíneas C) ,D), E), H) e I) dos Factos Assentes e nas respostas aos quesitos 1.º, 2.º, 4.º, 5.º e 9.º da Base Instrutória.
B. A quase totalidade da remuneração do A. era paga pela Ré a título de rendimento variável (cfr. alíneas C), D) e H) dos Factos Assentes), o qual integra o salário.
C. Ao contrário do que sucede noutros ordenamentos jurídicos, o legislador de Macau recortou o conceito técnico jurídico de salário nos artigos 7.°, b), 25.°, n.º 1 e 2 e 27.°, n.º 2 do RJRL.
D. É o salário tal como se encontra definido nos artigos 7.°, b), 25.°, n.º 1 e 2 e 27.°, n.º 2 do RJRL que serve de base ao cálculo de inúmeros direitos dos trabalhadores, designadamente do acréscimo salarial devido pelo trabalho prestado nos períodos de descanso obrigatório.
E. A interpretação destas normas não deverá conduzir a um resultado que derrogue, por completo, a sua finalidade, a qual consiste em fixar, de forma imperativa, a base de cálculo dos direitos dos trabalhadores.
F. A doutrina portuguesa invocada na douta sentença recorrida não serve de referência no caso "sub judice" por ter subjacente diplomas (inexistentes em Macau) que estabelecem o salário mínimo, e definem as regras de distribuição pelos empregados das salas de jogos tradicionais dos casinos das gorjetas recebidas dos clientes.
G. Em Portugal quem paga as gorjetas aos trabalhadores dos casinos que a elas têm direito não é a própria Concessionária, que nunca tem a disponibilidade do valor percebido a título de gorjetas, mas as Comissões de distribuição das gratificações (CDG), as quais, sendo distintas e autónomas da empresa concessionária são moldadas como entidades equiparáveis a pessoas colectivas, sujeitas a registo, com sede em cada um dos casinos.110
H. Ao contrário, em Macau, quem paga aos trabalhadores a quota-parte a que eles têm direito sobre o valor das gorjetas é a própria concessionária que o faz seu, e não a comissão responsável pela sua recolha e contabilização.
I O primitivo carácter de liberalidade das gorjetas diluiu-se no momento e na medida em que as gorjetas dadas pelos clientes não revertiam directamente para os trabalhadores mas, ao invés, eram reunidas, contabilizadas e distribuídas pela Ré, segundo um critério por ela fixado (distribuição essa, sublinhe-se, que, como ficou provado, era feita por todos os trabalhadores da Ré e não apenas por aqueles que contactavam com os clientes).
J. No caso dos autos, as gorjetas que se discutem não pertencem aos trabalhadores a quem são entregues pelos clientes dos casinos (nas alíneas C) ,D), E), H) e I) dos Factos Assentes e nas respostas aos quesitos 1.º, 2.º, 4.º,5.º e 9.º da Base Instrutória).
K. Estas gorjetas pertencem à Ré que com elas faz o que entende, nomeadamente o especificado nas alíneas C) ,D), E), H) e I) dos Factos Assentes e nas respostas aos quesitos 1.°,2.°,4.°, 5.° e 9.° da Base Instrutória.
L. A Ré tinha o dever jurídico de pagar ao A. quer a parte fixa, quer a parte variável da remuneração do trabalho (nas alíneas C) ,D), E), H) e I) dos Factos Assentes e nas respostas aos quesitos 1.°, 2.°, 4.°, 5.° e 9.° da Base Instrutória.
M. O pagamento da parte variável da retribuição do A. - que corresponde à quase totalidade da contrapartida do seu trabalho - traduziu-se numa prestação regular, periódica, não arbitrária e que sempre concorreu durante todo o período da relação laboral para o orçamento pessoal e familiar do trabalhador.
N. Assim, nos termos do disposto nos artigos 7.°, b) e 25.°, n. ° 1 e 2 do RJRL, a parte variável da retribuição do A deverá considerar-se como salário para efeitos do cômputo da indemnização pelo trabalho prestado nos períodos de dispensa e descanso obrigatório.
O. As gorjetas dos trabalhadores dos Casinos e, em especial as auferidas pelo A. durante todo o período da sua relação laboral com a Ré, em ultima ratio devem ser vistas como «rendimentos do trabalho», porquanto devidos em função, por causa e por ocasião da prestação de trabalho, ainda que não necessariamente como correspectivo dessa mesma prestação de trabalho, mas que o passam a ser a partir do momento em que pela prática habitual, montantes e forma de distribuição, com eles o trabalhador passa a contar, sendo que sem essa componente o trabalhador não se sujeitaria a trabalhar com um salário que, na sua base, é um salário insuficiente para prover às necessidades básicas resultantes do próprio trabalho.
P. Acaso se entenda que o salário do A. não era composto por duas partes: uma fixa e uma variável, então o mesmo será manifestamente injusto - porque intoleravelmente reduzido ou diminuto - e, em caso algum, preenche ou respeita os condicionalismos mínimos fixados no Regime Jurídico das Relações Laborais da RAEM, designadamente nos artigos 7.°, b), 25.°, n.º 1 e 2 e 27.°, n.º 2 desse diploma.
Q. De tudo quanto se expôs resulta que, a douta Sentença do Tribunal de Primeira Instância, na parte em que não aceita que a quantia variável auferida pelo A. durante toda a relação de trabalho com a Ré seja considerada como sendo parte variável do salário do A., terá feito uma interpretação incorrecta do disposto nos artigos 5.°; 27.°; 28.°; 29 n.º 2, 36.° todos do Decreto-lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto e, bem assim, uma interpretação incorrecta do consagrado nos artigos 5.°; 7.°, n.º 1, al. b); 25.°; 26.° e n.º do art. 27.° todos do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
R. Nesta parte, a douta sentença deve ser alterada com as legais consequências, designadamente no que respeita ao cômputo da indemnização pelo trabalho prestado nos períodos de descanso e feriados obrigatórios.
S. Termos em que a decisão relativa à fórmula (salário médio diário X 1) de cálculo do montante da compensação por descanso semanal deverá ser revogada por violação do disposto no art.º 17.°, n.ºs 4 e 6, a) do RJRL, fixando-se esse valor em MOP $354.035,48. por aplicação da fórmula (salário médio diário X 2).
T. Os croupiers dos casinos não são remunerados em função do volume de apostas realizadas na mesa de jogo, nem são eles que fixam o seu período e horário de trabalho, sendo-lhes vedado trabalhar quando e quanto lhes convém, conforme resulta também na alínea F) dos Factos Assentes.
U. O salário diário destina-se a remunerar os trabalhadores nas situações em que não é fácil, nem viável, prever, com rigor, o termo do trabalho a realizar, como sucede, e.g., nas actividades sazonais, irregulares, ocasionais e/ou excepcionais, bem como na execução de trabalho determinado, precisamente definido e não duradouro, ou na execução de uma obra, projecto ou outra actividade definida e temporária.
V. O salário diário é, pois, próprio dos contratos de trabalho onde a prestação do trabalho não assume carácter duradouro, o que não sucede com o desempenho da actividade de croupier, que consiste num trabalho continuado e duradouro, a que, automaticamente, corresponde o estatuto de trabalhador permanente no termo do primeiro ano de trabalho consecutivo.
W. O entendimento de que a remuneração dos croupiers da Ré, e o do A. em particular, consiste num salário diário, não ficou provado por se tratar de matéria de direito, nem se coaduna com este tipo de funções, nem com as condições de trabalho, nem com estatuto de trabalhador permanente definido no artigo 2.°, f) do RJRL), o qual pressupõe o exercício de uma determinada função dentro da empresa, de forma continuada e duradoura no tempo.
NESTES TERMOS, e nos demais de direito que V. Exas. se encarregarão de suprir, deverá ser revogada a douta Sentença do Tribunal de Primeira Instância, pois só assim se fará a já costumada JUSTIÇA.

Ao que respondeu a Ré pugnando pela improcedência do recurso.

Foram colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

A fim de nos habilitar a apreciar as questões levantadas nos recursos, passam-se a transcrever infra os factos que ficaram provados na primeira instância:

1. O Autor começou a trabalhar para a Ré no dia 1 de Março de 1970, tendo cessado o contrato em 31 de Dezembro de 1992.
2. O Autor foi admitido como empregado de casino.
3. No decurso da relação contratual existente entre O Autor e a Ré esta última entregava ao Autor uma quantia de valor fixo e outra quantia de valor variável.
4. A quantia variável entregue pela Ré ao Autor era composta pela quota parte do dinheiro oferecido pelos clientes do casino, designado por “gorjetas”.
5. As aludidas gorjetas eram distribuídas por todos os funcionários da Ré e não apenas pelos que tinham contacto directo com clientes nas salas de jogo, de acordo com a sua categoria profissional.
6. O Autor exercia a sua actividade por turnos fixados pela Ré do seguinte modo: 1º e 6º turnos: das 7h00 até 11h00, e das 3h00 até 7h00; 3º e 5º turnos: das 15h00 até 19h00, e das 23h00 até 3h00 (dia seguinte); 2º e 4º turnos: das 11h00 até 15h00, e das 19h00 até 23h00.
7. Os dias de descanso que, ao longo da vigência da relação contratual entre as partes, o Autor teria direito a gozar não eram remunerados.
8. A quantia fixa diária paga pela Ré ao Autor cifrou-se em MOP$4,10, desde o início do contrato até 30 de Junho de 1989; de HKD$10,00 desde 1 de Julho de 1989 até à cessação do contrato.
9. O Autor auferiu os seguintes rendimentos anuais:
- no ano de 1984 a quantia de MOP$126.885,00
- no ano de 1985 a quantia de MOP$130.140,00
- no ano de 1986 a quantia de MOP$109.644,00
- no ano de 1987 a quantia de MOP$136.501,00
- no ano de 1988 a quantia de MOP$138.146,00
- no ano de 1989 a quantia de MOP$162.298,00
- no ano de 1990 a quantia de MOP$175.626,00
- no ano de 1991 a quantia de MOP$183.553,00
- no ano de 1992 a quantia de MOP$148.116,00
10. O Autor estava proibido pela Ré de guardar quaisquer gorjetas entregues pelos clientes do casino.
11. No momento da celebração do acordo entre o Autor e a Ré esta informou aquele que não poderia ele gozar descanso anual, feriados obrigatórios ou descanso semanal remunerados.
12. Nos dias de descanso em que o Autor trabalhasse seria remunerado “em singelo”.
13. Autor e Ré acordaram que, por cada dia em que a primeira trabalhasse efectivamente, receberia a quantia fixa referida em H) dos factos assestes e outra variável, proveniente das gorjetas apuradas nesse dia de trabalho.
14. As gorjetas eram distribuídas pela Ré segundo os critérios fixados previamente pela mesma.
15. O Autor e a Ré acordaram que este “tinha direito” a receber as gorjetas conforme o método vigente na empresa Ré.
16. A ré pagou ao Autor, regular e periodicamente, a parte fixa e a parte variável acordadas.
17. O Autor nunca recebeu qualquer quantia relativa aos dias em que não trabalhou e que, pelos dias que trabalhou, apenas recebeu as quantias referidas na resposta ao quesito 1.º.
18. As gorjetas oferecidas a cada um dos colaboradores da Ré pelos clientes dos casinos eram reunidas e contabilizadas diariamente por um grupo variável de pessoas, do qual fazia parte um funcionário do Departamento de Inspecção de Jogos, um membro do departamento da tesouraria de Ré e um ou mais trabalhadores da Ré e que tais gorjetas eram distribuídas em cada 10 dias pela Ré aos seus trabalhadores.
19. O Autor aceitou as condições referidas em G) M) e L) dos factos assentes.

II

De acordo com o alegado nas conclusões do recurso, as questões levantadas que delimitam o thema decidendum na presente lide recursória são a de saber se as chamadas gorjetas são ou não parte integrante do salário para efeitos de compensações ora reclamadas pelo Autor e o multiplicador para o cálculo da compensação do trabalho prestado nos descansos semanais.

Da materialidade fáctica assente resulta que:

* o trabalhador recebia uma quantia fixa (MOP$4,10 e HKD$10,00), desde o início até à cessação da relação de trabalho estabelecida com a entidade patronal STDM;

* recebia uma quantia variável proveniente das gorjetas dadas pelos clientes, as quais são contabilizados e distribuídas segundo um critério fixado pela entidade patronal STDM de acordo com a categoria dos beneficiários;


1. Natureza das “gorjetas” e do salário justo e adequado;

Tanto o Decreto-Lei nº 101/84/M como o Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei impõe que o salário seja justo.

Diz o artº 27º do Decreto-Lei nº 101/84/M que “pela prestação dos seus serviços/actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo”.

Ao passo que o D. L. nº 24/89/M de 03ABR estabelece no seu artº 7º, como um dos deveres do empregador, que o empregador deve, a título da retribuição ao trabalho prestado pelo trabalhador, paga-lhe um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.

A este dever da entidade patronal, o mesmo decreto faz corresponder simetricamente o direito do trabalhador de auferir um salário justo – artº 25º do mesmo decreto.

A retribuição pode ser certa, variável ou mista consoante seja calculada em função do tempo, do resultado ou daquele e deste (artº 26º do Decreto-Lei nº 24/89/M). E pode ser paga em dinheiro e, ou, em espécie (artº 25º, nº 3, do Decreto-Lei nº 24/89/M); mas apenas pode ser constituída em espécie até ao limite de metade do montante total da retribuição, sendo a restante metade paga em dinheiro (idem, artº 25º, nº3) – vide Augusto Teixeira Garcia, in Lições de Direito do Trabalho ao alunos do 3º ano da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, 1991/1992, Capítulo III, ponto 1 e 2.

In casu, o trabalhador era remunerado em dinheiro.

Se levássemos em conta apenas a quantia fixa que o trabalhador recebia da entidade patronal STDM, esta quantia “tão diminuta” (no valor de MOP$4,10, HKD$10,00 e HKD$15,00) ser-nos-ia obviamente muito aquém do critério imperativamente fixado na lei que impõe o dever ao empregador de pagar ao trabalhador um salário que, dentro das exigências do bem comum, seja justo e adequado ao seu trabalho.

Admitindo embora que variam as opiniões sobre o que se deve entender por salário justo e adequado, mesmo com referência ao parâmetro das exigências do bem comum, o certo é que podemos afirmar, com a razoável segurança, que salário justo e adequado nesse parâmetro deve ser aquele que, além de compensar o trabalhador, é capaz de prover um trabalhador das suas necessidades de vida, garantindo-lhe a subsistência com dignidade e até permitir-lhe assumir compromissos financeiros pelo menos de curto ou até médio prazo.

Na esteira desse entendimento, a parte da quantia fixa do rendimento que o trabalhadora auferia está muito longe de ser capaz de prover o trabalhador das suas necessidades mínimas, muito menos garantir-lhe a subsistência com dignidade ou permitir-lhe assumir compromissos financeiros.

Só não será assim se o salário do trabalhador estiver composto por essa parte fixa e por uma outra parte variável que consiste nas quantias denominadas “gorjetas”, que tendo embora a sua origem nas gratificações dadas pelos clientes, eram primeiro colectadas e depois distribuídas periodicamente pela entidade patronal ao trabalhador, segundo os critérios por aquele unilateralmente definidos, nomeadamente de acordo com a categoria e a antiguidade do trabalhador.

Ora, para qualquer homem médio, se o salário não fosse o assim composto, ninguém estaria disposto a aceitar apenas a quantia fixa tão diminuta como seu verdadeiro e único salário, para trabalhar por conta da entidade patronal STDM, que como se sabe, pela natureza das suas actividades e pela forma do seu funcionamento exige aos seus trabalhadores, nomeadamente os afectados a seus casinos, a trabalhar por turnos, diurnos e nocturnos.

Pelo que, as denominadas gorjetas não podem deixar de ser consideradas parte integrante do salário, pois de outro modo, a entidade patronal STDM violava o seu dever legal de pagar ao trabalhador um salário justo e adequado.

2. Os factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais.

Pelo que vimos, fica decidida a inclusão das “gorjetas” no conceito do salário, cremos que é altura para apurar os factores de multiplicação para efeitos de cálculos das quantias devidas pelo trabalho prestado no descanso semanal e anual e de feriados obrigatórios.

Na vigência do Decreto-Lei nº 101/84/M, não há lugar à compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.

Ao passo que no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei já regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.

Diz o artº 17º deste diploma que:

1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.

4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.

Foram fixados na sentença recorrida os multiplicadores X 3 e X 2 para o cálculo das compensações do trabalho prestado nos dias de descanso anual e feriado obrigatório remunerado, respectivamente.

Não tendo sido objecto de impugnação por via de recurso, é de adoptar infra esses multiplicadores para efeitos do cálculo das tais compensações.

E em face do acima concluído e do decidido no saneador na parte que diz respeito à prescrição da parte dos créditos reclamados pelo Autor, há que revogar a sentença recorrida na parte que diz respeito aos quantitativos do salário diário médio para efeitos do cálculo da compensação do trabalho prestado pelo Autor nos dias de descansos semanal e anual e de feriado obrigatório remunerado, assim como o multiplicador para o cálculo da compensação do trabalho prestado pelo Autor nos dias de descansos semanal, e passar a condenar a Ré no pagamento da compensação ao Autor conforme os mapas infra:

Trabalho em descanso semanal


Ano
Retribuição diária média em MOP$
Número de dias não gozados
Fórmula de cálculo
Quantia indemnizatória em MOP$
3/4/1989-
31/12/1989
MOP450.83
39
450.83 x 39 x 2
MOP35,164.74
1990
MOP487.85
52
487.85 x 52 x 2
MOP50,736.40
1991
MOP509.87
52
509.87 x 52 x 2
MOP53,026.48
1/1/1992-
31/12/1992
MOP411.43
52
411.43 x 52 x 2
MOP42,788.72



TOTAL:
MOP181,716.34





Trabalho em descansos anuais


Ano
Retribuição diária média em MOP$
Número de dias não gozados
Fórmula de cálculo
Quantia indemnizatória em MOP$
1986
MOP304.57
6
304.57 x 6 x 1
MOP1,827.42
1987
MOP379.17
6
379.17 x 6 x 1
MOP2,275.02
1988
MOP383.74
6
383.74 x 6 x 1
MOP2,302.44
1/1/1989-
2/4/1989
MOP450.83
1.5
450.83 x 1.5 x 1
MOP676.25



TOTAL:
MOP7,081.13





Ano
Retribuição diária média em MOP$
Número de dias não gozados
Fórmula de cálculo
Quantia indemnizatória em MOP$
3/4/1989-
31/12/1989
MOP450.83
4.5
450.83 x 4.5 x 3
MOP6,086.21
1990
MOP487.85
6
487.85 x 6 x 3
MOP8,781.30
1991
MOP509.87
6
509.87 x 6 x 3
MOP9,177.66
1/1/1992-
31/12/1992
MOP411.43
6
411.43 x 6 x 3
MOP7,405.74



TOTAL:
MOP31,450.91





Trabalho em feriado obrigatório


Ano
Retribuição diária média em MOP$
Número de dias não gozados
Fórmula de cálculo
Quantia indemnizatória em MOP$
3/4/1989-
31/12/1989
MOP450.83
4.5
450.83 x 4.5 x 2
MOP4,057.47
1990
MOP487.85
6
487.85 x 6 x 2
MOP5,854.20
1991
MOP509.87
6
509.87 x 6 x 2
MOP6,118.44
1/1/1992-
31/12/1992
MOP411.43
6
411.43 x 6 x 2
MOP4,937.16



TOTAL:
MOP20,967.27

III

Pelo exposto, acordam em julgar procedente o recurso da sentença final, passando a condenar a Ré no pagamento ao Autor do somatório das quantias apuradas nos mapas supra, com juros às taxas legais nos exactos termos consignados na página 13 (fls. 186 dos autos), que aqui não foi objecto da impugnação.

Custas pelas partes na proporção de decaimento em ambas as instâncias no recurso da sentença final.

RAEM, 22MAR2012
Lai Kin Hong

Choi Mou Pan (subscreva a decisão da parte que não está em disconformidade com a posição assumida após o acórdão proferido no acórdão proferido no P. n.º 780/2007)

João A. G. Gil de Oliveira





110 Despacho Normativo n.º 24/89 que revogou o Despacho Normativo n.º 82/85, de 28 de Agosto junto à Contestação.

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