Processo nº 122/2012 Data: 29.03.2012
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “Injúria”.
Insuficiência da matéria provada para a decisão.
Erro notório na apreciação da prova.
Renovação da prova.
SUMÁRIO
1. O vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre matéria objecto do processo.
2. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
3. O pedido de renovação da prova é objecto de decisão interlocutória, e a sua admissão depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
- que tenha havido documentação das declarações prestadas oralmente perante o Tribunal recorrido;
- que o recurso tenha por fundamento os vícios referidos no nº 2 do artº 400º do C.P.P.M.;
- que o recorrente indique, (a seguir às conclusões), as provas a renovar, com menção relativamente a cada uma, dos factos a esclarecer e das razões justificativas da renovação; e
- que existam razões para crer que a renovação permitirá evitar o reenvio do processo para novo julgamento, ou seja, que com a mesma, se consiga, no Tribunal de recurso, ampliar ou esclarecer os factos, eliminando os vícios imputados à decisão recorrida
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 122/2012
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Em processo sumário respondeu, no T.J.B., A (XX), arguido com os sinais dos autos, vindo, a final, a ser condenado como autor de 1 crime de “injúria (agravada)”, p. e p. pelo art. 175°, n.° 1 e 178° do C.P.M., na pena de 45 dias de multa, à taxa diária de MOP$200,00, perfazendo a multa de MOP$9000,00, ou 30 dias de prisão subsidiária, assim como no pagamento de MOP$3.000,00 a título de indemnização ao ofendido dos autos B (XXX); (cfr., fls. 21-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu, e na sua motivação e conclusões de recurso, afirma, em síntese, que a decisão recorrida não está fundamentada, que padece dos vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e de “erro notório na apreciação da prova”, pedindo também a renovação da prova; (cfr., fls. 24 a 38).
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Em Resposta e posterior Parecer, consideram os Exmos. Magistrados do Ministério Público que nenhuma razão tem o arguido recorrente, opinando, assim, pela rejeição do recurso; (cfr., fls. 40 a 45 e 62 a 64).
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Nada obstando, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos elencados na sentença recorrida, a fls. 19-v a 20 destes autos, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o arguido recorrer da sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. que o condenou como autor de 1 crime de “injúria (agravada)”, p. e p. pelo art. 175°, n.° 1 e 178° do C.P.M., na pena de 45 dias de multa, à taxa diária de MOP$200,00, perfazendo a multa de MOP$9000,00, ou 30 dias de prisão subsidiária, assim como no pagamento de MOP$3.000,00 a título de indemnização ao ofendido dos autos.
Afirma, em síntese, que a decisão recorrida não se mostra fundamentada, que padece dos vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e de “erro notório na apreciação da prova”, pedindo a renovação da prova.
Cremos que labora o ora recorrente em equívoco, não se mostrando de acolher nenhum dos fundamentos do seu recurso, sendo este de rejeitar, dada a sua manifesta improcedência; (cfr., art. 410°, n.° 1 do C.P.P.M.).
Vejamos.
–– Antes de mais, cabe dizer que motivos não existem para se considerar que a decisão recorrida padece de “falta de fundamentação”, pois que o Tribunal a quo, não deixou de elencar os factos que considerou provados, pronunciando-se sobre os que não se provaram, e, após, justificar esta sua decisão de forma que nos parece adequada, procedeu ao enquadramento legal da dita matéria de facto, justificando, ainda que sinteticamente, (tenha-se presente que o julgamento ocorreu em processo sumário), a decisão condenatória proferida.
Pode-se não concordar com a fundamentação exposta, mas razoável não é dizer-se que padece a decisão recorrida de falta de fundamentação.
É assim evidente a improcedência do recurso na parte em questão.
–– Passemos agora para as restantes questões colocadas.
Diz o recorrente que a decisão recorrida está inquinada com os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “erro notório na apreciação da prova”, pedindo a renovação da prova.
Nos termos do art. 415° do C.P.P.M.:
“1. Quando tenha havido documentação das declarações prestadas oralmente perante o tribunal singular ou o tribunal colectivo, o Tribunal Superior de Justiça admite a renovação da prova se se verificarem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 400.º e houver razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo.
2. A decisão que admitir ou recusar a renovação da prova é definitiva e fixa os termos e a extensão com que a prova produzida em primeira instância pode ser renovada.
3. Se for determinada a renovação da prova, o arguido é convocado para a audiência.
4. Salvo decisão do tribunal em contrário, a falta de arguido regularmente convocado não dá lugar ao adiamento da audiência”.
E, sobre tal questão já decidiu este T.S.I. que:
“O pedido de renovação da prova é objecto de decisão interlocutória, e a sua admissão depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
- que tenha havido documentação das declarações prestadas oralmente perante o Tribunal recorrido;
- que o recurso tenha por fundamento os vícios referidos no nº 2 do artº 400º do C.P.P.M.;
- que o recorrente indique, (a seguir às conclusões), as provas a renovar, com menção relativamente a cada uma, dos factos a esclarecer e das razões justificativas da renovação; e
- que existam razões para crer que a renovação permitirá evitar o reenvio do processo para novo julgamento, ou seja, que com a mesma, se consiga, no Tribunal de recurso, ampliar ou esclarecer os factos, eliminando os vícios imputados à decisão recorrida; (cfr., v.g., o Ac. de 20.01.2011, Proc. n° 729/2010(*) do ora relator).
Atento ao que se deixou consignado, evidente é também a improcedência da pretensão em causa.
Com efeito, inexistem os assacados vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e de “erro notório na apreciação da prova”, nada justificando assim a pretendida renovação da prova.
Vejamos.
Quanto à “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, constitui entendimento firme deste T.S.I., que tal vício apenas ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre matéria objecto do processo; (cfr., v.g., o Acórdão de 09.06.2011, Proc. n.°275/2011 e de 15.12.2011, Proc. 796/2011).
E, de uma mera leitura à sentença recorrida se constata que assim não sucedeu, ociosas sendo outras considerações sobre a matéria.
Quanto ao “erro notório”, repetidamente tem este T.S.I. afirmado que:
“O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 07.12.2011, Proc. n.° 656/2011 do ora relator).
No caso dos autos, deu-se, (em síntese), como provado que, no dia 19.12.2011, pelas 18:30, quando o guarda da P.S.P. n.° 150051, procedia, em serviço, ao atendimento do arguido, ora recorrente, no Comissariado n.° 2 da P.S.P., este último, exaltou-se, e afirmou, (utilizando uma expressão grosseira), que o que o guarda n.° 150051 lhe estava a dizer “não se percebia nem fazia sentido”, (“我覺得你講野九吾答八”), tendo também, posteriormente, chamado o mesmo guarda de “coisa mal cheirosa”, (“臭西”), tendo agido livre e conscientemente, bem sabendo que proibida e punida era a sua conduta.
E, o cerne da “questão” está na expressão “coisa mal cheirosa”, (“臭西”), que o ora recorrente diz não ter dito, considerando assim que incorreu o Mmo Juiz a quo no dito “erro notório na apreciação da prova”.
Ora, não se pode acolher tal entendimento.
Com efeito, a decisão no sentido de se dar como provado que o ora recorrente proferiu tal “afirmação”, tem (nomeadamente) como pressuposto, o “auto de notícia” elaborado e que deu origem aos presentes autos, (cfr., fls. 2), assim como as declarações pelo próprio guarda n.° 150051 prestadas em audiência de julgamento, o depoimento de 1 outro guarda, n.° 407091, que subscreveu o referido auto de notícia, e, a gravação do sucedido; (cfr., fls. 20, onde o Tribunal expôs os “motivos da sua convicção”).
E, nesta conformidade, não se vislumbrando onde, como, ou em que termos terá o Mmo Juiz do T.J.B. violado as regras sobre o valor da prova tarifada, as regras de experiência e as legis artis, manifesto é que não se pode falar em erro, muito menos notório, na apreciação da prova.
Sendo, também evidente que as ditas “expressões”, (em especial a “segunda”), são manifestamente ofensivas da honra e consideração de qualquer pessoa, e visto que estava o ofendido, o guarda n.° 150051, em exercício de funções, nenhuma censura merece também o enquadramento jurídico-penal efectuado, afigurando-se-nos até algo benevolente a pena imposta.
Dest’arte, nenhum reparo merecendo a decisão recorrida, e nenhuma razão tendo o recorrente, rejeita-se o presente recurso; (cfr., art. 410°, n.° 1 do C.P.P.M.).
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).
Pagará o recorrente 6 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).
Macau, aos 29 de Março de 2012
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
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