Processo nº 11/2012 Data: 23.02.2012
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “tráfico de estupefacientes”.
Crime de “detenção de estupefacientes para consumo”.
Crime de “detenção de utensilagem”.
SUMÁRIO
1. Não padecendo a decisão da matéria de facto de qualquer vício, e provado estando que a arguida detinha estupefaciente para o seu consumo e venda a terceiros, correcta é a sua condenação como autora da prática de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, em concurso real com 1 outro de “detenção de estupefacientes para consumo”.
2. Para se dar por verificado o crime de “detenção de utensilagem”, necessário é que provado esteja a intenção do seu uso no consumo de estupefacientes.
O relator,
______________________
Processo nº 11/2012
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se condenar A (XX), (1a) arguida, com os sinais dos autos, como autora da prática em concurso real de:
- um crime de “tráfico de estupefacientes”, (em quantidades diminutas) p. e p. pelo art.º 9.º, n.º 1 do DL n.º 5/91/M de 28 de Janeiro, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão e multa de MOP$4.500,00, convertível em 30 dias de prisão subsidiária;
- um crime de “detenção indevida de cachimbos e outra utensilagem” p. e p. pelo art.º 12.º do DL n.º 5/91/M de 28 de Janeiro, na pena de 5 meses de prisão; e,
- um crime de “aquisição ou detenção ilícita de estupefacientes para consumo” p. e p. pelo art.º 23.º, al. a) do DL n.º 5/91/M de 28 de Janeiro, na pena de 2 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico com as penas à mesma arguida aplicadas no processo n.º CR1-10-0211-PCS, (CR1-10-0139-PCS, CR4-09-0169-PCS, CR4-09-0165-PCS, CR2-10-0082-PCS e CR2-09-0388-PCS), foi a arguida condenada, na pena única de 2 anos e 10 meses de prisão e multa de MOP$4.500,00, convertível em 30 dias de prisão subsidiária”; (cfr., fls. 339-v a 340-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
Inconformada, a arguida recorreu.
Motivou para concluir nos termos seguintes:
“a. Por Acórdão condenatório de 26 de Outubro de 2011, proferido pelo Tribunal a quo, a recorrente A ficou condenada pela prática, como autor material, de um crime de “tráfico de quantidades diminutas”, p. e p. pelo artigo 9.° n.° 1 do Decreto-Lei n.° 5/91/M de 28 de Janeiro, um crime de “detenção indevida de cachimbos e outra utensilagem”, p. e p. pelo artigo 12.° do mesmo Decreto-Lei, e um crime de “aquisição ou detenção ilícita de substâncias ou preparos para consumo pessoal”, p. e p. pelo artigo 23.° alínea a) do mesmo Decreto-Lei, na pena 1 ano e 10 meses de prisão efectiva e quatro mil e quinhentas patacas de multa ou em alternativa de trinta dias de prisão caso não pagasse nem fosse substituída por trabalho;
b. Na decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal a quo deu como provado todos os factos constantes na acusação;
c. A convicção do Tribunal a quo fundamentou-se apenas nas declarações prestadas pelos arguidos, na audiência de julgamento, onde a recorrente confessou, parcialmente, os factos que lhe foram acusados e o arguido B na sua íntegra; no depoimento da 1a. testemunha XXX (agente policial de PSP); e no relatório de exame laboratorial, fls. 72 a 77 dos autos – ref. fls. 337 v. dos autos;
d. O tribunal a quo deu como provado que a recorrente detinha, de forma ilícita, as substâncias de heroína (海洛因) e midazolam (氟咪唑安定), para consumo pessoal, e vendia estas mesmas substâncias ao 2.° arguido B, para angariar lucros;
e. Além disso, o Tribunal a quo considerou que a tesoura, o isqueiro, a lâmina e as palhinhas, encontradas pelos agentes policiais de PSP, durante a busca no domicílio da recorrente, são os utensílios para consumo das referidas substâncias;
f. A matéria de facto que serviu para a condenação da recorrente pela prática dos crimes de “tráfico de quantidades diminutas” e de “detenção indevida de cachimbos e outra utensilagem”, foram incorrectamente apreciados e julgados pelo Tribunal a quo;
g. Em sede de audiência de julgamento, o arguido B confirmou as declarações dos factos prestadas nas fls. 61 e verso dos autos;
h. Conforme estas declarações, o arguido B, seguiu as instruções dos agentes policiais e telefonou para a recorrente, para esta trazer mais produtos estupefacientes;
i. O Tribunal a quo não considerou que os factos declarados no Ministério Público e confirmados em audiência de julgamento, como factos relevantes para efeitos de formação da sua convicção;
j. Estes factos declarados e confirmados pelo arguido B devem ser tomados em consideração, pelo Tribunal a quo, na formação da sua convicção, para se chegar uma boa decisão da causa.
k. O Tribunal a quo não deve fundamentar-se, na sua douta convicção, baseando apenas nas declarações prestadas pelos arguidos na parte em que diz respeito às suas confissão dos factos que lhes foram acusados, no depoimento da 1a. testemunha e no relatório de exame laboratorial;
l. O Tribunal a quo deve proceder a uma investigação, mais completa possível, e apreciar e valorar todas as provas que foram produzidas e/ou examinadas na audiência de julgamento, e todas aquelas que foram recolhidas nos autos;
m. Ora, o facto de o Tribunal a quo não ter procedido a uma investigação adequada das provas produzidas e recolhidas, respectivamente, na audiência e nos autos, nomeadamente a prova que resulta nas fls. 61 e verso dos autos, para efeitos da sua apreciação e de valoração, violou o princípio da livre apreciação da prova e o princípio da verdade material;
n. De acordo com as declarações prestadas pelo arguido B nas fls. 61 e verso dos autos e confirmados por ele na audiência, demonstra, claramente, que o crime de “tráfico de quantidades diminutas”, foi provocado pelos agentes policiais;
o. O meio da prova utilizada pelos agentes policiais foi manifestamente ilegal, na medida em que essa prova foi obtida pelos chamados “agentes provocadores”;
p. Pelo que, violou o artigo 113.° do CPP;
q. O Tribunal a quo julgou e condenou erroneamente a recorrente pela prática do crime de “detenção indevida de cachimbos e outra utensilagem”;
r. De acordo com o douto Acórdão condenatório recorrido, o Tribunal a quo deu como provado que a tesoura, o isqueiro, a lâmina e as cinco palhinhas, encontradas pelos agentes policiais, durante a busca efectuada no domicílio da recorrente, são os utensilagens para consumo de produtos estupefacientes vide o artigo 7.° dos factos provados, fls. 336 dos autos.
s. Na audiência de julgamento a recorrente negou que a tesoura, o isqueiro, a lâmina e as cinco palhinhas são os utensílios para consumo de droga e declarou que só os consumia, por forma de injecção intravenosa.
t. Conforme os resultados extraídos no relatório de exame laboratorial, n.° DT2008-306 (fls. 74 dos autos), verificou que, entre os tais “utensílios” apreendidos, só na tesoura que foi detectado vestígios de heroína e midazolam;
u. Não é de considerar estanho que na tesoura que se tenha encontrado vestígios de heroína e midazolam, visto que para ter acesso aos estupefacientes que se encontravam especialmente empacotados, há que utilizar um instrumento cortante, que também podia ser um x-acto, uma faca, um corta-unhas, ou quaisquer outros;
v. Posto isto, não pode e nem deve a tesoura e outros instrumentos apreendidos (o isqueiro, a lâmina e as cinco palhinhas) serem considerados como objectos indispensáveis e pertencentes à utensilagens para consumo de heroína e midizolam, visto que a recorrente só consumia estes estupefacientes por forma de injecção.
w. Pelo que, deve ordenar a absolvição do crime de “detenção indevida de cachimbos e outra utensilagem””; (cfr., fls. 355 a 380).
*
Em resposta, assim conclui o Exmo. Magistrado do Ministério Público:
“1. Segundo o registo do julgamento, o 2º arguido esteve presente no julgamento e prestou declaração. Pelo que o Tribunal a quo apreciou a declaração no julgamento segundo o “princípio de imediação”. A confissão do 2º arguido dos factos na acusação e o depoimento do agente policial foram suficientes para que o Tribunal a quo reconhecesse o facto de ter-se realizado no local da ocorrência do caso uma transacção de drogas entre a recorrente e o 2º arguido, e a inexistência da circunstância de que o agente policial requereu que o 2º arguido telefonasse para a recorrente pedindo que esta trouxesse drogas. Nestes termos, não se verifica “agentes provocadores” referidos pela recorrente, por não haver facto para suportar esta opinião.
2. Todas as provas nos autos foram legalmente adquiridas, por isso, apreciadas estas, pode o Tribunal a quo usá-las como fundamentos de reconhecimento dos factos.
3. Pode-se saber dos autos e do acórdão recorrido que o reconhecimento dos factos foi feita, integralmente produzido e apreciado o objecto da acção, sem nenhuma omissão.
4. Por isso, a versão do facto ora indicada pela recorrente (o conteúdo da declaração a fls. 61 dos autos) é apenas “uma convicção formada pela recorrente”, que não pode, absolutamente, ser usada para negar “a convicção formada por tribunal”, caso contrário, viola-se o princípio da “livre apreciação da prova” previsto no art.º 114.º do CPP.
5. O acórdão recorrido não padece do vício previsto no art.º 400.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal, nem viola o disposto no art.º 113.º do mesmo Código nem os princípios de “livre apreciação da prova” e de “verdade”.
6. Apesar de que a recorrente só confessou a injecção de drogas e negou o uso da tesoura, isqueiro, lâmina e palhinhas acima referidas, consideramos que as drogas por ela consumidas foram HEROÍNA e MIDAZOLAM, cujos métodos de consumo incluem injecção e inalação, em que se usa as utensilagens acima referidas. O ponto mais importante é que tais utensilagens foram encontradas juntos em cima da mesa de chá na sala da residência da recorrente (vd. fls. 2, 5 e 14). Além disso, do relatório de exame resulta vestígio de drogas encontrado na tesoura, o que poderia comprovar que a recorrente usava todas as utensilagens encontradas em cima daquela mesa de chá para consumir drogas. Caso contrário, será difícil explicar porque o isqueiro, a lâmina e as palhinhas foram colocados junto com a tesoura, mas não que, separadamente, em lugares diferentes no quarto.
7. Pelo que não é razoável que a tesoura só era usada para cortar as embalagens de drogas. Pelo contrário, tendo em conta os métodos do consumo das drogas, o local de colocação das respectivas utensilagens e o conteúdo do relatório de exame, o acórdão do Tribunal a quo, em que a recorrente foi condenada pela prática dum crime de detenção indevida de utensilagem para consumo de drogas, não padece de qualquer erro notório na apreciação da prova e está de acordo com as regras de experiência.
8. Segundo o acórdão a quo, caso seja aplicada a lei velha, 1ª arguida devia ser condenada, pela prática dum crime de detenção indevida de utensilagem para consumo de drogas previsto e punido pelo art.º 12.º do DL n.º 5/91/M, na pena de 5 meses de prisão; no entanto, no caso da aplicação da lei nova, a mesma será condenada pela prática dum crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento previsto e punido pelo art.º 15.º da Lei n.º 17/2009, na pena de 2 meses de prisão.
9. Tendo em conta as medidas da pena concreta acima referidas, e o princípio de “escolher o regime mais favorável” previsto no art.º 2.º, n.º 4 do CP, deve condenar a 1ª arguida, pela prática do crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento, na pena de 2 meses de prisão, aplicando a lei nova (ou seja o art.º 15.º da Lei n.º 17/2009).
10. De acordo com as regras da punição do concurso previstas no art.º 71.º do CP, deve a pena concreta deste processo ser fixada entre 1 ano e 6 meses e 1 ano e 10 meses (mas não 1 ano e 6 meses e 2 ano e 1 mês), e pena de multa de MOP$4.500,00, multa essa convertível em 30 dias de prisão se a mesma não a pagar nem a substituir por trabalho.
11. Pelo que a decisão final do Tribunal a quo (a pena de 1 ano e 10 meses de prisão e multa de MOP$4.500,00, multa essa convertível em 30 dias de prisão se a mesma não a pagar nem a substituir por trabalho) violou o princípio de “escolher o regime mais favorável” previsto no art.º 2.º, n.º 4 do CP””; (cfr., fls. 383 a 386).
*
Neste T.S.I., e em sede de vista juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Tanto quanto nos é dado apreender da respectiva argumentação, almeja a recorrente a absolvição por ambos os crimes por que foi condenada, devido a “insuficiência na apreciação e valoração das provas” no que tange ao tráfico de quantidade diminutas de estupefacientes e “erro manifesto na condenação” no que respeita ao crime de detenção de utensilagem para o mesmo efeito, pretextando, para tal, que, por uma banda, o tribunal “a quo”, na sua apreciação, apenas se fundou nas declarações prestadas pelos arguidos em audiência de julgamento (onde a recorrente confessou apenas parcialmente os factos, ou seja, a detenção e consumo), no depoimento de agente policial da PSP e no exame laboratorial, não levando, porém, em devida linha de conta e em toda a sua extensão, as declarações prestadas pelo co-arguido, B, prestadas em inquérito e confirmadas em audiência, as quais demonstrariam, no seu critério, o “uso inadequado e absolutamente ilegal para obter a prova”, querendo com isto reportar-se ao facto de aquele arguido supostamente ter referido que, a pedido das entidades policiais, contactou telefonicamente a recorrente, no sentido de esta fornecer mais produtos estupefacientes, agindo, pois, em seu critério, como agente provocador, sendo que, por outra banda, inexistirá prova bastante que a tesoura, isqueiro, lâmina e 5 palhinhas detectados na sua residência sejam efectivamente objectos “indispensáveis e pertencentes à utensilagem” para consumo das drogas detectadas, tanto mais que a recorrente, no seu dizer apenas consumiria por via intravenosa.
Pois bem:
Da análise do conteúdo do douto acórdão em crise pode retirar-se, com clareza e suficiência, além do mais, que “As drogas encontradas na posse da 1 a arguida e na sua residência foram por ela adquiridas no mesmo dia, na Praça das Portas do Cerco, a um homem conhecido por alcunha XX, pelo preço de MOP $500. Uma parte das drogas foram depois vendidas ao 2° arguido, sendo o resto das quais destinado ao consumo pessoal e à venda a outrem”.
Por outra banda, ainda no mesmo aresto se salienta que “A convicção dos factos foi formada atentas as declarações prestadas pelos dois arguidos na audiência de julgamento, a confissão parcial da 1 a arguida duma parte dos factos que lhe eram imputados, a confissão do 2° arguido dos factos que lhe eram imputados, o depoimento prestado por um agente do CPSP na audiência de julgamento, bem como o relatório do exame da PJ” (sublinhado nosso), sendo que em parte alguma do narrado, designadamente atinente às declarações do 2° arguido, se constata a pretensa “provocação” estimulada pelos agentes policiais e muito menos que, mesmo tendo existido tal telefonema, o resultado desse “estratagema” tenha, por qualquer forma, sido assumido pelo tribunal como elemento de prova válido ou sequer necessário para a conclusão alcançada relativamente à prática do crime em questão, não se vendo, pois, o pretenso uso de método proibido de prova, nos termos do art° 113°, CPP.
Quanto à utensilagem, é ainda o aresto sob escrutínio claro em salientar que os objectos supra mencionados “... foram as utensilagens detidas pela 1 a arguida para consumo de drogas”.
E, a verdade é que não se vê que de tal asserção, por si só ou conjugada com as regras de experiência, resulte patente, evidente, ostensivo, que os julgadores erraram ao apreciarem como apreciaram, que tenham, a tal nível, sido dados como provados factos incompatíveis entre si, ou que se tenham retirado desses factos conclusões logicamente inaceitáveis, não competindo a este Tribunal censurar os julgadores por terem formado a sua convicção naquele sentido, quando na decisão recorrida, confirmado pelo senso comum, nada contraria as conclusões alcançadas, tudo indicando, ao invés, a pertinência dessa conclusões, atentos os circunstancialismos específicos em que os utensílios em questão foram detectados, bem se vendo, pois, pretender a recorrente contrapor à livre apreciação da prova pelos julgadores a sua visão “pessoalíssima” sobre o assunto.
Tudo razões por que se entende não assistir qualquer razão à recorrente relativamente aos vícios assacados.
Quanto à medida da pena, mais concretamente quanto à aplicação do regime mais favorável no que tange ao crime de utensilagem, questão doutamente suscitada pelo Exmo colega junto do tribunal “a quo”, é nosso entendimento que o n° 4 do art° 2° PPM, ao prever a aplicação do
“regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente...” (sublinhado nosso) se reporta à integralidade do mesmo, relativamente a todos os ilícitos a ele sujeitos, que não à possibilidade de "repescagem" em cada regime do concretamente mais favorável, consoante o tipo de ilícito imputado.
Cada “regime” detém a sua estrutura, orientação e integração próprias, razão por que aquela “repescagem salpicada” poderia facilmente conduzir ao desabamento da “filosofia” imanente a cada um deles, designadamente no que concerne ao sentido, medida e fins das penas razão por que se nos afigura não merecer, também a este propósito, reparo o decidido”; (cfr., fls. 463 a 466).
*
Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos seguintes:
“1.
Em 2 de Novembro de 2008, cerca das 11h30, o agente do CPSP deslocou-se ao local junto do rés-do-chão do Moradias Económicas Bloco de Realojamento A, sito na Avenida de Artur Tamagnini Barbosa, para actuar contra criminosos, e encontrou que A (XX, a 1ª arguida) entregou um saco a B (XXX, o 2º arguido), que lhe deu dinheiro. Pelo que o agente do CPSP dirigiu-se a eles para os interceptar.
2.
O agente do CPSP encontrou no bolso da frente das calças do 2º arguido duas palhinhas transparentes, cada uma das quais continha pó de cor de queijo e uma pílula de cor azul.
3.
Submetidos a exame, o pó de cor de queijo acima referido continha um produto que se chama HEROÍNA indicada na tabela I-A do Decreto-Lei n.º 5/91/M, com peso líquido de 0,074g; as duas pílulas de cor azul continham um produto que se chama MIDAZOLAM indicado na tabela IV do mesmo Decreto-Lei, com peso líquido de 0,377g.
4.
As drogas acima referidas foram adquiridas pelo 2º arguido à 1ª arguida pelo preço de MOP$130,00, a fim do consumo pessoal.
5.
O agente do CPSP encontrou na posse da 1ª arguida MOP$490,00, HKD$360,00 e um telemóvel (vd. o auto de apreensão a fls. 4 dos autos).
6.
O montante de MOP$130,00 supra referido foi a verba cobrada pela 1ª arguida por causa da venda das drogas ao 2º arguido. O telemóvel acima referido foi o utensílio de contacto usado pela arguida a fim da venda de drogas.
7.
A seguir, o agente do CPSP deslocou-se à residência da 1ª arguida sita na Avenida de Artur Tamagnini Barbosa, Moradias Económicas Bloco de Realojamento A, 10.º Andar, Sala 1038 para realizar a busca. Encontraram-se, no sofá na sala da residência, um saco de plástico transparente que continha 7 palhinhas transparentes, cada uma das quais continha pó de cor de queijo e uma pílula de cor azul; em cima da mesa de chá na sala, uma tesoura vermelha, um isqueiro de cor violeta, uma lâmina e 5 palhinhas transparentes (vd. o auto de apreensão a fls. 5 dos autos).
8.
Submetidos a exame, o pó de cor de queijo acima referido continha um produto que se chama HEROÍNA indicada na tabela I-A do Decreto-Lei n.º 5/91/M, com peso líquido de 0,279g; as sete pílulas de azuis continham um produto que se chama MIDAZOLAM indicado na tabela IV do mesmo Decreto-Lei, com peso líquido de 1,329g; a tesoura vermelha supra referida continha vestígios de HEROÍNA e MIDAZOLAM, produtos que controlados respectivamente na tabela I-A e tabela IV do Decreto-Lei n.º 5/91/M.
9.
As drogas encontradas na posse da 1ª arguida e na sua residência foram por ela adquiridas no mesmo dia, na praça da Porta dos Cercos, a um homem conhecido por alcunha “XX”, pelo preço de MOP$500,00. Uma parte das drogas foram depois vendidas ao 2º arguido, sendo o resto das quais destinado ao consumo pessoal e à venda a outrem.
10.
Os dois arguidos bem sabiam a natureza e a característica das drogas acima referidas.
11.
Os arguidos agiram de forma livre, voluntaria e consciente ao praticarem a conduta supra referida.
12.
A 1ª arguida adquiriu ou deteve drogas com o objectivo do consumo pessoal e da venda a outrem a fim de lucros.
13.
O 2º arguido comprou drogas à 1ª arguida para consumo pessoal.
14.
Os arguidos bem sabiam que tal conduta é proibia e punida por lei.
***
Também se provou:
A 1ª arguida declarou ser desempregada, divorciada e não ter a seu cargo ninguém.
A arguida confessou parte dos factos e não é delinquente primária.
A arguida foi condenada, nos termos do processo n.º CR1-10-0139-PCS, em 9 de Setembro de 2010, pela prática dum crime de furto, na pena de 3 meses de prisão efectiva; tal sentença transitou em julgado em 16 de Novembro de 2010. O delito foi praticado em 11 de Outubro de 2008.
A arguida foi condenada, nos termos do processo n.º CR4-09-0169-PCS, em 30 de Novembro de 2010, pela prática dum crime de furto, na pena de 4 meses de prisão efectiva; tal sentença transitou em julgado em 10 de Dezembro de 2010. O delito foi praticado em 4 de Fevereiro de 2009.
A arguida foi condenada, nos termos do processo n.º CR4-09-0165-PCS, em 14 de Dezembro de 2010, pela prática dum crime de furto, na pena de 4 meses de prisão efectiva; sendo condenado, em cúmulo jurídico das penas aplicadas nos processos n.º CR1-10-0139-PCS e n.º CR4-09-0169-PCS, na pena de 9 meses de prisão efectiva; tal sentença transitou em julgado em 6 de Janeiro de 2011. O delito foi praticado em 16 de Dezembro de 2008.
A arguida foi condenada, nos termos do processo n.º CR2-10-0082-PCS, em 2 de Fevereiro de 2011, pela prática dum crime de furto, na pena de 1 meses de prisão efectiva; tal sentença transitou em julgado em 4 de Março de 2011. O delito foi praticado em 12 de Janeiro de 2009.
A arguida foi condenada, nos termos do processo n.º CR2-09-0388-PCS, em 1 de Abril de 2011, pela prática dum crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento, na pena de 2 meses de prisão efectiva; tal sentença transitou em julgado em 1 de Abril de 2011. O delito foi praticado em 14 de Junho de 2005.
A arguida foi condenada, nos termos do processo n.º CR1-10-0211-PCS, em 27 de Abril de 2011, pela prática dum crime de furto, na pena de 5 meses de prisão efectiva; tal sentença transitou em julgado em 9 de Maio de 2011. O delito foi praticado em 30 de Janeiro de 2010. Sendo ela condenada, nos termos dos art.ºs 71.º, 72.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Penal, em cúmulo jurídico das penas aplicadas nos 5 processos acima referidos, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão efectiva.
O 2º arguido declarou ser desempregado, casado e não ter a seu cargo ninguém.
A arguida confessou os factos e não é delinquente primária”; (cfr., fls. 435 a 440).
Do direito
3. Como se colhe da motivação e conclusões do presente recurso, limita a arguida o seu recurso à decisão que a condenou pelos crimes de “tráfico” e de “detenção de utensilagem”.
Vejamos.
–– No que toca ao crime de “tráfico de estupefacientes” (em quantidades diminutas), consigna-se desde já que nenhuma censura merece a decisão recorrida, mostrando-se de subscrever, na íntegra, o douto entendimento pelo Ilustre Procurador Adjunto assumido no seu Parecer, e que, por uma questão de economia processual, dá-se aqui como reproduzido para todos os efeitos legais.
De facto, está nomeadamente provado que parte do estupefaciente, em quantidade e espécie discriminados na factualidade dada como assente e encontrado na posse da ora recorrente era “destinado à venda a terceiros”.
E, sem embargo do muito respeito por entendimento em sentido diverso, não se vislumbra qualquer vício na matéria de facto, adequada nos parecendo igualmente a decisão de direito proferida.
Com efeito, não se vislumbra (eventual) “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, já que o Tribunal não deixou de emitir pronúncia sobre toda a matéria objecto de processo, sendo também de se notar que limitou-se o Colectivo a quo a apreciar a prova em conformidade com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 114° do C.P.P.M., não se divisando onde, como ou em que termos tenha violado as regras sobre o valor da prova tarifada – no caso, inexistente – as regras de experiência ou legis artis, ou até mesmo, valorado “prova ilegal”, limitando-se, a recorrente, a bater-se por uma “versão dos factos” que não foi acolhida pelo Tribunal.
Porém, e como é sabido, tal não constitui nenhum “erro na apreciação da prova”, (e muito menos, um “erro notório”).
Assim, e como se deixou consignado, limitando-se a recorrente a afrontar o princípio ínsito no art. 114° do C.P.P.M., e correcta se nos afigurando igualmente a decisão de direito no que toca ao dito crime, improcede o recurso na parte em questão.
–– Quanto ao crime de “detenção de utensilagem”, tem a recorrente razão.
Eis o nosso ponto de vista.
Nos termos do art. 12° do D.L. n.° 5/91/M:
“Quem detiver cachimbo, seringa, qualquer utensílio ou equipamento, com intenção de fumar, inalar, ingerir, injectar ou por outra forma utilizar substâncias e preparados compreendidos nas tabelas I a IV será punido com a pena de prisão até 1 ano ou multa de 500 a 10 000 patacas”
E, in casu, está (apenas) provado que aquando da busca efectuada à residência da ora recorrente veio-se a encontrar “um saco de plástico transparente que continha 7 palhinhas transparentes, cada uma das quais continha pó de cor de queijo e uma pílula de cor azul; em cima da mesa de chá na sala, uma tesoura vermelha, um isqueiro de cor violeta, uma lâmina e 5 palhinhas transparentes”, provando-se também que a dita “tesoura vermelha supra referida continha vestígios de HEROÍNA e MIDAZOLAM”
Ora, como é bom de ver, nenhuma referência é feita quanto ao “destino” ou (efectivo) “uso” de tal “equipamento”, nomeadamente, no sentido de que era pela ora recorrente detido “com intenção de fumar, inalar, ingerir, injectar ou por qualquer outra forma utilizar substâncias e preparados…”.
Assim, e até podendo suceder que tal “equipamento” era (apenas) pela recorrente utilizado para embalar o estupefaciente que destinava à venda ou cedência a terceiros, evidente é que motivos não há para se confirmar a decisão na parte em questão, ficando a recorrente absolvida do mencionado crime.
–– Outra questão não havendo a apreciar, resta, assim, em consequência do atrás decidido, refazer o cúmulo jurídico pelo T.J.B. efectuado.
E, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 71°, n.° 1 e 2 do C.P.M. onde se fixam os critérios legais para tal, ponderando na moldura penal em questão e nas necessidades de prevenção criminal, vai a recorrente condenada na pena única de 2 anos e 8 meses de prisão.
Decisão
4. Em face de tudo o que se deixou exposto, acordam julgar parcialmente procedente o recurso.
Pagará a recorrente a taxa de justiça de 4 UCs, (pelo seu decaimento).
Honorários ao seu Exmo. Defensor no montante de MOP$1.500.00
Macau, aos 23 de Fevereiro de 2012
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 11/2012 Pág. 28
Proc. 11/2012 Pág. 27