打印全文
Processo n.º 186/2011
(Recurso civil e laboral)

Data: 23/Fevereiro/2012

RECORRENTES :

Recurso Final
- A

Recurso Interlocutório
- S.T.D.M.

RECORRIDOS :
- Os Mesmos
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO

A, patrocinado por advogada, melhor identificada nos autos, propôs contra a Ré, "Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM)", acção para efectivação do direito ao pagamento da compensação pelo dias de descanso semanal anual e feriados obrigatórios, por si não gozados, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia MOP$1.014.225,00 e ainda no pagamento de juros vencidos e vincendos sobre tal quantia desde a citação.
    Veio esta, a final, a ser absolvida, por ter sido julgada procedente a excepção peremptória relativa à declaração remissiva assinada pelo trabalhador.
    Tendo sido proferido despacho saneador por força do qual não foi admitido o pedido reconvencional vem a Ré recorrer, propugnando pela revogação do despacho que o não admitiu e conhecimento do mérito da reconvenção.
    
   Desse despacho saneador, foi interposto recurso jurisdicional pela STDM, alegando, em síntese:
    Sem prejuízo de melhor entendimento e juízo, deve proceder a Reconvenção deduzida pela Ré e Recorrente,
    Conhecendo-se dos dois pedidos ínsitos na mesma Reconvenção,
    Pelo que, salvo melhor entendimento, improcede o douto Despacho que considerou impeditivo o conhecimento da Reconvenção, “uma vez que não obedece aos requisitos substanciais previstos no artigo 17.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho”,
     Não existe falta de interesse processual nem falta de interesse em agir por parte da Ré e aqui Recorrente,
    Nem inexiste acessoriedade, ou complementaridade ou dependência entre o pedido principal ou inicial ínsito na douta P. I.,
     O pedido ascende a quantias altamente superiores ao que a A. poderia calcular com base na sua retribuição diária.
    O pedido e a causa de pedir são os pretensos, hipotéticos e possíveis falta de períodos de descanso ou de repouso semanal, anual e feriados obrigatórios.
    Com base nesse pedido, deduz um quantum indemnizatório em que engloba quantias alheias à Ré e ora Recorrente,
     Prestações de terceiros, os clientes dos casinos que, como doações remuneratórias ou liberalidades de terceiros, prestavam gratificações ou gorjetas nos casinos que a Ré e Reconvinte, ora Recorrente, explorou até ao termo da sua concessão em exclusivo por caducidade, em 31 de Março de 2002.
    A acessoriedade, a complementaridade e a dependência do pedido reconvencional (parágrafo § 3º) do número 1 do artigo 17º do CPT está encontrado:
    Primeiro, a Ré, Reconvinte e Reconvinda procurou a validade do seu contrato e das suas cláusulas de trabalho contínuo, mesmo em dias de repouso, o que foi sempre aceite pela Recorrida;
    Segundo, mesmo que, porventura, tal contrato não fosse nem seja legal, o que não se considera mas equaciona por mera hipótese académica,
    Então, nesse caso, deve a Recorrida e Reconvinda devolver o montante altíssimo de gratificações, luvas ou gorjetas recebidas pela Ré e provenientes dos clientes dos casinos,
     Quantias pecuniárias estas, que a Reconvinda e Recorrida só auferiu em troco do trabalho contínuo nos casinos da Ré e Recorrente,
    Nos termos, designadamente, dos artigos 9º do RJRT de 1984 e 12º do RJRT de 1989.
    Portanto, a conexão e acessoriedade entre o pedido da P. I. e o pedido da reconvenção existe: o valor das luvas, prémios irregulares, gorjetas ou gratificações, não sendo curial nem possível a Ré e Recorrente ser condenada a prestar ou a repetir uma prestação pela qual não pode ser responsabilizada: as tais gorjetas dos clientes.
    O pedido indemnizatório da presente acção laboral constitui um locupletamento sem causa da Recorrida à custa da Recorrente.
    Tendo em vista o peticionado nos artigos acima referidos e tendo em vista o valor da Reconvenção
    Existe também, dependência entre o pedido principal e o pedido reconvencional: a ser condenada a Ré pela falta de repouso ou de descanso, deverá tal indemnização desconsiderar ou subtrair as referidas gratificações ou gorjetas dos clientes e,
    Sem conceder, deverá a contra-acção que é a Reconvenção proceder, condenando-se a A./Recorrida a devolver a quantia ilegitimamente obtida à custa das liberalidades prestadas pelos clientes e redistribuídas pela Ré a todos os seus ex-colaboradores, ex-prestadores de serviço, ex-empregados ou ex-trabalhadores, até 31 de Março de 2002.
    Bem como, fica provado esse nexo entre as duas acções, com o prejuízo objectivo e grave que sobre a Recorrente impende com a presente acção judicial laboral em que são exigidos pelo Autor e aqui Recorrido a peticionada quantia.
    Tendo sido deduzida a presente Reconvenção no presente litígio justamente, em ordem à celeridade, oportunidade e rapidez processuais do processo laboral,
     Escusando a Ré e Recorrente de instaurar novo pleito judicial para reaver o montante das gratificações ou gorjetas recebidas pelo Autor e Recorrido dos clientes dos casinos que a Ré,
    Levando em linha de conta o expendido na Contestação / Reconvenção, solicita-se a revogação do Despacho Saneado rrecorrido, desde logo, na parte em que absolveu a parte recorrida da instância por alegada falta de qualquer dos 3 (três) requisitos previstos nos 3 (três) §§ parágrafos do número I do artigo 17º do CPT, como ficou expresso no referido e mui Despacho que aqui se recorre interlocutoriamente.
     Sobre o pedido Reconvencional, o locupletamento sem causa da parte trabalhadora à custa da Ré e Recorrente, no referido montante traduz o valor das luvas, gratificações, prémios irregulares ou gorjetas que aquela Recorrida recebeu e que,
     De uma forma repetida e excessiva, procura agora no presente pleito, enriquecer-se novamente à custa da Ré e aqui Recorrente, ao peticionar uma quantia pecuniária por pretensa falta de descansos semanais, anuais e feriados obrigatórios,
     Descurando-se o facto essencial de ter auferido um elevadíssimo rendimento ao longo dos anos em que prestou serviço e foi funcionária ou empregada da Ré e Recorrente,
     Desde logo, por mor das luvas, gratificações ou gorjetas prestadas pelos clientes e Distribuídas pela Ré e aqui a Recorrente.
    O Mmo. Juiz a quo considerou não estarem preenchidos os fundamentos do instituto enriquecimento sem causa.
     Houve revelia operante da parte A. e ora recorrida, pois, notificada para responder, contestar, impugnar a Reconvenção em sede de resposta à Contestação, manteve o silêncio.
    Tal silêncio tem a cominação dada pelo número 1 do artigo 32º do CPT, i.e., consideram-se reconhecidos os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito.
     Em consequência todos os factos alegados nos artigos 228º e seguintes da Contestação e Reconvenção deveriam ter sido considerados reconhecidos e, em consequência, provados.
    O Tribunal a quo não se pronunciou sobre tal revelia operante em relação à Reconvenção da ora Recorrente, a qual é uma contra-acção, que deve seguir os mesmos termos de uma petição inicial.
    A parte aqui recorrida deveria ter sido condenada de preceito no pedido reconvencional.
    A causa para o enriquecimento do Recorrido assentava na sua renúncia expressa à remuneração em dias de descanso (semanal, anual e feriados obrigatórios).
     Apenas por ter aceitado não ser remunerada durante a relação laboral, a R., ora Recorrente, permitiu à parte autora, participar no esquema das gorjetas entregues pelos clientes da recorrente.
    Isto é, a causa deixou de existir no momento em que a acção foi intentada, passando, no entendimento da Recorrente, o A. a estar obrigado a restituir o indevidamente recebido a título de gorjetas.
     Ao receber parte das gorjetas, cuja causa para o seu recebimento era o não ser remunerada nos seus dias de descanso, parece forçoso concluir que o Recorrido enriqueceu à custa do empobrecimento da Ré, ora Recorrente, quando intentou a presente acção.
    Não é só quando não há nenhuma causa para as deslocações pecuniárias que o instituto do enriquecimento sem causa poderá ser invocado, como parece inferir-se daquilo que doutamente refere o despacho recorrido, mas, ao invés, quando a causa para essa deslocação deixa de existir.
    Em conclusão, requer-se o conhecimento da reconvenção e dos dois (2) pedidos nela ínsitos, seguindo-se os demais termos do process.
    
    A este recurso não respondeu a A.
    
    Vem interposto também recurso desta sentença por parte da trabalhadora, dando-se aqui por reproduzido o teor dessas alegações do recorrente que seguem, em síntese:
    Ao caso sub judicio apenas se pode aplicar o R.J.R.T da R.A.E.M., uma vez que o mesmo não contém lacuna que deva ser integrada, não se podendo fundar a Sentença recorrida no art. 854° do Código Civil - art. 3° do D.L. 39/99/M e art. 6°, n° 3, 8°, 9° do C.C. e 25° e 33° do R.J.R.T.
    De acordo com o disposto no art. 33° do Decreto-Lei n° 84/89/M, de 03 de Abril, os direitos dos trabalhadores a créditos laborais, designadamente a salários por trabalho efectivamente prestado, são inalienáveis e irrenunciáveis.
    Ao não aplicar ao caso concreto a norma do art. 33° do R.J.R.T., a Douta Sentença recorrida sofre de nulidade - art. 571°, n° 1 alínea d) do C.P.C..
    Os créditos laborais dos trabalhadores da R.A.E.M. não têm um tratamento diferenciado, i.e., indisponíveis na vigência do contrato de trabalho e disponíveis após essa vigência.
    Uma tal intepretação, no sentido da sua disponibilidade após a cessação da relação laboral, não resulta nem da letra da Lei, nem do seu espírito, nem das circunstâncias efectivas e históricas em que foi criada.
    Bem como violaria o Princípio da Igualdade, pois os direitos dos trabalhadores nas mesma circunstâncias da recorrente têm vindo a ser acauteladas pelos Tribunais da R.A.E.M., existindo sobre a questão Jurisprudência Assente.
    A "Declaração" assinada pela recorrente não consitui, por falta de todos os legais requisitos e por violação do art. 33° do R.J.R.T. uma remissão ou renúncia absdicativa, sendo nula e de nenhum efeito.
    O recorrente, embora tenha cessado o seu contrato de trabalho com a recorrida, continuou a exercer funções para a sua subsidiária, existindo entre aquele e a SJM, subsidiária da recorrida e por ela controlada, uma relação de trabalho, dela dependendo a sua subsistência e da sua família, que o impedia de, livremente, formar uma vontade, com o que os documentos que suportam a Decisão recorrida são nulos e inquinam a mesma - art. 259° do C.C..
    A Jurisprudência portuguesa que suporta a Decisão recorrida não tem aplicação ao caso concreto, pelo que padece a mesma de ausência de fundamentação - art. 571°, n° 1, alíneas b) e d) do C.P.C..
    A "Declaração" assinada pela recorrente é vaga e imprecisa, sendo certo que os requisitos do art. 854° do C.C., sem conceder, são a existência de um direito e não a mera hipótese de existência ou probabilidade de existência do mesmo, e a certeza, pela concretização, do direito a que se renúncia, quer pela sua especificação exacta, quer pelo reconhecimento da sua existência, o que não acontece in casu.
    A "Declaração" da recorrente e documentos constantes dos autos, reportam- se a um "prémio de serviço" e não a um qualquer direito efectivado, não representando, ainda, a perda de um valor pecuniário/patrimonial, por si só e sem contrapartida, mas antes à formalização da transferência do recorrente para a SJM.
    Ainda, para que se dê a remissão/renúncia consensual do direito, nos termos do art. 854° do C.C., é condição essencial o consentimento do devedor na remissão, que inexiste nesta concreta situação.
    Ninguém pode dar quitação de um crédito que ignora e cuja titularidade nem sequer lhe é reconhecida, donde, não existindo qualquer remissão/renúncia abdicativa da recorrente aos seus créditos laborais e não sendo permitido retirar qualquer efeito liberatório de uma “Declaração” viciada, está a Decisão recorrida ferida de nulidade - cfr. artigos 854°, 239° e 240° do C.C. e art. 571°, n° 1 alíneas b) e d) do C.P.C..
    Atento o inderrogável princípio do favor laboratoris deve ententender-se sempre a referida declaração como retratável e muitíssimo desfavorável ao trabalhador.
    
    Termos em que pede seja declarada nula e de nenhum efeito a sentença proferida.
    
    
    Nas contra alegações oferecidas a STDM defende a bondade do decidido conforme fls 294 e segs, termos por que, em seu entender, deverá o recurso apresentado pela recorrente ser considerado improcedente.
    Foram colhidos os vistos legais.

    II - FACTOS
    
    Vêm provados os factos seguintes:
   “Da confissão e das provas documentais resultam provados os seguintes factos:
   
   Factos provados obtidos através de auto-confirmação e de prova documental (factos provados) :
   
   A ré teve por objecto até 31 de Março de 2002 a exploração de jogos de fortuna ou azar em casino e mantendo-se o objecto da industria hoteleira, de turismo, transportes aéreos, marítimos e terrestres, construção civil, operações em títulos públicos e acções nacionais e estrangeiros, comércios de importação e exportação. (A)
   A R. foi, até 31 de Março de 2002, a única concessionária de jogos de fortuna ou azar em Macau, designadamente a proprietária e, ou, operadora de todos os casinos aqui existentes. (B)
   O A. exerceu a actividade laboral com a R., sob a direcção efectiva e fiscalização pela R.. (C)
   O A. exerceu inicialmente as funções de Assistente a Clientes da R., e a partir de 1978 passou a exercer as funções de croupier. (D)
   O horário de trabalho da A. foi sempre fixado pela R., em função das suas necessidades, por turnos diários, em ciclos de três dias, num total de 8 horas, alteradas de 4 em 4 horas, existindo o período de descanso de 8 horas diárias durante dois dias e um período de 16 horas de descanso no terceiro dia. (E)
   
   As gorjetas oferecidas a cada um dos trabalhadores da R. pelos seus clientes eram reunidas, contabilizadas diariamente pelos seguintes indivíduos: um funcionário do Departamento de Inspecção de Jogos de Fortuna ou Azar, um membro do departamento de tesouraria da R., um “floor manager” (gerente do andar) e trabalhadores das mesas de jogo da R., e depois distribuídas, de dez em dez dias, por todos os trabalhadores dos casinos da R.. (H)
   
   Tais gorjetas eram distribuídas por todos os trabalhadores da R. e não apenas pelos que tinham contacto directo com os clientes nas salas de jogo e nessa distribuição interna das gorjetas, os trabalhadores recebiam quantitativo diferente consoante a respectiva categoria, tempo de serviços e departamento em que trabalhavam. (I)
   
   Em 26 de Julho de 2003, o A. apôs a sua assinatura no documento de fls. 70 do qual consta: “Eu, A, titular do BIR. n.º XXXXXX recebi, voluntariamente (…) a quantia de MOP$ 29.681,78 (…), da STDM, referente ao pagamento de compensação extraordinária de eventuais direitos relativos a descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios, eventual licença de maternidade e rescisão por acordo do contrato de trabalho, decorrentes do vínculo laboral com a STDM. (…) Mais, declaro e entendo que, recebido o valor referido, nenhum outro direito decorrente da relação de trabalho com a STDM subsiste e, por consequência, nenhuma quantia é por mim exigível, por qualquer forma, à STDM, na medida em que nenhuma das partes deve à outra qualquer compensação relativa ao vínculo laboral.” (E) n.º repetido.
   
   O A. ainda recebeu uma outra e distinta quantia (MOP$ 14.840,89), a título de compensação por descanso (descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios), arbitrada pelo DIT/DSTE. E resultou do cálculo efectuado pela DSTE relativamente à compensação por descansos, com base no salário diário auferido pela A. durante o intervalo de tempo em que durou a relação contratual com a ora R., STDM. (F)

*
   Factos provados através da audiência:
   O A. trabalhou para a R. entre 5 de Julho de 1975 e 25 de Julho de 2002. (1º)
   O A. recebia de dez em dez dias da R., desde o início da relação contratual, ora 5 de Julho de 1975 até à data da sua cessação, duas quantias, uma fixa, no valor de MOP$ 4,10 diária desde 5 de Julho de 1975 até 30 de Junho de 1989; de HKD$ 10,00 diária a partir de 1 de Julho de 1989 até 30 de Abril de 1995; de HKD$ 15,00 diária a partir de 1 de Maio de 1995 até ao fim da relação contratual com a Ré, e ainda outra parte variável, em função do dinheiro recebido dos clientes de casinos vulgarmente designado por gorjetas. (2º)
   Desde o início da relação contratual até a sua cessação, nunca o A. a gozou um dia de descanso por cada semana de serviço prestado, nem lhe pagou a respectiva compensação monetária. (3º)
   Desde o início da relação contratual até à sua cessação, o A. nunca gozou seis dias de descanso por cada ano de serviço prestado, nem lhe pagou o serviço prestado pelo A. no mesmo período. (6º)
   Durante a vigência da relação contratual, o A. prestou serviços à R. nos feriados obrigatórios remunerados seguintes: os 1 de Janeiro, 3 dias de Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro do ano 1990 a 1994, 1996 a 1999; 3 dias de Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro dos anos 1995, 2000 e 2001, os 1 de Janeiro, 3 dias de Ano Novo Chinês, 1 de Maio do ano 2002, mas sem lhe pagou o serviço prestado pelo A. nesses mesmos dias. (5º)
   Durante o período em que prestava serviço à R., ao A. auferiu os seguintes rendimentos: (6º)
   a) 1989 = 163.373,00;
   b) 1990 = 184.042,00;
   c) 1991 = 177.578,00;
   d) 1992 = 179.367,00;
   e) 1993 = 191.119,00;
   f) 1994 = 203.126,00;
   g) 1995 = 222.887,00;
   h) 1996 = 215.762,00;
   i) 1997 = 202.538,00;
   j) 1998 = 197.213,00;
   k) 1999 = 171.240,00;
   l) 2000 = 148.466,00;
   m) 2001 = 163.553,00;
   n) 2002 = 176.897,00.
   Antes da entrada do aqui A. ao serviço da R., era do seu conhecimento que as gorjetas entregues pelos clientes aos trabalhadores não eram para seu benefício exclusivo, mas para todos os que naquela organização prestavam serviço. (7º)
   E tal fora-lhe expressamente esclarecida aquando da sua contratação. (8º)
   Aquando da contratação do A., como com todos os trabalhadores da R., a R. informava os trabalhadores de que a quota parte das gorjetas doadas pelos clientes da R., era variável. (9º)
   Aquando o A. foi trabalhar para a R., foi informada que todos os dias de descansos do A. não correspondia qualquer remuneração. (10º)
   O A. era livre de pedir o gozo de dias de descanso sempre que assim o entendesse, desde que tal gozo de dias não pusesse em causa o funcionamento da empresa da R.. (11º)
   O A. gozou o total de 269 dias de descansos, com conhecimento e autorização da ora R. (12º)
   i. No ano 1993, o A. gozou 22 dias de descanso;
   ii. No ano 1994, o A gozou 20 dias de descanso;
   iii. No ano 1995, o A. gozou 17 dias de descanso, entre os quais 1 dia de feriado obrigatório;
   iv. No ano 1996, o A. gozou 23 dias de descanso;
   v. No ano 1997, o A. gozou 33 dias de descanso;
   vi. No ano 1998, o A. gozou 24 dias de descanso;
   vii. No ano 1999, o A. gozou 18 dias de descanso;
   viii. No ano 2000, o A. gozou 62 dias de descanso;
   ix. No ano 2001, o A. gozou 37 dias de descanso, entre os quais 1 dia de feriado obrigatório;
   x. No ano 2002, o A. gozou 13 dias de descanso.”
    III - FUNDAMENTOS
    
    A - Recurso do Saneador
    A Ré deduziu pedido reconvencional, peticionando a devolução do montante pecuniário auferido a título de gratificações ou de luvas ou de gorjetas e fosse considerado válido o contrato celebrado segundo o qual a A. renunciou às quantias pecuniárias auferidas em dia de descanso anual e nos dias feriados.
    A Mma Juiz indeferiu tal pedido, basicamente, por considerar que não se verificavam os requisitos do pedido reconvencional previstos no artigo 17º do CPT (Código de Processo de Trabalho).
    O pedido da acção e da reconvenção não assentaria na mesma causa de pedir, não se verificaria uma situação de compensação, não existiria uma relação de acessoriedade, complementaridade ou dependência.
    Esta questão que ora vem colocada foi já apreciada por este Tribunal de Segunda instância que se pronunciou por diversas vezes sobre a inadmissibilidade do pedido reconvencional tal como deduzido pela Ré.1
    E não nos afastamos ainda aqui do que tem sido decidido sobre esta matéria, sufragando a teses vertida na decisão ora recorrida.
     Na verdade, estabelece o artigo 17º do CPT:
    “1- O pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção;
    2- O réu se propõe obter a compensação;
    3- Entre o pedido do réu e a relação material subjacente à acção exista subsidiariedade, complementaridade ou dependência.”
    Em resumo elencamos aqui as razões essenciais para não admitir a reconvenção na situação sub judice.
    Muito embora exista uma relação entre os dois pedidos - que tem que ver com a relação laboral existente - para além disso não se observa qualquer outra conexão entre os dois pedidos. Na acção o trabalhador pede as compensações devidas pelo não gozo de determinados descansos; nem sequer se pode dizer que peticiona salários não pagos. Na reconvenção a entidade patronal pede a devolução das gorjetas entregues.
    E sobre isto não se deixa de observar uma contradição insanável no pedido que formula, porquanto se pede as gorjetas porque elas não eram salário, então por que razão as entregou ao trabalhador? Se eram gorjetas com que legitimidade pede a devolução baseada em eventual enriquecimento em causa se se se tratava de dinheiro entregue pelos clientes? Será que irá devolver esse dinheiro aos clientes?
    Se não, o enriquecimento que se configura reverte contra si.
    Por outro lado, configurando-se essa entrega a que procedeu, como integrante do salário, - como adiante e reiteradamente se te sustentado nesta Instância – então, ainda aí, não faz sentido que se radique aí qualquer pedido reconvencional, por falta manifesta de fundamento para tal e por não autonomização de qualquer crédito da entidade patronal em relação ao pedido do trabalhador.
    E quanto se vem dizendo tanto basta para concluir que não há lugar a qualquer compensação, já que não existe reciprocidade de créditos ou uma oposição de direitos entre as partes, configurando-se sem o mínimo fundamento a sua pretensão, não se podendo tutelar o recurso a um procedimento adjectivo que à partida se mostra destituído de sentido ou fundamento.
    Essa falta manifesta de fundamento para esse pedido resulta do facto de não vir explicado o porquê da entrega indevida desses montantes, já que mesmo na perspectiva da Ré, sendo gorjetas puras, elas pertenciam aos trabalhadores, por outro lado; não se tratava de dinheiro que fosse da Ré razão porque não se compreende que seja esta a pedir o indevidamente entregue.
    O pedido da Ré é um verdadeiro non sense que quase toca as raias da má-fé.
    Como já se assinalou no processo acima citado “Ora, o que a ré pede não é o reconhecimento e a consequente satisfação de nenhum crédito contra a autora-credora, mas sim a devolução de importâncias que a esta havia entregue. Mas os argumentos utilizados pela ré para a pretensão que formula, que se limitam a entrar em rota de colisão com a pretensão da autora, só acentuam a vertente exceptiva de que tais importâncias não devem fazer parte do salário; e nesse sentido é questão que pode ser, e é conhecida, enquanto parte integrante do núcleo do mérito substantivo da acção.
    O que acaba de dizer-se conflui para a apreciação do último dos requisitos (nº3). Vistas as coisas pelo prisma acabado de referir, não se pode dizer que seja acessória, complementar ou dependente a relação material subjacente relativamente ao pedido da causa principal. Se tomarmos como referência a doutrina que emerge do Ac. do STJ de 22/11/2006, Proc. nº 06S1822, logo se torna patente que o caso não se assemelha à hipótese da norma. Na verdade, nenhuma daquelas características (acessoriedade, complementaridade e dependência) se verifica nas hipóteses em que a um pedido do autor é contraposto um pedido conflituante do réu assente numa questão autónoma. No caso, o que moveu a autora foi o não gozo de dias de descanso contemplados na lei com uma especial remuneração (portanto, violação da legislação laboral), em cujo cálculo a impetrante inclui as gorjetas; o que move a ré reconvinte é a devolução de somas de dinheiro de gorjetas que havia, admitamos por facilidade de raciocínio e exposição, “dado” (a título de liberalidade) ou “pago” (a título de remuneração). Mas a verdade é que, fosse a que título fosse, essa questão - se até poderia relevar em sede de abuso de direito, na medida em que a reconvinte age agora por causa de atitude que livremente tomou (o que pode configurar venire contra factum proprium: Ac. STJ de 17/04/2008, Proc. nº 07S4747) – é estudada na perspectiva do mérito da acção. E quando os fundamentos em que os pedidos da acção e da reconvenção são completamente diferentes, como é o caso, a jurisprudência é unânime em não admitir a segunda (a título de exemplo Ac. do STJ de 19/01/2011, 557/06.2TTPRT.P1.S1).”
    Donde se julgar improcedente este recurso interlocutório.
    
    B - Recurso da decisão final
    1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
    - Da aplicação do Código Civil em detrimento do DL 24/89/M de 3/Abril
    - Da natureza, validade e alcance da declaração e da disponibilidade ou indisponibilidade dos direitos
    - Do princípio do favor laboratoris
- Da validade da declaração
- Vício da vontade
- Princípio da igualdade

    2. O Mmo Juiz a quo julgou procedente e provada a excepção peremptória do pagamento e renúncia expressa da A. ao pagamento de quaisquer outras quantias por parte da Ré, considerando assim que ela renunciou ou abdicou dos créditos decorrentes do referido contrato a que eventualmente ainda tivesse direito.
    Insurge-se a recorrente, que peticionou na acção o pagamento das compensações devidas pelo pretenso não gozo de determinados descansos (semanal, anual e feriados, etc.), durante os anos em que trabalhou para a Ré STDM, pela aplicação do artigo 854º do CC, tomada como remissão dos créditos a declaração acima referida, segundo a qual o trabalhador, aquando da cessação da relação laboral assinou uma declaração dizendo receber as quantias a que considerava com direito, mais dizendo que considerava não subsistir qualquer outro direito decorrente da relação laboral que então findava.
    E por considerar que a situação não integra qualquer lacuna, já que regulada pelos artigos 1º e 33º, entre outros, do RJRL (DL24/89/M, de 3/4), não seria aplicável o regime geral que, no fundo, permite a disponibilidade dos créditos do trabalhador.
    
    3. Antes de esmiuçar esta questão, importa caracterizar a natureza e alcance da declaração que o trabalhador assinou, para assim se ver se ela está ou não regulada no RJRL. Só se se concluir que se trata de uma renúncia de direitos indisponíveis abrangida por aquele regime se poderá afirmar a inaplicabilidade do regime geral consagrado na lei civil.
    Analisando a transcrita declaração, os seus termos, em chinês e em português, são claros e o sentido que um declaratário normal - e, tal como se assinala na douta sentença recorrida, face ao disposto no artigo 228º do CC, é esse o sentido que há que relevar - dali se retira que o trabalhador, face à rescisão do contrato de trabalho, no que respeita à relação laboral subsistente até então, recebeu uma certa quantia, referente a compensações de eventuais direitos, nomeadamente relativos aos descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios, aceitando que nenhuma outra quantia fosse devida.
    Em linguagem simples, deu quitação da dívida.
    
    4. Mas vem agora demandar outros montantes, quantitativamente muito maiores, numa desconformidade que desde logo impressiona, em relação àqueles que aceitou receber. E impressiona, porque em face de tais montantes, se não se considerava pago, face ao prejuízo que se afigurava, não devia ter assinado essa declaração.
    Dir-se-á que não tinha consciência do montante dos créditos ou que fora induzidos em erro; mas essa é uma outra questão que devia ter sido alegada e comprovada, não se deixando de adiantar que tal como agora ocorreu não havia razões para se aconselhar sobre o alcance dos créditos a que efectivamente teria direito.
    Essa, contudo, é questão que não importa agora apreciar.
    
    5. Pretende a recorrente que se tratou de uma renúncia de direitos indisponíveis.
    E para tanto invoca a natureza indisponível dos direitos concedidos ao trabalhador, a natureza proteccionista daquele diploma em relação a tais direitos, a necessidade de protecção da parte mais fraca, a posição dominante da concessionária empregadora, a menor margem de liberdade do trabalhador.
    Invoca toda uma filosofia que diz plasmada no RJRL e expressamente nos artigos 1º e 3º .
    Não tem razão a recorrente.
    Não obstante ser verdade o que diz quanto à enunciação daqueles princípios, a protecção que deve ser dispensada ao trabalhador não pode ser absoluta nem fazer dele um incapaz sem autonomia e liberdade, ainda que aceitando os condicionamentos específicos decorrentes de uma relação laboral.
    É verdade que, desde logo, o RJRL, no seu art. 1°, pugnando pela "observância dos condicionalismos mínimos" nele estabelecidos, prevê que
    “O presente diploma define os condicionalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre empregadores directos e trabalhadores residentes, para além de outros que se encontrem ou venham a ser estabelecidos em diplomas avulsos.”
     E no art. 33º do R.J.R.T.
    ”O trabalhador não pode ceder, nem a qualquer outro título alienar, a título gratuito ou oneroso, os seus créditos ao salário, salvo a favor de fundo de segurança social, desde que os subsídios por este atribuídos sejam de montante igual ou superior ao dos créditos.”
    Daqui decorre que nenhum desses artigos contempla ex professo a situação em apreço. Antes respeitam a situações diferentes, nomeadamente o artigo 33º o que prevê é a impossibilidade de renúncia a um salário e não já às compensações devidas por trabalho indevido.
    Tais preceitos dispõem sobre a regulação do exercício de uma relação laboral ainda em aberto, compreendendo-se que por essa via, ao trabalhador sejam garantidos aqueles mínimos que o legislador reputa como as condições mínimas de exercício humano, digno e justo do trabalho a favor de outrem.
    Tais cautelas já não são válidas quando finda essa relação, como acontece no caso presente.
    E também não são válidas quando já não está em causa o exercício dos direitos, mas apenas uma compensação que mais não é do que a indemnização pelo não gozo de determinados direitos.
    Não deixaria de ser abusivo e contrário à autonomia da vontade e liberdade pessoal, próprias do direito privado, que alguém, incluindo o trabalhador, não pudesse ser livre quanto ao destino a dar ao dinheiro recebido, ainda que a título de compensações recebidas por créditos laborais.
    A não se entender desta forma, pese embora a aberração do argumento, ter-se-ia de obrigar o trabalhador a aceitar o dinheiro e, mais, importaria seguir o destino que ele lhe daria.
    
    6. Diferentes são as coisas quando o trabalhador está em exercício de funções e a sociedade exige que as condições de trabalho sejam humanas e dignificantes, não se permitindo salários ou condições concretas de exercício vexatórias e achincalhantes, materializando a garantia da sua subsistência e do seu agregado familiar. Essa tem de ser a inspiração do intérprete relativamente ao princípio favor laboratoris, mas que não pode ir ao ponto de converter o trabalhador num incapaz de querer, entender e de se poder e dever determinar.
    Nem aquele princípio, consagrado no artigo 5º do mesmo supra citado Regime nos seguintes termos “1. O disposto no presente diploma não prejudica as condições de trabalho mais favoráveis que sejam já observadas e praticadas entre qualquer empregador e os trabalhadores ao seu serviço, seja qual for a fonte dessas condições mais favoráveis. 2. O presente diploma nunca poderá ser entendido ou interpretado no sentido de implicar a redução ou eliminação de condições de trabalho estabelecidas ou observadas entre os empregadores e os trabalhadores, com origem em normas convencionais, em regulamentos de empresa ou em usos e costumes, desde que essas condições de trabalho sejam mais favoráveis do que as consagradas no presente diploma.” , poderá ter o alcance que se pretende, de limitar a capacidade negocial do trabalhador de forma tão extensa.
    O princípio do tratamento mais favorável "...assume fundamentalmente o sentido de que as normas jurídico-laborais, mesmo as que não denunciem expressamente o carácter de preceitos limitativos, devem ser em princípio consideradas como tais. O favor laboratoris desempenha pois a função de um prius relativamente ao esforço interpretativo, não se integra nele. É este o sentido em que, segundo supomos, pode apelar-se para a atitude geral de favorecimento do legislador - e não o de todas as normas do direito laboral serem realmente concretizações desse favor e como tais deverem ser aplicadas"2
    Noutra perspectiva3, considera-se que tratamento mais favorável ao trabalhador deve ser entendido em termos actualistas, como o conjunto dos valores que o Direito do Trabalho, de modo adaptado, particularmente defende e entre os quais, naturalmente, avulta a protecção necessária ao trabalhador subordinado. Quando haja um conflito hierárquico entre fontes do Direito do Trabalho, aplicam-se as normas que estabelecem tratamento mais favorável para o trabalhador, sejam elas quais forem; tal não se verificará quando a norma superior tenha uma pretensão de aplicação efectiva, afastando a inferior.
    Donde decorre que o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador não é erigido para sufragar toda e qualquer interpretação que permita o alargamento de uma tutela proteccionista injustificada, tendo antes na sua génese a exclusão de um regime, entre dois ou mais aplicáveis, que lhe seja menos favorável.
    
    7. Nesta conformidade falece eventual invocação do artigo 6º do RJRL ”São, em princípio, admitidos todos os acordos ou convenções estabelecidos entre os empregadores e trabalhadores ou entre os respectivos representantes associativos ainda que disponham de modo diferente do estabelecido na presente lei, desde que da sua aplicação não resultem condições de trabalho menos favoráveis para os trabalhadores do que as que resultariam da aplicação da lei”, tendo-se como condições de trabalho, nos termos do art. 2º, al. d) todo e qualquer direito, dever ou circunstância, relacionados com a conduta e actuação dos empregadores e dos trabalhadores, nas respectivas relações de trabalho, ou nos locais onde o trabalho é prestado.
    Isto porque, como se disse, já não se trata de conduta e actuação no local de trabalho e exercício de funções.
    Tal é a situação dos autos, em que se mostra cessada a relação laboral e assim se tem entendido em termos de Jurisprudência comparada.4
    
    8. Quanto à natureza e validade da declaração.
    Afastando-se, como se viu, a aplicabilidade do RJRL em relação à proibição de tal estipulação, importa atentar na natureza que assume a declaração emitida pelo trabalhador aquando da cessação da relação laboral.
    Em termos gerais, a remissão de dívida traduz-se na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação, feita com o acordo do devedor.
    A primeira questão que se coloca é a de saber se o documento em causa constitui realmente um contrato de remissão. Pode-se entender que a referida declaração não configura um contrato de remissão, pois que tal implicaria uma identificação e reconhecimento de créditos de que prescindiria.
    Mas, o certo é que tal documento contém, pelo menos, uma declaração de quitação que, dada a sua amplitude, abrange todos os créditos resultantes da relação laboral em causa, incluindo os que eventualmente pudessem resultar da sua cessação.
    A remissão é uma das causas de extinção das obrigações e traduz-se na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação que lhe é devida, feita com a aquiescência da contraparte5, revestindo, por isso, a forma de contrato, como claramente se diz no art.º 854º, n.º 1, do C.C.: "O credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor."

9. O que verdadeiramente caracteriza o contrato de remissão é a renúncia do credor ao poder de exigir a prestação que lhe é devida pelo devedor. Ao contrário do que acontece com o cumprimento (em que a obrigação se extingue pela realização da prestação devida) e ao contrário do que acontece na consignação, na compensação e na novação (em que o interesse do credor é satisfeito, não através da realização da prestação devida, mas por um meio diferente), na remissão, tal como na confusão e na prescrição, o direito de crédito não chega a funcionar. O interesse do credor a que a obrigação se encontra adstrita não chega a ser satisfeito, nem sequer indirecta ou potencialmente e, todavia, a obrigação extingue-se.6
O direito romano admitia a acceptilatio (remissão de uma obrigação verbal, mediante reconhecimento de se ter recebido a prestação, remissão que extinguia o crédito ipso jure), o pactum de non petendo (convenção pela qual o credor prometia ao devedor que não faria valer o crédito, definitiva ou temporariamente, contra todos - pactum in rem - ou contra determinada pessoa - pactum in provissem, produzindo o pacto o efeito de atribuir uma exceptio contra o crédito) e o contrarius consensus (convenção pela qual se extinguia toda uma relação obrigacional, derivada de um contrato consensual, o que só era possível se nenhuma das partes tinha ainda cumprido7
    Pode dizer-se, num certo sentido que, hoje, na remissão, - artigo 854º do Código Civil - extinguindo-se a obrigação, o interesse do credor não se satisfaz, nem sequer indirecta ou potencialmente.

10. Mas mesmo que, ainda porventura por algum excesso de rigor formal, se considerasse que o documento em causa não pudesse ser qualificado de remissão, por se entender ser necessário que a declaração nele contida tivesse carácter remissivo, isto é, que a parte tivesse declarado que renunciava ao direito de exigir esta ou aquela concretizada prestação, não se deixará de estar sempre perante uma declaração de quitação em que se consideravam extintos, por recíproco pagamento, ajustado e efectuado nessa data, toda qualquer compensação emergente da relação laboral, o que vale por dizer que todas as obrigações decorrentes do contrato de trabalho tinham sido cumpridas.

    Como diz Leal Amado8., uma quitação com aquela amplitude é, sem dúvida, uma quitação sui generis, uma vez que os credores não se limitaram a atestar que receberam esta ou aquela prestação determinada. Ao declarar que recebia as compensações a determinado título e que mais nenhum direito subsistia, por qualquer forma, nada devendo reciprocamente, atestaram que receberam todas as prestações que lhe eram devidas. E essa forma de quitação, por saldo de toda a conta, não deixa de ser admitida em direito.
    Perante isto, em vez de se perguntar se a autora renunciou ao direito às prestações que eventualmente lhe seria devida em consequência da cessação da relação laboral, perguntar-se-á se essas prestações já se mostram realizadas ou se se mostram extintas, sendo que a resposta a esta última questão, tida como relevante, é seguramente afirmativa, perante a clareza daquela afirmação.
    Na verdade, como inequivocamente decorre do teor do documento, os direitos abrangidos pela declaração emitida são os emergentes da relação contratual de natureza profissional que entre A. e Ré se manteve até àquela data.
    
    11. Poder-se-á ainda dizer que a extinção da relação laboral acordada, tornou impossível o cumprimento da obrigação de pagamento ao Autor do que foi por ele solicitado. Daí que ele passasse a ser titular de um outro direito; tal como já se assinalou, o crédito peticionado é o crédito à indemnização devida pelo incumprimento das obrigações que decorreram para a entidade patronal de lhe garantir os aludidos repousos enquanto para ele trabalhou.
    Esta perspectiva afigura-se particularmente relevante.
    É que não se trata da disponibilidade de direitos, mas sim da compensação pela sua não satisfação.
    Pelo contrato havido e comprovado, no âmbito do qual foi emitida aquela declaração, as partes acordaram sobre o montante de indemnização ou "compensação" devida à A. e, com o recebimento dessa quantia, a correspondente obrigação da Ré, surgida em substituição da obrigação inicial, extinguiu-se pelo pagamento de que a A. deu total quitação, sendo legítima a transacção extrajudicial sobre o conteúdo ou extensão de obrigação da Ré nos termos do artigo 1172º do CC, não abrangida já por qualquer indisponibilidade.

    12. Somos assim, face à caracterização jurídica do acordo celebrado, em considerar que a alegação sobre a vaguidade da declaração de reconhecimento de cumprimento e extinção de toda e qualquer prestação que fosse porventura devida não colhe, face à sua admissibilidade.
    Para além de que não se deixaram de concretizar a que título ocorreu o acerto final, quais as compensações a que se procedia, dando-se quitação de todas e eventuais prestações não abrangidas por aquele recebimento.
    
    13. Sobre a eventual situação de inferioridade e dependência da declarante, ao assinar o recibo, pelo que, não manifestando qualquer vontade negocial, não tomou uma opção livre e consciente, uma escolha livre no tocante à assinatura da referida declaração, estaríamos perante uma situação de erro vício previsto no artigo 240º do CC, face à indução da conduta pela entidade pública tutelar e viciação da vontade, por temor, face à continuação numa sociedade subsidiária da primeira empregadora.
    Trata-se de matéria irrelevante não invocada oportunamente nos autos, porquanto a A. não respondeu à matéria da excepção aduzida.
    Para além de que dos termos da sua alegação sempre decorreria contradição insanável e que reside em saber o que viciou a vontade do declarante, se o erro, se o temor.
    
    14. Quanto à eventual violação do princípio da igualdade, não se alcança qual o âmbito do invocado princípio em sede do direito privado, face ao predomínio da autonomia da vontade e da liberdade contratual. O Direito privado não acolhe esse princípio com o alcance que lhe é dado pelo recorrente, sendo que a especificidade e o tratamento de cada caso pode levar a soluções diferentes, bastando até que divirjam as interpretações dos diferentes aplicadores do Direito.
    Nomeadamente, pode haver razões que levam a uma salvaguarda enquanto perdura a relação laboral e que já deixem de relevar quando finda essa relação.
    O problema colocar-se-á então em sede de salvaguarda de um outro valor a preservar e que é o da segurança, mas essa é uma outra questão que não releva de todo neste momento.
    Entrarão aí critérios de uniformização de Jurisprudência que caberá ao legislador acautelar.
    Assim se conclui pela não existência dos apontados vícios, sendo de manter a douta decisão proferida.
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, nos termos e fundamentos expostos, acordam em negar provimento aos recursos interlocutório e final, ora interpostos, confirmando as decisões recorridas.
    Custas pela recorrente.
              Macau, 23 de Fevereiro de 2012,


_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)

_________________________
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)






1 Cfr., por todos, Ac. 537/2010, de 28/7/2011
2 - Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 11.ª edição, pág. 118.
3 - Menezes Cordeiro, Direito do Trabalho, pág. 219.
4 - Acs. STJ de 20/11/03, proc. 01S4270, de 12/12/01, proc. 01S2271, de 9/10/02, proc. 3661/02
5 - A. Varela, Das obrigações em geral, Coimbra Editora, 2.ª ed., vol. II, pág. 203
6 - A. Varela - Ob. cit., pág. 204
7 - Professor Vaz Serra, BMJ 43, 57.
8 - A Protecção do Salário, pág. 225, Separata do volume XXXIX do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

186/2011 1/31