ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 19 de Janeiro de 2010, condenou o arguido A pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de 10 (dez) anos de prisão.
Em recurso interposto pelo arguido o Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 27 de Maio de 2010, rejeitou o recurso.
Ainda inconformado, recorre o arguido para este Tribunal de Última Instância (TUI), terminando com as seguintes conclusões úteis:
Foi provado na sentença a quo que o arguido é delinquente primário.
E que o recorrente confessou todos os factos na audiência e julgamento, isto manifesta a atitude de arrependimento do recorrente.
Isto devia configurar as circunstâncias que diminuam acentuadamente a ilicitude do facto ou a culpabilidade do agente, todavia, não foi considerada na determinação da medida de pena pela sentença recorrida.
Pelo que, a sentença recorrida violou o disposto do artigo 66.º n.ºs 1 e 2 alínea c) do CPM.
Mais, desde a entrada em vigor da Lei n.º 17/2009 que proíbe produção, do tráfico e do consumo ilícitos de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, havia casos julgados dos Tribunais de Segunda Instância e de Última Instância com circunstâncias idênticas ao presente caso.
Ainda que nos caso em que está em causa o transporte da quantidade superior a mil gramas de Heroína, foi somente aplicada a pena não superior a 9 anos e 3 meses de prisão efectiva.
E quanto à quantidade de drogas, factor levado em conta na determinação da moldura penal pelo Tribunal a quo, a quantidade de drogas transportada pelo recorrente é obviamente inferior à quantidade envolvida neste processo.
Porém, a condenação do recorrente na pena de 10 anos de prisão, é óbvio que a pena fixada na sentença recorrida quanto ao crime de tráfico cometido pelo recorrente é manifestamente desequilibrada, irracional, irrazoável e excessiva.
O recorrente entendeu que se devia aplicar, quanto ao crime de tráfico de drogas, a pena não superior a 8 anos de prisão.
O Ex. mo Procurador-Adjunto, na resposta à motivação, pronuncia-se pela rejeição do recurso.
No seu parecer, o Ex. mo Procurador-Adjunto manteve a posição já assumida na resposta à motivação.
II – Os factos
As instâncias consideraram provados e não provados os seguintes factos:
Em 7 de Abril de 2009, pelas 20h30, o arguido A chegou da Tailândia ao Aeroporto Internacional de Macau através de um voo.
Na zona de recolha de bagagens do aludido aeroporto, agentes da PJ interceptaram o arguido A para realizar uma inspecção.
Tendo suspeitado de que o arguido A estava com estupefacientes guardado no interior do corpo, os agentes da PJ levaram-no ao Serviço de Urgência do Centro Hopsitalar Conde de S. Januário para ser examinado.
Após uma tomografia axial computorizada efectuada à cavidade abdominal do arguido A, foi verificada a existência de objectos estranhos no interior do intestino do arguido A, por isso, os agentes da PJ levaram o arguido A à Divisão de Investigação e Combate ao Tráfico de Estupefacientes para fazer investigação.
Das 23h45 do dia 7 de Abril de 2009 às 20h25 do dia 8 de Abril, na Divisão de Investigação e Combate ao Tráfico de Estupefacientes, o arguido A excretou do seu corpo 100 objectos de forma oval, embrulhados em fita adesiva de cor prateada.
Submetido a exame laboratorial, confirmou-se que os aludidos objectos de forma oval continham substância de heroína abrangida pela Tabela I-A anexa ao Decreto-Lei N.º 6/91/M, com o peso líquido total de 981,01 gramas.
Os estupefacientes supracitados foram fornecidos ao arguido A por um indivíduo de identidade desconhecida, para que o arguido transportasse dentro do seu corpo os referidos estupefacientes para Macau.
O arguido A transportou dentro do seu corpo os aludidos estupefacientes para Macau, com a finalidade de entregá-los a outro indivíduo de identidade desconhecida e obter uma remuneração de USD4.000,00.
Em 8 de Abril de 2009, os agentes da PJ encontrou na posse do arguido A um telemóvel, dois cartões “SIM”, três bilhetes de avião electrónicos e USD1.200,00 em numerário.
Os aludidos telemóvel, cartões “SIM”, bilhetes de avião electrónicos e numerário eram instrumentos de comunicação, bilhetes de avião e remuneração do arguido A no transporte de estupefacientes acima referido.
O arguido A, agindo de forma livre, voluntária e consciente, praticou dolosamente as condutas acima referidas.
O arguido A bem sabia a natureza e as características dos referidos produtos estupefacientes.
As suas condutas não são permitidas por lei.
Bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Mais se provou:
Segundo o CRC, o arguido é primário.
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Factos não provados: nada assinalar.
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Os factos supracitados foram provados com base na confissão espontânea e sem nenhuma reserva do arguido A, nos depoimentos prestados pelos agentes da PJ B, C, D e E, bem como nos documentos constantes dos presentes autos, nomeadamente no relatório do exame laboratorial dos referidos estupefacientes, sendo suficientes as provas.
III - O Direito
1. As questões a resolver
A questão a resolver é a de saber se o Acórdão recorrido deveria ter aplicado uma pena inferior.
2. Medida da pena
Vem suscitada a questão da medida da pena.
O Tribunal de 1.ª Instância condenou o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de 10 (dez) anos de prisão.
E ponderou que, nos termos do n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal, a pena que lhe caberia pela incriminação vigente ao tempo dos factos seria sempre superior à aplicada.
Pretende o arguido uma pena inferior, designadamente, por comparação com as penas aplicadas noutros processos.
Nesta matéria de medida da pena, tem este Tribunal entendido que ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada (Acórdão de 10 de Outubro de 2007, no Processo n.º 33/2007, entre outros).
Não alega o recorrente qualquer violação legal específica, limitando-se a comparar com as penas aplicadas noutros processos.
É descabido estar a fazer comparação com as penas aplicadas a outros arguidos, com base em factos diversos, dado que, ao contrário do que alega, o único facto a ter em conta não é o tipo de estupefaciente detido e a sua quantidade.
Ora, perante os factos provados, e face aos critérios constantes do artigo 66.º do Código Penal, afigura-se-nos que a pena aplicada nem é desproporcionada, nem se mostra que tenham sido violadas vinculações legais ou regras da experiência.
Impõe-se, pois a rejeição do recurso.
IV – Decisão
Face ao expendido, rejeitam o recurso.
O recorrente pagará custas, com taxa de justiça fixada em 2 UC, e ainda MOP$2.000,00 (duas mil patacas) pela rejeição do recurso.
Ao defensor do arguido fixam-se honorários no montante de MOP$1.000,00 (mil patacas).
Macau, 21 de Julho de 2010.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
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Processo n.º 38/2010