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Processo nº 36/2011
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 08 de Março de 2012

ASSUNTO:
- Falta de fundamentação
- Despedimento com justa causa
- Artº 69º da Lei nº 7/2008

SUMÁRIO:
- Nos termos do artº 114º do CPA, os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
- E a fundamentação consiste na exposição explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto, que deve ser expressa, podendo no entanto consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto (artº 115º, nº 1 do CPA), que é o caso.
- O dever de fundamentação visa dar conhecimento ao administrado quais são as razões de facto e de direito que serviram de base de decisão administrativa, ou seja, permitir ao administrado conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa optar em aceitar o acto ou impugná-lo através dos meios legais.
- Assim, o dever de fundamentação cumpre-se desde que exista “uma exposição das razões de facto e de direito que determinaram a prática do acto, independentemente da exactidão ou correcção dos fundamentos invocados.”
- Mesmo que haja facto constitutivo da justa causa, a entidade patronal tem de comunicar ao trabalhador, por escrito e no prazo de trinta dias contados da data do conhecimento do facto, a decisão de cessação da relação de trabalho, descrevendo sumariamente os factos que lhe são imputados, sob pena de ser considerado como despedimento sem justa causa.
O Relator,













Processo nº 36/2011
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 08 de Março de 2012
Recorrente: Empresa de Administração de Imobiliário A
Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
  Empresa de Administração de Imobiliário A, melhor identificada nos autos, vem interpor o presente Recurso Contencioso contra o despacho do Secretário para a Economia e Finanças, de 23/11/2010, pelo qual se indeferiu o recurso hierárquico necessário do acto que revogou a autorização de contratação de um trabalhador não residente, concluíndo que:
I. O Acto recorrido padece de Erro nos Pressupostos de Facto e consequentemente, Absoluta Falta de Fundamentação, com o que é nulo - cfr. arts. 3°, 4°, 5°, 7°, 8°, 9°, 10°, 54°, ,76º, 77º, 85°, 86°, 87°, 88°, 93° e 122°, nº 1 e 2, alínea d) do CPA.
II. O Acto recorrido padece do vício de Violação de Lei, pois existe discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas jurídicas e o próprio Despacho de Autorização proferido e ora revogado, bem como foram infringidos os princípios gerais que limitam e condicionam a actividade administrativa, mesmo em sede de discricionariedade, porque vinculada, designadamente, os da Legalidade, Imparcialidade, Protecção dos Direitos do Cidadão, Boa Fé, Igualdade e Justiça, como acontece no casu sub judicio - cfr. arts. 86°, 88°, 3º, 4°, 5°, 7°, 8° e 9°, 12° e 122° todos do CPA e art. 21º da Lei nº 21/2009.
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Regularmente citada, a entidade recorrida contestou nos termos constantes a fls. 29 a 33 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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O Ministério Público é de parecer pela improcedência do recurso, a saber:
Vem "Empresa de Administração e Imobiliário A" impugnar o despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 23/11/10 (e não de 26/11 como, certamente por lapso, indicou) que, em sede de recurso hierárquico, manteve decisão de revogação de autorização de contratação de um trabalhador não residente, assacandolhe vício de forma por falta de fundamentação e de violação de lei, quer por erro nos pressupostos de facto subjacentes à decisão, quer por atropelo dos princípios gerais da Legalidade, Imparcialidade, Protecção dos direitos do Cidadão, Boa Fé, Igualdade e Justiça, quer por violação das cláusulas acessórias do despacho de autorização de contratação em questão.
Mas, manifestamente, sem qualquer razão.
Desde logo, da "Informação" constante de fls 4 a 7 do instrutor - vol 2 - apenso, a cujas considerações e entendimento o acto anuiu, é possível concluir, com segurança, conter a mesma, de forma clara, expressa, congruente e suficiente, as razões de facto e de direito que presidiram à decisão controvertida, as quais, de forma sintética, se encontram vertidas nas conclusões desse informe, onde se expõe justificar-se o cancelamento registado "Considerando que a Recorrente procedeu ao despedimento, sem justa causa de um trabalhador residente, mantendo ao serviço o trabalhador não residente que desempenhava as mesmas funções, não cumprindo, por isso, as obrigações impostas pelo Despacho ...", sendo que "...a autorização para a contratação de trabalhadores não residentes concedida a determinado empregador podem ser revogadas quando provoquem, directa ou indirectamente, a cessação, sem justa causa, de relações e trabalho, tal como previsto no n° 2 do artigo 13° da Lei 21/2009 de 27 de Outubro", ficando, pis, um cidadão médio em perfeitas condições de apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo empreendido pela entidade decidente e, consequentemente, das razões factuais e de direito subjacentes à decisão, o que não deixou de suceder com a recorrente, a avaliar, até, pelo conhecimento demonstrado em sede da sua P.I.
No que tange aos variadíssimos princípios gerais apontados, limitase, em boa verdade, a recorrente à sua mera enunciação, não se encontrando minimamente caracterizada ou consubstanciada a pretendida afronta de qualquer deles, razão por que, não nos impelindo a vontade de esgrimir contra "moinhos de vento ". a mais nos não vemos obrigados, a tal propósito, que à consideração, também generalista, da não ocorrência de ofensa de qualquer dos ditos princípios.
Relativamente aos pressupostos factuais subjacentes à decisão, bem pode a recorrente esforçar-se por tentar, no momento, comprovar a eventual e pretendida ocorrência de justa causa no despedimento do trabalhador em questão : conforme notificação datada de 26/2/09 (fls 2 do p.a.- vol 1- apenso), é a própria recorrente a expressar ter cessado a relação de trabalho com aquele, fundada apenas no facto de o mesmo não corresponder às suas exigências enquanto empregador, motivo que, por si só, como é óbvio, não consubstancia conduta que tome insustentável a manutenção do contrato de trabalho por séria violação dos deveres contratuais por parte do trabalhador.
Mal andaríamos se a mera consideração, por parte da entidade empregadora, de que qualquer trabalhador ficou aquém das expectativas daquela, pudesse, por si mesma, constituir justa causa de rescisão do contrato de trabalho ...
E, como é evidente, toma-se inócua a tentativa de a recorrente pretender provar "a posteriori" a ocorrência de outras razões da alegada justa causa, quando ela própria as não assumiu no momento do despedimento.
Finalmente, é inequívoco que, nos termos legais, a autorização de contratação de trabalhador não residente criou para a recorrente o encargo de, em caso de necessidade de proceder a despedimentos, dar preferência no emprego a trabalhadores residentes, excepto se a rescisão se fundasse em justa causa ou acordo.
Inexistindo, como é o caso, uma ou outra, claro se toma ter a recorrente, ao despedir o trabalhador residente, violado a imposição que sobre ele impendia, tendo-se a Administração limitado ao escrupuloso respeito das cláusulas acessórias do despacho de autorização de contratação, revelando-se inócuo argumentar com a subsequente contratação de outro trabalhador residente, já que o que no caso se impunha era a preferência de emprego aos seus trabalhadores residentes e não a qualquer outro.
Tudo razões por que, por não ocorrência de qualquer dos vícios assacados, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, somos a entender não merecer provimento o presente recurso.
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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O Tribunal é o competente.
As partes possuem personalidade e capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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II – Factos
Com base nos elementos existentes nos autos, fica assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
- Em 26/02/2009, a recorrente comunicou ao seu trabalhador B, residente permanente da RAEM, que ficava despedido a partir do dia 01/03/2009, por não satisfazer as exigências da empresa enquanto trabalhador (fls. 2 do PA).
- Na mesma comunicação, informou ao mesmo trabalhador de que a empresa iria pagar todas as indemnizações a que tinha direito nos termos da lei laboral.
- No âmbito da audiência de interessado, a recorrente explicou ao Gabinete para os Recursos Humanos (GRH) que o trabalhador em referência foi despedido por justa causa, uma vez que o mesmo “dormia sempre no local de trabalho”, violando assim os seus deveres laborais.
- Por outro lado, alegou ainda que tinha contratado, em Março de 2009, um trabalhador residente de nome C para substituir o trabalhador despedido.
- Por despacho nº 18323/IMO/GRH/2010, de 13/07/2010, foi autorizada à recorrente a renovação da contratação de 10 trabalhadores não residentes sob as seguintes condições:
“...
1. 必須與外地僱員簽訂書面勞動合同,且合同條件不得低於申請書所載內容。
2. 若須遣散在職僱員,必須先遣散本批示許可的且與本地僱員屬同類職種的外地僱員,但屬合理解僱或經申請人與本地僱員雙方協議而終止合同者除外。
3. 按法律或合同規定支付遭遣散的外地僱員應有的補償。
4. 禁止所有來自中國內地的外地僱員在博彩娛樂場範圍內提供任何形式的勞務活動。
5. 在本許可有效期內,申請人必須維持聘用現有之本地僱員52(五十二)名或以上;同時,必須履行社會保障基金供款責任。
6. 倘是次申請資料有任何變更,須於十五日內通知本辦公室。
倘申請人不遵守上述所定義務,行政當局保留廢止本次許可的權利,且此舉不妨礙實施其他倘有之法定罰則。”
- Por despacho nº 26735/IMO/GRH/2010, o Director do GRH retirou à recorrente a autorização da contratação de um trabalhador não residente.
- O referido despacho tem o seguinte teor:
“第26735/IMO/GRH/2010號批示
A物業管理有限公司經下列批示獲准聘1(一)名外地僱員:
批示編號
人數
職位名稱
18323/IMO/GRH/2010
1
管理員
考慮到:
根據勞工事務局第26819/22950/DIT/QUEE/2010號公函顯示,A物業管理有限公司違反了本辦公室第16552/IMO/GRH/2008號批示規定之義務 – “若需遣散員工,必須先遣散本批示許可輸入的,與本地僱員擔當同一職務的外地僱員,但經申請人與本地僱員達成協議或合理解僱者除外”。
根據10月27日第21/2009號法律之規定,並行使公佈於2010年4月28日澳門特別行政區政府公報第17期第二組第69/2010號經濟財政司司長批示所轉授的權限,本人廢止A物業管理有限公司聘用上述1(一)名外地僱員的許可。
主任
黃志雄
二零一零年十月六日”
- Em 22/10/2010, a recorrente interpôs o recurso hierárquico necessário para o Secretário para a Economia e Finanças.
- Em 17/11/2010, foi elaborada a informação/proposta nº 233/GRH/2010, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido.
- Em 23/11/2010, o Secretário para a Economia e Finanças despachou na informação/proposta acima identificada o seguinte:“批准建議”, negando provimento ao recurso, mantendo a decisão do Director do GRH.
- O trabalhador C é empregado da recorrente desde 16/04/2007 (resulta do depoimento do mesmo, cfr. inquirição de fls. 41).
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III – Fundamentos
A recorrente imputa ao acto recorrido os seguintes vícios:
- Falta de fundamentação;
- Erro nos pressupostos de facto e de direito;
- Violação dos princípios da legalidade, imparcialidade, protecção dos direitos do cidadão, boa fé, igualdade e justiça.
Vamos analisar um por um.
Da falta de fundamentação:
Nos termos do artº 114º do CPA, os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
E a fundamentação consiste na exposição explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto, que deve ser expressa, podendo no entanto consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto (artº 115º, nº 1 do CPA), que é o caso.
O dever de fundamentação visa dar conhecimento ao administrado quais são as razões de facto e de direito que serviram de base de decisão administrativa, ou seja, permitir ao administrado conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa optar em aceitar o acto ou impugná-lo através dos meios legais.
Contudo, não se deve confundir fundamentação com fundamentos, a primeira refere-se à forma do acto e a segunda refere-se ao seu conteúdo.
Assim, o dever de fundamentação cumpre-se desde que exista “uma exposição das razões de facto e de direito que determinaram a prática do acto, independentemente da exactidão ou correcção dos fundamentos invocados.”
No mesmo sentido, veja-se Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, de Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, anotação do artº 106º, pág. 619 a 621.
Voltando ao caso concreto, será que um destinatário de diligência normal não consegue compreender quais os pressupostos e motivos que estiveram na base da decisão ora recorrida?
Ora, face ao teor do acto recorrido e da informação/proposta integrante, o mesmo não só é suficientemente claro no seu texto para dar a conhecer o discurso justificativo da decisão tomada como tem capacidade para esclarecer as razões determinantes do acto, é ainda congruente e suficiente. Dele resulta que foi cancelada a autorização da contratação de um trabalhador por a recorrente ter despedido unilateralmente um trabalhador residente.
A questão de saber se os fundamentos do acto recorrido estão correctos ou não, já é uma questão de fundo que respeita ao outro vício alegado pela recorrente.
Conclui-se assim pela improcedência do vício da forma, por falta de fundamentação.
Do erro nos pressupostos de facto e de direito:
A recorrente entende que o acto recorrido errou nos pressupostos de facto ao não considerar que o despedimento do trabalhador residente de nome B era com justa causa e com este erro fáctico, gera consequentemente o vício da violação da lei.
Para a recorrente, o referido trabalhador foi despedido por ter violado constantemente os seus deveres laborais (dormia sempre no serviço e não cumpria as ordens do superior hierárquico).
Por outro lado, nunca tem a intenção de despedir trabalhador residente e manter trabalhador não residente no serviço, já que para substituição do trabalhador despedido, contratou, em Março de 2009, um outro trabalhador residente de nome C.
Vamos analisar se lhe assiste razão.
Na comunicação escrita do despedimento (fls. 2 do PA), a recorrente invocou apenas, como motivo da cessação da relação laboral, que o desempenho do trabalhador não satisfazia as exigências da empresa.
Além disso, prometeu que iria pagar todas as indemnizações a que o trabalhador tinha direito nos termos da lei laboral.
Será que tal facto constitui um despedimento com justa causa?
A resposta não deixa de ser negativa face ao disposto dos nºs 1 e 4 do artº 69º da Lei nº 7/2008 (Lei das relações laborais), de 18/08/2008.
O nº 1 do citado artº 69º estabelece que “Havendo justa causa para a resolução do contrato, o empregador comunica ao trabalhador, por escrito e no prazo de trinta dias contados da data do conhecimento do facto, a decisão de cessação da relação de trabalho, descrevendo sumariamente os factos que lhe são imputados”, cujo incumprimento é considerado como despedimento sem justa causa (nº 4 do mesmo artigo).
Como se deve notar mesmo que haja facto constitutivo da justa causa, a entidade patronal tem de comunicar ao trabalhador, por escrito e no prazo de trinta dias contados da data do conhecimento do facto, a decisão de cessação da relação de trabalho, descrevendo sumariamente os factos que lhe são imputados, sob pena de ser considerado como despedimento sem justa causa.
Da comunicação do despedimento acima em referência não consta qualquer descrição de facto violador do dever laboral que é imputado ao trabalhador e que integra no conceito da justa causa, não satisfazendo portanto os requisitos formais legalmente exigidos.
A lei exige que a justa causa tem de ser invocada no momento do despedimento e nunca no momento posterior como pretendido pela recorrente.
Além disso, é ilógico que a recorrente, por um lado, considera que o despedimento é com justa causa, e, por outro, assume a obrigação de indemnizar o trabalhador nos termos da lei laboral.
Pois, nos termos do nº 3 do citado artº 69º, não há lugar ao pagamento de qualquer indemnização compensatória para os casos de despedimento com justa causa.
Por fim, cumpre dizer ainda que o trabalhador C não foi contratado na sequência do despedimento do trabalhador B, pois aquele já era empregado da recorrente desde 2007.
Pelo exposto, se conclui que não existe qualquer o erro nos pressupostos de facto e de direito.
Da violação dos princípios fundamentais:
Alega a recorrente que o acto recorrido violou os princípios da legalidade, imparcialidade, protecção dos direitos do cidadão, boa fé, igualdade e justiça, sem no entanto concretizar em que termos consiste esta violação, o que implica a impossibilidade da sua apreciação.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam negar provimento ao recurso interposto, mantendo o acto recorrido.
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Custas pela recorrente com 8UC de taxa de justiça.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 08 de Março de 2012.

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Ho Wai Neng Vitor Manuel CarvalhoCoelho
(Relator) (Presente)
(Magistrado do M.oP.o)

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José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)

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