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Processo nº 194/2012
Data: 12 de Abril de 2012
Assuntos: - Suspensão de eficácia
- Acto negativo com vertente positiva
- Declaração sem efeito da autorização da residência
- Prejuízo de difícil reparação


SUMÁRIO
1. A suspensão de eficácia de um acto administrativo traduz-se, aí, tão somente, na paralisação provisória dos efeitos ablativos do acto, aguardando-se que o recurso contencioso conheça da sua legalidade intrínseca.
2. Sendo o acto suspendendo declaração sem efeito da autorização da residência temporária antes ao seu termo um acto de conteúdo positivo, susceptível de seu objecto da suspensão pois, a decisão vem alterar directamente a sua situação actual e pre-existente.
3. Com a execução do acto em crise, ficarão os seus filhos obrigados a ausentarem da RAEM, e ficariam obrigados a deixar o estudo no meio de ensino escolar, factores estes que assim causaria um prejuízo, não concretizáveis ou quantificáveis, prejuízo esse que não pode ser pecuniariamente reparável.

O Relator,

Choi Mou Pan

Recurso nº 194/2012
( Suspensão de eficácia )

Requerente: A
Entidade Requerida : Secretário para a Economia e Finanças
(經濟財政司司長)




A cordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:

I – Relatório
   A, devidamente identificado nos autos, veio, ao abrigo do disposto nos artºs 120º e s.s., requerer a suspensão de eficácia do despacho, datado de 21 de Fevereiro de 2012, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças que declarou sem efeito da autorização de residência dele próprio e dos familiares, tendo para tal deduzido, no seu requerimento a fls. 2 a 6 dos p. autos, as razões de facto e de direito que se dão aqui por integralmente reproduzidas.
   Citada a entidade requerida, veio contestar a﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽o indeferimento na sua contestação a﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽o indeferimentoda fls. 25 a 28, pugnando pelo indeferimento do pedido, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
   O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seu douto parecer que se transcreve nos termos seguintes:
    “Exarado pelo Exmo. Sr. SEF no Parecer n.º 00248/GJRF/20I2 (doc. de fls. 8 a 9 verso do P.A.), o acto suspendendo traduz-se, no fundo, em indeferir o pedido de renovação da autorização de residência temporária apresentado pelo Requerente A.
   No ordenamento jurídico de Macau, a maioria da jurisprudência configura a decisão como tal no acto administrativo de conteúdo negativo com vertente positivo. (vide. Acórdãos do TUI no Processo n.º 10/2009, e do TSI no Processo n.° 328/2010/A)
   Ao abrigo do disposto na alínea b) do art.120° do CPAC, verifica-se in casu a idoneidade do objecto, no sentido de que o referido despacho é susceptível de suspensão da eficácia.
   Sobre os requisitos previstos no n.º 1 do art.121º do CPAC, pode-se dizer que é pacífico e constante que “A não verificação de um dos requisitos da suspensão de eficácia de acto administrativo previstos no n.º 1 do art. 121° do Código de Processo Administrativo Contencioso toma desnecessária a apreciação dos restantes porque o seu deferimento exige a verificação cumulativa de todos os requisitos e estes são independentes entre si.” (Acórdão do TUI no Processo n.º 2/2009).
   E, em regra, cabe ao requerente o ónus de demonstrar, medi prova verosímil e susceptível de objectiva apreciação, o preenchimento do requisito consagrado na alínea a) do referido n.º 1, por aí não se estabelecer a presunção do prejuízo de difícil reparação.
   Não fica tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente. Terá de tornar credível a sua posição, através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivos.
   E, só relevam os prejuízos que resultam directa, imediata e necessariamente, segundo o princípio da causalidade adequada, do acto cuja inexecução se pretende obter, ficando afastados os prejuízos conjecturais, eventuais e hipotéticos.
   Em esteira destas criteriosas jurisprudências, e ressalvado respeito pela opinião diferente, entendemos que merece deferimento o pedido de suspensão de eficácia em apreço.
   Em primeiro lugar, parece-nos previsível que a imediata execução do acto suspendendo determinará a interrupção da Educação Regular dos dois filhos menores do Requerente (docs. de fls.l6 a 18 dos autos), a recente Jurisprudência do venerando TSI qualifica-a aplausivelmente no prejuízo de difícil reparação.
   Face à contestação de fls. 25 a 28 dos autos, e por não se vislumbrar a manifesta grave lesão causada pela pretendida suspensão de eficácia para o interesse público, entendemos que se deve considerar verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 121º do CPAC (art.129º nº 1 deste Diploma legal).
   E, ressalvado o respeito pela posição assumida pelo órgão requerido na dita contestação, afigura-se-nos que dos autos não resultam fortes indícios que determinem a ilegalidade, ou seja, a rejeição liminar do respectivo recurso contencioso.
   Tudo isto implica que se preenchem todos os requisitos legalmente fixados para a suspensão de eficácia.
   Pelo exposto, entendemos que se deverá conceder provimento ao presente pedido de suspensão de eficácia.”

   Foi solicitado visto do 2º Juiz-Adjunto - artº 129º/2 do CPAC, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação
   De acordo com os elementos constantes dos autos e do processo instrutor, podem ser seleccionados os seguintes factos com relevância à decisão do presente pedido da suspensão de eficácia:
- Em 15 de Junho e 2005, foi concedida ao ora recorrente e aos seus familiares a autorização de residência temporária na RAEM.
- Autorização essa que terminará em 27 de Janeiro de 2014.
- Por despacho datado em 21/2/2012 do Sr. Secretário para a Economia e Finanças, com fundamento de não cumprimento dos leis da RAEM nos termos do artigo 11º do DL 14/95/M e artigo 9º nº 2/1 da Lei nº 4/2003, determinou o sem efeito da autorização da residência temporária por investimento de imóveis.
- A esposa do requerente trabalha, desde Novembro de 2006 na Sociedade de Jogos de Macau.
- A filha do requerente B, de 9 anos, está a frequentar na Escola N. S. Fátima.
- O filho do requerente, C, de 4 anos, nascido em Macau, é residente permanente da RAEM, e anda no Jardim Infantil.

Nos presentes autos, o requerente veio pedir a suspensão de eficácia do acto da declaração sem efeito da autorização da residência temporária da requerente e os seus agregados familiares na RAEM, e para tal alegando que a execução imediata do acto causaria prejuízos de difícil reparação e a suspensão não causará grave lesões para o interesse público e não se indicia ser ilegal o recurso.
Vejamos.
Como se sabe, o mecanismo de suspensão da eficácia do acto administrativo tem a natureza e a estrutura do processo cautelar, tendo como requisitos a instrumentalidade (artigo 123º do CPAC), o fumus bonni juris, o periculum in mora, e, até certo posto, a proporcionalidade.1
Para que possa ser concedida a dita suspensão da eficácia terão de satisfazer-se, cumulativamente, o pressuposto do artigo 120º e os três requisitos gerais do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Quanto ao pressuposto, veja-se o disposto no artigo 120º (Suspensão de eficácia de actos administrativos) que se diz:
“A eficácia de actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
a. Tenham conteúdo positivo;
b. Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.”
Como se vê, a suspensão da eficácia de um acto administrativo pressupõe a existência do acto de conteúdo positivo.
Os actos positivos são aqueles que alteram a ordem jurídica, relativamente ao momento em que foram praticados, e os actos negativos são aqueles que não alteram a relação jurídica preexistente, deixando-a na mesma, ou seja, na palavra do Prof. Freitas Amaral, são “aqueles que consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica”. 2
E nos presentes autos, o acto suspendendo é a declaração sem efeito a autorização da residência temporária, oficiosamente feita pela Administração, antes ao seu termo da autorização (em Janeiro de 2014). Na medida em que alterou positivamente a situação jurídica preexistente do requerente, é manifesto ser um acto de conteúdo positivo, susceptível de ser objecto da suspensão, satisfazendo o pressuposto do pedido de suspensão de eficácia.

E quanto aos requisitos, digamos o seguinte:
Prevê o artigo 121° do CPAC que:
“Artigo 121º (Legitimidade e requisitos)
1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a. A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b. A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c. Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1. a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
Em conformidade com o disposto no artigo 121º ora citado, para obter uma autorização da suspensão da eficácia de um acto administrativo deve satisfazer cumulativamente os requisitos, um positivo e dois negativos.
O requisito positivo é a possibilidade de ocorrer prejuízo de difícil reparação, enquanto os requisitos negativos a inexistência de grave lesão de interesse público pelo facto da suspensão e o não resultarem do processo fortes indícios da ilegalidade do recurso.
Quanto ao requisito positivo, o requerente alegou que, como todos os membros familiares do requerente ficariam obrigados a deixar o lugar em que se integram, por um lado, a mulher do requerente ficaria obrigada a deixar de trabalhar, e a fazer o cancelamento da matrícula da escola dos seus filhos menores.
O requerente fundamenta, para além do incómodo da vida normal integrada na RAEM, essencial pelo facto de ficar obrigado a deixar a RAEM para a sua terra original, a China, e deixar quebrar o ensino escolar dos filhos menores. Embora não concordemos com o argumento de não poder o seu filho menor, residente permanente, residir na República Popular da China (o problema seria o incomodado pelos procedimentos adminsitrativos a que eventualmente terá lugar), já não podemos deixar de lhe dar razão ao argumento de que, com a execução do acto em crise, quebrando, com certeza, a estabilidade da família que se estabeleceu desde 2005 na RAEM, ficarão os seus filhos obrigados a ausentarem da RAEM e, podendo embora o requerente e os seus filhos viver na China Interior, digamos que, com a saída da Região, os filhos ficariam obrigados de deixar o estudo no meio de ensino escolar, factores estes que assim causaria um prejuízo, não concretizáveis ou quantificáveis, prejuízo esse que não pode ser pecuniariamente reparável.
E essa possibilidade, o prejuízo de índole escolar, tem contornos de certeza, caso não suspenda a execução do acto, razão pela qual não se pode deixar de dar por verificada a existência da possibilidade de ocorrer prejuízo de difícil reparação.3

Quanto aos requisitos negativos, não se apresentam a sua verificação, pois, é óbvio que não se divisam mínimos indícios de ilegalidade na interposição do recurso, ao contrário, não é menos lícito interpor o recurso do acto administrativo que declara sem efeito da anterior autorização da residência por investimento.
Por outro lado, também não se mostra existente, nem a entidade requerida, ter alegado prova bastante de que dessa circunstância decorra grave lesão do interesse público pela sua permanência na Região até decisão do recurso.
Assim sendo, dão-se por verificados totalmente os requisitos da suspensão de eficácia do acto administrativo ora em causa, deferindo o pedido.

Pelo exposto, acordam neste Tribunal de Segunda Instância em deferir a requerida suspensão de eficácia.
  Sem custas.
Macau, RAE, aos 12 de Abril de 2012
Choi Mou Pan
Ho Wai Neng
Lai Kin Hong
Estive Presente
Macau, d.s.
Mai Man Ieng
1 Acórdão do TSI do processo 30/00/A.
2 F. Amaral, in “Direito Administrativo” III, pp. 155-156.
3 Julgou-se neste sentido no acórdão deste TSI, entre outros, no processo n° 288/2009/A.
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TSI-194/2012 Página 1