Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau
Recurso penal
N.º 36 / 2010
Recorrente: A
1. Relatório
Por acórdão do Tribunal Judicial de Base proferido no âmbito do processo n.º CR2-09-0258-PCC, o arguido A foi condenado pela prática de um crime de tráfico ilícito de drogas previsto e punido pelo art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009 na pena de 9 anos de prisão.
Inconformado com esta condenação, o arguido recorreu para o Tribunal de Segunda Instância. Por seu acórdão proferido em 3 de Junho de 2010 no processo n.º 452/2010, foi rejeitado o recurso.
Deste acórdão vem agora o arguido recorrer para este Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões nas suas alegações:
“1. O recorrente foi condenado, decisão que foi mantida, na pena de 9 anos de prisão efectiva pelo cometimento dum crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas previsto e punido pelo art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009 de 9 de Setembro;
2. Dos factos provados constantes dos autos resulta que o recorrente já preencheu os requisitos do art.º 66.º, n.º 2, al. c) do CPM (arrependimento, confissão e o esforço da reparação de danos);
3. O arguido é delinquente primário;
4. Pelo que, a pena do arguido deve ser atenuada.
5. Porém, o acórdão recorrido entende que o recorrente não preenche os requisitos do art.º 66.º, n.º 2, al. c) do CPM, e não concedeu qualquer benefício.
6. O crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas previsto e punido pelo art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009 é punível com pena de prisão de 3~15 anos.
7. A atenuação do limite mínimo da pena e a abolição da multa confere ao juiz uma maior flexibilidade na determinação da pena atendendo à culpa do agente, ilicitude da conduta e personalidade do agente;
8. Ao proferir o acórdão recorrido, o tribunal a quo não levou em consideração o facto de o recorrente ser delinquente primário, de ter mostrado arrependimento, nem o valor devido da origem dos estupefacientes e os elementos pessoais de traficantes de drogas fornecidos às autoridades de investigação criminal,
9. Pelo que, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 40.º, n.º 2 e art.º 65.º do CPM, isto é, a pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa, por outro lado, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal.
10. O recorrente entende que deve ser lhe aplicada uma pena mais leve, sendo mais adequada uma pena de 6 anos de prisão.”
O Ministério Público emitiu a resposta que consiste essencialmente no seguinte:
- Não se provou, de facto, o alegado arrependimento – e, muito menos, a prática de “actos demonstrativos” do mesmo;
- Não se mostra, nomeadamente, que a sua confissão tenha contribuído, de qualquer forma, para a descoberta da verdade;
- O facto de ser primário, por seu turno, tem um valor despiciendo;
- Em termos agravativos, há que destacar, para além da quantidade de droga apreendida, a grande intensidade de dolo que presidiu à sua actuação;
- Quanto aos fins das penas, são prementes, na hipótese vertente, as exigências de prevenção geral;
- A pena impugnada, tudo ponderado, não pode deixar de ter-se como justa e equilibrada.
Concluindo que o recurso deve ser julgado manifestamente improcedente com a consequente rejeição.
Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição assumida na resposta.
Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
2. Fundamentos
2.1 Matéria de facto
Foram dados como provados pelos Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância os seguintes factos:
“Às 10h35 de X de Abril de 2009, na zona de recolha de bagagem da salão de chegadas do Aeroporto Internacional de Macau, os agentes da PJ interceptaram o arguido A, que acabara de chegar ao aeroporto de Macau às 10h05 tendo viajado no voo n.º AKXX de Air Asia, proveniente da Malásia. Depois, os agentes levaram-no ao gabinete do aeroporto para realizar inspecção.
No gabinete do Aeroporto Internacional de Macau, os agentes da PJ encontraram no forro do fundo duma mala de cor preta-laranja de marca “LEAVES KING” do arguido A um saco plástico transparente com pós de cor de queijo no seu interior.
Após exame clínico, verificou-se que o referido pó de cor de queijo continha elementos de heroína, abrangida pela tabela I-A do DL n.º 5/91/M, com peso líquido de 2003,25 gramas (após análise quantitativa, verifica-se que a heroína tinha o peso de 1368,62 gramas).
Os referidos estupefacientes foram deixados por um indivíduo de identidade desconhecida no forro do fundo da referida mala, e entregues ao arguido A, para depois os levar para Macau e entregar a um indivíduo de identidade desconhecida contra uma retribuição de 1200 dólares americanos.
Às 11h15 do dia 4 de Abril de 2009, na PJ, os agentes da PJ encontraram na posse do arguido A 3100 dólares americanos, um telemóvel de marca SAMSUNG, um telemóvel de marca SONY ERICSSON, dois cartões SIM, duas baterias, um cartão de memória e um bilhete electrónico de avião (v. o auto de apreensão a fls. 19 dos autos).
Os referidos 1200 dólares americanos, os telemóveis (com bateria e cartões) e o bilhete electrónico de avião foram entregues por um indivíduo de identidade desconhecida ao arguido A como despesas de tráfico de estupefacientes, instrumentos de comunicação e bilhete de avião.
O arguido A praticou as condutas de forma livre, voluntária, consciente e dolosa.
O arguido A bem sabia da natureza e das características dos estupefacientes.
O arguido A bem sabia que as condutas não eram permitidas por qualquer lei.
O arguido A bem sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
O arguido A confessou durante a audiência todos os factos de forma completa e sem qualquer reserva.
De acordo com o CRC, o arguido A é delinquente primário.
O arguido A é estudante, tendo como sua habilitação literária o 2.º ano do ensino universitário. Tem uma irmã mais nova a seu cargo.
Factos não provados:
Não há factos relevantes não provados. Porém, em relação ao dinheiro apreendido, apenas 1200 dólares americanos eram destinados à tráfico de estupefacientes.”
2.2 Medida da pena
O recorrente sustenta que a pena adequada deve ser 6 anos de prisão, pois confessou os factos e mostrou arrependido, e forneceu à polícia os elementos do indivíduo que lhe pediu levar a droga a Macau, invocando o art.º 66.º, n.º 2, al. c) do Código Penal (CP).
Ora, apenas com estes factores é impossível atenuar especialmente a pena imposta ao recorrente.
Realmente, perante o caso de transporte de heroína a Macau, escondendo na camada interior da caixa de bagagem e detectada pela polícia, a confissão e o arrependimento têm pouco valor atenuativo.
E a informação fornecida pelo recorrente em nada permitir à polícia a identificação, e muito menos a possibilidade de captura, de outros responsáveis do tráfico de drogas.
Em relação às penas encontradas pelas instâncias, considerando todas as circunstâncias do caso, a pena de 10 anos e 10,000 patacas de multa segundo a lei antiga (o art.º 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M) não é desproporcional. Quanto à pena de 9 anos de prisão ao abrigo da actual Lei n.º 17/2009, o colectivo do tribunal de primeira instância já é bastante benevolente.
De qualquer modo, é a lei nova aplicável ao recorrente por ser concretamente mais favorável.
Assim, o presente deve ser rejeitado por ser manifestamente improcedente.
3. Decisão
Face ao exposto, acordam em rejeitar o recurso.
Nos termos do art.º 410.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, é o recorrente condenado a pagar 4 UC.
Custas pelo recorrente com a taxa de justiça fixada em 3 UC e os honorários de 1000 patacas à sua defensora nomeada.
Aos 21 de Julho de 2010
Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
Processo n.º 36 / 2010 1