Processo nº 985/2009
Data: 8 de Março de 2012
Assuntos: - Falta de fundamentação
- Falta de audiência prévia
SUMÁRIO
1. A falta de fundamentação traduz-se na falta absoluta formalmente dos fundamentos, será outra coisa a bondade ou não da fundamentação.
2. Pelos artigos 93.º e segs. do CPA, a lei proporciona aos interessados a possibilidade de se pronunciarem sobre o objecto do procedimento, chamando a atenção do órgão competente para a decisão para a relevância de certos interesses ou pontos de vista adquiridos no procedimento.
O Relator,
Choi Mou Pan
Processo nº 985/2009
Recorrente: Companhia de Investimento e Desenvolvimento A, Limitada
Entidade recorrida: O Chefe do Executivo da RAEM
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
À Conferência o Relator do processo apresentou o seguinte projecto:
“COMPANHIA DE INVESTIMENTO E DESENVOLVIMENTO A, LDA., sociedade devidamente identificada nos autos, vem recorrer contenciosamente do despacho do Senhor Chefe do Executivo da RAEM, datado de 03SET2009, exarado sobre informação do Departamento de Gestão de Solos da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, que declarou a nulidade do seu acto de 06OUT2005, que homologou parecer da Comissão de Terras, bem como as condições da minuta do contrato a ele anexa, parecer esse favorável ao deferimento do pedido de revisão de concessão, por aforamento, de um terreno sito na península de Macau, na Rua dos Pescadores, nºs 15 e 17, concluindo e pedindo:
1°
A Decisão Recorrida, supra identificada, foi notificada às Recorrentes, por via do ofício 435/585.05/DSODEO/2009, de 06 de Outubro,
2°
Onde se declara a “nulidade parcial, isto é, declaração de nulidade respectivas licenças de obra e a suspensão de todos os pedidos relacionados com a revisão da referida concessão, só até ao limite da quota altimétrica sugerida pelo Departamento de Planificação Urbana (DPUDEP) e autorizada Pelo despacho de S. Excelência o Chefe do executivo acima referido, isto é, até aos 63 metros de altura (equivalente aos 19 pisos). ”
3°
Existindo alguma divergência ou incompletude entre o conteúdo da notificação e a Informação 113/DSODEP/2009, a Recorrente apresentou um pedido de aclaração à DSSOPT no dia 3 de Novembro de 2009. Não tendo recebido qualquer resposta, à cautela, as Recorrentes vêm impugnar a Decisão do Chefe do Executivo, de 3 de Setembro de 2009, segundo o entendimento que para si constitui objecto do presente Recurso.
4°
De acordo com o artigo 122.º, n.º1, alínea c) do CPA, são nulos os actos «cujo objecto seja impossível, ininteligível ou constitua um crime», devendo ser à luz dos conceitos de acto e de objecto do acto que se deve analisar se o Acórdão do processo 53/2008 pode ou não servir de fundamento à Decisão Recorrida,
5°
Segundo a fundamentação do Acórdão do processo 53/2008, B foi condenado apenas e tão só por ter alegadamente interferido nos procedimentos administrativos, pelo que, e desde logo, o Acórdão daquele Tribunal não pode servir de “fundamento de direito” à Decisão Recorrida.
6°
B não realizou qualquer acto administrativo neste processo, pois o único acto administrativo é do Chefe do Executivo, mostrando-se a todos os títulos, incompreensível e infundamentado que o Chefe do Executivo declare nulo o seu próprio acto, com base no Acórdão do Procº 53/2008.
7°
Já porque o Chefe do Executivo não foi constituído Arguido no processo do nº 53/2008 nem naquele processo foram julgados actos praticados pelo Chefe do Executivo,
8°
Já porque o único arguido naquele processo foi o Ex-Secretário que não foi condenado por quaisquer actos administrativos em concreto, mas tão-só por alegadamente interferir e influenciar nos procedimentos, questão que, ao nível do direito administrativo, acarretaria apenas a sanção da anulabilidade, naturalmente sanada à data da produção da Acusação e daquele Acórdão,
9º
Assim, os actos que a Decisão Recorrida declarou nulos são actos inatacáveis do ponto de vista do direito administrativo e penal porque são actos válidos, legais e lícitos, porque os seus autores não são arguidos no processo 53/2008, porque os actos por si realizados não foram objecto de condenação pelo TUI,
10°
De facto o acto administrativo objecto da declaração de nulidade, é a homologação do Parecer da Comissão de Terras n,º 123/2005, este acto tem de ser considerado um acto absolutamente legal e lícito e um acto absolutamente inatacável quer do ponto de vista do direito administrativo quer do ponto de vista do direito penal.
11°
Este acto nem sequer tem subjacente procedimentos alegadamente inquinados, objecto do processo 53/2008, como se demonstrou e alcança da cronologia dos factos e da sua subsunção ao direito administrativo.
12°
Além disso, a homologação do Chefe do Executivo incide sobre o Parecer da Comissão de Terras nº 123/2005, e não sobre quaisquer parecer do Ex-Secretário,
13°
Porque a homologação do Parecer da Comissão de Terras nº 123/2005 e a aprovação do projecto de arquitectura não têm ligação com qualquer crime, logo não podem ser declarados nulos nos termos do artigo 122.º, n.º2, ali c) do CPA.
14°
Por outro lado, o TUI pretendeu salvaguardar expressamente os processos em que já foram proferidos despachos de deferimento. Bem sabendo o TUI que a homologação do Parecer da Comissão de Terras equivalia a um despacho de deferimento e que este acto não estava envolvido em qualquer procedimento inválido.
15°
No caso concreto da Rua dos Pescadores já tinha sido proferido despacho de deferimento, mostrando-se por isso uma situação de facto, constituindo uma decisão administrativa estabilizada, que não devia ter sido declarado nulo ainda que parcialmente, também por esta razão.
16°
Consequentemente, o Acórdão do processo 53/2008 não pode servir de fundamento para a declaração de nulidade dos actos objecto da Decisão Recorrida e também não há fundamentos administrativos para declarar o contrato nulo, como se viu.
17°
Termos em que a Decisão Recorrida deve ser anulada, por violação da lei, nos termos do previsto no art.º 124º do CPA, em virtude de se ter feito uma errada aplicação do artigo 122.º, n.ºl, alínea c) do CPA aos actos declarados nulos pela Decisão Recorrida, isto é, de declarar “nulidade parcial, isto é, declaração de nulidade respectivas licenças de obra e a suspensão de todos os pedidos relacionados com a revisão da referida concessão, só até ao limite da quota altimétrica sugerida pelo Departamento de Planificação Urbana (DPUDEP) e autorizada pelo despacho de S.Excelência o Chefe do executivo acima referido, isto é, até aos 63 metros de altura (equivalente aos 19 pisos)”. E, consequentemente, ser anulada, por violação da lei, nos termos do artigo 21.º, n.l.º, ali d) do CPAC.
Além disso,
18°
No ponto 21 da Informação 113/DSODEP/2009, alega-se que «nos termos do art. 172.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo, “Os contratos administrativos são nulos ou anuláveis, nos termos do presente Código, quando forem nulos ou anuláveis os actos administrativos de que haja dependido a sua celebração”. Pelo que, é também nula a alteração do contrato regulado pelo Despacho n.º 13/2006 do Secretário para os Transportes e Obras Públicas.»
19°
Este fundamento, de direito administrativo, não sustenta a notificação da Recorrente. No entanto, impugna-se que seja suporte da Decisão Recorrida, porquanto.
20°
O contrato foi celebrado pelo Chefe do Executivo, por via da homologação do Parecer n° 123/2005 da Comissão de Terras. E, como já se demonstrou esta homologação do Chefe do Executivo é o único acto administrativo do processo da Rua dos Pescadores e é um acto legal e lícito, não padecendo de qualquer vício ou invalidade.
21°
Assim sendo, não existem actos nulos ou anuláveis de que dependesse a celebração do contrato, pois os despachos de B são meros actos internos, despachos de remessa aos Serviços para prosseguimento da Instrução do processo, daí que tenha sido julgado por procedimentos e não por actos.
22°
Por isso, não se verificam os pressupostos previstos no nº 1 do artº 172º do CPA para que o contrato de concessão celebrado pela RAEM com a Recorrente possa ser declarado nulo por aquela via do direito administrativo.
E mais,
25°
Na Decisão Recorrida é patente, também, a falta de fundamentação do ponto de vista do direito administrativo, porquanto, nos termos do artigo 115.º, n.ºl do CPA, a fundamentação deve expor expressamente os fundamentos de facto e de direito da decisão e, para além de expressa, a fundamentação deve ser clara, congruente e suficiente
26°
Ora, Como foi demonstrado, o Acórdão do Processo n.º 53/2008 não pode servir de fundamentação à Decisão Recorrida porque os actos declarados nulos não foram objecto de qualquer crime nem objecto de qualquer condenação,
27°
Deste modo, a Decisão Recorrida violou o dever da fundamentação previsto no artigo 114.º, n.º1, ali a) e c) do CPA, temos em que a Decisão Recorrida deve ser anulada por vício de violação de lei, por falta de fundamentação, nos termos do artigo 21.º, n.1.º, ali c) do CPAC.
Finalmente,
28°
A Decisão Recorrida, para além de enfermar das ilegalidades supra alegadas, violou ainda o direito ao contraditório cujo exercício se estabeleceu por via do direito de audiência prévia e por via do princípio geral de participação dos administrados no procedimento administrativo, porquanto
29°
O Chefe do Executivo não ouviu previamente a Recorrente antes de proferir o Despacho objecto do presente Recurso.
30°
Pelo que a Decisão Recorrida padece neste ponto do vício de violação de lei, sendo a Decisão Recorrida nula nos termos do artigo 122.º, n.º2, alínea d) do CPA e do artigo 21.º, n.1.º, alínea d) do CPAC, uma vez que aquela decisão ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental que é o direito de audiência prévia tendo em vista o exercício do direito ao contraditório, antes de ser proferida a decisão final.
TERMOS EM QUE
Se requer a V. Exª que, dando provimento ao presente Recurso Contencioso, declare a anulabilidade da Decisão Recorrida, por violação da lei, nomeadamente dos Arts., 21°, 114°, 115°, 122° e 124° do CPA, nos termos supra alegados.
Citado, veio o Senhor Chefe do Executivo contestando pugnando pela improcedência do recurso.
Junta a contestação do Senhor Chefe do Executivo e apenso o processo instrutor, prosseguindo os autos, vieram quer a entidade recorrida quer a recorrente apresentar as alegações facultativas, reiterando cada um deles grosso modo os mesmos argumentos já deduzidos no petitório do recurso e na contestação.
O Digno Magistrado do Ministério Público opinou no seu douto parecer pugnando pelo não provimento do presente recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Fica assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão do presente recurso:
- Por despacho do SATOP nº 16/2004, foi autorizada a transmissão a favor da ora recorrente dos direitos resultantes da concessão, por aforamento, do terreno situado na Rua dos Pescadores nºs 15 e 17, titulados pelo Despacho nº 36/SATOP/93, com as alterações introduzidas pelo Despacho nº 72/SATOP/96;
- Terreno esse foi anteriormente pelo Despacho nº 36/SATOP/93, com as alterações introduzidas pelo Despacho nº 72/SATOP/96 concedido por aforamento a favor da Empresa de Construção e Fomento Predial Nam Fong, Lda.;
- Nos termos do qual, o aproveitamento consiste na construção de um edifício em regime de propriedade horizontal de dezoito pisos;
- Posteriormente a ora recorrente requereu a revisão dos termos da tal concessão pedindo alteração da forma do aproveitamento do terreno;
- Por despacho datado de 06OUT2005 do Senhor Chefe do Executivo, foi homologado o parecer elaborado pelo então SATOP B sobre o parecer nº 23/2005 da Comissão de Terras, versando sobre a revisão dos termos da concessão por aforamento do terreno acima referido definidos nos despachos nºs 36/SATOP/93 e 72/SATOP/96, no sentido de alterar os termos do aproveitamento do terreno, nomeadamente para a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, constituído por um pódio com seis pisos sobre o qual assentam duas torres com vinte e seis pisos de cada uma;
- Por douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância da RAEM foi condenado ex-SATOP B pela prática, inter alia, de um crime de corrupção passiva pelos factos por ele praticados no procedimento administrativo da revisão dos termos da concessão por aforamento do terreno em causa;
- No Acórdão ficou assente nomeadamente a seguinte factualidade e foram tecidas as seguintes razões de direito da condenação:
204. Consoante os despachos n.º 36/SATOP/93 e n.º 72/SATOP/96 da SSOPT, publicado em 15 de Março de 1993 e 5 de Junho de 1996 pelo Governo Português em Macau, foi autorizada a construção de um prédio com 18 andares para uso residencial, comercial e de estacionamento sobre o terreno localizado na Rua dos Pescadores n.º 15 e 17 (vulgarmente designado por Fábrica de Couro de Vaca).
205. No início do ano 2004, C decidiu, em nome da Companhia de Investimento e Desenvolvimento A, Limitada, construir um prédio que não estaria conforme os padrões fixados no Despacho n.º 72/SATOP/96 para a construção de prédios no terreno acima referido.
206. Em 23 de Março de 2004, C e outro, em nome da Companhia de Investimento e Desenvolvimento A, Limitada, entregou directamente o pedido e o plano do estudo preliminar do projecto ao Gabinete do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, pedindo alargar dez vezes maior o plot ratio do terreno em causa, a fim de poder estabelecer ali o prédio que não estaria em conformidade com o padrão fixado no despacho acima referido.
207. No mesmo dia, o arguido B proferiu o despacho: “À DSSOPT para dar seguimento”.
208. Até Junho do ano de 2004, o Departamento de Planeamento Urbanístico, não analisou ainda o referido pedido de C, nem apresentou propostas para isso.
209. Para o pedido ser autorizado pelo Governo de Macau, C resolveu aproveitar o poder e a influência do arguido B, para, através dele, interferir no respectivo processo administrativo de autorização da DSSOPT, dando-lhe certo benefício a título da retribuição.
210. Depois, C combinou com o arguido B para este intrometer e influir no respectivo processo administrativo de apreciação e autorização da DSSOPT, utilizando o seu poder para o seu pedido ser autorizado, prometendo pagar-lhe uma quantia de HKD2.000.000,00.
1.2 Os crimes de corrupção passiva imputados ao arguido – os doze assuntos ligados a C
O arguido foi acusado pelo Ministério Público pela prática de 19 crimes de corrupção passiva para acto ilícito previstos e punidos pelo art.º 337.º, n.º 1 do CP, que incidem sobre oito dos doze assuntos ligados a C. Os restantes quatro assuntos correspondem aos quatro crimes de abuso de poder previstos e punidos pelo art.º 347.º do CP. Em relação a estes quatro crimes de abuso de poder, o tribunal já notificou o arguido de que são passíveis de integrar nos tantos crimes de corrupção passiva para acto ilícito. Por isso, analisamos agora os doze assuntos ligados a C, sob o prisma do crime de corrupção passiva para acto ilícito (factos provados n.º 15 a 284).
São seguintes os respectivos assuntos:
… …
9. Projecto da obra de construção na Travessa dos Pescadores n.º 15 e 17 (vulgarmente designado por Fábrica de Couro de Vaca);
… …
Nos assuntos de n.º 1, 9, 11 e 12, o arguido aceitou e recebeu os numerários de dólares de Hong Kong prestados por C.
No entanto, nos referidos onze assuntos ligados a C, mostra-se claramente que C já tinha acordado com o arguido de que entregava primeiro os requerimentos directamente no Gabinete do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, para o arguido proferir logo despacho de deferimento nestes requerimentos, exercendo assim pressão sobre a DSSOPT, no sentido de que esta, nos procedimentos em que se tratam os requerimentos em causa, elabora as análises técnicas e pareceres de apreciação de conteúdo favorável ao deferimento dos referidos assuntos, sem cuidar da regulamentação legal e da exigência técnica. Tudo no sentido de facilitar ao arguido, na qualidade do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, a proferir parecer ou decisão de deferimento final, realizando assim os actos no âmbito das suas funções que tinha de fazer a fim de obter a contrapartida de interesse prestada por C.
Por meio de inversão dos trâmites do procedimento de apreciação administrativa, o arguido proferia logo despachos claramente com determinado sentido. O exame técnico e administrativo dos requerimentos perdeu assim o inerente efeito de controlo, tornando antes em fundamentos para o deferimento do respectivo requerimento. O procedimento de apreciação da DSSOPT transformou-se, assim, numa mera aparência, passando a ser o meio de legalização dos requerimentos que faltam base legal ou técnica e o instrumento de angariar interesses do arguido e dos corruptores, perdendo completamente o efeito de poder público de garantir a legalidade no âmbito de solo e obras.
Deste modo, ao lançar despachos de abrir processo e dar seguimento nos referidos onze assuntos, o arguido violou manifestamente os deveres que devia cumprir enquanto Secretário para os Transportes e Obras Públicas, nomeadamente os deveres de imparcialidade e justeza.
Por outro lado, com base nos factos provados, o arguido deu ainda instruções à DSSOPT nos assuntos de n.° 1, 4, 6, 7 e 9, para acelerar a respectiva apreciação e facilitar o deferimento, em consequência da contrapartida de interesses que C prometeu prestar. A actuação do arguido demonstra que este não cumpriu os deveres que devia assumir no exercício da sua competência.
Nos referidos onze assuntos ligados a C, existem situações de violação manifesta de normas legais no procedimento de apreciação em alguns destes assuntos, para além do mencionado vício de violação da lei.
- Na sequência do trânsito em julgado a condenação incorporada no mesmo Acórdão do TUI, foi por despacho do Senhor Chefe do Executivo da RAEM, datado de 03SET2009, exarado sobre informação do Departamento de Gestão de Solos da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, que declarou a nulidade do acima referido despacho de 06OUT2005 que homologou a proposta alteração dos termos do aproveitamento; e
- No momento dos factos, D (C) era sócio e representante da sociedade ora recorrente.
Atendendo ao que foi alegado e concluído no petitório do recurso e reiterado nas alegações facultativas, são as seguintes questões que constituem o objecto do presente recurso:
1. Falta de fundamentação;
2. Falta de audiência prévia; e
3. Violação da lei.
Apreciemos.
1. Falta de fundamentação
A recorrente entende que no despacho ora recorrido é patente a falta de fundamentação.
Para sustentar o seu entendimento, a recorrente a afirma que “de facto, é manifesto que a única fundamentação introduzida pela decisão recorrida é o Acórdão do TUI no processo nº 53/2008.”.
Ora, essa afirmação em si já pôs a nu a sem razão da recorrente.
Pois uma coisa é a bondade ou não da fundamentação, outra coisa é a existência ou não da fundamentação.
Ao dizer que “a única fundamentação introduzida pela decisão recorrida é o Acórdão do TUI no processo nº 53/2008”, a recorrente está a reconhecer a existência da fundamentação.
O que ela de facto quer dizer com isto é a mera não aceitação das razões de facto e de direito consubstanciada na fundamentação.
Aliás, ao contrário do que defende a recorrente, a proposta sobre a qual foi proferido o despacho ora recorrido contem a seguinte análise e sugestões propostas, que acabaram por ser todas acolhidas:
17. 根據終審法院2009年4月22日有關第53/2008號案件的裁決,前運輸工務司司長於澳門漁翁街XX號及XX馬路地段(俗稱"XX")的建築發展項目中受賄作不法行為。(附件15 )
18. 根據《行政程序法典》第122條第2款c)項的規定,構成及源自犯罪的行政行為屬無效行為。根據該法典第123條第2款的規定,可宣告該項行政為無效。(附件16 )
19. 按終審法院在第53/2008號案卷作出的裁判,證實上述的建築發展項目涉及前司長B受賄而作出的不法行為,因此,行政長官 閣下於2005年10月6日,按第123/2005號土地委員會意見書所述的依據及附於該意見書的合同擬本條款,作出上述土地批給修改的許可行為屬無效,因為根據《行政程序法典》第122條第二款c)項的規定,源自犯罪的行政行為屬無效行為。根據該法典第123條第二款的規定,行政長官 閣下可宣告該項行政行為無效。
20. 由於按《土地法》第125條第二款及《行政程序法典》第120條第三款的規定,上述許可行為在《澳門特別行政局公報》公佈後方產生效力,因此宣告其無效的行為也須在《澳門特別行政區公報》公佈。
21. 《行政程序法典》第172條第一款規定:「訂立行政合同所取決之行政行為無效或可撤銷時,該行政合同亦為無效或可撤銷,且適用本法典之規定」。因此,第13/2006號運輸工務司司長批示所規範的土地批給修改合同也屬無效。
22. 根據2009年7月14日第759/DPU/2009號內部通訊(附件17),城市規劃廳建議宣告前運輸工務司司長於2004年11月15日在第76/DPU/2004號報告書上的批示及跟進續後程序的許可行為無效。
27. 綜上所述,現呈上本報告書予 閣下考慮,並建議如下:
27.1 行政長官根據《行政程序法典》第122條第二款c)項及第123條第二款的規定宣告其於2005年10月6日,按第123/2005號土地委員會意見書所述的依據及附於該意見書的合同擬本條款,作出上述土地批給修改的許可行為無效,並維持澳門漁翁街XX號地段的批給受第36/SATOP/93號批示、第72/SATOP/96號批示及第16/2004號運輸工務司司長批示規範,同時按行政程序法典第123條第3款及第8條的規定,容許承批人暫時保留已建成的建築結構,但承批人必須按該區的城市規劃條件進行土地利用;
Obviamente não há falta da fundamentação do despacho recorrido.
Não merece portanto essa parte do recurso de mais considerações, é de a julgar improcedente.
2.Falta de audiência prévia
A recorrente imputa ao despacho ora recorrido a preterição do seu direito ao contraditório, consagrado nos artºs 10º e 93º do CPA.
Ao consagrar o princípio da participação, o artº 10º do CPA, reza:
Os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respectiva audiência, nos termos deste Código.
Ao passo que o artº 93º/1 estabelece:
Salvo o disposto nos artigos 96.º e 97.º, concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.
É verdade que não estão em causa nos presentes autos as situações previstas nos artº 96º e 97º do CPA.
Todavia, nem por isso se deve levar ao extremo o alcance do direito à participação e o direito ao contraditório, por forma a considerar que a simples constatação de ter sido preterida a audiência prévia implicaria como efeito automático a invalidade do acto, pois há que apurar se os interesses e valores que visam tutelar os tais preceitos estão postos em causa.
Ora, o princípio da participação e a formalidade da audiência prévia visam a que, depois de instrução, o particular interessado possa vir ao procedimento tomar posição quanto às questões a resolver.
In casu, estamos perante um acto de declaração ex oficio de nulidade de um acto administrativo, cuja ilegalidade geradora da nulidade foi detectada pela Administração no exercício das suas funções administrativas.
E nos termos impostos pelos artºs 122º/2-c) e 123º/2 do CPA, a Administração está vinculada a essa declaração, pois por força do princípio da legalidade, a que a Administração não pode deixar dever obediência.
In casu, atendendo às razões de facto e de direito, não se vê quê utilidade tem a audição prévia da recorrente, face à condenação do ex-Secretário pela decisão condenatória proferida pelo Venerando TUI já trânsitada em julgado, uma vez que essa condenação não deixa outra alernativa à Administração que não seja a declaração da nulidade do acto administrativo anterior viciado por factos qualificados como crime naquela douta decisão.
Vistas as coisas sob outro prisma, como face ao preceituado no artº 122º/1-c) do CPA, a decisão ora recorrida não resultou, nem podia resultar de uma escolha discricionária entre várias alternativas de actuação permitidas na lei, não há um espaço de conformação administrativa que requer ou se compatibiliza com a participação ou cooperação por parte de particulares interessados.
Assim, a eventual audição da recorrente é inócua e sem qualquer utilidade.
Desta maneira, não obstante a preterição da audiência prévia, inexiste motivo para anular o acto ora recorrido.
3. Violação da lei
Como argumento principal, a recorrente alega que o acto e os actos subsequentes declarados pelo despacho recorrido não constitui qualquer crime e que ao declarar a nulidade desses actos com fundamento no artº 122º/2-c) do CPA, a entidade recorrida está a violar a lei.
Tal como vimos nas conclusões formuladas pela recorrente no petitório do presente recurso contenciosos, na óptica da recorrente, como o condenado B naquela decisão do TUI não praticou qualquer acto administrativo no procedimento administrativo da concessão por aforamento do terreno em causa, mas sim o único acto administrativo praticado é o do Chefe do Executivo que homologou o parecer da Comissão de Terras nº 123/2005 e este acto tem de ser considerado um acto absolutamente legal e lícito e um acto absolutamente inatacável quer do ponto de vista do direito administrativo quer do ponto de vista do direito penal.
Aqui a ora recorrente limitou-se a tecer as suas considerações ignorando de todo em todo a matéria de facto provada no processo nº 53/2008 na parte que diz respeito às vicissitudes ocorridas no procedimento administrativo visando à alteração dos termos do aproveitamento do terreno sito na Rua dos Pescadores.
Ora, basta uma leitura do fragmento da matéria acima transcrita, salta à vista que foi o ex-Secretário B que, em contrapartida do numerário que recebeu de D, andava a influenciar, orientar e até comandar, directa ou indirectamente e ilicitamente todos os trâmites, os termos e o sentido de cada um dos actos integrantes do procedimento, que culminou com a elaboração de um parecer da sua autoria, sobre o qual o Senhor Chefe do Executivo lançou o despacho homologando o parecer da Comissão de Terras.
É verdade que se trata de matéria de facto num outro processo.
Todavia, nos termos do disposto no artº 578º do CPC, aqui aplicável por força da remissão expressa do artº 1º do CPAC, a condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime.
Não tendo essa matéria sido objecto de impugnação em sede da presente lide recursória, é totalmente oponível à ora recorrente.
Pelo exposto, é de concluir que bem andou o Senhor Chefe do Executivo ao declarar ex oficio a nulidade do seu acto na sequência do trânsito em julgado da condenação do ex-Secretário B.
Tudo visto, resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente pela improcedência do recurso, com a taxa de justiça fixada em 20 UC.
Notifique.
RAEM, 23FEV2012”
(Fim da transcrição)
Na votação do projecto saíu vencido o relator, por a maioria não concordou com o entendimento do projecto que defende a não necessidade de proceder a audição prévia do interessado quando a Administração tomou a decisão de declaração da nulidade respectivas licenças de obra e a suspensão de todos os pedidos relacionados com a revisão da referida concessão, face à condenação do ex-Secretário pela decisão condenatória proferida pelo Venerando TUI já trânsitada em julgado, uma vez que essa condenação não deixa outra alernativa à Administração que não seja a declaração da nulidade do acto administrativo anterior viciado por factos qualificados como crime naquela douta decisão.
Sobre a mesma quesão no caso idêntico este Tribunal de Segunda Instância tinha pronunicado no acórdão proferido em 27 de Outubro de 2011 no processo nº 731/2009, de que é relator o aqui segundo Juiz Adjunto e que tinha os seguintes fundamento essenciais, merecedores a nossa adesão para a decisão do presente:
“...
5. Da preterição do direito de audiência prévia dos interessados
5.1. Suscitam os recorrentes uma ilegalidade no âmbito do processo que culminou com o despacho ora impugnado, concretizada no facto de não terem sido previamente ouvidos.
Terão visto, ao abrigo do disposto nos arts. 93º e seguintes do C.P.A., o seu direito de audição prévia ser totalmente desrespeitado,
Estando em causa não só o seu direito de informação, como também a possibilidade de exercer de forma efectiva e conveniente o seu direito ao contraditório.
E isto, uma vez que esta inexistência de audiência dos interessados não se verificou sob a égide protectora do art. 96º do C.P.A., que regula taxativamente quais as situações em que tal dispensa pode ocorrer,
Donde defenderem a anulabilidade do acto por preterida uma formalidade essencial no que ao andamento do procedimento administrativo concerne, face ao disposto nos artigos 10º e 124º do C.P.A.
5.2. Basicamente defende a entidade recorrida que tratando-se de acto de declaração de nulidade de acto anterior, a Administração encontrava-se vinculada a essa declaração, pelo que os eventuais factos, motivos ou razões a apresentar na sede pretendida se mostrariam irrelevantes e inócuos, nunca passíveis de alterar o sentido desse acto, pelo que aquela formalidade se mostraria degradada, não se devendo a Administração prestar, como é óbvio, à prática de actos inúteis e que só faria sentido ouvir os recorrentes se estes pudessem contribuir para uma outra decisão através de uma efectiva e real possibilidade de apresentação de factos, razões ou motivos susceptíveis de poderem inverter essa declaração de nulidade.
A Administração encontrar-se-ia vinculada a essa declaração, pelo que os eventuais factos, motivos ou razões a apresentar na sede pretendida se mostrariam irrelevantes e inócuos, nunca passíveis de alterar o sentido desse acto, pelo que aquela formalidade se mostraria degradada, não se devendo a Administração prestar, como é óbvio, à prática de actos inúteis.
5.3. Vejamos.
Subjacente à posição da Administração relevaria o princípio do aproveitamento dos actos administrativos.
Em termos simples, como acto seria vinculado, a declaração de nulidade seria inelutável, para quê ouvir os interessados.
Tal como a própria entidade recorrida reconhece, o fim legal dessa formalidade, autonomizada na estrutura do procedimento pelos artigos 93.º e segs. do CPA, é o de proporcionar aos interessados a possibilidade de se pronunciarem sobre o objecto do procedimento, chamando a atenção do órgão competente para a decisão para a relevância de certos interesses ou pontos de vista adquiridos no procedimento.
Este direito de audiência prévia só é assegurado se se traduzir numa possibilidade real e efectiva de apresentar factos, motivos, argumentação e razões susceptíveis de constituir, tanto uma cooperação para a decisão, como também elementos de um controlo preventivo por parte do particular em relação à Administração.1 O direito a ser ouvido tem uma dimensão funcional que se traduz na contribuição do particular para o apuramento dos factos relevantes mas tem também uma dimensão garantística2.
Na primeira valoriza-se o facto de os particulares carrearem para o procedimento as informações necessárias à decisão com vista à sua instrução completa, através de um procedimento dialogante, favorecendo-se igualmente a legitimação das decisões. Na última concretiza--se a participação dos interessados enquanto indivíduos portadores de interesses próprios que importa salvaguardar no procedimento, permitindo-lhes que transmitam o seu ponto de vista sobre o caso em apreço, de modo a não os reduzir a meros objectos da actividade administrativa.
Em qualquer das suas dimensões trata-se de um meio de que os particulares dispõem para desde logo controlar e influenciar a actividade da Administração comunitária numa fase em que a decisão ainda não está tomada.
Encerra uma ideia de pacificação social, evitando uma conflitualidade judicial3, não só pela maior aceitabilidade da decisão que proporciona4, mas porque permite igualmente um auto e hetero-controle, fazendo ponderar interesses que contrapostos no procedimento poderiam levar a outra decisão e que de outro modo não chegariam ao conhecimento da Administração. Esta intervenção permite que os particulares possam defender o seu ponto de vista “podendo moldar, afinal, o conteúdo da decisão que os vai afectar”5 limitando-se assim a margem de livre apreciação do órgão decisório. De facto a participação dos interessados não cumpre, por si só, o objectivo que se pretende porquanto deve ser igualmente obrigatória a ponderação do seu resultado pela entidade decisora. Como o próprio nome indica a audiência deve ser prévia a uma tomada de decisão e depois de se terem reunido os elementos necessários que irão servir de base à decisão.
Limita-se assim a discricionariedade administrativa quer quanto ao tipo de actos instrutórios a levar a cabo quer ao conjunto de interesses a ponderar. A crescente “porosidade” legislativa ao permitir ampla margem de apreciação ao órgão decisor deve exigir também uma crescente participação procedimental de modo a obter-se um completo apuramento formal dos interesses a prosseguir e consequentemente uma decisão materialmente correcta.
5.4. Estamos assim em condições de afirmar a necessidade da audiência prévia dos interessados neste procedimento.
Argumenta-se no sentido de que, tratando-se de um acto de declaração de nulidade de um acto anterior, o poder exercido pela Administração tem natureza estritamente vinculada, sendo que o acto em situação alguma poderia ter outro conteúdo decisório.
Parte-se assim do pressuposto de sendo o acto efectivamente nulo apenas haveria que constatar essa nulidade, que como é sabido se impõe a todos independentemente de declaração expressa nesse sentido, pelo que a falta de audiência dos recorrentes se mostrava irrelevante visto não poder em caso algum alterar o sentido do acto, degradando-se esta formalidade, neste caso, em não essencial.
Esta posição, reconhece-se, não deixa de ter até apoio nalguma Jurisprudência comparada.6
Mas será assim?
Desde logo em sede de actos vinculados aquele entendimento não é pacífico, contrapondo àquela decisão da Jurisprudência comparada, outras que vão em sentido contrário.
Assim, “não basta, para concluir pelo carácter não invalidante da omissão de audiência imposta pelo art. 100º do CPA (audiência prévia) que o acto tenha sido proferido no exercício de poder vinculado.”7
Em termos meramente comparados, é esta a posição do Pleno da secção do CA da STA.
Não estando sós no entendimento da necessidade de audiência prévia na situação presente, a questão que, independentemente do mais, desde logo se coloca, é se estamos perante um caso de decisão absolutamente vinculada.
Na certeza de que mesma a Jurisprudência que vai naquele sentido é clara enquanto afirma a inevitabilidade jurídica do acto impugnado.8
Não se acompanha a posição que vai no sentido de considerar sequer que haja uma inevitabilidade no caso em apreço.
Ainda antes disso, entendemos que a previsão da al. c) do n.º 1 do art. 122º do CPA já citado não abarca a situação sub judice.
São nulos os actos cujo objecto constitua um crime.
Qual é o acto? O do Exmo Senhor ex-Chefe do Executivo.
Qual é o crime? Foi o da corrupção passiva de um ex Secretário que a montante recebeu dinheiro no âmbito do procedimento que conduziu à troca do terreno.
Ora, é manifesto que o crime praticado está fora do objecto do acto impugnado.
Que está relacionado, sem dúvida, mas este relacionamento parece ir para além da previsão normativa, mesmo na asserção mais ampla da doutrina já acima citada que atende a um envolvimento entre o autor do acto e o crime praticado.9
Torna-se necessário que o que se decide em si constitua um crime, ou num entendimento mais amplo que esse envolvimento implique uma viciação do acto.
Quoad est demonstrandum.
Desde logo, importa ter presente que os recorrentes não foram julgados no processo do TUI e que a decisão aí proferida não faz caso julgado em relação a eles.
Não é certo que os factos, motivos e razões que os recorrentes poderiam trazer ao processo em circunstância alguma fariam inflectir a Administração.
Não se pode fazer esse juízo ou pelo menos o legislador não permite que o façamos.
Defende até a entidade recorrida que essa factualidade e argumentação é a trazida agora ao processo e como se vê nada adianta quanto à dita declaração de nulidade.
Não estamos certos desta asserção em termos abstractos.
A ter como bom este argumento então seria o Tribunal que estaria a reconhecer a justeza da declaração de nulidade e o que se pretende é fazer ver à Administração que essa declaração não devia ser eventualmente tomada.
Estar o Tribunal a precipitar agora um juízo de certeza quanto à questão de fundo, isto é que a declaração de nulidade seria inexoravelmente tomada, afigura-se um desacerto em termos lógicos e cronológicos.
É que se defende a validade do contributo dos interessados para essa tomada de posição só depois dessa intervenção e perante a posição tomada se pode emitir um juízo sobre a bondade da decisão tomada.
Enquanto esse procedimento se não mostrar regularizado afigura-se que se está a precipitar um juízo que deve levar em linha de conta uma decisão tomada avaliando todos os elementos, onde se inclui a posição da parte.
É verdade que se trata de uma declaração de nulidade e que a existir não deve deixar de produzir efeitos ex tunc e a declarar oficiosamente.
Só que essa declaração de nulidade pode deixar de se verificar se porventura houver outro entendimento.
E não deixamos de salientar que a declaração de nulidade não deve ser proferida levianamente, não é uma evidência e dar a qualquer entidade ou a qualquer Tribunal a competência para declarar erga omnes a nulidade de um acto pode pôr a ordem jurídica em grave risco...10
O Tribunal não se pode substituir à Administração, pois que o acto impugnado é o da Administração e só a ela lhe cabe proferir decisão, respeitando as formalidades que se reputam essenciais e não se mostram degradadas.
Imaginemos uma acção em Tribunal em que o A. pede a declaração de nulidade de um determinado contrato. Tal pedido ou apreciação, se oficiosa, poderá ser tomada sem mais, sem ouvir a parte interessada na sua não declaração. É evidente que não. E se assim é para o Tribunal não se vê razão para que o não seja para a Administração.
Donde termos no caso presente esta formalidade como essencial.
6. Do conhecimento da nulidade
6.1. Retomemos esta questão já acima abordada, tendo tomado já posição quanto à não pronúncia sobre a existência ou não da nulidade do primeiro acto, de forma a justificar eventual possibilidade de se prescindir de tal formalidade.
O que assentaria na inevitabilidade da nulidade do acto que se evidenciaria como absolutamente vinculado.
Poder-se-ia até anuir a um entendimento que à partida fosse no sentido da nulidade visto o tal envolvimento da troca de terrenos no crime de corrupção julgado no TUI.
Mas isto é para o que aponta a apreciação substantiva com os elementos disponíveis.
Pensemos noutra perspectiva, na de se deverem ponderar outros elementos ainda não aduzidos ou outros que desde já se evidenciam como o facto de os agentes activos do aludido crime de corrupção passiva não terem sido ouvidos no processo, no facto de correr ainda o processo em que se julgam os corruptores, em tese abstracta na possibilidade de um desfecho contrário ao que comprovado foi naquele processo, que o mencionado envolvimento ou conexão assume contornos diferentes daqueles que ficaram expressos no despacho recorrido, nomeadamente que a referência a esse envolvimento se preenche de forma diferente, sendo certo que nele não se encontram externadas as razões vertidas nos pareceres a que anuiu o despacho em crise.
Como já se disse a Administração não estaria vinculada às regras do caso julgado para se pronunciar como se pronunciou. Mas essa é outra questão; o que parece é que não se pode suprimir uma etapa fundamental do procedimento, não pode deixar de dar a palavra ao interessado, sob pena de violação de um direito legalmente consagrado.
Teve porventura o interessado hipótese de ilidir aquela presunção de culpa, de responsabilidade, de lesão do interesse público?
Para não já falar na configuração de um resultado absolutório em relação no processo em que responda como corruptor activo, o que por si só também não seria definitivo em termos de exclusão da nulidade assacada ao primitivo acto.
6.2. Invoca-se ainda um argumento que à primeira vista parece impressionar. É que, seguindo o entendimento dos recorrentes, jamais seria possível anular um acto nulo, por falta de cumprimento do artigo 93.º do CPA.
Mas tudo se resolve se atentarmos que se trata de objectos diferentes: o objecto da nulidade é o primeiro acto e o da anulabilidade o segundo acto. Nada choca se considerarmos que se o segundo acto for anulado por razões de forma, o primeiro acto se mantenha erecto até que definitivamente declarado nulo, se o tiver de ser. Imaginemos, por absurdo que o despacho recorrido dizia simplesmente que o primeiro acto era nulo. Flagrante se evidenciaria uma falta absoluta de fundamentação. Só por esse fundamento não podia ser anulado? É óbvio que não.
7. Estamos, pois, em condições de julgar o presente recurso contencioso, no sentido da sua procedência por falta de preterição de uma formalidade essencial, qual seja a da audiência prévia do interessado, devendo essa formalidade ser assumida e efectivada no procedimento, só assim se estando em condições de apreciar da questão de fundo, ou seja da efectiva verificação da nulidade do acto.
Presumir que numa situação como na presente a posição da parte de nada serve, nada conta, parece muito perigoso e pode-se dar um sinal errado conducente à supressão de uma das garantias fundamentais dos administrados perante a Administração e que se traduz no direito a serem ouvidos sempre que esse direito não se mostre excluído.
Mesmo não se prevendo uma situação expressa de exclusão da audiência prévia no caso sub judice admite-se que tal fosse dispensável perante uma situação de inevitabilidade, de decisão absolutamente vinculada. Só que não parece ser essa a situação presente.
Este argumento também vertido na Jurisprudência comparada, enquanto se reconhece que o legislador não previu os casos absolutamente vinculados como causa de exclusão da audiência prévia.. “Tomar posição antecipada seria julgar também por antecipação, que a audiência, nos casos considerados pela Administração como de exercício de poderes estritamente vinculados podia ser dispensada ou que a ela não havia lugar. Mas essas situações não se encaixam em nenhuma das previsões do artigo 103º do CPA.”11 Mutatis mutandis, art.º 96º do nosso CPA.
E mesmo noutras situações em que se possa estender uma dispensa de audiência por analogia, não encontramos uma situação justificativa dessa dispensa no caso sub judice.12
Pelas apontadas razões eximir-nos-emos a conhecer da questão relativa à nulidade do primeiro acto e assim ao vício de violação de lei referente aos respectivos pressupostos de facto e de direito, por se entender que o procedimento em falta é necessariamente prévio a tal conhecimento.” (Fim da citação)
Resumindo, primeiro, dos autos nada podemos afirmar sem qualquer margem para dúvida que resulta nitidamente a aplicação da situação da nulidade prevista no art. 122º, nº2, al. c), do Código de Procedimento Administrativo, pois, esse dispositivo legal dispõe muito claramente que se determinará a nulidade do acto administrativo que vise a prática de um crime ou cujo objecto em si mesmo constitua um crime. Segundo, a invocada nulidade com fundamento naquele normativo não podia constituir razão para se omitir a audiência prévia dos recorrentes, independentemente de ser ou não um caso de actuação vinculada da Administração no decretamento da referida nulidade, a Administração não estava disposto nas situações previstas quer nos termos do artigo 96° quer artigo 97° do Código de Procedimento Administrativo, em conformidade com as quais pode não proceder ou estar a dispensada a procedência da audição prévia dos interessados.
Com estes fundamentos essenciais e os a que nos aderimos, é de julgar procedente o recurso contencioso, anulando o acto recorrido por preterição da audiência prévia dos interessados, ao abrigo do disposto nos artigos 93º e 124º do CPA.
Decididas estas questões, fica prejudicada a apreciação do mérito da questão, nomeadamente a questão da nulidade do acto, objecto do acto ora recorrido.
Pelo exposto, acordam neste Tribunal de Segunda Instancia em conceder provimento ao recurso contencioso, anulando o acto recorrido.
Sem custas por delas estar isenta a entidade recorrida.
Macau, 8 de Março de 2012
Choi Mou Pan Presente
João A. G. Gil de Oliveira Vítor Coelho
(Enquanto relator, fiquei vencido por razoes já expostas no projecto de Acórdão que apresentei e submeti à conferencia e que foi integralmente reproduzido no Acórdão que antecede.
Lai Kin Hong
1 - Vamos enquadrar este direito dos administrados à luz do estudo de Carla Vicente, Gabinete de Documentação e Direito Comparado da Procuradoria-Geral da República, no âmbito do Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Comunitárias que decorreu na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, no ano de 1999/2000
2 -. Sérvulo Correia , “O direito à informação e os direitos de participação dos particulares no procedimento e, em especial, na formação da decisão administrativa”, in Cadernos de Ciência de Legislação n.º 9/10, INA, 1994, 151
3 - David Duarte, Procedimentalização, participação e fundamentação: para uma concretização do princípio da imparcialidade administrativa como parâmetro decisório, Almedina, Coimbra, 1996,. 41 e 168.
4 - Paulo Otero faz, no entanto, notar certas opiniões que vão no sentido oposto: a informação prévia da decisão origina a dealização de uma decisão por parte do administrado a qual como nem sempre coincidirá com a decisão final pode fomentar a discórdia e resistência à decisão, cit., p. 268.
5 - Jorge Miranda, “O Direito de informação dos administrados”, in O Direito n.º III/IV, 1988, 459.
6 - Proc. 046825, sdo STA, de 1/2/2001
7 - Ac. STA de 09/02/1999, proc. 039379 e no mesmo sentido o Ac. do STA, proc. 041191, de 27/09/2000
8 - Ac. do STA, proc. 0974/08, de 25/02/2009
9 - cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, ob. e lugar citados
10 - Esteves de Oliveira e outros, ob. cit., 634
11 - Ac. STA 0787/10, de 6/9/2011
12 - Pedro Machete, Audiência dos Interessados no Procedimento Administrativo, Universidade Católica, 1996, 476 e segs
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TSI-985-2009 Página 1